Recensão * Os Caminhos para a Modernidade (G. Himmelfarb)

June 14, 2017 | Autor: Patrícia Fernandes | Categoria: Modernidade, Iluminismo, Gertrude Himmelfarb
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RECENSÃO

HIMMELFARB, GERTRUDE, OS CAMINHOS PARA A MODERNIDADE. OS ILUMINISMOS BRITÂNICO, FRANCÊS E AMERICANO, TRAD. PORT. MIGUEL F. DA COSTA,

LISBOA, EDIÇÕES 70, 2015, 298 PP. (ed. or. The Roads to Modernity, 2004)

Recentemente traduzido para português, este livro de 2004 da historiadora norteamericana Gertrude Himmelfarb propõe-se «recuperar o Iluminismo» e, ao fazê-lo, restituí-lo «em boa parte, aos britânicos que ajudaram a criá-lo - que criaram aliás um Iluminismo muito diferente do dos franceses.» Nesse sentido, o argumento do livro é o seguinte: «o estudo do Iluminismo tem-se centrado tradicionalmente na França, nas ideias geradas pelos philosophes e na exportação dessas ideias para o resto do mundo» – mas contra esta ideia de que o Iluminismo é um projeto francês, a autora vem defender a pluralidade do projeto das Luzes, que pode ser encontrado em diferentes contextos, cada um com a sua particularidade. Mais do que isso, Himmelfarb entende que há uma prioridade cronológica do Iluminismo britânico: «é neste sentido que proponho restituí-lo ao seu progenitor, os britânicos. Os próprios franceses creditaram à venerável trindade britânica de Bacon, Locke e Newton as ideias que inspiraram o seu próprio iluminismo.» Assim, o século XVIII não é só o século do Iluminismo francês, mas também britânico: «Foi então, nos alvores do século XVIII, que o Iluminismo britânico teve origem e assumiu uma forma muito diferente do seu equivalente do continente (ou da sua própria prole além-mar).» O objetivo é, então, duplo: «não é meramente o de estabelecer uma prioridade cronológica do Iluminismo britânico, mas estabelecer também o seu caráter singular e a sua importância histórica.» Com a consequência clara de que «[t]razer o Iluminismo britânico para o palco da história, para o centro do palco, mesmo, é redefinir a própria ideia de iluminismo.» (todas as citações do Prólogo) Com esse propósito, a autora propõe-se considerar as particularidades de cada projeto iluminista: A despeito da sua familiaridade pessoal uns com os outros e com as obras de uns e outros, britânicos e franceses diferiam profundamente no espírito e substância dos seus respetivos Iluminismos. Os britânicos podiam simpatizar com a hostilidade dos philosophes a uma Igreja “papista” e a uma monarquia autoritária, as quais eles próprios tinham descartado, e os franceses podiam admirar a liberdade religiosa e política que encontraram em Inglaterra e que tanto cobiçavam. Mas cada qual procurava a Ilustração, para si próprio e para os seus compatriotas, de maneiras bastante diferentes. Em França, a essência do Iluminismo - a 1

sua raison d'être, literalmente - era a razão. "A razão é para o philosophe",declarava a Encyclopédie, "o que a Graça é para o cristão." Não era isso, decerto, para Rousseau ou Montesquieu, mas era-o para Voltaire, Diderot, d'Alembert e para a maior parte dos colaboradores da Encyclopédie. A ideia da razão definia e permeava o Iluminismo como nenhuma outra. Em certo sentido, o Iluminismo francês era uma Reforma atrasada, uma reforma que combatia, não pela causa de uma religião mais elevada ou mais pura, mas de uma ainda mais alta e pura autoridade, a da razão. Foi em nome da razão que Voltaire emitiu a sua famosa declaração de guerra contra a Igreja, "Écrasez l'infâme", e que Diderot propunha "estrangular o último rei com as tripas do último padre." Não era isto, contudo, o Iluminismo tal como era visto na Grã-Bretanha e na América, onde a razão não tinha esse papel preeminente e onde a religião, quer como dogma quer como instituição, não era o inimigo principal. Os Iluminismos britânico e americano eram latitudinários, compatíveis com um amplo espetro de crença e descrença. Não havia nesses países uma Kulturkampf que distraísse e dividisse a populaça, pondo o passado contra o presente, confrontando o sentimento ilustrado com instituições retrógradas e criando um fosso intransponível entre razão e religião. Pelo contrário, a variedade de seitas religiosas era em si própria uma garantia de liberdade e, muitas vezes, um instrumento de reforma social assim como de salvação espiritual. A força motriz do Iluminismo britânico não era a razão, mas as "virtudes sociais" ou os "afetos sociais". Na América a força motriz era a liberdade política, motivo da Revolução e fundamento da República. Para os filósofos morais britânicos e os Fundadores americanos a razão era um instrumento para alcançar um fim social maior, não um fim em si própria. E para ambos a religião era um aliado e não um inimigo. (pp. 26-7)

