RECONHECIMENTO DA VIABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL DA RESERVA EXTRATIVISTA DO SOURE, ILHA DO MARAJÓ/ PA PARA IMPLANTAÇÃO DE PROJETO DE DESENVOLVIMENTO DO ECOTURISMO

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MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS DIRETORIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL - DISAM

RECONHECIMENTO DA VIABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL DA RESERVA EXTRATIVISTA DO SOURE, ILHA DO MARAJÓ/ PA PARA IMPLANTAÇÃO DE PROJETO DE DESENVOLVIMENTO DO ECOTURISMO

- PARECER TÉCNICO -

Dra. Deis Siqueira1 & Msc. Érika Fernandes-Pinto2

1Centro

Nacional de Desenvolvimento Sustentável e Populações Tradicionais – CNPT 2Coordenação

de Criação e Gestão de Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento Sustentável – COGED

- Brasília, março de 2007 -

1. INTRODUÇÃO O crescimento do ecoturismo no Brasil representa a afirmação e expansão de uma proposta turística associada aos princípios de conservação da natureza e benefício comunitário1. No entanto, o aumento da atividade torna-se também preocupante, devido à velocidade de sua disseminação, à vulgarização do uso do termo enquanto estratégia de propaganda, à complexidade de seus propósitos e seu entendimento pelos diferentes atores da sociedade, à fragilidade dos ambientes naturais e das comunidades diretamente envolvidas e às dificuldades humanas e materiais dos órgãos públicos responsáveis pelo seu controle. Como o ecoturismo busca originalidade, áreas conservadas e autenticidade cultural, é comum que seja praticado em regiões de grande sensibilidade e complexidade social e ambiental. Observando a realidade da atividade nas diferentes regiões brasileiras, fica evidente a dificuldade de atender aos princípios de mínimos impactos ambientais e culturais. Muitas vezes o ecoturismo começa a se desenvolver por força da demanda turística, e não por iniciativa da comunidade local. Tende a atrair investidores de porte, em geral de fora da região. A tendência é a comunidade local ser atropelada por um processo de desenvolvimento de infra-estrutura e serviços onde ela figura na melhor das hipóteses como empregada. Nas Reservas Extrativistas (RESEX)2 busca-se conciliar as atividades humanas e a conservação da natureza, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais locais. Neste tipo de unidade as populações humanas são reconhecidas como protagonistas do processo de gestão, devendo aliar conservação e desenvolvimento sócio-econômico, bem como a valorização da cultura e tradições das populações envolvidas. A Reserva Extrativista do Soure, criada em 2001, situa-se no município de mesmo nome, no Arquipélago do Marajó, Estado do Pará. Compreende cerca de 27.500 hectares formados por duas áreas descontínuas - uma faixa costeiro-marinha com área aproximada de 24 mil hectares, abrigando uma importante faixa de manguezais; e a segunda, com cerca de 3.500 hectares, ao longo do Rio do Saco. A população extrativista é formada principalmente por catadores de caranguejo e pescadores artesanais. A região envolve um mosaico de ecossistemas e paisagens de grande beleza cênica, resultando em grande potencial turístico. A Ilha do Marajó é um destino turístico já amplamente divulgado, relacionado principalmente com as fazendas de criação de búfalos existentes na região. Em novembro de 2006 o IBAMA/DISAM tomou conhecimento e recebeu convite para participar das ações do projeto denominado “Projeto de Desenvolvimento do Ecoturismo na RESEX de Soure, Ilha do Marajó, PA” - parceria da Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI) e do Proecotur/Ministério do Meio Ambiente (MMA). Ecoturismo é definido como "um segmento da atividade turística que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas" (EMBRATUR, 1994). 1

De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Lei Federal No. 9985 de 2000), as Reservas Extrativistas são definidas como áreas utilizadas por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, tendo como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, além de assegurar o uso sustentável dos recursos naturais. 2

