Recensão: Salazar e o Poder. A Arte de Saber Durar, Fernando Rosas (2012)
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Recensão: Salazar e o Poder. A Arte de Saber Durar, Fernando Rosas (2012)
Autor: Pedro Rocha e Melo Nº de aluno: 40786 Trabalho realizado no âmbito da cadeira de História de Portugal Contemporâneo (Séc. XX) Professora Maria Fernanda Rollo
CONTEÚDOS APRECIAÇÃO GERAL
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DURABILIDADE DE SALAZAR: A TESE DE FERNANDO ROSAS
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1. A CHEGADA AO PODER DE SALAZAR
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2. SALAZAR NO PODER – UM CHEFE, UM REGIME, UM POVO
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3. DURABILIDADE DE SALAZAR: 5 FATORES
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CONCLUSÃO
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BIBLIOGRAFIA
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Salazar e o Poder: A Arte de Saber Durar (Fernando Rosas, 2012) Apreciação Geral A obra Salazar e o Poder, A Arte de Saber Durar de Fernando Rosas é um livro que pretende responder a uma questão que o autor considera chave em toda a temática do Estado Novo e do seu chefe de regime. O próprio revela que muitos foram os pedidos que recebeu para proceder a esta síntese depois de largos anos a estudar e expor factos e interpretações sobre este momento que marcou a história do nosso país no século XX e cujas repercussões se estendem até aos nossos dias. Nesse sentido, propõe-se explicar, como resultado das várias investigações que realizou em trabalhos anteriores, as razões que estão por trás da durabilidade de Estado Novo e de António de Oliveira Salazar no poder. Este é um caso excecional no curso dos movimentos políticos em Portugal, cujo apogeu poderíamos apontar à terrível instabilidade política da 1ª República. Para Fernando Rosas a compreensão desta situação excecional que marca a longa vida do Estado Novo não oferece grandes dificuldades. Nesse sentido, ao longo do texto o autor propõe-se, por um lado, desmistificar determinadas ideias que alguma historiografia levantou relativamente a esta questão, e por outro, propor um conjunto de razões que, em simultâneo, terá permitido a Salazar arrastar-se no poder até estar verdadeiramente impossibilitado de prosseguir o comando da nação por motivos de saúde. O autor desta obra conviveu de perto com a realidade que aqui tematiza e essa proximidade está bem vincada ao longo das páginas. O suporte da sua tese é feito numa bibliografia extensa, onde se incluem várias das suas obras. Entre essa extensa bibliografia, destacaria o grande trabalho de síntese dos discursos de Salazar em diferentes momentos da sua vida político e da correspondência de Salazar e outros protagonistas do Estado Novo e do seu tempo. São vários excertos destes documentos que melhor nos ajudam a interpretar os factos que foram acontecendo e a construir o espírito, as motivações e anseios que caraterizaram os anos da ditadura salazarista. Assim, a leitura deste livro de Fernando Rosas torna-se relevante para todos os leitores que se interessem pelo regime do Estado Novo, pela liderança de Oliveira Salazar e, sobretudo, para todos os que de alguma forma já se questionaram pelas
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razões que explicam a sua longa permanência no governo de Portugal. Para Rosas as explicações são claras, é isso que expõe neste livro. Para o leitor que se identifica ideologicamente com o autor e para o que se afasta dele, este livro é um valioso contributo para melhor problematizar a durabilidade de Salazar à frente do nosso país.
Durabilidade de Salazar: a tese de Fernando Rosas Feita uma apreciação geral da obra em análise, proponho agora expor sucintamente a tese de Fernando Rosas neste livro. Seguindo pelo índice da obra percebemos claramente o trajeto que o autor pretende fazer com o seu leitor – entender como se dá a chegada de Salazar ao poder, a abordagem que o mesmo faz ao crescente poder que vai conquistando e, finalmente, o conjunto de fatores que permitem que este poder se perpetue até a sua saúde o afastar definitivamente o cargo que ocupou durante mais de três décadas. Para depois partirmos para uma análise mais detalhada de alguns aspetos específicos da obra, resta recuperarmos o ponto de lançamento deste livro e que servirá de pano de fundo de todas as questões levantadas – a relação de Salazar com a política. Fernando Rosas expõe que antes de lhe ser confiada a Presidência do Conselho de Ministros, já Salazar tinha uma visão clara da política e de como governar. Diz o autor que o economista católico da Universidade de Coimbra repudiava a democracia parlamentar, provavelmente marcado pela terrível experiência da 1ª República e, talvez, assustado pela força do movimento operário comunista que ameaçava o poder político na Europa, e considerava que o governo do país não podia ser afetado pelo perigo da massificação política. Esta relação conservadora e autoritária com a política irá acompanhá-‐lo ao longo da sua vida e será alicerce de muitas das suas decisões. 1. A chegada ao poder de Salazar Ao desenvolver a chegada de Salazar ao poder, Fernando Rosas apresenta, em primeiro lugar, uma série de mitos associados ao 28 de Maio de 1926 que pretende clarificar e, em segundo lugar, sugere um percurso em seis passos para que Salazar se veja à frente do seu país.