Himmelfarb trabalha, então, esses três iluminismos que designa da seguinte forma: Resumi os três Iluminismos em expressões tiradas de outros e adaptadas aos meus objetivos. Assim, o Iluminismo britânico representa “a sociologia da virtude”, o francês “a ideologia da razão”, o americano “a política da liberdade.” Os filósofos morais britânicos eram tanto sociólogos como filósofos; preocupados com o homem em relação à sociedade, procuravam nas virtudes sociais a base de uma sociedade saudável e humana. Os franceses tinham uma missão mais nobre: fazer da razão o princípio governante da sociedade bem como do pensamento, “racionalizar”, por assim dizer, o mundo. Os americanos, mais modestamente, procuravam criar uma nova “ciência da política” que estabelecesse a nova república sobre um firme alicerce de liberdade. (p. 27)

Consequentemente, este excelente trabalho encontra-se dividido em três partes, cuja descrição acrescentamos a esta recensão.

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PARTE I. O Iluminismo britânico: A sociologia da virtude No primeiro capítulo [“Afetos sociais” e Disposições religiosas], a autora refere-se ao tema da religião, que marca uma profunda diferença entre o iluminismo francês e britânico: «É interessante, especialmente pelo contraste com a situação em França, ver até que ponto os representantes do Iluminismo britânico podiam ir na “naturalização” da religião sem repudiar a religião em si mesmo – até que ponto, de resto, mesmo os clérigos que havia entre eles podiam ir sem pôr em perigo a sua posição na igreja.» (p. 58) Esta diferença resulta de contextos históricos e sociais específicos mas também do diferente papel atribuído à Razão nos dois Iluminismos: Não havia, é certo, uma igreja opressiva nem uma teologia dogmática contra as quais rebelar-se, mas também não havia uma nova autoridade ou ideologia que incitasse à rebelião. Em França, a razão era essa autoridade e ideologia, uma razão cuja importância ia ao ponto de desafiar não só a religião e a Igreja mas todas as instituições que delas dependiam. A razão era intrinsecamente subversiva, perspetivando um futuro ideal e desprezando as deficiências do presente, para não falar do passado – e desdenhosa também das crenças e práticas dos não instruídos e de baixa condição. A filosofia moral britânica, por outro lado, era mais reformista do que subversiva, respeitadora do passado e do presente mesmo quando almejava um futuro mais esclarecido. Era também otimista e, neste aspeto pelo menos, igualitarista, ao considerar o sentido moral e o senso comum como partilhados por toda a gente e não meramente pelos instruídos e bem nascidos. E não tinha qualquer querela com a religião em si mesma – com uma religião obscurantista ou antissocial, sim, mas não com a religião per se. Podia até tolerar, como faziam Shaftesbury e Hume, a religião entusiástica, abrindo assim a porta à mais entusiástica religião da época, o metodismo. (59-60)

