Reconciliação em Moçambique: as Memórias pelas lentes da Amnistia

July 25, 2017 | Autor: N. Bueno Schenoni | Categoria: Peace and Conflict Studies, Transitional Justice, Mozambique, Memory Studies, Reconciliation
Share Embed


Descrição do Produto

Reconciliação em Moçambique: as Memórias pelas lentes da Amnistia

THIS IS A PRELIMINARY DRAFT. PLEASE DO NOT CITE OR CIRCULATE WITHOUT THE PERMISSION OF THE AUTHOR. COMMENTS ARE WELCOME.

Natália da Costa Pereira Bueno Ph.D. Candidate University of Coimbra Coimbra - Portugal [email protected]

Paper to be presented at “Painel: Paz, Poder e Segurança”, V COLÓQUIO INTERNACIONAL DOS DOUTORANDOS DO CES, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal, March 21, 2015.

Reconciliação em Moçambique: as Memórias pelas lentes da Amnistia Resumo: O conflito violento entre a Frente de Libertação Nacional (Frelimo) e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), concluído em 1992, deixou marcas profundas em Moçambique. Foram dezesseis longos anos de guerra civil que não podem ser simplesmente apagados da história ou desconsiderados como se não fizessem mais parte das lembranças da população. As situações experimentadas durante o conflito foram, em sua maioria, traumatizantes e redundaram em rupturas no tecido social. No entanto, apesar da violência estrutural associada à guerra, deu-se início a um processo de reconciliação no país logo após a cessação do conflito violento. A reconciliação moçambicana é caracterizada especialmente por dois mecanismos: a lei de amnistia (método formal) e os rituais tradicionais de cura (método tradicional). Em termos gerais, as amnistias são vistas como instrumentos que favorecem o esquecimento, “enterrando o passado”, enquanto, os rituais de curas são considerados mecanismos que possibilitam aos indivíduos o tratamento das experiências traumáticas, atribuindo novos significados às suas memórias. De forma simplificada, esses mecanismos ilustram o debate entre o esquecer versus o lembrar. Ao considerar a memória um elemento-chave no processo de reconciliação, a presente proposta centra-se na questão da amnistia e questiona como a escolha política pela mesma tem delineado as memórias da guerra civil, influenciando o processo de reconciliação moçambicano. Em especial, objetiva-se contribuir para o debate sobre se a amnistia tem contribuído ou não para o esquecimento das memórias da guerra civil moçambicana. Palavras-chave: Memórias; Reconciliação; Amnistia; Moçambique.



Esta proposta de trabalho tem por base a investigação científica financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

1

Forgetting the extermination is part of the extermination itself. (Jean Baudrillard)

1. Introdução Após 16 longos anos de conflito que deixou o país com mais de um milhão de mortos e assolou as relações mais íntimas de comunidades inteiras em Moçambique, a resposta à pergunta - como lidaremos com o passado? - não seria simples. Ainda durante a guerra civil, em meados de 1982, Samora Machel1 chama a atenção da população para a importância do passado. Em suas palavras,

Outros diziam que o passado era passado, que não havia necessidade de o relembrar. Mas só revendo o passado, conheceremos o presente. Só conhecendo o presente teremos a perspectiva do futuro. São três elementos fundamentais de uma sociedade: o passado, o presente e o futuro. São páginas da história, contra a qual não podemos ir. (Discurso Samora Machel, 1982) Ao referir-se ao passado, Machel faz alusão essencialmente ao passado colonial moçambicano e não ao passado do conflito entre a Frelimo e a Renamo. A relevância da proposição do exlíder, no entanto, se mantém. Desde o presente, olhar para trás e encarar o passado e, assim, ser capaz de vislumbrar o futuro. Em 1992, ao final da guerra civil, não foi essa a postura tomada pelos líderes políticos. Justificou-se a opção política pela amnistia como intento de promover a reintegração dos excombatentes na vida civil sem receio de serem punidos (Bartoli, 2001: 378). Uma vez que a lembrança dos atos passados poderiam engendrar novos conflitos, o esquecimento representaria uma conquista cultural e uma forma de evitar a recorrência de atos violentos (Meier, 2001 apud Schwab, 2012: 53). Neste sentido, o esquecimento seria instrumental para a obtenção da paz (Igreja, 2008: 539), alicerçando a escolha oficial pela lei de amnistia como forma de silenciar o passado e deixá-lo para trás. Samora Machel foi um militar moçambicano que liderou a Guerra da Independência de Moçambique e tornouse o primeiro presidente do país após a sua independência, governando de 1975 a 1986. Morreu em um acidente de avião na vizinha África do Sul. 1