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O projeto nasceu de uma Comissão Mista Brasil-Espanha de Cooperação, celebrada em julho de 2003, onde manifesta-se a importância de promover o ecoturismo na região amazônica como alternativa para o desenvolvimento econômico sustentável. Em novembro de 2005, durante uma missão de identificação, dois consultores espanhóis elaboraram a proposta, que foi submetida pela AECI ao PROECOTUR e posteriormente apresentada ao Conselho Deliberativo da RESEX do Soure. O objetivo do projeto é “contribuir para a preservação dos recursos naturais e melhorar a qualidade de vida dos habitantes da RESEX, mediante o desenvolvimento de alternativas econômicas sustentáveis com inclusão das comunidades locais”. Tem duração prevista de três anos (2007 a 2010) e um montante de recursos previsto de um milhão e quinhentos mil reais, sendo metade da AECI e a outra metade contrapartida do Governo Brasileiro. Inclui ações de planejamento, ordenamento e gestão ambiental e turística, elaboração de inventários, diagnósticos e estudos de mercado, cursos de capacitação direcionados ao fortalecimento das potencialidades locais e com vistas ao empreendedorismo comunitário, fortalecimento institucional, promoção, comercialização e marketing. As justificativas apresentadas para focalizar o projeto na RESEX envolvem, entre outros aspectos, a facilidade de acesso a partir de Belém, a caracterização enquanto unidade de conservação em que os objetivos coadunam com os do ecoturismo, a facilidade de aporte de recursos governamentais, uma maior segurança da efetividade das ações, a existência de outras cooperações institucionais e políticas públicas na área e a manifestação de interesse e compromisso de representantes da RESEX com o projeto. A Diretoria de Desenvolvimento Socioambiental – DISAM/IBAMA recebeu – através do Ofício Nº 001/2007 de 26/01/07 - uma manifestação formal do Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista do Soure, solicitando a presença desta Diretoria, com vistas à discussão das ações propostas pelo projeto em questão. No contato direto com o chefe da RESEX e com alguns membros do Conselho, acordou-se a realização de uma visita técnica à RESEX e da realização de um pré-diagnóstico com as comunidades envolvidas para subsidiar os debates da minuta do projeto.

2. OBJETIVOS Entendendo-se que o turismo é uma atividade que já vem sendo praticada na região onde está inserida a RESEX, tornou-se necessário realizar um reconhecimento da realidade local, anterior à implantação do projeto, de forma a identificar e avaliar as potencialidades, conflitos, riscos, benefícios e impactos da atividade para a população local, contribuindo para o ordenamento das atividades já existentes e elaborando propostas que colaborem para direcionar o desenvolvimento do turismo local para um nível adequado de controle participativo das atividades. Além disso, é essencial gerar referenciais que atendam às especificidades de uma unidade de conservação da categoria Reserva Extrativista e das populações tradicionais a ela relacionadas.

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3. ATIVIDADES REALIZADAS O trabalho de campo foi desenvolvido na região no período entre 08 e 15 de março de 2007. As atividades realizadas envolveram visitas aos três principais núcleos populacionais dentro da RESEX – Cajuuna, Céu e Vila do Pesqueiro, e do entorno da mesma onde residiam extrativistas – bairros do Município de Soure. Foram realizadas conversas informais e entrevistas com representantes do IBAMA (local e estadual), com moradores das comunidades, proprietários e funcionários de empreendimentos turísticos, representantes do Conselho Deliberativo da RESEX e do poder público municipal. Foram realizadas reuniões com as comunidades locais, com representantes do Conselho Deliberativo, poder público municipal (Câmara de Vereadores, Prefeito Municipal e Assessores, Secretaria da Saúde, do Turismo, da Administração), estadual (SECTAM; GRPU; FUNASA) e outras instituições que atuam direta ou indiretamente, na área da Reserva (SEBRAE, UFPA, Fundação Banco do Brasil, Associação Comercial), além de empresários do trade turístico local (hotéis e pousadas, restaurantes, transporte). Incluiu uma entrevista em uma rádio local - Rádio Tropical 104,7 FM no Programa Tropical Rural, que contou também com a participação de outros representantes do IBAMA (local e estadual), da Associação-Mãe da RESEX (ASSUREMA) e de seu Conselho Deliberativo. Foram realizadas também excursões guiadas pela área da RESEX por terra (até as comunidades de pescadores artesanais e nos principais atrativos turísticos da região), via fluvial (ao longo do Rio Paracauari e do Rio do Saco, no limite dos municípios de Salvaterra e Soure) e sobrevôo. Cenas do cotidiano das comunidades, dos atrativos e atividades turísticas, da infra-estrutura e outros eventos foram documentados fotograficamente. Foram revisados e analisados documentos, dados, publicações e outras fontes secundárias sobre a Ilha do Marajó, a RESEX e a atividade turística. Complementarmente realizou-se pesquisa em guias de turismo, revistas especializadas em viagens e na Internet, através de mecanismos de busca por palavras-chave nos sítios de procura mais conhecidos.

