Recensão Crítica ao Livro : \" A Fénix Islâmica :O Estado Islâmico e a reconfiguração do Médio Oriente \"

June 1, 2017 | Autor: Johnny Martins | Categoria: Isis Cult, Islamic State
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Ano Lectivo 2015/2016

Mestrado de História, Relações Internacionais e Cooperação - Problemáticas do Mundo Árabe e Médio Oriente



Recensão Crítica ao Livro : “A Fénix Islâmica :O Estado Islâmico e a reconfiguração do Médio Oriente”



Discente : Johnny Martins Docente : Professora Marta Silva

Livro Napoleoni, Loretta “A Fénix Islâmica : O Estado Islâmico e a reconfiguração do Médio Oriente” ,Tradução ~ Isabel Castro Silva. Editora Ítaca, Lisboa. 1º Edição 2015. ISBN : 978-989-99470-0-9

Autora Nascida em Roma, Itália, no ano de 1955, Loretta Napoleoni ao longo da sua vida adquiriu através dos seus estudos e carreira profissional um conjunto de competências no ramo da economia, política e jornalismo.1 À mais de vinte anos que se dedica ao estudo do terrorismo. Como autora publicou diversos livros, destacandose o seu primeiro, Terror Incorporated : Tracing the dollars Behind the Terror Networks, publicado em 2005, um best-seller traduzido em 12 línguas. Colaborou igualmente com o instituto internacional de antiterrorismo israelita; segurança interna do Estados Unidos da América; exército Turco e a política da Catalunha. No ano de 2005 presidiu e organizou a conferencia internacional de Terrorismo e democracia que decorreu no Club de Madrid, em Espanha.

1 https://en.wikipedia.org/wiki/Loretta_Napoleoni

Introdução Lorreta Napoleoni propõe na sua obra apresentar ao leitor uma breve contextualização da conjuntura geopolítica e socioeconómica da região do Iraque e Síria criada pelas incursões do Estado Islâmico e a progressiva conquista territorial que alcançou nos últimos cinco anos. O livro acompanha genericamente, mas de forma concisa e com atenção ao detalhe, o eclodir do Estado Islâmico, num quadro temporal de aproximadamente um quartel de século, 1990 - 2014. A primeira década explora as raízes do primeiro líder (não-oficial) Al-Zarqawi, considerado o antecedente de Al-Baghdadi. Al-Zarqawi ,segundo Napoleoni,

deixou o legado

ideológico e é apreendido como causador de reacender “o antigo e sangrento conflito entre sunitas e xiitas enquanto táctica instrumental para o nascer do califado” (Napoleoni, 2014:pág.26). Al-Baghdadi, atual líder do EI, sobreviveu a quatro anos de guerra pela liderança da Al-Qaeda do Iraque, que se transformou posteriormente no Estado Islâmico. O ano de 2010 marca a oficialização do Estado Islâmico enquanto grupo armado. Quatro anos foram suficientes para os mesmos declararem a instauração de um Califado na região denominada de Iraque e Levante. Importa agora, salienta Napoleoni, apreender o modus Operandi ( i.e. objetivos políticos e económicos; métodos de recrutamento; uso das redes sociais como meio de propaganda e recrutamento; métodos de financiamento; guerra por procuração) do grupo armado e qual a relevância das forças políticas externas, que em muito interferiram no processo. Em relação aos objetivos com a presente obra, a autora consciente das limitações que a contemporaneidade do tema gera (especialmente a escassez de fontes e a necessidade de aprofundar intelectualmente, com visão crítica e imparcialidade as existentes), quer, ciente dos limites, providenciar uma história contextualizada do fenómeno do Estado Islâmico, incógnito para muitos. Como chegámos a este ponto? (pág.25) ; Que acontecimentos precederam e motivaram a sua criação?; Que motivos ideológicos movem os seus apoiantes?; O que pode explicar a aparente ingenuidade e inatividade das forças Ocidentais aquando do início da expansão territorial do EI?. Estas são algumas das questão pertinentes que Napoleoni tenta elucidar e objetar ao longo da obra.