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Rosas entende o 28 de Maio de 1926 como envolto em grande confusão e diz que três mitos merecem melhor explicação. Um primeiro mito diz respeito à construção da ideia de uma intervenção salvífica nacional, muito associado ao simbolismo do Exército enquanto salvador da nação, que vem quebrar com a demagogia e corrupção e instaurar uma nova ordem. O autor discute esta perspetiva ao referir que o pós-‐28 de Maio foi, também, marcado por grande confusão, o que explica que a ditadura militar só tenha conseguido oficializar-‐se a 9 de Julho desse ano e que os anos até ao regime do Estado Novo sejam, da mesma forma, um período intranquilo para o povo português (a não ser financeiramente com a chegada de Salazar). Ou seja, havia um consenso relativamente à quebra com o trajeto da república liberal mas ninguém sabia bem que caminho seguir depois. O segundo mito refere-‐se à ausência de luta dos liberais no fim da 1ª República, uma ideia errada do período de governo da Ditadura Militar, considerado por Rosas como um dos períodos mais intensos de guerra civil em Portugal no século XX. Segundo o autor, os liberais não abdicaram do poder de mão beijada e, por isso, o período político até à instauração do Estado Novo esteve longe de ser tranquilo, o que rebate o último mito associado a este tempo, o do passeio triunfal do 28 de Maio ao advento do Estado Novo. Estando longe de ter sido um período pacífico, calmo e tranquilo onde o Estado Novo aos poucos foi ganhando o seu espaço num trajeto linear, Rosas propõe 6 passos essenciais para a chegada de Salazar ao poder. O primeiro deu-‐ se com o combate vitorioso frente ao reviralhismo, que enfraquecendo a direita liberal a divide e fortalece Salazar. Num segundo passo, refere-‐se a transmutação de Salazar de mago financeiro para chefe político da contra-‐revolução, assumindo, enquanto especialista económico e depois como responsável das finanças do governo, uma voz firme sobre o caminho a seguir e, mais tarde, uma hegemonia sobre os outros ministérios. De seguida, Rosas sugere que foi essencial o sucessivo afastamento dos militares republicanos da chefia do governo e a boa relação de Salazar com Oscar Carmona que vai patrocinar a sua ascensão. Mais tarde, já como Presidente do Conselho de Ministros, e ainda mais essencial, revela-‐se o acordo com a corrente republicana dentro das Forças Armadas e de outros adversários políticos que Salazar e integra no regime,
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esvaziando-‐os, no entanto, politicamente e aos compromisso que com eles celebra. Uma manobra que iludiria muitos dos adversários que com ele vão gerindo consenso. Na mesma lógica, Rosas refere ainda a importância da integração do nacional-‐sindicalismo e a sua disciplina para, assim, conseguir unir, numa força só, as várias direitas da direita que vão sustentar, pelo menos nesses primeiros anos, o novo regime do Estado Novo. 2. Salazar no poder – Um Chefe, um Regime, um Povo Uma vez no poder, Fernando Rosas faz uma caraterização da relação de Salazar com o poder, resumindo-‐a na triangulação chefe-‐regime-‐povo. A construção de imagens que o Estado Novo faz do seu líder, do próprio regime e do povo português cria uma sensação de dependência entre as três que dificulta, de forma crescente, o afastamento desta formulação. Ou seja, o Estado Novo procura difundir a ideia que só com este chefe, este regime e um povo comprometido com os verdadeiros valores nacionais, Portugal se poderia reerguer das longas décadas de crise. Assim, desde ministro da pasta das finanças e nos anos do novo regime até à 2ª Guerra Mundial, assistimos a uma intensa atividade da propaganda do Estado Novo no sentido de cultivar um consciência clara e profunda desta triangulação fundamental à salvação da nação. António de Oliveira Salazar, chefe de governo, é apresentado como um homem humilde, ordeiro e disciplinado, sábio e competente mas desprendido do poder. Aceita as suas responsabilidades por sentido de dever. O relato das caraterísticas que a propaganda atribuía a Salazar recebe de Rosas um tom irónico, como quem sugere que desde o início se propunha manipular o povo, a quem, segundo o autor, se referia com um certo desprezo enquanto governador elitista e antidemocrático. Parece-‐nos interessante cruzar esta construção do chefe elaborada pela propaganda estado novista com o texto de Yeves Cohen sobre os diferentes tipos de chefes e lideranças (ideológicas) mundiais no século XX. Para Salazar, teria grande importância a identificação do povo consigo, procurando dar uma imagem de si daquilo que esperava do povo, e, ainda, o