Principais documentos revisados e analisados: §

Decreto de criação da Reserva Extrativista Marinha do Soure de 22 de novembro de 2001.

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Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável para o Arquipélago do Marajó – versão preliminar para discussão. Grupo Executivo Interministerial – Casa Civil/ Presidência da República. 2006.

§

Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável para o Arquipélago do Marajó – resumo executivo da versão preliminar para discussão nas consultas públicas. Grupo Executivo Interministerial – Casa Civil/ Presidência da República. 2006.

§

Perfil sócio-econômico, político e institucional dos participantes das consultas públicas ao Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável para o Arquipélago do Marajó. Observatório Paraense de Políticas Municipais/ UFPA. 2007.

§

Missión de identificación del “Proyeto de desarrollo Del ecoturismo em la Islã de Marajó, Pará, Brasil” – Embajada de Espanha em Brasil – Cooperacion Espanhola.

§

Seminário “Marajó Oriental – problemas e soluções” Município de Soure. 3

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. CARACTERIZAÇÃO GERAL DA REGIÃO DA RESEX E SEU ENTORNO O Arquipélago do Marajó é formado por um conjunto de ilhas que totalizam cerca de 50 mil km2. A região em geral é formada por superfícies baixas e relativamente planas. O Município do Soure situa-se na parte oriental do Arquipélago do marajó e possui uma área de 3.513 km2. Representa a maior cidade da Ilha de Marajó, com uma população de 20 mil habitantes (IBGE, 2000). Diferentemente do padrão observado nos demais municípios da mesoregião do Marajó, Soure possui uma população concentrada predominantemente na zona urbana.As principais atividades econômicas do município são a pecuária, a pesca e o cultivo de coco. O arquipélago do Marajó apresenta uma série de particularidades hidrográficas, topográficas, ecológicas, históricas, sócio-econômicas, étnicas e culturais que o distingue de outras regiões do Brasil e do próprio Estado do Pará. Abriga um rico patrimônio natural, compreendendo, em sua extensão continental e costeira, uma grande diversidade de ambientes, formados por uma combinação de praias arenosas, rios, campos alagados, floresta, manguezais. Permeando este rico mosaico de ecossistemas encontram-se diversas comunidades que revelam uma diversidade sócio-cultural tão importante quanto a diversidade física e biológica. O acesso à Ilha do Marajó se dá a partir da capital do Pará, Belém, via marítima-fluvial por barco ou balsa e via aérea por avião. As balsas saem do Porto de Icoaraci, distrito de Belém e os barcos saem do Armazém 10 da Cia. das Docas na área central desta capital. A travessia demora cerca de três horas até o Porto de Camará, distrito de Salvaterra. Do Porto de Câmara segue-se via terrestre em ônibus de linha ou vans e micro-ônibus particulares até o Rio Paracauari, que marca o limite entre Soure e Salvaterra, e é atravessado por balsa. Não há linhas regulares de vôos, apenas fretados com duração de 15 a 30 minutos.

