Recolha de Jurisprudência - Exoneração do Passivo Restante

June 29, 2017 | Autor: A. Conceição | Categoria: Insolvency Law, Bankruptcy Law, Consumer overindebtedness, Insolvency, Banruptcy and Insolvency Law
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Resumo da jurisprudência sobre exoneração do passivo restante:

O número de insolvências de pessoas singulares supera, em Portugal, o número de insolvências de pessoas coletivas, sendo que, na quase totalidade dos casos, o desfecho do processo culmina com a solicitação da exoneração do passivo restante, em detrimento de outros modos de conclusão do processo. Não existe, todavia, uma base de dados de sentenças dos tribunais de 1.ª instância, pelo que só com recurso à jurisprudência dos Tribunais da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça é possível ter uma ideia sobre as principais dúvidas com as quais se debatem os tribunais quanto a este instituto.
O próprio portal CITIUS, que publicita as declarações de insolvência e os atos associados à tramitação do processo, apresenta algumas deficiências quanto aos dados sobre a exoneração do passivo restante mas, a título exemplificativo, uma pesquisa desde a entrada em vigor do CIRE até à data de hoje apresenta, conforme os critérios de busca, entre 12000 a 14500 despachos iniciais de exoneração do passivo restante. Relativamente às cessações antecipadas, o mesmo portal indicia cerca de 60 a 80 situações, também conforme os critérios utilizados e, no que respeita ao despacho final, podemos encontrar cerca de 400 despachos, mas uma leitura atenta dos mesmos revela que existe uma catalogação errónea por parte do portal, pelo que na realidade não se encontram números fiáveis sobre o número de exonerações que terminaram, nem quais as consequências das mesmas.
Elencamos abaixo um conjunto de questões que têm sido abordadas com frequência na jurisprudência dos tribunais superiores, relativamente à exoneração do passivo restante.

Apreciação das condições vertidas no art.º 238.º n.º 1 d) CIRE: a simples acumulação de juros de mora não é critério para recusa da exoneração por falta de apresentação do devedor, sem comprovação dos restantes requisitos do artigo, cujo ónus da prova pertence aos credores ou se baseia no princípio do inquisitório:
Acórdão STJ de 21-3-2013; Acórdão STJ de 14-02-2013; Acórdão STJ de 19-06-2012; Acórdão STJ de 19-04-2012; Acórdão 24-01-2012; Acórdão STJ de 22-03-2011; Acórdão STJ de 21-10-2010 e jurisprudência das várias Relações desde 2008; em sentido contrário: Acórdão TRP de 20-04-2010. No entanto, a abundância de acórdãos sobre a matéria, ainda em 2013, permite deduzir que a 1.ª instância tem dúvidas, indeferindo liminarmente a pretensão apenas pela falta de apresentação do devedor à insolvência.
Exemplos de verificação dos restantes requisitos do art.º 238.º n.º 1 d), sejam prejuízos graves ou a falta de apresentação conjugada com o conhecimento de que a situação de insolvência não iria alterar-se:
Acórdão STJ de 3-1-2011; Acórdão TRP de 10-09-2013; Acórdão TRP de 06/06/2013; Acórdão TRP de 29-04-2013; Acórdão TRP de 09-04-2013 (doação de património); Acórdão TRP de 19-12-2012 (avolumar de juros, no sentido da alínea anterior, cujo montante seja substancialmente elevado configura prejuízo para os credores); Acórdão TRP de 09-10-2012 e Acórdão TRL de 20-03-2013 (contração de novas dívidas); Acórdão TRP de 19-06-2012; Acórdão TRP de 09-01-2012 (alienação de património); Acórdão TRP de 31-05-2010 (alienação do único bem do insolvente); Acórdão TRP de 09-12-2008; Acórdão TRP de 9-12-2008 (alienação do único bem do insolvente); Acórdão TRE de 21-06-2012 (utilização excessiva de cartões de crédito por vontade de consumir); Acórdão TRE de 14-06-2012 (doação de património e novas dívidas bancárias); Acórdão TRG de 25-03-2010 (agravamento do passivo com contração de novos créditos); Acórdão TRC de 25-06-2013 (agravamento do passivo com contração de novos créditos); Acórdão TRC de 02-03-2010 (doação), entre outros. Considera-se aqui que, pelo contrário, muitos tribunais de 1.ª instância estão atentos aos circunstancialismos graves que podem pôr em causa a concessão da exoneração, como comportamentos negligentes, dolosos e fraudulentos do devedor (com maior relevância nas exonerações do passivo restante requeridas por sócios de sociedades comerciais).

