Recensão: Salazar e o Poder. A Arte de Saber Durar, Fernando Rosas (2012)

June 3, 2017 | Autor: Pedro Rocha e Melo | Categoria: Estado Novo, Salazarism, Salazarismo
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        Recensão:   Salazar  e  o  Poder.  A  Arte  de  Saber  Durar,   Fernando  Rosas  (2012)                                      

Autor:  Pedro  Rocha  e  Melo   Nº  de  aluno:  40786     Trabalho  realizado  no  âmbito  da  cadeira     de  História  de  Portugal  Contemporâneo  (Séc.  XX)     Professora  Maria  Fernanda  Rollo  

  CONTEÚDOS   APRECIAÇÃO  GERAL  

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DURABILIDADE  DE  SALAZAR:  A  TESE  DE  FERNANDO  ROSAS  

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1.  A  CHEGADA  AO  PODER  DE  SALAZAR  

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2.  SALAZAR  NO  PODER  –  UM  CHEFE,  UM  REGIME,  UM  POVO  

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3.  DURABILIDADE  DE  SALAZAR:  5  FATORES  

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CONCLUSÃO  

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BIBLIOGRAFIA  

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Salazar   e   o   Poder:   A   Arte   de   Saber   Durar   (Fernando  Rosas,  2012)   Apreciação  Geral   A obra Salazar e o Poder, A Arte de Saber Durar de Fernando Rosas é um livro que pretende responder a uma questão que o autor considera chave em toda a temática do Estado Novo e do seu chefe de regime. O próprio revela que muitos foram os pedidos que recebeu para proceder a esta síntese depois de largos anos a estudar e expor factos e interpretações sobre este momento que marcou a história do nosso país no século XX e cujas repercussões se estendem até aos nossos dias. Nesse sentido, propõe-se explicar, como resultado das várias investigações que realizou em trabalhos anteriores, as razões que estão por trás da durabilidade de Estado Novo e de António de Oliveira Salazar no poder. Este é um caso excecional no curso dos movimentos políticos em Portugal, cujo apogeu poderíamos apontar à terrível instabilidade política da 1ª República. Para Fernando Rosas a compreensão desta situação excecional que marca a longa vida do Estado Novo não oferece grandes dificuldades. Nesse sentido, ao longo do texto o autor propõe-se, por um lado, desmistificar determinadas ideias que alguma historiografia levantou relativamente a esta questão, e por outro, propor um conjunto de razões que, em simultâneo, terá permitido a Salazar arrastar-se no poder até estar verdadeiramente impossibilitado de prosseguir o comando da nação por motivos de saúde. O autor desta obra conviveu de perto com a realidade que aqui tematiza e essa proximidade está bem vincada ao longo das páginas. O suporte da sua tese é feito numa bibliografia extensa, onde se incluem várias das suas obras. Entre essa extensa bibliografia, destacaria o grande trabalho de síntese dos discursos de Salazar em diferentes momentos da sua vida político e da correspondência de Salazar e outros protagonistas do Estado Novo e do seu tempo. São vários excertos destes documentos que melhor nos ajudam a interpretar os factos que foram acontecendo e a construir o espírito, as motivações e anseios que caraterizaram os anos da ditadura salazarista. Assim, a leitura deste livro de Fernando Rosas torna-se relevante para todos os leitores que se interessem pelo regime do Estado Novo, pela liderança de Oliveira Salazar e, sobretudo, para todos os que de alguma forma já se questionaram pelas

 

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razões que explicam a sua longa permanência no governo de Portugal. Para Rosas as explicações são claras, é isso que expõe neste livro. Para o leitor que se identifica ideologicamente com o autor e para o que se afasta dele, este livro é um valioso contributo para melhor problematizar a durabilidade de Salazar à frente do nosso país.  