4.2. A RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DO SOURE E COMUNIDADES ENVOLVIDAS O processo de criação da Reserva Extrativista Marinha do Soure teve início em 1997, a partir de demanda da Associação de Caranguejeiros do Soure (ACS), que encaminhou um abaixo-assinado da comunidade solicitando a criação da mesma, de forma a proteger as áreas de manguezal do município da exploração predatória de caranguejos praticada por pessoas de fora. Foram apresentadas várias cartas de apoio de instituições locais governamentais e da sociedade civil. A RESEX foi decretada em 22 de novembro de 2001 e totaliza cerca de 27.500 hectares, sendo constituída por duas áreas descontínuas: 1 – Manguezais do Soure: uma faixa costeiro-marinha com área aproximada de 24 mil hectares,

abrigando uma importante faixa de manguezais; 2 – Manguezais do Rio do Saco: com cerca de 3.500 hectares, ao longo do Rio do Saco. As populações tradicionais extrativistas envolvidas com a RESEX incluem grupos que residem em bairros urbanos na sede municipal e em vilas rurais. Na área da RESEX estão estabelecidas três comunidades de pescadores artesanais: Caju-una, Céu e Vila do Pesqueiro. No entorno da RESEX, alguns bairros da sede municipal de Soure concentram os catadores de caranguejo e pescadores de camarão.

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PARTICULARIDADES GEOGRÁFICAS-ESPACIAIS

A faixa continental da RESEX é constituída basicamente por terrenos de marinha e seus acrescidos e de Área de Preservação Permanente como restingas, campos de dunas e principalmente manguezais. Esta área está sujeita a uma dinâmica costeira muito intensa e vários pontos estão sujeitos a um grande processo erosivo. As comunidades de Cajuuna e Céu são mais distantes e acessíveis por estradas não pavimentadas que podem se tornar intransitáveis em parte do ano. A Vila do Pesqueiro dista cerca de oito quilômetros da sede municipal e tem acesso por estrada asfaltada. Estas localidades também podem ser acessadas por via flúvio-marinha. Para acesso terrestre às três comunidades cruza-se algumas fazendas, que mantém porteiras e guardiões que controlam e limitam o acesso de comunitários e visitantes. Nas três vilas da RESEX praticamente não há serviços de infra-estrutura básica, o grau de urbanização é mínimo e o comércio é incipiente, representado apenas por pequenas vendas de moradores locais. Dificuldades de comunicação. Nas comunidades rurais, a área passível de ocupação é bastante reduzida e limitada pelas características fisiográficas locais, restrita a pequenos trechos de terra firme circundados de manguezais e sujeitos a inundações pontuais. As construções locais são adaptadas a esta dinâmica, sendo as casas erguidas sobre palafitas, permitindo receber eventuais fluxos de marés mais intensas. A localização das casas também tende a migrar de acordo com as transformações físicas e do espaço e em todas as comunidades visitadas pode-se visualizar antigos locais de ocupação - com restos de estruturas de madeira. De acordo com os relatos, nas três vilas a localização das casas era próxima ao mar e mudanças da linha de costa ocasionaram a migração das mesmas para áreas de terra firma um pouco mais para dentro da área continental. As casas das comunidades eram em grande parte construídas utilizando-se de palha e madeira. Recentemente, através do crédito de instalação recebido pelo INCRA, novas casas estão sendo construídas no lugar das antigas ou sendo reformadas. As novas construções são todas em madeira e atendem um padrão arquitetônico básico definido em conjunto com as comunidades, respeitando-se suas especificidades culturais. Não foram observadas construções de alvenaria e não há muros, cercas ou qualquer outro tipo de implemento demarcando e dividindo lotes individuais. Apenas na Vila do Pesqueiro observou-se construções de pessoas externas à comunidade.

A POPULAÇÃO LOCAL E AS ATIVIDADES EXTRATIVISTAS

Não obstante a criação da Reserva ter sido demandada inicialmente pela Associação de Caranguejeiros, a atividade da pesca é central para a maioria das comunidades da RESEX. Diversos recursos são explorados tanto no ambiente marinho, quanto nos manguezais e outros tipos de vegetação associadas. Há conflitos com caranguejeiros e pescadores de outros locais e regiões, os quais utilizam técnicas de captura (como rede e laço) consideradas predatórias pelas comunidades locais.

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Destaca-se, além da grande diversidade de peixes e do caranguejo-uçá, mariscos, turu e camarão. Também coleta-se mel, vários tipos de frutas e plantas utilizadas na medicina popular. Argila e areia são utilizados com diversas finalidades. A casca do mangue vermelho é usada nos curtumes locais. Diversos tipos de sementes, escamas e ossos de peixes são base para confecção de produtos artesanais. Também são desenvolvidos na região vários tipos de artesanatos, de cerâmica, madeira, couro.