2

Em uma dimensão mais alargada, a escolha pela amnistia insere-se no debate em termos de reconciliação entre o lembrar e o esquecer. É com o fim de colaborar com essa discussão que o presente artigo centra-se no caso de Moçambique e questiona a influência da amnistia e como ela tem contribuído ou não para o esquecimento das memórias da guerra civil moçambicana. Para efeitos de organização, este artigo está dividido em cinco seções. A segunda parte apresenta o enquadramento teórico do tema proposto com o objetivo de situar a amnistia em termos de reconciliação e de memória. Em terceiro, apresenta-se um breve histórico do conflito e do acordo de paz. O encontro entre o debate teórico e o caso dá-se na quarta seção. E, por fim, a última parte dedica-se às considerações finais. 2. Debate Teórico: Reconciliação & Memórias A reconciliação é considerada necessária principalmente em sociedades que perpassaram por conflitos internos violentos prolongados (Lederach, 1997; Bloomfield et al., 2003) e ficaram marcadas, entre outros, pela perda da confiança, pela transmissão dos traumas e dos ressentimentos entre as gerações, e pela interdependência negativa, ou seja, pela afirmação da identidade de um grupo com base na negação do outro (Fischer, 2011: 415). Na ausência de consenso, diferentes definições e alcances são atribuídos à reconciliação. Para alguns autores (Lederach, 2001; Bar-Siman-Tov, 2004), ela revela-se como processo. John Paul Lederach afirma que a reconciliação - a mudança e a redefinição das relações entre as pessoas – dá-se de forma processual; uma dinâmica com o fim da construção e da cura (2001: 842). Distintamente, Daniel Bar-Tal e Gemma Bennick, apesar de reconhecerem o caráter processual, enfatizam que a reconciliação é um estado final, um fim último. Caracterizam-na como uma situação em que há, entre outros, reconhecimento e aceitação mútua, atitudes positivas, e consideração e sensibilidade das necessidades e dos interesses uns dos outros (BarTal e Bennick, 2004: 15). Observa-se também a distinção da reconciliação em níveis: dos superficiais e restritos até os mais profundos e alargados. Enquanto o primeiro refere-se estritamente à pacificação e à coexistência (Bloomfield et al., 2003), o segundo revela a importância da transformação das atitudes e dos comportamentos destrutivos para outros de natureza construtiva e passíveis de ir além da simples tolerância e da coexistência (Kriesberg, 1998; Brounéus, 2008). Ernesto Verdeja (2009), por exemplo, contribui para o entendimento da reconciliação em relação aos 3

seus múltiplos níveis. De acordo com o autor, reconciliação é um processo que se dá em quatro níveis: no político, no institucional, na sociedade civil e no nível interpessoal (2009: 20); um processo dinâmico que perpassa diferentes camadas, não se restringindo apenas às questões de caráter político ou institucional. De particular interesse a este artigo, o nível institucional abarca não só os tribunais estabelecidos para o julgamento daqueles considerados culpados, mas também as comissões de verdade e as amnistias como mecanismos destinados a lidar com os erros cometidos no passado e contribuir para a reconciliação social. Neste sentido, torna-se imperativo questionar se e em que condições os as leis de amnistias facilitam o tratamento das atrocidades anteriormente cometidas (Theissen, 2004). Em termos de comparação, argumentos a favor e contra os tribunais criminais e as comissões de verdade também são apresentados. A defesa pela busca da verdade em países que perpassaram por governos autoritários ou conflitos internos tem ganhado fôlego na esfera internacional, nas vozes de organizações nãogovernamentais, como da Human Rights Watch e da International Amnesty, e também das Nações Unidas (ONU). Em 1997, o Relator Especial da ONU, Louis Joinet, asseverou: A people’s knowledge of the history of their oppression is part of their heritage and, as such, shall be preserved by appropriate measures in fulfillment of the State’s duty to remember. Such measures shall be aimed at preserving the collective memory from extinction and, in particular, at guarding against the development of revisionist and negationist arguments. Parte da história de todos - vítimas, perpetradores ou testemunhas -, os abusos e os crimes deveriam, neste sentido, ser revelados e trazidos à luz com o fim de facilitar a reconciliação entre todos. Reconhecer a importância da busca pela verdade não significa, porém, buscá-la a qualquer custo. A “verdade sempre” como lema a ser seguido de forma indeliberada é alvo de ressalvas que merecem consideração, uma vez que escavar o passado pode ser não só perigoso, mas desestabilizador em contextos específicos de pós-conflito. A verdade pode ser dolorosa para todos, vítimas ou não, e o saber detalhado sobre os fatos ocorridos pode abalar as relações recentemente restabelecidas nas comunidades locais recém-saídas de guerras (Hayner, 2000: 185). Mais além da busca pela verdade, os argumentos que favorecem os processos judiciais e os julgamentos são, em termos gerais, orientados em favor das vítimas, destacando a obrigação 4