Durabilidade  de  Salazar:  a  tese  de  Fernando  Rosas   Feita   uma   apreciação   geral   da   obra   em   análise,   proponho   agora   expor   sucintamente  a  tese  de  Fernando  Rosas  neste  livro.  Seguindo  pelo  índice  da  obra   percebemos  claramente  o  trajeto  que  o  autor  pretende  fazer  com  o  seu  leitor  –   entender  como  se  dá  a  chegada  de  Salazar  ao  poder,  a  abordagem  que  o  mesmo   faz  ao  crescente  poder  que  vai  conquistando  e,  finalmente,  o  conjunto  de  fatores   que   permitem   que   este   poder   se   perpetue   até   a   sua   saúde   o   afastar   definitivamente  o  cargo  que  ocupou  durante  mais  de  três  décadas.   Para   depois   partirmos   para   uma   análise   mais   detalhada   de   alguns   aspetos   específicos   da   obra,   resta   recuperarmos   o   ponto   de   lançamento   deste   livro   e   que   servirá  de  pano  de  fundo  de  todas  as  questões  levantadas  –  a  relação  de  Salazar   com  a  política.  Fernando  Rosas  expõe  que  antes  de  lhe  ser  confiada  a  Presidência   do  Conselho  de  Ministros,  já  Salazar  tinha  uma  visão  clara  da  política  e  de  como   governar.   Diz   o   autor   que   o   economista   católico   da   Universidade   de   Coimbra   repudiava   a   democracia   parlamentar,   provavelmente   marcado   pela   terrível   experiência   da   1ª   República   e,   talvez,   assustado   pela   força   do   movimento   operário  comunista  que  ameaçava  o  poder  político  na  Europa,  e  considerava  que   o  governo  do  país  não  podia  ser  afetado  pelo  perigo  da  massificação  política.  Esta   relação  conservadora  e  autoritária  com  a  política  irá  acompanhá-­‐lo  ao  longo  da   sua  vida  e  será  alicerce  de  muitas  das  suas  decisões.     1.  A  chegada  ao  poder  de  Salazar   Ao  desenvolver  a  chegada  de  Salazar  ao  poder,  Fernando  Rosas  apresenta,   em   primeiro   lugar,   uma   série   de   mitos   associados   ao   28   de   Maio   de   1926   que   pretende   clarificar   e,   em   segundo   lugar,   sugere   um   percurso   em   seis   passos   para   que  Salazar  se  veja  à  frente  do  seu  país.  

 

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Rosas   entende   o   28   de   Maio   de   1926   como   envolto   em   grande   confusão   e   diz  que  três  mitos  merecem  melhor  explicação.  Um  primeiro  mito  diz  respeito  à   construção   da   ideia   de   uma   intervenção   salvífica   nacional,   muito   associado   ao   simbolismo   do   Exército   enquanto   salvador   da   nação,   que   vem   quebrar   com   a   demagogia   e   corrupção   e   instaurar   uma   nova   ordem.   O   autor   discute   esta   perspetiva   ao   referir   que   o   pós-­‐28   de   Maio   foi,   também,   marcado   por   grande   confusão,  o  que  explica  que  a  ditadura  militar  só  tenha  conseguido  oficializar-­‐se   a   9   de   Julho   desse   ano   e   que   os   anos   até   ao   regime   do   Estado   Novo   sejam,   da   mesma   forma,   um   período   intranquilo   para   o   povo   português   (a   não   ser   financeiramente   com   a   chegada   de   Salazar).   Ou   seja,   havia   um   consenso   relativamente   à   quebra   com   o   trajeto   da   república   liberal   mas   ninguém   sabia   bem  que   caminho   seguir   depois.  O  segundo  mito  refere-­‐se  à  ausência  de  luta  dos   liberais   no   fim   da   1ª   República,   uma   ideia   errada   do   período   de   governo   da   Ditadura   Militar,   considerado   por   Rosas   como   um   dos   períodos   mais   intensos   de   guerra   civil   em   Portugal   no   século   XX.   Segundo   o   autor,   os   liberais   não   abdicaram   do   poder   de   mão   beijada   e,   por   isso,   o   período   político   até   à   instauração  do  Estado  Novo  esteve  longe  de  ser  tranquilo,  o  que  rebate  o  último   mito  associado  a  este  tempo,  o  do  passeio  triunfal  do  28  de  Maio  ao  advento  do   Estado  Novo.   Estando  longe  de  ter  sido  um  período  pacífico,  calmo  e  tranquilo  onde  o   Estado   Novo   aos   poucos   foi   ganhando   o   seu   espaço   num   trajeto   linear,   Rosas   propõe  6  passos  essenciais  para  a  chegada  de  Salazar  ao  poder.  O  primeiro  deu-­‐ se  com  o  combate  vitorioso  frente  ao  reviralhismo,  que  enfraquecendo  a  direita   liberal  a  divide  e  fortalece  Salazar.  Num  segundo  passo,  refere-­‐se  a  transmutação   de   Salazar   de   mago   financeiro   para   chefe   político   da   contra-­‐revolução,   assumindo,   enquanto   especialista   económico   e   depois   como   responsável   das   finanças  do   governo,  uma  voz  firme   sobre   o   caminho   a  seguir   e,   mais   tarde,   uma   hegemonia   sobre   os   outros   ministérios.   De   seguida,   Rosas   sugere   que   foi   essencial   o   sucessivo   afastamento   dos   militares   republicanos   da   chefia   do   governo  e  a  boa  relação  de  Salazar  com  Oscar  Carmona  que  vai  patrocinar  a  sua   ascensão.   Mais   tarde,   já   como   Presidente   do   Conselho   de   Ministros,   e   ainda   mais   essencial,   revela-­‐se   o   acordo   com   a   corrente   republicana   dentro   das   Forças   Armadas   e   de   outros   adversários   políticos   que   Salazar   e   integra   no   regime,  