DIMENSÃO ORGANIZATIVA DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS DA RESEX

As populações tradicionais da Reserva possuem nível de organização que pode ser considerado relativamente alto. Todas as localidades possuem representações formais na forma de associações baseadas no local de moradia ou na categoria produtiva, totalizando 18 Associações. Estas associações estão agregadas em uma Associação-Mãe da RESEX, a ASSUREMA. O Conselho Deliberativo da RESEX foi instituído em novembro de 2003 (através da Portaria Nº 76/03-N) e atuado como gestor desta unidade de conservação3, estando representado por 20 conselheiros. As vilas de Cajuuna, Céu e Pesqueiro possuem associações formalmente constituídas que as representam e as associações possuem sedes e galpões comunitários. As relações Prefeitura com a Reserva são ambíguas. Por um lado, esta parece ser pensada ou lida positivamente, mas por outro, por se tratar do poder municipal, esse não a respeita como Unidade de Conservação federal. Tanto assim que a Prefeitura construiu na Vila do Pesqueiro um espaço, com uma estrutura simples, de madeira e palha, o qual é denominado de Centro de Convenções, sem consultar ou pedir autorização ao IBAMA ou ao Conselho Deliberativo.

RELIGIOSIDADE E FESTAS RELIGIOSAS

Apesar da presença de denominações evangélicas, como no resto do país, a presença da religiosidade, da instituição e de rituais católicos são significativas e predominam nas comunidades rurais. Cada uma das comunidades tem seu Círio associado a um(a) padroeiro(a). As festas religiosas estão entre os principais eventos comunitários, quando comumente as localidades recebem também um expressivo número de pessoas de fora. Os moradores da RESEX também costumam se deslocar para Belém para o Círio de Nazaré.

QUESTÕES FUNDIÁRIAS PENDENTES - PROPRIEDADE DA TERRA, PODER LOCAL E “PORTEIRAS”

A complexidade da situação fundiária no Arquipélago do Marajó de uma forma geral, associada às relações de poder locais historicamente instituídas, refletem em uma série de conflitos de posse e uso das terras.

A RESEX do Soure foi a segunda RESEX Federal a instituir seu Conselho Deliberativo, servindo de exemplo e modelo para todas as demais RESEX do estado. 3

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Apesar da área continental da RESEX ser constituída predominantemente por terrenos da união, há conflitos de posse em alguns de trechos contíguos a fazendas, cujos proprietários consideram estas áreas inclusas em suas propriedades. Afirma-se constantemente que os documentos de propriedade, supostamente existentes, se originam das concessões de Sesmarias do Brasil Colônia. Nas estradas de acesso às comunidades rurais da RESEX há porteiras de fazendas e vigilantes limitando o acesso dos comunitários, que necessitam pedir autorização aos “proprietários”, impedindo o direito de ir e vir da população local em uma estrada a estadual. Foram relatados casos em que fazendeiros se dizem “donos” das áreas de mangue, impedindo o acesso dos extrativistas e a coleta de produtos. Algumas fazendas que exploram o turismo utilizam-se de áreas da RESEX para visitação (principalmente praias, áreas de mangue e ninhais de aves) sem nenhum tipo de autorização do IBAMA ou das comunidades. AS DEMANDAS ATUAIS DA POPULAÇÃO DA RESEX

Ao longo das conversas, entrevistas e reuniões algumas demandas e solicitações foram recorrentes nos discursos, tanto da população local e seus representantes quanto dos gestores do IBAMA e do poder público municipal. As principais foram: §

demarcação e sinalização da área da RESEX

§

elaboração do Plano de Manejo e

§

regularização fundiária.

A necessidade de demarcação está associada aos conflitos fundiários e de acesso e uso dos recursos. A RESEX possui um plano de utilização elaborado incialmente em ? e revisado em 2006, mas são recorrentes os discursos de que pessoas de fora não cumprem os acordos estabelecidos e que a comunidade local não tem mecanismos de se contrapor a isso. Alguns assuntos do Plano de Utilização também são motivo de divergências entre os comunitários e o Plano de Manejo deve considerar questões mais abrangentes da gestão da área.