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Apesar do rigor teórico e honestidade intelectual que a autora emprega ao longo do livro, este é acessível a qualquer grupo do corpo social que detenha especial apreço pela temática debatida. O uso de fontes (111 no total) é uma constante , maioritariamente primárias e secundárias. Também se encontra disponível um glossário no final do livro onde estão expostos alguns resumos sumários de abreviaturas e eventos /personalidades usados ao longo obra. De um prisma metodológico pode-se classificar de tipo qualitativo, onde são aplicados, essencialmente, dois métodos de pesquisa ; teórico e de campo ( Rodrigues, 2007 : 3), o último por, como previamente referido, se tratar de um tema atual onde a autora vê-se na obrigatoriedade de, por vezes, se basear na observação dos factos como ocorrem, inclusive ao longo da redação do livro (Ibidem : 4), promovendo a criação de pressupostos e hipóteses teóricas para explicar as ações perpetradas pelo EI (Estado Islâmico). O livro prolonga-se ao longo de 135 páginas , divididas em oito capítulos com um vasto número de curtos subcapítulos, que seguem uma estrutura tendencialmente temporal. A autora não negligenciou a importante máxima para a análise do presente que, segundo palavras de Marc Bloch, para o apreendermos é imperativo regressar ao passado e recolher informação que nos permita exercer um olhar critico para os acontecimentos hodiernos. Citando Napoleoni, “(...) o Estado Islâmico apresenta-se não como uma nova espécie de terrorismo, mas como uma mutação das suas anteriores encarnações” (pág.24).

Análise Crítica Ao encetar a obra um dos factores que o leitor se depara é quantidade de subtítulos embutidos nos oito capítulos principais. Dezanove é o número total. A autora consegue de forma hábil manejar a inclusão de vários temas e correlacionar com o tema principal. Todavia, no decorrer do livro denota-se a falta de um elo de ligação entre alguns subcapítulos, criando ocasionalmente um desmembramento do discurso com o tópico principal. O argumento central da obra incide sobre a ascensão do Estado Islâmico e, como todos os fenómenos, em

especial de organizações terroristas, têm raízes

ideológicas e objectivos que são consequência de eventos do passado e no caso do EI

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o factor ideológico influência com enorme vigor as estratégias por estes encetadas. Napoleni refere que “territorialmente, o plano consiste em recriar o antigo Califado de Bagdade – que, nos seus dias de glória, antes de ter sido destruído pelos em 1258, se estendia da capital iraquiana à moderna Israel-, em termos políticos o objectivo do Estado Islâmico é o de conceber uma versão do califado para o século XXI” (pág.16). A autora ao longo da obra insiste nos condicionantes e dificuldades que o Estado Islâmico se depara na construção do chamado “nation-building”2(pág.38), conceito destacado ao longo do livro. Um dos objetivos que Napoleoni reflete e tenta decifrar, através de comparações com outros grupos militares como a OLP3 que “formara com êxito um Estado-Concha4 depois de se tornar independente dos seus financiadores” (pág.37), é se o EI vai triunfar com o moroso processo de construir uma nação. Atualmente, o “Estado Islâmico descobriu que o modelo do EstadoConcha era o veículo perfeito para atingir o ambicioso objetivo de construção de uma nação que é a recriação do califado” (pág.57). A temática da construção de uma nação vai intercalando por entre os diversos capítulos, progredindo com problemáticas que considera fulcrais para atingir esse fim. Napoleoni no seu livro, expecto algumas melhorias que poderiam ser efectuadas na composição e localização de alguns subcapítulos, como anteriormente referido, mantém uma coerência na estrutura e lógica que permite uma compreensão acessível da problemática. A modernidade e os desafios para o Estado Islâmico constitui uma temática discutida pela autora onde o vocábulo adaptação é a palavra-chave e uma das característica de maior importância do grupo militar. É conhecido o apreço que têm pelas redes sociais e como se tornou o principal meio de recrutamento e disseminação de propaganda pelo EI. Napoleoni ao longo do “Capítulo IV – A Fénix Islâmica” (pág. 65) incide nestas duas temáticas e tece críticas aos serviços secretos das forças ocidentais que parecem incapazes de controlar a difusão de ideologias no mundo digital, interrogando-se o que está a “NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA) a fazer com as transições das nossas chamadas telefónicas e e-mails se não tem

2 Entenda-se por “Nation-Building” o processo da construção de um País onde os seus cidadãos sentem uma empatia mútua com a identidade nacional e possuem objetivos conjuntos, não se querendo separar. (Alesina, Reich, 2015) 3 Organização para a Libertação da Palestina (OLP). 4 De acordo com Loretta Napoleoni um "Estado-Concha” no modelo tradicional, a guerra é a única fonte de rendimento e a economia prevalece sobre a política. (Pág.48)