Rendimento concedido ao insolvente no período de cessão, nos termos do art.º 239.º n.º 3 alínea i) CIRE (princípios fundamentais – proibição do excesso, nos termos do art.º 18/2 CRP e defesa da dignidade humana – art.º 1.º e 52/2 a) CRP, segundo a maior parte dos acórdãos)
Acórdão TRP de 3-12-2013 – tribunal de 1.ª instância concede dois salários mínimos nacionais; recorrentes comprovam despesas no valor de € 1600; "O art. 239°, nº 3, b), i) do C.I.R.E. deve assim interpretar-se no sentido de que a exclusão aí prevista tem como limite mínimo o que seja razoavelmente necessário para garantir e salvaguardar o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, e como limite máximo o valor equivalente ao triplo do salário mínimo nacional (valor máximo este que só pode ser excedido em casos excepcionais, devidamente fundamentados)"; é negado provimento ao recurso, uma vez que o valor não põe em causa a dignidade humana; Acórdão TRC de 31-1-2012 "Não existe qualquer correspondência directa entre o valor a retirar do rendimento disponível para garantir o sustento do devedor e o montante global das despesas por aquele indicadas – a não ser assim, o legislador diria que o valor a fixar deveria corresponder ao montante global das despesas apresentadas e não fixaria um valor máximo".
"O critério a usar pelo julgador é o da dignidade da pessoa humana o que, numa abordagem liminar ou de enquadramento, se pode associar à dimensão dos gastos necessários à subsistência e custeio de necessidades primárias do devedor e do seu agregado familiar."
Está em causa determinar o estritamente necessário para o sustento do devedor e do seu agregado familiar, e não necessariamente manter o nível de vida que tinham antes da declaração de insolvência (nível de vida esse em que os gastos superam os próprios rendimentos e que os terá levado à situação de insolvência em que se encontram)"; Acórdão TRP de 18-02-2013 – diferenciação das quantias em virtude do insolvente ser emigrante (3 salários quando se encontra no estrangeiro; 2 quando se encontra em Portugal); Acórdão TRP de 25-09-2012 – "Para o cálculo do rendimento necessário à subsistência do insolvente e seu agregado familiar não são de relevar despesas mensais com propinas do doutoramento da insolvente, nem despesas com o colégio privado da filha de cinco anos, nem as despesas com ama e empregada doméstica, nada tendo sido alegado que justifique a indispensabilidade de tais despesas"; Acórdão TRP de 24-01-2012 e outros de vários tribunais da Relação – alteração dos montantes por alegação de despesas superiores (onde se caracteriza o salário mínimo nacional como o mínimo de sobrevivência, atribuindo-se um salário mínimo nacional por cada membro do casal – esta ideia é defendida pela esmagadora maioria dos acórdãos); Acórdão TRP de 29-06-2011 – alteração dos montantes por alegação de despesas superiores (de um para dois salários mínimos nacionais, considerando-se que "não vemos como possa a devedora dispor de apenas 85 Euros para as restantes despesas, como sejam alimentação, vestir-se, medicar-se, pagar água, luz, telefone, etc.." e reforçando-se o princípio da dignidade humana; Acórdão TRP de 10-05-2011 – o insolvente deve adaptar o seu orçamento às suas novas circunstâncias, não podendo manter o mesmo nível de vida; Acórdão TRE de 20-12-2012 – "Se se verifica que o remanescente do rendimento reclamado pela insolvente, para seu sustento e a excluir do rendimento disponível para pagamento dos credores é mais do que suficiente para, nos cinco anos que dura a medida, os créditos serem integralmente pagos, não se justifica submeter a requerente a um regime de austeridade mais severo, apenas para antecipar o pagamento aos credores."; Acórdão TRE de 27-10-2011 – os insolventes devem alterar os seus padrões de vida, não podendo comportar-se como se não estivessem insolventes, uma vez que não comprovam despesas que justifiquem maiores montantes; Acórdão TRG de 17-12-2013 – mínimo de sobrevivência é um salário mínimo nacional por cada membro do casal ( e não valor inferior); Acórdão TRG de 18-06-2013 – pensão de alimentos paga a filho menor não é contabilizada para efeitos de rendimento disponível; Acórdão de 14-02-2013 – um salário mínimo para o insolvente que não tem despesas de habitação, sendo que ainda serão entregues ao fiduciário os subsídios de natal e férias, uma vez que este terá de adaptar o seu estilo de vida à insolvência; Acórdão TRC de 29-05-2012 – o insolvente, apesar de viver com companheira desempregada e um filho menor, tem direito a 1.5 salários mínimos nacionais uma vez que terá de adaptar o seu estilo de vida à situação de insolvência (passivo total seria de € 7000, rendimento a ceder aos credores cerca de € 300); Acórdão TRC de 20-03-2012 – um salário mínimo para um dos membros do casal e a totalidade da reforma, inferior àquele montante, para o outro é considerado mínimo de sobrevivência; Acórdão TRC de 31-12-2012 – um salário mínimo como mínimo de sobrevivência para a devedora, apesar de se considerar que o credor contribuiu para a insolvência da mesma; Acórdão TRC de 13-12-2011 – insolvente solicita 800€ e são-lhe fixados apenas €651 porque "Quando falamos de um casal, em que um dos seus membros sofre de perturbação esquizoafectiva, que tem como rendimento mensal € 893,87 e que paga € 375,00 pela renda da casa onde vive, é difícil conciliar uma redução desse rendimento com o conceito de "sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar".Mas, se a situação dos insolventes está no limiar do dramático, não é menos verdade que eles não podem ser desresponsabilizados do seu comportamento que os conduziu a terem dívidas que atingem os € 63 184,53. Nem tão pouco podemos desconsiderar os legítimos interesses dos credores, pese embora quanto a estes fique por perceber se os créditos que concederam foram precedidos de uma avaliação minimamente rigorosa que lhes permitisse concluir que aqueles tinham, efectivamente, capacidade económica para solver os compromissos que iam assumindo"; Acórdão TRC de 28-09-2010 – dois salários mínimos nacionais como mínimo de sobrevivência para cada membro do casal, mais os montantes necessários para que o filho, estudante universitário, frequente a universidade, enquanto tal seja necessário; Acórdão TRL de 22-11-2012 – concede-se um valor superior ao salário mínimo nacional à insolvente, que comprova despesas superiores, uma vez que a exoneração não se trata de uma punição; Acórdão TRL de 22-01-2013 – concede-se um valor superior ao salário mínimo nacional, não se concedendo maior valor porque a insolvente tem de se adaptar a um estilo de vida modesto, de forma a não prejudicar os credores;

