Recensão * Vu de Droite (A. de Benoist)

June 9, 2017 | Autor: Patrícia Fernandes | Categoria: Alain de Benoist, Vu de Droite
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RECENSÃO

BENOIST, ALAIN DE, NOVA DIREITA, NOVA CULTURA. ANTOLOGIA CRÍTICA DAS IDEIAS CONTEMPORÂNEAS, TRAD. PORT. AAVV, LISBOA, EDIÇÕES AFRODITE, 1981, 564 PP. (ed. or. Vu de Droite. Anthologie critique des idées contemporaines, 1977)

Perto de cumprir quarenta anos sobre a sua publicação, Vu de Droite, do pensador francês Alain de Benoist, deve ser escolhido tendo em conta a sua estrutura peculiar. Não se trata, de facto, de um texto ensaístico do estilo a que nos habituou Benoist mas antes de uma antologia de ideias, a partir de uma seleção de temas que remete para os fundamentos passados e as controvérsias presentes. Como diz o autor na introdução, «[t]rata-se de uma antologia, não de uma verdadeira enciclopédia – ainda que nele manifeste um anseio bastante comparável, ao fim e ao cabo, ao dos enciclopedistas do séc. XVIII.» (p. xxxviii) Como chama a atenção José Miguel Júdice na nota à edição portuguesa, trata-se de “um esforço, que se julgaria sobrehumano, de reunir (…), com coerência e a partir do que se poderia chamar ‘o estado atual das ciências’, os fundamentos de uma conceção de mundo, integral e coerente.” É este então o propósito de Benoist: refletir a partir de um conjunto de ideias que constroem uma determinada Weltanschauung - um Vu de Droite, um olhar a partir de um determinado ponto sobre tudo o que o rodeia. É nesse sentido que esta antologia percorre, em pequenas notas de estilo enciclopédico e com devidas referências bibliográficas, a nossa herança histórica e filosófica, referida a múltiplos domínios como os que vão da física à biologia ou da psicologia à pedagogia considerando a partir dessa herança distintos sistemas políticos e o pensamento de autores tão diferentes como Clausewitz e Marx, Sorel e Gramsci, e contextualizando os grandes debates e controvérsias da contemporaneidade. Júdice fala no “pensamento em devir, o de Benoist”, que torna difícil “‘normalizar’ através de uma classificação”. Podemos dizer que “Benoist veio da direita, mas não está na direita”, pois como o filósofo francês afirma, «[p]or agora, as ideias que esta obra defende estão à direita; mas não são, necessariamente, de direita.» Acrescentando, «[p]osso mesmo imaginar perfeitamente situações em que elas poderiam estar à esquerda. Não seriam as ideias que teriam mudado, mas sim a paisagem política que teria evoluído. Veremos o que o tempo terá para nos dizer.» (p. xxiii) Tendo em conta a recente apropriação do pensamento de Benoist por alguma esquerda, estas parecem palavras premonitórias. Defendi noutro lugar que a dificuldade em classificar o pensamento de Benoist decorre sobretudo do facto de ele se tentar posicionar fora do quadro da modernidade, que impõe ela

mesma essas classificações. Ainda assim, Benoist tenta articular, de facto, um pensamento de direita mas de uma nova direita na medida em que pretenderia desconstruir um consensus de igualitarização que, na sua opinião, tem raízes profundas. Chamo aqui de direita, por pura convenção, a atitude que consiste em tomar em consideração a diversidade do mundo e, por consequência, as desigualdades relativas que dela necessariamente decorrem, como um bem; e a homogeneização progressiva do mundo, proposta e realizada pelo discurso duas vezes milenário da ideologia igualitária, como um mal. (p. xxiv)

E, nesse sentido, a seus olhos, o inimigo não é “a esquerda”, ou “o comunismo”, ou ainda “a subversão”, mas pura e simplesmente esta ideologia igualitária cujas formulações, religiosas ou laicas, metafísicas ou pretensamente “científicas” não deixam de florir desde há 2000 anos, de que as “ideias de 1789” não foram mais do que uma etapa e de que a subversão atual, e o comunismo, são a inevitável consequência. (p. xxiv)

Benoist tributa Gramsci pelo reconhecimento da importância de intervir no espaço público, influenciar o poder cultural, sedimentar uma posição ideológica que permita questionar o consensus existente: «[A direita] não se apercebeu da importância de Gramsci. Não viu em que medida o poder cultural ameaça o aparelho do Estado. De que forma esse “poder cultural” age sobre os valores implícitos, em redor dos quais se cristaliza o consensus indispensável à duração do poder político. Não avaliou ainda quanto o ataque político frontal recolhe os frutos da guerra ideológica de posições.» (p. xxviii) É isto que Benoist tem em mente com esta obra: «[n]estes textos, procurei esboçar o rosto de uma direita possível.» (p. xxxviii) Uma direita que, para lá das nossas convicções pessoais, pode e deve contribuir de forma relevante para a discussão sobre o nosso futuro comum. Mas que necessitou (ainda necessita?) de um trabalho teórico como o de Benoist para escapar à «propaganda [que consiste] em assimilar ao “fascismo” toda e qualquer doutrina de direita que se afirme com algum vigor.» (p. xxv) Uma sociedade pluralista deverá finalmente afastar, o espantoso espetáculo de uma direita que se não pode afirmar como tal sem se ver taxada de “fascismo”, e de uma esquerda e de uma extrema-esquerda que a qualquer momento se podem dizer como socialistas, marxistas ou comunistas, afirmando sempre, claro está, que as suas doutrinas nada têm a ver com o estalinismo, nem, aliás, com qualquer forma de socialismo historicamente realizado. Ora, se os seguidores das diversas variedades de socialismo se não sentem comprometidos por qualquer das experiências concretas que os precederam – e nomeadamente pelas mais criminosas de entre elas – não vejo por que razão a direita moderna, que afasta totalmente de si qualquer vocação totalitária, terá de bater com a mão no peito a justificar-se. (p. xxvi) Patrícia Fernandes, 2016

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