 

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esvaziando-­‐os,   no   entanto,   politicamente   e   aos   compromisso   que   com   eles   celebra.   Uma   manobra   que   iludiria   muitos   dos   adversários   que   com   ele   vão   gerindo   consenso.   Na   mesma   lógica,   Rosas   refere   ainda   a   importância   da   integração   do   nacional-­‐sindicalismo   e   a   sua   disciplina   para,   assim,   conseguir   unir,  numa  força  só,  as  várias  direitas  da  direita  que  vão  sustentar,  pelo  menos   nesses  primeiros  anos,  o  novo  regime  do  Estado  Novo.     2.  Salazar  no  poder  –  Um  Chefe,  um  Regime,  um  Povo   Uma   vez   no   poder,   Fernando   Rosas   faz   uma   caraterização   da   relação   de   Salazar   com   o   poder,   resumindo-­‐a   na   triangulação   chefe-­‐regime-­‐povo.   A   construção  de  imagens  que  o  Estado  Novo  faz  do  seu  líder,  do  próprio  regime  e   do   povo   português   cria   uma   sensação   de   dependência   entre   as   três   que   dificulta,   de   forma   crescente,   o   afastamento   desta   formulação.   Ou   seja,   o   Estado   Novo   procura   difundir   a   ideia   que   só   com   este   chefe,   este   regime   e   um   povo   comprometido   com   os   verdadeiros   valores   nacionais,   Portugal   se   poderia   reerguer   das   longas   décadas   de   crise.   Assim,   desde   ministro   da   pasta   das   finanças   e   nos   anos   do   novo   regime   até   à   2ª   Guerra   Mundial,   assistimos   a   uma   intensa   atividade   da   propaganda   do   Estado   Novo   no   sentido   de   cultivar   um   consciência   clara   e   profunda   desta   triangulação   fundamental   à   salvação   da   nação.   António   de   Oliveira   Salazar,   chefe   de   governo,   é   apresentado   como   um   homem  humilde,  ordeiro  e  disciplinado,  sábio  e  competente  mas  desprendido  do   poder.   Aceita   as   suas   responsabilidades   por   sentido   de   dever.   O   relato   das   caraterísticas   que   a   propaganda   atribuía   a   Salazar   recebe   de   Rosas   um   tom   irónico,  como  quem  sugere  que  desde  o  início  se  propunha  manipular  o  povo,  a   quem,  segundo  o  autor,  se  referia  com  um  certo  desprezo  enquanto  governador   elitista   e   antidemocrático.   Parece-­‐nos   interessante   cruzar   esta   construção   do   chefe   elaborada   pela   propaganda   estado   novista   com   o   texto   de   Yeves   Cohen   sobre   os   diferentes   tipos   de   chefes   e   lideranças   (ideológicas)   mundiais   no   século   XX.   Para   Salazar,   teria   grande   importância   a   identificação   do   povo   consigo,   procurando   dar   uma   imagem   de   si   daquilo   que   esperava   do   povo,   e,   ainda,   o  