[Cf. Capítulo 5 [O metodismo: uma religião social]: «Tal como Burke é geralmente excluído do Iluminismo, o mesmo acontece ao metodismo, com o fundamento de que foi excessivamente religioso e “entusiástico” e insuficientemente racional e filosófico. Assim, um dos mais importantes acontecimentos da história britânica ou é ignorado ou consignado ao estatuto de um anti-Iluminismo.» (p. 127) De acordo com a autora, as principais referências do metodismo são Wesley e Whitefield, que fazem, assim, parte do Iluminismo britânico.] O segundo capítulo é dedicado a Adam Smith, nome que não levantará especial oposição a ser visto como iluminista; mas o mesmo não acontece com Edmund Burke (capítulo 3). De facto, dadas as ligações intelectuais e históricas entre o projeto iluminista francês e a Revolução Francesa, aqueles que se opuseram a esta são geralmente excluídos do estatuto de iluministas. É o caso de Burke, «convencionalmente associado à reação contra o Iluminismo – o “ContraIluminismo”, na fórmula de Isaiah Berlin.» Mas «não têm sido só os críticos de Burke quem lhe têm atribuído esse papel. Alguns dos seus admiradores também o têm feito, vendo-o como um 3

antídoto bem-vindo do Iluminismo e da Revolução Francesa.» (p. 79) No entanto, a proposta analítica de Himmelfarb passa por entender Burke como parte, e parte importantíssima, do iluminismo britânico. O enquadramento geral proporcionado pela autora permite ao capítulo 4 efetuar uma interessante viragem: tradicionalmente há um conjunto de autores britânicos que são apontados como iluministas contra os autores referidos nos três capítulos anteriores (como Hume, Smith, Shaftesbury, Hutcheson, Burke), e são considerados iluministas por se encontrarem, precisamente, próximos do iluminismo francês – mas, atendendo ao argumento central da obra, Himmelfarb considera este conjunto como dissidentes do iluminismo britânico, e dissidentes radicais. Encontram-se entre estes dissidentes os nomes de Richard Price e Joseph Priestley que escreveram explicitamente contra Hutcheson e a escola escocesa de filosofia; e Thomas Paine e William Godwin, que «tornavam a razão tão proeminente que deixava pouco ou nenhum espaço para qualquer sentido moral». (p. 103) Price e Godwin estão realmente mais próximos do iluminismo francês; Paine e Priestley, apesar de igualmente próximos da cultura francesa, acabam por estar ligados também ao iluminismo americano. Com Godwin, o Iluminismo radical atingiu o seu apogeu na Grã-Bretanha. E com ele morreu. O que ficou foi o outro Iluminismo, menos dramático, mas mais prático e duradouro. Ao contrário dos radicais que aspiravam a transformar e racionalizar a GrãBretanha, os filósofos morais procuravam reformá-la e humanizá-la, criar uma nova era de Ilustração que não era uma idade da razão, mas, como disse um contemporâneo, “uma era de benevolência”. (p. 126)

[Cf. Capítulo 6 [A Era da Benevolência]: «O “sentido moral” ou “sentimento moral”, as “virtudes sociais” ou os “afetos sociais”, as ideias de “benevolência”, “simpatia”, “compaixão”, “fraternidade” -, eram esses os termos que definiam a filosofia moral que estava no coração do Iluminismo britânico. Era este ethos social que era o denominador comum dos dois Smith e dos dois Burke, dos filósofos seculares e dos entusiastas religiosos, dos bispos da Igreja de Inglaterra e dos pregadores e missionários wesleyanos. E era este ethos que encontrava expressão prática nos movimentos de reforma e nas iniciativas filantrópicas que floresceram durante o século, culminando naquilo a que a escritora evangélica Hannah More chamou (não inteiramente como elogio) “a Era da Benevolência”, e a que um historiador posterior chamou “o novo humanitarismo”.» (p. 143)] Foi esta característica que distinguiu o Iluminismo britânico, especialmente em comparação com o francês. A Benevolência era uma virtude mais humilde do que a Razão, mas talvez mais humana. E uma Era de Benevolência era uma aspiração mais modesta do que uma Era da Razão, mas mais prática. Se essa Era de Benevolência esteve muito longe de corresponder ao que os reformadores do tempo, e os historiadores posteriores, gostariam, representou – como, de resto, o fez a própria ideia de Iluminismo – um notável avanço do 4

espírito e da consciência, “uma marcha em frente do espírito humano”, como disse Diderot ao explicar o Iluminismo. (p. 159)