4.3. A ATIVIDADE TURÍSTICA Há um grande interesse de se incentivar o turismo no Arquipélago do Marajó. Alguns de seus municípios já são destinos amplamente divulgados na mídia nacional e internacional. O município de Soure é um destino turístico conhecido e divulgado há muito tempo. Esta divulgação se dá em torno, sobretudo, dos atrativos naturais, das fazendas de búfalo e da cultura ancestral marajoara, tomada como referência histórica (resgate da cerâmica, do carimbó e outros traços culturais). O município possui uma infra-estrutura turística pequena, mas diversificada. Em termos de hospedagem, apresenta desde camping, quartos de aluguel, pousadas familiares, e hotéis de vários padrões. O número de hotéis é relativamente pequeno e estes relataram terem taxas de ocupação muito baixas. A cidade tem relativa disponibilidade de aluguel de casas e “Kits” (conjugados de quarto com sala e banheiro, de aluguem por pouco tempo) e muitas casas de veraneio (segundas residências). Os restaurantes servem comidas típicas e pratos da culinária nacional. Também há vários locais para lanche que servem sanduíches e sucos, pratos da culinária regional (principalmente tacacá e vatapá) e açaí. 7

A rede hoteleira e de gastronomia locais, em sua maioria, adquirem os produtos que são utilizados em seus estabelecimentos, em Belém. O argumento para tanto se centra em torno da regularidade da oferta (mesmo que se trate de produtos congelados) e preços mais acessíveis do que os locais. A maior parte dos pacotes turísticos vendidos para a ilha do Marajó, utilizam o município vizinho de Salvaterra como ponto de hospedagem, visitando, a partir daí, Soure e outras localidades da ilha. Os atrativos mais divulgados são as praias e as fazendas do entorno, onde os passeios envolvem caminhadas, cavalgadas, travessias em carroças puxadas por búfalos, canoas, entre outros. Na cidade, destaca-se o Mercado Municipal, um centro de artesanato, o curtume e um local de produção e venda de cerâmica marajoara. Há vários estabelecimentos de diversão noturna, como bares e casas de show. O poder público e os empresários locais colocam como um dos principais, senão o principal entrave ao turismo em Soure, as dificuldades de transporte. O trecho Belém-Soure é feito via balsa, chegando a Camará (distrito de SalvaTerra – a viagem tarda três horas). Ai há ônibus de linha (não suficientes) e Vans/micro-ônibus particulares até SalvaTerra e Soure (cruzando o rio Paracauari também de balsa). Há uma insistência na necessidade de se recuperar um navio, o qual já realizou o trecho Belém-Soure, apropriado para as condições de navegação desde Belém, com grande capacidade de transporte de passageiros e de carga (parte inferir da embarcação), e que se encontraria, já reformado, em um estaleiro da Marinha. A Prefeitura não teria condições de pagar a dívida acumulada há cerca de dois anos com aquela. O turismo praticado na região tem, na atualidade, um perfil de Turismo de Balneário regional, o qual atende, sobretudo, a população de Belém. Tanto assim que estruturam-se as “temporadas”, com o pico da visitação no mês julho (férias escolares) e em feriados prolongados. Ademais, há visitações pontuais de grupos estrangeiros, notadamente franceses (devido à proximidade com a Guiana Francesa). É recorrente a indicação da problemática social de Soure como ponto de turismo sexual e rota de tráfico de drogas, mulheres e crianças, dada a falta de presença do Estado e a proximidade física com as Guianas. Há várias instâncias relativas ao turismo na Ilha, formalmente instituídas, tais como o Comitê de Turismo do Marajó (aberto para participação de qualquer instituição) e o Fórum de Turismo do Marajó (fechado). A UFPA possui um campus na Ilha do Marajó, em Soure, onde é ofertado o Curso de Turismo. No currículo deste, dentre as 34 disciplinas previstas (consultar documento anexo), não há nenhuma centrada em torno do ecoturismo, nem do ecoturismo de base comunitária, e nenhuma referência a Reservas Extrativistas ou outras Unidades de Conservação de Uso Sustentável. O máximo de “especificidade” que se encontra são as disciplinas “História da Amazônia Geral”, “Fundamentos de Ecologia da Amazônia” e “Geografia da Amazônia”.