 

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claro   sentido   de   abnegação   do   poder,   o   que,   ironicamente,   contrasta   com   o   tema   deste  livro.   A   definição   do   regime   surge   em   vários   dos   discursos   fundadores1  desses   primeiros   anos   de   Salazar   é   justificada   como   um   desfecho   necessário   da   instabilidade   e   crise   das   últimas   décadas   (possivelmente   desde   a   crise   do   Ultimatum  britânico).  Por  outro  lado,  o  novo  regime  é  assumidamente  inspirado   em   Mussolini   e,   daí,   são   frequentes   as   comparações   relativamente   àquilo   que   pretende   e   não   pretende   ser.   Identificar-­‐se-­‐ia   no   que   respeita   ao   reforço   da   autoridade,   ao   nacionalismo   e   à   guerra   aberta   aos   princípios   da   democracia,   desmarcando-­‐se,  todavia,  dos  processos  italianos  de  renovação  social  e  cultural,   da  ausência  de  limites  jurídicos  e  morais  às  ações  estatais  ou  do  estilo  violento.   Relativamente   aos   últimos   dois   pontos,   Rosas   procura   explicar   que   o   Estado   Novo   fará   grande   manipulação   das   jurisdições   para   servir   os   seus   próprios   interesses   e   que   a   violência   (que   em   Portugal   se   tende   a   medir   através   de   alguns   números  quase  sempre  descontextualizados)  foi  um  dos  fatores  da  durabilidade   do  regime.   Finalmente,   o   salazarismo   procurará,   segundo   Fernando   Rosas,   criar   uma   imagem   do   homem   português   ideal   –   o   homem   novo   –   e   a   ele   sujeitará   o   povo   português.   O   autor   cita   um   escritor   espanhol2  que   terá   dito   que   a   imposição   cultural   em   Portugal   era   tal   que   lhe   lembrava   os   processos   de   colonialização.   Esta   ideia   do   homem   novo   em   resposta   ao   grave   problema   de   crise   de   mentalidade   nacional   que   Salazar   diagnosticava   nos   portugueses   e   cuja   disseminação  dependeria  de  uma  forte  educação  de  elites.     Para   aprofundar   os   últimos   pontos   que   aqui   expostos,   nomeadamente   a   construção  mitológica  do  regime  e  do  homem  novo  português,  é  recomendada  a   leitura  da  tese  de  doutoramento  da  prof.ª  Susana  Pereira  de  Bastos3  Estado  Novo   e  os  Seus  Vadios.    

                                                                                                               

1  Termos  de  Fernando  Rosas  para  se  referir  aos  discursos  mais  relevantes  de  Salazar  na  década   de  30  para  a  definição  dos  contornos  do  novo  regime   2  Engenio  d’Ors   3  Susana  Trovão,  docente  na  FCSH  

 