moral de sociedades pós-conflito julgarem e punirem os criminosos. De acordo com este ponto de vista, os processos judiciais e os julgamentos são formas de garantirem que as vítimas sejam não apenas reconhecidas, mas que tenham também suas necessidades de reparações atendidas (Huyse; Salter, 2008: 3; Verdeja, 2009). A relevância desses mecanismos também é enfatizada dada a sua capacidade de garantir a paz e a estabilidade política. Neste âmbito, considera-se que o julgamento de perpetradores em tribunais institucionalizados previne a privatização da justiça e a busca de vingança pelas vítimas. Objetiva-se, assim, evitar o surgimento de uma espiral de violência capaz de transformar vítimas em agressores e viceversa (Huyse; Salter, 2008: 4). Além disso, a defesa a favor dos julgamentos e dos processos judiciais baseia-se essencialmente na prestação de contas ou accountability. Os defensores dos julgamentos e dos procedimentos penais argumentam que os responsáveis devem ser identificados, responsabilizados pelos abusos do passado e devidamente punidos (Verdeja, 2009). Já os críticos a estas ideias, argumentam que os julgamentos e os processos penais também podem ter efeitos desestabilizadores. Sociedades pós-conflito violentos - normalmente caracterizadas por acordos de paz frágeis e delicadas transições democráticas - podem ter suas precárias estabilidades abaladas caso os julgamentos sejam perseguidos na direção errada. Nas palavras de Verdeja, “trials and demands for punishment undoubtedly antagonize accused elites, who may threaten renewed violence” (2009: 45). A frágil estabilidade do novo regime, como argumenta o autor, pode ser colocada em jogo. Neste âmbito, estabilidade torna-se preponderante em relação à prestação de contas. Mas, é possível fazer essa escolha? Ou melhor, esta escolha existe? Quando as leis de amnistias são colocadas lado a lado com os processos e os julgamentos penais, argumentos a favor da primeira são trazidos à mesa. As leis de amnistia são vistas como mecanismos úteis que não só permitem aos indivíduos compartilhar mais uma vez o mesmo espaço social, mas também possibilitam a promoção da reintegração dos ex-combatentes neste mesmo espaço. Por exemplo, no caso da África do Sul a amnistia foi transformada em uma ferramenta de recuperação social, abrandando a busca por vinganças destrutivas (Verdeja, 2009: 108). No entanto, este argumento deixa espaço para dúvidas se as amnistias de fato contribuem para a reconciliação a longo prazo. De acordo com os argumentos contrários à amnistia, “a prestação de contas, o Estado de direito, bem como o reconhecimento da vítima são postos de lado em

5

favor da busca por assegurar um certo nível de paz” (Verdeja, 2009: 108). Nesta perspectiva, os interesses das vítimas são sacrificados em favor da estabilidade como um bem comum. Também é fundamental acrescentar que a ideia de esquecimento geralmente vem atrelada às amnistias. Frases como vamos enterrar o passado e começar um novo futuro ou vamos deixar tudo para trás e vislumbrar juntos um futuro diferente (Cobban, 2007) são erguidas como grandes lemas a serem seguidos. Por detrás dessas afirmações está, no entanto, a institucionalização do esquecimento; ou, em outras palavras, através da promulgação de uma lei de amnistia, os líderes podem ser percebidos como agentes não só do silêncio, mas também do completo esquecimento do passado. Questiona-se, porém, se é possível enterrar o passado. O esquecimento leva à reconciliação? Em um nível superficial, a ligação entre memória e reconciliação pode não parecer evidente. Ela é, no entanto, crucial. A forma como as memórias são transmitidas e redefinidas tem grande influência no processo de reconciliação e, sistemicamente, os processos de reconciliação também delineiam as memórias, contribuindo para suas renovações e suas ressignificações (Mill, 2004). De acordo com Carlos Martín Beristain, a memória coletiva é o resultado da reconstrução do passado pelos membros de um grupo com base nos seus interesses e suas referências do presente (2006: 165); ou seja, através da memória, presente e passado vinculam-se, delineando as relações dos membros pertencentes às sociedades pósconflitos violentos, sejam eles vítimas, perpetradores ou testemunhas. Ao explorar o encontro entre reconciliação e memória, no entanto, observa-se a ausência de consenso entre os estudiosos. Enquanto alguns autores enaltecem a importância do ato de lembrar para curar feridas do passado, outros enfatizam a necessidade de apagar o passado com o fim de construir um futuro compartilhado. Hugh Miall (2004: 8), por exemplo, destaca a importância da memória nos processos de reconciliação. De acordo com o autor, as memórias estão imbuídas nas interpretações das situações socialmente construídas por cada grupo, delineadas pela cultura, educação, discursos e crenças. A forma como os grupos lembram e constroem o passado é frequentemente fundamental para a mobilização dos conflitos. Obedecendo à mesma direção, mas seguindo o sentido contrário, a importância do entendimento do passado é também inegável no processo de reconciliação; redesenhar o passado, ampliando o entendimento e integrando novos olhares, pode facilitar a reconciliação. Nesta mesma via, Lederach (1997: 31) sublinha que o processo de reconciliação é entendido como um lugar de encontro; um espaço de 6