Turismo na RESEX Algumas áreas da Reserva Extrativista de Soure, sobretudo suas praias e em particular, a Vila do Pesqueiro, também recebem um fluxo turístico considerável, desde antes da criação da Reserva Extrativista. O turismo dentro da RESEX está ocorrendo de forma desordenada e totalmente desvinculada de seus instrumentos de gestão.

As vilas de Cajuuna e Céu não estão inseridas nos roteiros turísticos da região e não são visitadas regularmente. Segundo informação dos moradores, recebem um turismo muito pontualizado e esporádico, de turistas que se lançam em caminhadas mais longas pelas praias da região. Estas comunidades não têm nenhum tipo de estrutura de hospedagem e de alimentação para atendimento de turistas.

Já na Vila do Pesqueiro, a praia contígua à comunidade – chamada de Praia do Pesqueiro - é bastante freqüentada pela população residente no Soure e visitantes, dada a proximidade e facilidade de acesso 8

a partir da sede municipal. Apesar de estar inserida nos limites da RESEX, a Praia do Pesqueiro possui uma infra-estrutura simples voltada para o atendimento dos visitantes – barracas de praia, notadamente de propriedade de moradores do Soure, que servem alimentos e bebidas. As barracas funcionam apenas nos finais de semana, feriados e “temporadas” turísticas (especialmente o mês de julho). Alguns moradores da Vila do Pesqueiro são incorporados eventualmente e trabalham nas barracas como mão-deobra temporária, em serviços de cozinha, limpeza e atendimento. A ocupação da faixa de praia se dá de forma bastante desordenada. Constatou-se a reforma e ampliação de algumas barracas, construções de caráter permanentes (de alvenaria), uma pequena pousada e plantio de coqueiros. Não há nenhum tipo de cuidado quanto aos dejetos e há muito lixo espalhado pelos locais. Apesar dos moradores afirmarem que os resíduos sólidos são proveniente da maré, o lixo passa a fazer parte da paisagem. Alguns dos passeios ofertados pelas fazendas do ocorrem dentro da área da Reserva Extrativista, sem qualquer tipo de autorização e/ou de articulação com a mesma e sem o envolvimento de suas populações.

Na Vila do Pesqueiro está sendo desenvolvido um projeto pelo SEBRAE voltado para o desenvolvimento do turismo comunitário. Os roteiros envolvem passeios no mangue, pela vila, acompanhamento de pesca e coleta de andiroba, passeio de búfalo, gastronomia. No entanto, não há na localidade nenhum ponto de informação ou material de divulgação destes atrativos. A comunidade reclama que não recebem turistas e, os que chegam, o fazem acompanhados de guias das pousadas de origem, passando pela comunidade sem nenhum tipo de integração com a mesma. A Vila do Pesqueiro foi lançada na última Feira Internacional de Turismo em São Paulo (2006) e foram desenvolvidos uma série de materiais de divulgação que não registram nem informam que a comunidade faz parte de uma Reserva Extrativista. A divulgação turística sobre a Ilha do Marajó de uma forma geral e sobre o Município de Soure, em particular, expõe e divulgam atrativos de dentro da Reserva Extrativista, sem qualquer menção ao fato de se tratar de uma unidade de conservação. A questão de autorização para uso de imagem também não tem sido respeitada nem cobrada. .

Os Projetos de desenvolvimento e a RESEX Vários projetos de desenvolvimento já foram implementados na Reserva, incluindo alguns focados no Turismo, sendo que vários estão em andamento. Um dos mais citados é o do INCRA, cuja atuação é visível, já que o programa está permitindo a reforma ou construção de casas na RESEX. Podem ainda serem citados: SEBRAE, Novos Curupiras, SOS Marajó e outra ONG local, Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal Rural do Amazonas (UFRA), Universidade Estadual do Pará (UEPA), PARATUR (Plano de Desenvolvimento do Ecoturismo na região da Bacia Amazônica), EMBRATUR, PROAMBIENTE, Campanha da Fraternidade e Projeto Interministerial para o desenvolvimento do Marajó. Há várias entidades e instituições atuando simultaneamente, desenvolvendo projetos paralelos e sem articulação, incluindo casos de ações sobrepostas como pode ser citado, como exemplo, a capacitação gastronômica para a Vila do Pesqueiro. Esta desarticulação se espelha também no currículo do próprio curso de turismo da Universidade Federal do Pará (UFPA) que funciona em Soure.