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claro sentido de abnegação do poder, o que, ironicamente, contrasta com o tema deste livro. A definição do regime surge em vários dos discursos fundadores1 desses primeiros anos de Salazar é justificada como um desfecho necessário da instabilidade e crise das últimas décadas (possivelmente desde a crise do Ultimatum britânico). Por outro lado, o novo regime é assumidamente inspirado em Mussolini e, daí, são frequentes as comparações relativamente àquilo que pretende e não pretende ser. Identificar-‐se-‐ia no que respeita ao reforço da autoridade, ao nacionalismo e à guerra aberta aos princípios da democracia, desmarcando-‐se, todavia, dos processos italianos de renovação social e cultural, da ausência de limites jurídicos e morais às ações estatais ou do estilo violento. Relativamente aos últimos dois pontos, Rosas procura explicar que o Estado Novo fará grande manipulação das jurisdições para servir os seus próprios interesses e que a violência (que em Portugal se tende a medir através de alguns números quase sempre descontextualizados) foi um dos fatores da durabilidade do regime. Finalmente, o salazarismo procurará, segundo Fernando Rosas, criar uma imagem do homem português ideal – o homem novo – e a ele sujeitará o povo português. O autor cita um escritor espanhol2 que terá dito que a imposição cultural em Portugal era tal que lhe lembrava os processos de colonialização. Esta ideia do homem novo em resposta ao grave problema de crise de mentalidade nacional que Salazar diagnosticava nos portugueses e cuja disseminação dependeria de uma forte educação de elites. Para aprofundar os últimos pontos que aqui expostos, nomeadamente a construção mitológica do regime e do homem novo português, é recomendada a leitura da tese de doutoramento da prof.ª Susana Pereira de Bastos3 Estado Novo e os Seus Vadios.
1 Termos de Fernando Rosas para se referir aos discursos mais relevantes de Salazar na década de 30 para a definição dos contornos do novo regime 2 Engenio d’Ors 3 Susana Trovão, docente na FCSH
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3. Durabilidade de Salazar: 5 fatores É no seguimento do caminho feito por Salazar até ao poder e da imagem que este cultiva de si, enquanto líder, do Estado Novo e do povo português, uma vez à frente do país, que Fernando Rosas propõe um conjunto de 5 fatores fundamentais que explicam a permanência de Salazar no poder ao longo das décadas: Violência, Controlo das Forças Armadas, Cumplicidade com Igreja Católica, Corporativismo, e Investimento no homem novo salazarista. Relativamente à violência, começa por fazer a distinção entre violência preventiva e violência punitiva, lembrando que ambas são condenáveis. Menciona os vários órgãos utilizados pelo Estado Novo tanto na prevenção como na repressão e que o consenso em torno de Salazar que alguma historiografia refere se torna relativo quando consideramos a pouca liberdade civil e política no novo regime. Focando inicialmente a sua análise nos mecanismos de violência preventiva, Rosas aprofunda de seguida as formas de repressão, recordando, entre outras coisas, que entre 1926 e 1974 aconteceram entre 30 000 a 35 000 prisões políticas. O controlo das Forças Armadas é, para Rosas um dos aspetos chave, não fossem estas, em Portugal, desde finais do século XIX, a maior responsável pela renovação do poder político. Salazar soube desde cedo que enquanto quisesse governar teria de conseguir manter um sólido apoio das Forças Armadas, sobretudo do Exército. Dirigindo-‐se desde cedo aos militares, procurando conquistá-‐los para si, Salazar assume, cedo no seu percurso, a pasta da Guerra no governo onde trava alguns confrontos com o poder militar e acabando, eventualmente, por sair por cima e aplicar uma reforma militar que afastaria algumas das caras que a ele causavam mais desconforto. A 2ª Guerra Mundial e os tempos que lhe sucederam trouxeram novas (e prolongadas) fricções entre Salazar e as Forças Armadas mas Salazar foi sempre superando as crises que o ameaçavam. Rosas explica, em grande parte, o delinear destes acontecimentos pela inércia militar (chama-‐lhe cobardia política) para verdadeiramente romper com Salazar apesar dos inúmeros movimentos que se iam organizando para o efeito. Outras razões seriam a perspicácia e rapidez de Salazar nas respostas aos desafios e o largo conhecimento das elites militares.