reconhecimento do passado e de percepção do futuro como um elemento fundamental para o reenquadramento e a releitura do presente. É indubitável a importância que o autor atribui à memória. Rever o passado para atribuir novo significado ao presente, construindo, assim, um futuro compartilhado é lidar diretamente com a memória. Bar-Tal e Bennik (2004) também engrossam a fileira daqueles que defendem a importância da memória e enfatizam que os processos de reconciliação precisam mudar as interpretações sociais, ou melhor, as memórias coletivas sobre o passado (2004: 18). Sustentam, ainda, que novas narrativas sobre o passado emergem através dos processos de negociação, quando as partes, antes em disputa, têm suas memórias coletivas colocadas sob escrutínio. Eduardo Galeano, em Memória subversiva, exalta quão imprescindível deve ser a busca pelas memórias para a construção do presente. Nas palavras do autor, Experience has shown us that it is amnesia that makes history repeat itself over and over again. Having a good memory allows us to learn from the past, because the only reason for recovering the past is to use it to transform life in the present. (Galeano, 1996) Distintamente, alguns autores defendem o esquecimento, argumentando que o passado deveria ser deixado para trás. A ideia principal que sustenta esse argumento é a de que olhar para trás serve apenas para retraumatizar sociedades ainda em estado de grande fragilidade, levando ao ressurgimento da animosidade e da raiva (Verdeja, 2009: 8). Neste sentido, Karen Brounéus (2008) contradiz o argumento de que a prática do truth-telling – lembrar e falar sobre o passado – nas comissões de verdade e de reconciliação seria catártica ou conduziria à cura, e, consequentemente, seria favorável à reconciliação. De acordo com a autora, os resultados psicológicos dessas práticas podem ter o efeito contrário; traumatização, consequências danosas à saúde e isolamento podem ser observadas depois de experiências de truth-telling (2008: 57). Observa-se que, apesar do debate em torno da memória nos processos de reconciliação, pouco se sabe sobre o tema. De acordo com Martina Fischer, “it is still an open question how deeply divided societies can manage to create a common memory that can be acknowledged by those who created war or unjust systems, those who opposed and those who were bystanders” (2011: 421). Neste sentido, através desse artigo objetiva-se contribuir para o debate, trazendo uma nova leitura sobre o caso moçambicano e sobre como a amnistia têm influenciado as memórias da guerra civil, contribuindo para que sejam esquecidas ou lembradas. 7

3. Caso Moçambicano 3.1.

Breve Histórico do Conflito e do Acordo de Paz

O conflito violento entre a Renamo e a Frelimo deixou o país, em 1992, com marcas profundas. Há grandes divergências não só entre membros da Frelimo e da Renamo, mas também entre acadêmicos sobre as verdadeiras origens do conflito interno. Em particular, os debates são permeados por diferentes opiniões que oscilam entre a importância atribuída aos fatores de natureza doméstica e os de foro internacional. De um lado, a Renamo enfatiza o elemento interno, nomeadamente as questões desencadeadas pelo governo autoritário pósindependência da Frelimo e suas políticas repressivas. Enquanto, por outro lado, as autoridades da Frelimo vêm a guerra civil como uma extensão da guerra de agressão externa, inicialmente liderada pela Rodésia, e, depois, continuada pelo regime do apartheid da África do Sul. Já, a terceira via defende que a explicação jaz na combinação de ambos os fatores internos e externos. Para além das causas do conflito, com aproximadamente um milhão de mortos, a guerra civil moçambicana foi um dos conflitos mais sangrentos da África, deixando rastros de destruição não só em termos materiais, mas especialmente em termos humanos e sociais. Famílias e comunidades foram colocadas uma contra a outra, trazendo o conflito para os círculos mais íntimos da esfera social. A Renamo ganhou expressão pelo uso ritualístico da violência com o fim de disseminar o medo imobilizante nas comunidades rurais. Essas táticas causaram severas rupturas no tecido social e minaram a legitimidade do governo que se mostrou incapaz de proteger grandes áreas do país2 (Honwana, 1998: 75). Em contraste, denotam-se também as atrocidades cometidas pelo governo da Frelimo durante a guerra civil a despeito do silêncio em relação às mesmas (Igreja, 2008: 543). Ambos grupos opositores, Frelimo e Renamo, recrutavam compulsoriamente jovens para participarem da guerra civil. Forçados a destruir suas próprias vilas e a matar seus próprios parentes, membros de uma mesma família eram obrigados a vigiar um ao outro, levando à tortura e ao assassinato de muitos familiares. O convívio pacífico foi lentamente desfazendose, dando lugar a uma cultura de guerra. As relações de confiança, reciprocidade, cooperação

2

Tradução livre da autora.