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3.  Durabilidade  de  Salazar:  5  fatores   É  no  seguimento  do  caminho  feito  por  Salazar  até  ao  poder  e  da  imagem   que  este  cultiva  de  si,  enquanto  líder,  do  Estado  Novo  e  do  povo  português,  uma   vez   à   frente   do   país,   que   Fernando   Rosas   propõe   um   conjunto   de   5   fatores   fundamentais   que   explicam   a   permanência   de   Salazar   no   poder   ao   longo   das   décadas:   Violência,   Controlo   das   Forças   Armadas,   Cumplicidade   com   Igreja   Católica,  Corporativismo,  e  Investimento  no  homem  novo  salazarista.   Relativamente   à   violência,   começa   por   fazer   a   distinção   entre   violência   preventiva   e   violência   punitiva,   lembrando   que   ambas   são   condenáveis.   Menciona  os  vários  órgãos  utilizados  pelo  Estado  Novo  tanto  na  prevenção  como   na   repressão   e   que   o   consenso   em   torno   de   Salazar   que   alguma   historiografia   refere   se   torna   relativo   quando   consideramos   a   pouca   liberdade   civil   e   política   no  novo  regime.  Focando  inicialmente  a  sua  análise  nos  mecanismos  de  violência   preventiva,   Rosas   aprofunda   de   seguida   as   formas   de   repressão,   recordando,   entre  outras  coisas,  que  entre  1926  e  1974  aconteceram  entre  30  000  a  35  000   prisões  políticas.   O  controlo  das  Forças  Armadas  é,  para  Rosas  um  dos  aspetos  chave,  não   fossem  estas,  em  Portugal,  desde  finais  do  século  XIX,  a  maior  responsável  pela   renovação   do   poder   político.   Salazar   soube   desde   cedo   que   enquanto   quisesse   governar   teria   de   conseguir   manter   um   sólido   apoio   das   Forças   Armadas,   sobretudo   do   Exército.   Dirigindo-­‐se   desde   cedo   aos   militares,   procurando   conquistá-­‐los  para  si,  Salazar  assume,  cedo  no  seu  percurso,  a  pasta  da  Guerra  no   governo   onde   trava   alguns   confrontos   com   o   poder   militar   e   acabando,   eventualmente,   por   sair   por   cima   e   aplicar   uma   reforma   militar   que   afastaria   algumas  das  caras  que  a  ele  causavam  mais  desconforto.  A  2ª  Guerra  Mundial  e   os   tempos   que   lhe   sucederam   trouxeram   novas   (e   prolongadas)   fricções   entre   Salazar  e  as  Forças  Armadas  mas  Salazar  foi  sempre  superando  as  crises  que  o   ameaçavam.   Rosas   explica,   em   grande   parte,   o   delinear   destes   acontecimentos   pela  inércia  militar  (chama-­‐lhe  cobardia   política)  para  verdadeiramente  romper   com   Salazar   apesar   dos   inúmeros   movimentos   que   se   iam   organizando   para   o   efeito.   Outras   razões   seriam   a   perspicácia   e   rapidez   de   Salazar   nas   respostas   aos   desafios  e  o  largo  conhecimento  das  elites  militares.  

 