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conseguido interceptar as inúmeras comunicações entre ocidentais que planeavam partir para o califado nem prender esses potenciais combatentes.” (pág.70). A autora, numa característica visível ao longo do livro, tece críticas às forças politicas e orientais ( em especial países limítrofes do território que alberga as forças do EI). Mostrando desta forma clara imparcialidade na abordagem do problema, manifestada igualmente no uso das fontes com um número equilibrado bibliografia proveniente do mundo ocidental e do mundo árabe, abrindo a contingência ao leitor de conhecer pontos de vista divergentes. Napoleoni culpabiliza ambas as forças políticas por promoveram e financiarem a continuidade da guerra por procuração na Síria [do inglês ‘Proxy-Wars’ 5 ]. O Estado Islâmico vê nestas guerras uma oportunidade de

assimilação nos seus batalhões dessas forças opositores que,

geralmente, se encontram em menor número. Segundo a autora a “proliferação de grupos financeiros teve um efeito perverso, ao produzir um vasto número de organizações armadas fracas e pequenas” (pág.45). A consequência foi a rápida conquista territorial conseguida pelo EI, apropriando-se de recursos naturais e regiões geográficas estratégicas, intensificando a sua presença na região, dificultando o seu desmembramento. A componente ideológica e religiosa é aprofundada no final do livro, no Capítulo VI – “Salafismo radical” (pág.87) e VII – “Os novos mongóis” (pág.91). Denota-se a visão crítica de Napoleoni que insiste em desmistificar alguns julgamentos comuns e , usualmente, sem conhecimento de causa por parte dos média, opinião pública e mesmo políticos. É necessário compreender que bastantes fatores que culminaram no aparecimento e intensificaram o número de grupos militares terroristas têm, em larga escala, cunho externo. No subcapítulo “ O álibi religioso” (pág.97), a autora declara que “É no mínimo bizarro que as potências ocidentais acreditassem que o que está acontecer no Médio Oriente seja uma guerra religiosa por uma contenda que teve início na Arábia do século VII”. (Ibidem.) . Esse álibi religioso é utilizado inteligentemente pelos líderes do EI no processo de construção do Califado, em particular na guerra contra os Xiitas a quem acusam de pactuar com as forças ocidentais. Na visão de Napoleoni “o extermínio de Xiitas facilita a vida à 5 O termo surgiu durante a Guerra-Fria e, de modo simplificado, significa o uso de grupos militares/ Estados a lutar pela causa de outrem, neste caso as potências ocidentais e os Países do Golfo. (DANDAN,2012)



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liderança do califado, tanto económica como politicamente, ao mesmo tempo que sacia um desejo profundamente enraizado de vingança entre os sunitas, que só podem ajudar a criar consenso se foram leais ao novo Estado” (pág.98). Em sinopse, Lorreta Napoleoni manteve-se fiel ao seu objetivo inicial de tentar aclarar o público, com base na sua vasta experiencia na área do terrorismo e contendas geopolíticas, sobre

algumas das razões fundamentais que levaram ao

aparecimento do autodenominado Estado Islâmico. É notório o sentimento que a autora nutre acerca da falta de informação existente sobre o que efetivamente está acontecer e, mais importante, a(s) razão que culminaram na situação que atualmente testemunhamos. O palco geopolítico é bastante volúvel e Napoleoni é ciente dessa realidade e, com base na sua imprevisibilidade expõe algumas hipóteses do que poderá advir caso o EI triunfe na sua tarefa da construção de uma Nação. O livro contém igualmente uma mensagem histórica subjacente que nos faz refletir e questionar sobre a arquitetura e formas de procedimento das forças externas nas últimas décadas, que tentam obviar qualquer acusação sobre a culpabilidade da conjuntura presente no Médio-Oriente. A Fénix Islâmica : O Estado Islâmico e a reconfiguração do Médio Oriente é uma obra que contribuí para esclarecer os mais cépticos e coadjuvar quem, apesar do conhecimento de causa, pretende continuar a aprofundar o seu conhecimento na matéria discutida que, alicerçada com as fontes bibliográficas disponíveis contribuirão indubitavelmente para o processo de entendimento de um fenómeno em permanente mutação.





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Bibliografia Salem DANDAN “ On Proxy War”, Danish Political Science Association, Anual Meeting, 2012, In : http://dpsa.dk/papers/On%20Proxy%20War.pdf Alberto ALESINA, Bryony REICH, “ Nation Building”, (primeira esboço 2012; revisão realizada em Fevereiro de 2015), In http://scholar.harvard.edu/files/alesina/files/nation_building_feb_2015_0.pdf?m= 1432754790 William RODRIGUES, “Metodologia Científica”, Instituto Superior Tecnologia, Paracambi, 2007. In http://unisc.br/portal/upload/com_arquivo/metodologia_cientifica.pdf



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