8

e solidariedade, ou seja, os elementos formadores do capital social foram, assim, severamente corroídos (Igreja e Dias-Lambranca, 2008: 63). Neste âmbito, o caso da transformação do Estado moçambicano é considerado exemplar e de maior sucesso na África (Bartoli et al, 2009:153). O Acordo Geral da Paz (AGP) foi assinado no dia 4 de Outubro de 1992, pondo fim ao conflito violento. Em particular, a Comunidade de Santo Egídio delineou a assinatura do AGP, contribuindo para um grande passo no processo de reconciliação. A singularidade do caso refere-se ao fato de a Comunidade ter proporcionado maior flexibilidade e ter garantido maior participação local do que os tipos tradicionais de mediação teriam. A participação da Comunidade é especialmente enfatizada por duas questões principais: a maturação dos conflitos e a mediação conhecida como trackone-and-half diplomacy. Em relação à primeira, o conflito em Moçambique encontrava-se em um impasse. A esperança de vitória militar de ambas as partes já havia desvanecido, não era possível angariar apoio internacional para ampliar o poder militar, e nenhum dos disputantes era capaz de reduzir a força e/ou a capacidade de luta do outro (Aall et al, 2007: 39). Nem a Frelimo nem a Renamo possuíam força ou recursos suficientes para a manutenção da guerra; ou seja, era preciso negociar pois o conflito moçambicano já atingira “the ripeness condition”. Em segundo lugar, ao longo dos anos muitas negociações nos moldes tradicionais tinham sido feitas, mas sem grandes sucessos. Conhecidas como track one, essas negociações são realizadas por representantes de Estados ou de organizações internacionais. A mediação moçambicana seguiu, no entanto, um modelo menos tradicional. Realizou-se no país uma combinação entre mediações formal e informal, ou seja, uma mediação track-one-and-half (Böhmelt, 2010: 170). Em particular, a mediação realizada pela Comunidade foi posteriormente incrementada por outros atores como Itália, Estados Unidos, Portugal, França e Nações Unidas. A Comunidade apresentou-se como ideal uma vez que “the Roman forum was formal enough for RENAMO but informal enough for the government” (Bartoli, 2001: 373). A Renamo buscava o reconhecimento internacional enquanto a Frelimo temia a presença de um mediador impositivo; nesse âmbito, a Comunidade de Santo Egídio figurava-se como o mediador capaz de satisfazer ambos. Ademais, a postura mais flexível da Comunidade possibilitou a operacionalização da mudança de postura dos autores, garantindo local ownership. Sant’Egidio was able to succeed as a conduit of negotiation because of the very weakness that made it such an unlikely leader – its lack of international prestige and power, which prevented it from being cast into 9

and constricted by the formalities of more traditional efforts. (Bartoli, 1999: 248) Os líderes da Frelimo abandonaram a perspectiva contenciosa, assumindo uma postura mais amigável e de maior abertura. Essa mudança facultou a transformação da Renamo de grupo militar para político (Bartoli et al, 2009: 146). A partir da alteração dos autores, emergiu a possibilidade de comunicação e a Comunidade proporcionou os meios para sua efetivação, facilitando o contato entre os principais atores dos grupos, como o presidente Chissano e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama. Essa transformação teve consequências profundas, pois modificou a percepção de toda a população em relação a Renamo que pode, assim, ser reintegrada na vida política de Moçambique. 4. Reconciliação, Memórias e Amnistias em Moçambique Apesar do acordo de paz proporcionar imenso alívio às vítimas, em termos de justiça transicional as autoridades moçambicanas não desenvolveram qualquer política específica para lidar com os crimes perpetrados durante a guerra civil. Depois de sofrerem grandes abusos, as vítimas foram impelidas a perdoar e a esquecer o terror do passado como parte do processo de construção da paz e de reconciliação do país (Igreja e Dias-Lambranca, 2008: 61). Houve uma aceitação, mesmo que tácita, da crença de que “quanto menos nós nos prendermos ao passado, mais reconciliação haverá” (Hayner, 2001: 186). Neste sentido, a busca pela prestação de contas dos crimes passados foi praticamente nula no nível nacional, assim como também estiveram quase ausentes a busca pela justiça, condenação ou exclusão da vida política dos responsáveis pelas atrocidades cometidas no país (Hayner, 2001: 187). Neste âmbito, apesar de Moçambique ser considerado um caso modelo de transformação do Estado, muitas críticas são feitas por defensores de Direitos Humanos no que diz respeito à opção pela amnistia. Rejeitou-se o estabelecimento de uma comissão como na vizinha África do Sul, dando lugar à assinatura da Lei número 15/92 que instituiu a amnistia geral para os crimes cometidos entre 1979 e 1992. Ao ser publicada no dia 14 de outubro de 1992, sua promulgação deu-se em apenas dez dias após a assinatura do AGP, e foi caracterizada pela ausência de debates públicos sobre as implicações morais da mesma. O potencial da verdade e da justiça com o fim de corrigir os erros do passado não foram explorados por meio de 10