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A   cumplicidade   política   e   ideológica   com   a   Igreja   Católica   é   para   Rosas   outro  dos  fatores  relevantes  na  durabilidade  de  Salazar  no  comando  do  país  mas   a   sua   ação   terá   sido   verdadeiramente   fundamental   numa   primeira   fase,   até   ao   fim   dos   anos   50.   Durante   esse   período,   a   sintonia   entre   Salazar,   cujo   percurso   tinha   sido   grandemente   marcado   pelo   Centro   Católico,   e   a   Igreja   eram   grandes   e   várias   concessões   de   parte   a   parte   se   revelavam   benéficas   para   ambos   (muitas   chegando   a   ser   legisladas,   como   é   o   caso   da   Concordata   e   do   Acordo   Missionário   no  início  da  década  de  40).  O  papel  da  Igreja  é,  nesta  fase,  muitíssimo  relevante,   sobretudo,   pela   sua   proximidade   do   povo   analfabeto,   pela   sua   dispersão   geográfica,  pelo  cultivo  e  educação  do  homem  novo  salazarista.  A  década  de  60   trouxe  grandes  mudanças  para  a  Igreja  universal  (entre  elas  o  Concílio  Vaticano   II,   em   1962)   nomeadamente   no   que   toca   aos   temas   de   autodeterminação   nacional   e   de   libertação   das   colónias.   Em   acrescento,   em   Portugal,   surgem   algumas   vozes   de   baixo   da   Igreja   contra   o   regime   salazarista.   Desde   então,   a   relação   Igreja   Católica-­‐Estado   Novo   degrada-­‐se   e   a   primeira   deixa   de   ter   o   papel   fundamental  da  primeira  fase.   Rosas  sugere,  ainda,  um  novo  fator  decisivo  no  longo  poder  de  Salazar  –  o   corporativismo  enquanto  regime.  Para  o  autor  foi  isso  que  permitiu  o  controlo  e   a  disciplina  do  movimento  operário  e  sindical,  acabando  com  a  luta  de  classes  e   procurando   ser   resposta   aos   graves   efeitos   internos   das   crises   económicas   e   financeiras   do   capitalismo.   Assim,   o   corporativismo   salazarista   focava-­‐se,   sobretudo,  em  dois  aspectos:  prevenir  a  subversão  social,  promovendo  a  ordem   e   a   disciplina,   e   arbitrar   a   vida   económica,   realizando   uma   intervenção   reguladora.   Expondo   de   forma   pormenorizada   os   vários   mecanismos   utilizados   pelo   Estado   Novo   na   prossecução   destes   objetivos,   Fernando   Rosas   conclui,   de   forma  algo  dramática,  que  o  corporativismo  é  o  fascismo  enquanto  regime.   Finalmente,   um   último   aspeto   emerge   como   essencial   para   Fernando   Rosas   nesta   questão.   Trata-­‐se   do   projeto   totalitário   do  homem  novo   salazarista,   símbolo   perfeito   da   ideologia   salazarista   e   dos   valores   do   Estado   Novo   –   da   renascença  portuguesa  depois  de  mais  de  100  anos  de  liberalismo  monárquico;   do  retomar  do  curso  da  história  da  pátria;  da  missão  colonizadora  nacional;  da   ordem   e   da   moral;   da   vocação   católica.   Tudo   isto   justificava   a   intransigência,   a   autoridade,   a   repressão   de   um   Estado   que   nada   mais   fazia   que   resgatar   as   almas  

 

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dos   portugueses.   Assim,   segundo   o   autor,   o   espírito   humano   era   tratado   como   matéria   prima   e   alvo   de   um   esforço   grande   de   modelação   aos   critérios   definidos   pelo  Estado.  No  pós-­‐2ª  Guerra  Mundial,  assiste-­‐se  a  uma  contenção  do  aparelho   propagandístico   mas   a   essência   do   projeto   ideológico   poucas   alterações   sofre,   excetuando  as  adaptações  económicas  deste  período.    

Conclusão   Em   resposta   à   pergunta   que   lança   no   início   do   livro,   Fernando   Rosas   entende  que  quatro  questões  são  preponderantes  para  explicar  a  longevidade  do   reinado   de   Salazar:   a   proximidade   e,   mais   que   isso,   o   controlo   sobre   as   Forças   Armadas;  a  eficácia  dos  vários  instrumentos  de  violência  preventiva;  a  certeza  e   prontidão   da   punição   repressiva   em   caso   de   desafio   aos   limites   tolerados;   a   capacidade   de   manter   unidos   vários   sectores   da   classe   dominante   em   torno   do   salazarismo.    

Esta  obra  é  um  contributo  precioso  a  quem  se  interessa  pelo  período  de  

governo   do   Estado   Novo.   Uma   síntese   interessante   e   que   permite   ao   leitor   problematizar  um  tema  tão  misterioso  da  história  contemporânea  nacional.    

Bibliografia   BASTOS,  Susana  Pereira  de  (1997).  O  Estado  Novo  e  os  Seus  Vadios:  contribuição   para   o   Estudo   das   Identidades   Marginais   e   Sua   Repressão.   Publicações   Dom   Quixote,  1ª  edição.  Lisboa     COHEN,   Yves   (n.d.).   O   conjunto   significativo   da   figura   do   chefe.   Retirado   de   http://www.revistafevereiro.com/pag.php?r=06&t=02#     HOBSBAWM,  Eric  (1994).  A  Era  dos  Extremos:  O  Breve  Século  XX.       ROSAS,  Fernando  (2012).  Salazar  e  o  Poder.  A  Arte  de  Saber  Durar.  Edições  tinta-­‐ da-­‐china,  Lda.,  1ª  edição  de  bolso.  Lisboa        

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