Recensão Crítica do livro A Sangue Frio de Truman Capote

Inês Sofia Pedro Baptista

A Sangue Frio, romance ou reportagem? A Sangue Frio, uma das grandes obras da literatura americana, publicado em 1966 e da autoria de Truman Capote, jornalista do The New Yorker e sulista de gema, narra a história de um assassínio na pacata cidade de Holcomb, no Oeste do Kansas, EUA. O livro começa e acaba com descrições da povoação calma, numa zona rural tipicamente americana onde seria muito improvável tal crime acontecer. Esta é uma estória sobre o “crime quase perfeito” com uma brutalidade descritiva que nos remete para Quentin Tarantino num cenário digno de Twin Peaks. Um romance não-ficcional é a categoria preferida do autor e notamos com facilidade a forma como Capote acompanhou os acontecimentos de forma rigorosa. O autor descreve os acontecimentos de forma exacta, após seis anos de intensa pesquisa. É simples e descritivo, um jornalista com estilo literário, ou um escritor com uma rigorosidade digna de um jornalista. Sentimo-nos dentro das mentes das personagens descritas por um narrador omnipresente, ciente e sapiente. Um marco na história do new journalism, inaugurou o seu género. Foi alvo de intensa pesquisa por parte do autor mas ainda assim muitos duvidam da sua veracidade. Durante a leitura apercebemo-nos do que já muitos tentaram provar e pensamos que esta “reportagem” foi “romanceada”. Num elo irrepreensível entre narração e rigor o autor embrenha-se na estória levandonos consigo. Abre a porta a uma nova forma de fazer jornalismo, mistura-o com a literatura mas mantém qualidades de ambos os campos. O autor delineia primeiro por alto as personagens deste romance, acabando por se aproximar para descobrir os seus pormenores, tal como na sua investigação. Utiliza um estilo de escrita jornalístico, simples e directo, mas não poupa as descrições. Sentimo-nos muito próximos do enredo e das suas personagens. Apesar do estilo que se apresenta ao folhear as páginas e do seu rigor, o autor foi muitas vezes acusado de falta de objectividade - devido à sua relação com Perry Smith - acusações essas de que discordamos por completo. Capote é rigoroso e objectivo na sua escrita. Esta é muito pormenorizada, o que leva a que julguemos que o autor esteve presente durantes os acontecimentos. O autor compara as paisagens com as da Grécia antiga, por aí vemos que esta estória tem um significado que a ultrapassa, que é aplicável em diversos momentos da história humana. Este romance mostra um choque de culturas brutal entre Perry Smith, Dick Hickock e a família Clutter. É um aspecto muito importante na leitura, chama a atenção para como os problemas familiares e educacionais podem ter a influência gigantesca que a mãe alcoólica de Perry e a sua restante família - tiveram nele. Um livro que nos ajuda a reflectir sobre isso e a conscientizar a sociedade, a mostrar uma verdade tabu, que os

Inês Sofia Pedro Baptista

criminosos são criados pelo ambiente onde se inserem, aprofundando muito mais o nosso conhecimento da sua profundidade emocional. As personagens principais são repreensíveis mas terrivelmente humanas. Leva-nos a uma aproximação “caricata” dos assassinos, a uma compaixão estranha. Fornecenos as várias lentes por onde olhar um crime e não “eufemiza” os assassinos ou os seus actos mas aproxima-os muito dos seres humanos. É evidente que Capote conheceu aprofundadamente os culpados deste crime e o que descreve da vida dos dois camaradas é puramente factual - pelo que tudo indica. Esta obra é dividida em quatro capítulos e relata por norma estórias paralelas, seria fácil confundirmo-nos mas ao fim de algumas linhas estamos - quase como Leónida - de novo a “devorar” as palavras. É claro durante todo o livro o que irá acontecer no fim, o suspense está presente apenas quando Perry e Dick são enforcados. Apesar de todas as suspeitas da obra não ser ipsis verbis o que aconteceu este é um excelente livro e uma excelente reportagem.