declarações não pronunciadas, e nem mesmo a demanda pública oficial pela retratação, como forma de reconhecer o sofrimento causado às vítimas, foi exigida (Igreja e Dias-Lambranca, 2008: 65). Ao contrário, o apelo geral foi para o perdão e para o esquecimento do passado, refletindo, assim, o pensamento cristão do perdão e da reconciliação característicos dos líderes religiosos envolvidos no processo. Mas, mais importante, a escolha pela amnistia correspondeu aos interesses das elites políticas que optaram por deixar o passado no passado (Bartoli, 2001: 379). Martha Minow chama atenção para o perigo da ausência de respostas. A autora, em referência à observação do estudioso Lawrence Langer que trata de como a lógica da lei nunca fará sentido em relação à “não-lógica” do genocídio, argumenta:

[...] as respostas legais não são mais adequadas do que quaisquer outras. A inação, no entanto, é pior. Na ausência de uma resposta coletiva para as atrocidades em massa, as vítimas são tolhidas do entendimento básico sobre os fatos ocorridos, os quais são essenciais para a saúde mental e a integridade política. Na ausência de uma resposta coletiva, a desumanização, que precede e acompanha a violência, passa sem ser condenada ou corrigida. Na ausência de respostas coletivas, os indivíduos são deixados ou repletos de memórias, ou imersos no esquecimento3. (Minow, 2002: 16) No caso moçambicano, a escolha política pela amnistia significou a ausência de respostas em termos de justiça e, consequentemente, o impedimento de que as vítimas pudessem declarar seus sofrimentos e recuperar sua integridade. Constituiu, ainda, a tentativa de “enterrar o passado”. Em outras palavras, ensaiou-se uma política de esquecimento e de silenciamento, a qual foi tacitamente aceita pela população:

No, we do not want to reenter into this morass of conflict, hatred, and pain. We want to focus on the future. For now, the past is too much part of the present for us to examine its details. For now, we prefer silence over confrontation, over renewed pain. While we cannot forget, we would like to pretend that we can […] I know South Africa’s process is called the ‘truth and reconciliation commission,’ but that has a different meaning. Here, reconciliation meant ‘let’s not dig up the past. (Hayner, 2001: 185, 191) 3

Tradução livre da autora.

11

Figuras centrais dessas declarações, as memórias não são fixas ou dadas; além de serem criadas, elas fluem ao longo do tempo. Neste sentido, Nancy Rosenblum denota que a escolha é raramente entre a memória e o esquecimento, mas entre lembranças que se digladiam e se intercambiam. Contextos públicos ou privados, como grupos religiosos, associações políticas, cortes judiciais, etc., não são apenas arenas em que as memórias são expressas; mas formadas. Delineiam quais e como as memórias devem ser lembradas, uma vez que definem os fatos considerados relevantes, o que constitui uma infração, e o que serve como evidência legal e histórica (Rosenblum, 2002: 4). Em Moçambique, a lacuna de outros mecanismos em escala nacional - como o da comissão de verdade utilizada juntamente com a amnistia no caso da África do Sul -, serviu para que a lei de amnistia silenciasse a guerra e, consequentemente, suas memórias. Observa-se, no entanto, que entre as elites políticas não se logrou o silenciamento. Nas palavras de Igreja, “o silêncio oficial é repetidamente quebrado através do uso de memórias de violência como armas com o fim de retaliar ex-inimigos militares” (2008: 539). Apesar da lei de amnistia e da promoção do silêncio, este é vividamente rompido e as memórias da guerra são resgatadas, por exemplo, em discussões parlamentares entre membros da Frelimo e da Renamo. Ademais, a história se repetiu em 14 de agosto de 2014, quando uma nova lei de amnistia foi aprovada, eximindo os responsáveis pelos constantes ataques violentos que perduraram quase um ano4, e levou à suspensão do acordo de paz entre a Frelimo e a Renamo. Ao defender a amnistia, o deputado da Frelimo, Eduardo Mulémbwè, declarou: Na minha óptica, estamos perante uma proposta que, tendo como ponto de partida de chegada a genuína reconciliação e uma efetiva paz no seio da família moçambicana não procura vencedores nem vencidos. Para ela não existem ganhadores ou perdedores, nem reconhece derrotados ou vitoriosos. Neste contexto, o único e autêntico vencedor é o interesse nacional ou, por outras palavras, o Povo de que somos parte intrínseca e a quem devemos procurar servir com correcteza, fidelidade e lealdade. (Discurso Assembleia, Agosto 2014)

4

Os ataques tiveram início em meados de 2013.