PARTE II. O Iluminismo francês: A ideologia da razão A marca do iluminismo francês já nos é, então, clara: «Não era só o pendor dos philosophes para os princípios abstratos, como disse Tocqueville, que os tornava singulares. Era um princípio particular: a razão. Esta palavra, repetida constantemente e nos mais variados contextos, servia quase como um mantra, um penhor de boa-fé e de bem pensar.» (p. 165) E tal singularidade tinha profundas consequências no que à religião diz respeito: A ideia de razão tinha como oposto a ideia de religião. “A razão é para o filósofo”, declarava a Encyclopédie, “o que a graça é para o cristão. A graça move o cristão a agir, a razão move o filósofo.” Aqui, como noutros lugares, a razão não só era apostada contra a religião, definida por oposição à religião; era-lhe implicitamente outorgado o mesmo estatuto absoluto, dogmático, da religião. Neste sentido, a razão era equivalente à doutrina da graça. Há muita verdade na asserção conhecida de que o animus dos philosophes contra a religião era um subproduto da sua hostilidade à Igreja Católica, uma Igreja que era vista como autoritária e repressiva em si mesma e ainda mais como cúmplice de um Estado autoritário e repressivo. Isto era, certamente, um fator dominante no seu pensamento. Mas não explica totalmente a “estudada ferocidade”, na formulação de Tocqueville, do seu ataque à religião. O que estava em jogo para os philosophes era nada menos do que a razão. E a razão desautorizava não só a Igreja Católica, mas qualquer forma de religião estabelecida ou institucional e além disso qualquer fé religiosa dependente de milagres ou dogmas que violasse os cânones da razão. (p. 166)

Por seu lado, não havia em França nada que se assemelhasse com as preocupações sociais dos britânicos - o problema da “condição do povo” -, embora a situação em França fosse, no mínimo, pior do que na Grã-Bretanha. Alguns artigos da Encyclopédie «queixavam-se das grosseiras desigualdades da sociedade e da desgraçada situação dos muito pobres, sem oferecer propostas práticas para quaisquer reformas.» (p. 193) É como se os philosophes gastassem tanta capacidade intelectual na exaltada ideia da razão que lhes restava pouco pensamento, e ainda menos simpatia, para o povo comum. (…) O sentido moral e o sentido comum que os britânicos atribuíam a todos os indivíduos davam a toda a gente, incluindo o povo comum, uma humanidade comum e um fundo comum de obrigações morais e sociais. A noção francesa da razão não estava disponível para o povo comum e não tinha uma tal componente moral ou social. (p. 185)

Dois autores ocupam um lugar especial dentro do Iluminismo francês devido ao seu afastamento do quadro racionalista típico que referimos: Montesquieu e Rousseau. Aquele nunca foi considerado pelos philosophes como tal; Rousseau era, para os philosophes, um 5

dissidente, apesar de ser a grande referência na Revolução Francesa: “Não se pode honestamente fazer o Iluminismo arcar com a responsabilidade de todos os atos, ou desacatos, da Revolução. Não obstante há ecos inconfundíveis dos philosophes, de Rousseau especialmente, em todas as suas etapas.” (p. 198) Afinal, “Ah”, proclamou Robespierre, ao prestar homenagem a Rousseau, “se ele tivesse testemunhado esta revolução de que foi precursor e que o levou ao Panteão, quem pode duvidar de que a sua alma generosa teria abraçado com êxtase a causa da justiça e da igualdade?” (p. 202) Diz Himmelfarb logo a seguir: «“Justiça e igualdade” – não, notavelmente, “liberdade.”» E é isto que nos liga ao iluminismo americano. PARTE III. O Iluminismo americano: A política da liberdade Que particularidade deu forma ao iluminismo americano? Na Grã-Bretanha, as virtudes sociais estavam no primeiro plano da especulação filosófica e das políticas socias, como condição primária do bem comum. Na América estavam em segundo plano, como condição necessária, mas não suficiente. O que estava em primeiro plano era a liberdade. E não a liberdade natural em que Smith via a base de uma economia e uma sociedade livres, mas sim a liberdade artificial, por assim dizer – a liberdade política, os princípios e instituições apropriados à nova república. Foi em nome da liberdade – da liberdade religiosa – que muitos dos primeiros colonos foram para a América. E foi em nome da liberdade – da liberdade política – que mais tarde declararam a sua independência da Grã-Bretanha. “Um império de liberdade”, era como John Adams descrevia a sua visão da América do futuro, um império que compreendia “vinte ou trinta milhões de homens livres, sem nenhum nobre ou rei entre eles. (p. 205)