Os tribunais de 1.ª instância não parecem, na generalidade, aceitar de bom grado o instituto da exoneração (veja-se o estudo da DGPJ, de 2010, no qual se indica que o período de cessão, de cinco anos, pode considerar-se curto) e não existe uma tendência bem definida, face à abundância de acórdãos sobre esta matéria, para fixar os montantes de forma uniforme. Se existem tribunais que atentam às situações concretas dos insolventes, desde que estes o comprovem devidamente na petição inicial, outros há que seguem a regra de fixar o salário mínimo nacional por insolvente, quando não são demonstradas despesas, ou não são aceites. Neste aspeto, face aos acórdãos e respetivas fundamentações, não se pode falar numa orientação genérica, havendo tribunais mais ou menos sensíveis às questões concretas colocadas pelos insolventes, sendo que a maior parte dos acórdãos considera também que os insolventes deverão honrar os seus compromissos para com os credores. Englobam as quantias destinadas ao sustento digno do devedor, em geral, as relacionadas com alimentação, vestuário, habitação, despesas de saúde, despesas de educação dos filhos menores e transportes dos membros do agregado familiar, tanto para a escola, como para o local de trabalho.

A falta de rendimento ou bens não é fundamento para indeferimento da exoneração do passivo restante:
Acórdão TRP de 24-09-2013; Acórdão TRP de 13-11-2012; Acórdão TRP de 28-03-2012; Acórdão TRP de 13-07-2011; Acórdão TRP de 31-03-2011; Acórdão de TRP 02-04-2010; Acórdão TRP de 17-06-2009; Acórdão TRP de 12-05-2009; Acórdão TRE de 07-12-2012.

Casa de morada de família:
Acórdão TRP de 19-01-2012 – considera-se que os insolventes podem arrendar uma casa mais barata, quando a casa que habitam já foi arrendada após o início do processo de insolvência "não se trata de levar os insolventes a deixaram uma casa onde sempre tenham vivido e à qual poderiam estar ligados por certo tipo de razões, mas sim uma casa arrendada já depois de ter sido declarada a sua insolvência e de ter sido deferido o pedido de exoneração do passivo, ou seja, quando os insolventes já sabiam que teriam de ceder parte do seu rendimento aos credores"; Acórdão TRG de 07-02-2012 – os insolventes alegam que terão de arrendar uma casa pelo valor X, sendo que o tribunal considera, após consulta na internet, que poderão ser arrendadas casas por valor inferior, não libertando mais rendimento no período de cessão.

A casa de morada de família, se for propriedade dos insolventes, é apreendida e liquidada no processo, não havendo especial proteção da mesma.





http://www.dgpj.mj.pt/sections/politica-legislativa/anexos-pendencias/sections/politica-legislativa/anexos-pendencias/anexo-iv-estudo-dezembro/downloadFile/file/AnexoIV_Relatorio_Insolvencias.pdf



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