12

No entanto, o desafio da reconciliação não é criar um espaço onde as pessoas possam “viver e esquecer”. Ela engendra um desafio muito maior: encontrar um espaço onde os indivíduos e as comunidades possam “lembrar e transformar” (Lederach, 2001: 201). Neste âmbito, uma vez que a amnistia refletiu a escolha política por “enterrar o passado”, impondo uma lei de silêncio e, de certa forma, impedindo que a vítimas pudessem declarar seus sofrimentos e recuperar sua dignidade, a reconciliação ganhou um entorno especial na sociedade moçambicana, majoritariamente nas comunidades rurais, através dos rituais de cura. Estes rituais abriram caminho para que as pessoas pudessem lidar com seus sofrimentos (Hayner, 2001). Uma alternativa para vítimas, perpetradores e testemunhas encontrarem um lugar comum e redefinirem os eventos do passado. Em especial, esses mecanismos tradicionais de reconciliação surgem como instrumentos singulares que oferecem a oportunidade para que as pessoas enfrentem suas experiências traumatizantes, atribuindo novos significados a suas memórias; caracterizam-se, a princípio, pelo reconhecimento dos atos passados, na busca de “libertar” vítimas e perpetradores e permitir um renovado convívio social (Honwana, 1998). Em termos ideais, eles contrariam a proposta da amnistia do “viver e esquecer” e engendram o desafio do espaço compartilhado onde indivíduos e comunidades podem reencontrar-se com o passado, lembrando-o e transformando-o. Estes rituais têm por base um olhar comunitário essencialmente diferente da visão ocidental de base mais individualista. “It was war and not specific individuals or parties such as Frelimo and Renamo per se that was to be blamed for the massacres, destruction, and suffering” (Bartoli, 2001: 379). Por fim, a procura por estes rituais evidencia que, apesar do silêncio oficial e do consequente silenciamento de grande parte da população, o não esquecimento (ou a lembrança da guerra) levou a população a buscar alternativas para suas dores. 5. Considerações Finais Os conflitos violentos provocam grandes perdas em termos materiais, mas também causam severas rupturas nas relações sociais, fazendo-se necessária a recuperação das mesmas a partir do restabelecimento da confiança individual e coletiva e da segurança mútua. O caso de Moçambique chama especial atenção pela ausência de mecanismos na esfera pública que tenham intentado averiguar as atrocidades da guerra civil e dar espaço para que a população

13

pudesse expor seus sofrimentos. Ao contrário, através da amnistia, buscou-se deixar o passado no passado com vistas à estabilidade do país. O presente trabalho permite chegar a duas conclusões gerais. A primeira responde mais diretamente ao questionamento proposto acerca do lembrar versus o esquecer. A busca da população pelos rituais de cura evidencia que, apesar da tentativa de “enterrar o passado” através da amnistia, o esquecimento não foi alcançado. Principalmente nas comunidades rurais, homens, mulheres e crianças participaram dos rituais com o fim de lidar com as lembranças da guerra civil, contrariando a ideia de amnésia coletiva. Por último, demonstrou-se também que a amnistia provoca diferentes reflexos em relação ao silenciamento. Enquanto na esfera política o silêncio oficial é constantemente quebrado nos debates legislativos, o silenciamento da população em geral permanece. A ausência de debates públicos que incluam os cidadãos em geral corrobora essa assertiva. 6. Referência Bibliográfica Aall, Pamela et al (2007) “Negotiation and international conflict” in Webel, Charles; Galtung, Johan (eds.) Handbook of Peace and Conflict Studies. New York: Routledge, 35-50. Bar-Tal, Daniel; Gemma H Bennink (2004) “The Nature of Reconciliation as an Outcome and a Process,” in: Bar-Simon-Tov, Yaacov (ed.) From Conflict Resolution to Reconciliation. Oxford, OUP, 11-38. Bartoli, Andrea (1999) “Mediating Peace in Mozambique: The Role of the Community of Sant’Egídio” in Aall, P; Crocker, C. and Hampson, F. (eds.) Herding Cats: The Role of Mediation in Multiparty Crisis. Washington: United States Institute of Peace Press. Bartoli, Andrea (2001) “Forgiveness and Reconciliation in the Mozambique Peace Process” in Helmick, Raymond G.; Petersen, Rodney L. (eds.) Forgiveness and Reconciliation: Religion, Public Policy, and Conflict transformation. Philadelphia: Templeton Foundation Press, 361380. Bartoli, Andrea et al (2009) “Mozambique – Renamo” in Dayton, Bruce; Kriesberg, Louis (eds.) Conflict Transformation and Peacebuilding: Moving from Violence to Sustainable Peace. London: Routledge, 140-155. Bloomfield, David et al. (eds.) (2003) “Reconciliation after violent conflict: a handbook”. Stockholm: International IDEA. Böhmelt, Tobias (2010) “The effectiveness of tracks of diplomacy strategies in third-party interventions” Journal of Peace Research. 47-167. 14