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A cumplicidade política e ideológica com a Igreja Católica é para Rosas outro dos fatores relevantes na durabilidade de Salazar no comando do país mas a sua ação terá sido verdadeiramente fundamental numa primeira fase, até ao fim dos anos 50. Durante esse período, a sintonia entre Salazar, cujo percurso tinha sido grandemente marcado pelo Centro Católico, e a Igreja eram grandes e várias concessões de parte a parte se revelavam benéficas para ambos (muitas chegando a ser legisladas, como é o caso da Concordata e do Acordo Missionário no início da década de 40). O papel da Igreja é, nesta fase, muitíssimo relevante, sobretudo, pela sua proximidade do povo analfabeto, pela sua dispersão geográfica, pelo cultivo e educação do homem novo salazarista. A década de 60 trouxe grandes mudanças para a Igreja universal (entre elas o Concílio Vaticano II, em 1962) nomeadamente no que toca aos temas de autodeterminação nacional e de libertação das colónias. Em acrescento, em Portugal, surgem algumas vozes de baixo da Igreja contra o regime salazarista. Desde então, a relação Igreja Católica-‐Estado Novo degrada-‐se e a primeira deixa de ter o papel fundamental da primeira fase. Rosas sugere, ainda, um novo fator decisivo no longo poder de Salazar – o corporativismo enquanto regime. Para o autor foi isso que permitiu o controlo e a disciplina do movimento operário e sindical, acabando com a luta de classes e procurando ser resposta aos graves efeitos internos das crises económicas e financeiras do capitalismo. Assim, o corporativismo salazarista focava-‐se, sobretudo, em dois aspectos: prevenir a subversão social, promovendo a ordem e a disciplina, e arbitrar a vida económica, realizando uma intervenção reguladora. Expondo de forma pormenorizada os vários mecanismos utilizados pelo Estado Novo na prossecução destes objetivos, Fernando Rosas conclui, de forma algo dramática, que o corporativismo é o fascismo enquanto regime. Finalmente, um último aspeto emerge como essencial para Fernando Rosas nesta questão. Trata-‐se do projeto totalitário do homem novo salazarista, símbolo perfeito da ideologia salazarista e dos valores do Estado Novo – da renascença portuguesa depois de mais de 100 anos de liberalismo monárquico; do retomar do curso da história da pátria; da missão colonizadora nacional; da ordem e da moral; da vocação católica. Tudo isto justificava a intransigência, a autoridade, a repressão de um Estado que nada mais fazia que resgatar as almas
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dos portugueses. Assim, segundo o autor, o espírito humano era tratado como matéria prima e alvo de um esforço grande de modelação aos critérios definidos pelo Estado. No pós-‐2ª Guerra Mundial, assiste-‐se a uma contenção do aparelho propagandístico mas a essência do projeto ideológico poucas alterações sofre, excetuando as adaptações económicas deste período.
Conclusão Em resposta à pergunta que lança no início do livro, Fernando Rosas entende que quatro questões são preponderantes para explicar a longevidade do reinado de Salazar: a proximidade e, mais que isso, o controlo sobre as Forças Armadas; a eficácia dos vários instrumentos de violência preventiva; a certeza e prontidão da punição repressiva em caso de desafio aos limites tolerados; a capacidade de manter unidos vários sectores da classe dominante em torno do salazarismo.
Esta obra é um contributo precioso a quem se interessa pelo período de
governo do Estado Novo. Uma síntese interessante e que permite ao leitor problematizar um tema tão misterioso da história contemporânea nacional.
Bibliografia BASTOS, Susana Pereira de (1997). O Estado Novo e os Seus Vadios: contribuição para o Estudo das Identidades Marginais e Sua Repressão. Publicações Dom Quixote, 1ª edição. Lisboa COHEN, Yves (n.d.). O conjunto significativo da figura do chefe. Retirado de http://www.revistafevereiro.com/pag.php?r=06&t=02# HOBSBAWM, Eric (1994). A Era dos Extremos: O Breve Século XX. ROSAS, Fernando (2012). Salazar e o Poder. A Arte de Saber Durar. Edições tinta-‐ da-‐china, Lda., 1ª edição de bolso. Lisboa
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