“Temos nas nossas mãos o poder de reiniciar outra vez o mundo”, dizia Thomas Paine em 1776, mas com um contexto político e social profundamente diferente do francês: Os Fundadores, porém, não chegaram de novo à sua tarefa. Eram homens práticos que tinham estado efetivamente envolvidos nos mecanismos da governação, tinham sido mesmo atores principais na vida pública, como também tinham sido os seus principais teóricos. Talvez ainda mais importantemente, os próprios cidadãos tinham tido experiência prática de governar – de autogovernar-se. (pp. 206-7)

E tal se torna evidente no debate público sobre a constituição americana e em The Federalist: Embora concebidos para um propósito específico e para um país específico, os textos aproveitaram a ocasião para refletir sobre a natureza humana e a sociedade e até aspiraram a formular os princípios de uma ciência da política, mas tais especulações nasceram de preocupações imediatas e práticas e foram adiantadas modestamente e até hesitantemente.

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No texto final Hamilton prevenia os seus compatriotas contra “a busca quimérica de um plano perfeito.” “Não espero ver nunca uma obra perfeita do imperfeito homem.” (p. 165)

Uma ideia que ficou presente no preâmbulo da Constituição: «“Nós, o povo dos Estados Unidos, em ordem a formar uma mais perfeita união.” Não a união perfeita, que poderia ter sido o objetivo de um “legislador filosófico”, mas apenas uma mais perfeita união. Os filósofos morais britânicos teriam subscrito este sentimento modesto. Os philosophes franceses, aspirando a ser legisladores filosóficos, talvez não o tivessem feito.» (p. 240) Outra diferença em relação ao iluminismo francês prendia-se, naturalmente, com a questão religiosa: «A religião, portanto, não era vista como uma ameaça à liberdade. Nem era vista, e isto é talvez mais notável, como uma ameaça à ilustração – à razão, à ciência, à vida do espírito em geral.» (p. 226) É essa sua relação com a religião que marca muito do moralismo norte-americano, ainda hoje existente, e que Himmelfarb vê como a herança britânica junto da antiga colónia: É irónico que essa filosofia [da virtude] tenha hoje mais ressonância nos Estados Unidos do que na Grã-Bretanha. Tendo derivado uma boa parte do seu Iluminismo do Iluminismo da Mãe-Pátria, os Estados Unidos estão agora a retribuir isso à Grã-Bretanha perpetuando o espírito do seu Iluminismo. Somos muitas vezes lembrados da “excecionalidade” americana. A América foi excecional ao tempo da sua fundação e continua a sê-lo hoje em dia. Os europeus queixam-se de que os Estados Unidos são indevidamente individualistas, religiosos e moralistas (e isto num sentido pejorativo). E assim é, pelos atuais padrões europeus e também britânicos. Mas não pelos padrões britânicos de outrora. Se a América é agora excecional é porque herdou e preservou aspetos do Iluminismo britânico que os próprios britânicos descartaram e que outros países (a França, mais notavelmente) nunca adotaram. Os Estados Unidos, mais do que qualquer outro país, retiveram a visão da economia política de Adam Smith, um sistema de liberdade natural que governa tanto a política como a economia. Os libertários protestam que os Estados Unidos são insuficientemente liberais no seu sentido rigoroso, individualístico, do termo. Mas Smith nunca foi um libertário nesse sentido. Era tanto um filósofo moral como um economista político e era esta amálgama que caracterizava então a Grã-Bretanha, como caracteriza hoje os Estados Unidos. Os americanos dão por adquirido o que os europeus veem como um paradoxo inexplicável: que os Estados Unidos sejam o mais capitalista dos países e ao mesmo tempo o mais moralista. (pp. 246-7)

Patrícia Fernandes, 2015

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