Brounéus, Karen (2008) “Truth-Telling as Talking Cure? Insecurity and Retraumatization in the Rwandan Gacaca Courts” Security Dialogue. 39-1, 55-76. Cobban, Helena (2007) Amnesty after atrocity? Healing nations after genocide and war crimes. Boulder: Paradigm Publishers. Fischer, Martina (2011) “Transitional Justice and Reconciliation: theory and practice” http://www.berghof-handbook.net [03/02/2013]. Galeano, Eduardo (1996) “La memoria subversiva” in Tiempo: Reencuentros y esperanza. Guatemala: ODHAG. Hayner, Priscila B. (2001) Unspeakable truths: confronting state terror and atrocity. New York: Routledge. Honwana, Alcinda (1998) “Sealing the Past, Facing the Future: Trauma Healing in Rural Mozambique” in Armon, Jeremy; Hendrickson, Dylan and Vines, Alex (eds.) The Mozambican Peace Process in Perspective. London: Conciliation Resources, 75-81. Huyse, Luc (2008) “Introduction: tradition-based approaches in peacemaking, transitional justice and reconciliation policies” in Huyse, Luc; Salter, Mark (eds.) Traditional Justice and Reconciliation after Violent Conflict: Learning from African Experience. Stockholm: International IDEA, 1-21. Igreja, Victor; Dias-Lambranca, Beatrice (2008) “Restorative justice and the role of magamba spirits in post-civil war Gorongosa, central Mozambique” in Huyse, Luc; Salter, Mark (eds.) Traditional Justice and Reconciliation after Violent Conflict: Learning from African Experience. Stockholm: International IDEA, 61-82. Igreja, Victor (2008) “Memories as Weapons: The Politics of Peace and Silence in Post-Civil War Mozambique” Journal of Southern African Studies. 34-3, 539-556. Igreja, Victor (2010) “Frelimo’s political ruling through violence and memory in postcolonial Mozambique” Journal of Southern African Studies. 36-4, 781-799. Kriesberg, Louis (1998) Constructive Conflicts: From Escalation to Resolution. Lanham: Rowman and Littlefield. Lederach, John Paul (1997) Building Peace: Sustainable Reconciliation in Divided Societies. Washington DC: United States Institute of Peace. Lederach, John Paul (2001) “Five Qualities of Practice in Support of Reconciliation Processes” in Helmick, Raymond G.; Petersen, Rodney L. (eds.) Forgiveness and Reconciliation: Religion, Public Policy, and Conflict transformation. Philadelphia: Templeton Foundation Press, 193204.

15

Lederach, John Paul (2001) “Civil Society and Reconciliation,” in: Chester A Crocker, Fen Osler Hampson and Pamela Aall (eds.) Turbulent Peace: the Challenges of Managing International Conflict. Washington DC, USIP, 841-854. Martín Beristain, Carlos (2006) Humanitarian aid work: a critical approach. Philadelphia: University of Pennsylvania Press. Miall, Hugh (2004) “Conflict Transformation: http://www.berghof-handbook.net [25/03/13].

A

Multi-Dimensional

Task”,

Minow, Martha (2001) “Breaking the cycles of hatred: memory and hate: are there lessons from around the world?” in Martha Minow (ed.) Breaking the cycles of hatred: memory, law and repair. Princeton: Princeton University Press, 14-31. Mulémbwè, Eduardo, (2014) “Discurso Integral de Eduardo Mulémbwè - Lei da Amnistia”, http://comunidademocambicana.blogspot.com.br/2014/08/discurso-integral-de-eduardomulembwe.html [15/08/2014]. Rosenblum, Nancy L. (2001) “Introduction: memory, law and repair” in Martha Minow (ed.) Breaking the cycles of hatred: memory, law and repair. Princeton: Princeton University Press, 1-14. Schwab, Gabriele (2012) “Replacement Children: The Transgenerational Transmission of Traumatic Loss” Assmann, Aleida; Shortt, Linda (eds.) Memory and Political Change. London: Palgrave Macmillan, 17-34. Theissen, Gunnar (2004) “Supporting Justice, Co-existence and Reconciliation after Armed Conflict: Strategies for Dealing with the Past”, http://www.berghof-handbook.net [02/12/12]. Verdeja, Ernesto (2009) Unchopping a tree: reconciliation in the aftermath of political violence. Philadelphia: Temple University Press

16

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.