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Vários estudos, pesquisas, investigações sobre o potencial turístico da Reserva já foram elaborados, incluindo o desenvolvimento de Roteiros e Produtos, Capacitação, Divulgação e Comercialização. As comunidades, especialmente a Vila do Pesqueiro, estão saturadas de cursos, capacitações, oficinas e reuniões. Os projetos já desenvolvidos no âmbito do turismo, no geral, não têm alcançado os resultados práticos, tais como esperados por seus formuladores, e têm trazido poucos benefícios palpáveis para os moradores..

As causas da pouca efetividade das ações geram controvérsias. Apesar dos comunitários terem incorporado em seus discursos termos convencionais do turismo como “produto”, “atrativo”, “pacote”, as queixas das técnicas do SEBRAE envolvidas com o projeto remontam à falta de empreendedorismo dos moradores. Os moradores, por sua vez, reclamam da falta de continuidade das ações e de sua descontextualização da realidade municipal.

4.4. POTENCIALIDADES, CONFLITOS E LIMITAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE TURÍSTICA NA RESEX DO SOURE & RECOMENDAÇÕES GERAIS AO PROJETO A RESEX de Soure é um exemplo em vários sentidos. Foi a primeira unidade de conservação desta categoriada criada na Amazônia litorânea e serviu de modelo para várias outras que foram criadas, que estão em processo de criação ou que já foram demandadas ao poder público. É exemplo de organização comunitária e deve ser também exemplo de como implementar o turismo nestas unidade de conservação. O trabalho que for realizado no Soure deve gerar referenciais para todas as outras RESEX do Brasil. A atividade turística na RESEX do Soure e entorno já é uma realidade há vários anos. O turismo atual, no entanto, é protagonizado em sua maior parte por não extrativistas e com pouco ou nenhum controle comunitário das atividades. Até mesmo na Vila do Pesqueiro, onde a atividade turística desenvolvida é caracterizada como comunitária, o envolvimento maior se dá com indivíduos desvinculados do contexto de comunidade e da gestão da RESEX como um todo. As RESEX são fundamentalmente áreas de manejo comunitário. E como tal, não só a atividade pesqueira deve ser manejada de forma comunitária, mas também todas as outras atividades ligadas à área, incluindo aí o turismo. A inserção do tema turismo deve se dar de forma aglutinadora e agregadora das comunidades, possibilitando inclusive a retomada de discussões importantes sobre a gestão da RESEX como um todo Os projetos já desenvolvidos na RESEX desconsideraram ou não conseguiram incluir as particularidades das populações locais. E, de forma correspondente, tendem a considerar os resultados aquém do esperado, na medida que estas populações acabaram se mostrando “não empreendedoras”, “não visando o lucro”, ou seja, dentre outras considerações, não se inseriram na lógica “do mercado”. O turismo traz como impacto potencial a especulação imobiliária, que já se faz sentir principalmente na Vila do Pesqueiro e na Praia contígua, onde a facilidade de acesso já mostra suas conseqüências. O desenvolvimento e estímulo à atividade turística nesta condição deve necessariamente ser precedido de um cadastro das ocupações (dos moradores locais e dos demais) e de um controle efetivo da situação. O risco de comprometimento dos valores comunitários e a descaracterização de bens culturais ou a sua mercantilização também devem ser previamente discutidos e articuladas estratégias para sua minimização. O tipo de turismo que se busca em uma reserva extrativista é um turismo especial, que propicie ao visitante uma vivência da realidade local, da cultura dos pescadores e caranguejeiros e da parte ambiental, das belezas naturais tão divulgadas. Por outro lado, que também seja protagonizado pelos extrativistas e suas famílias, integrando-se às suas atividades e seu modo de vida e valorizando o seu conhecimento. E, principalmente, que seja discutido e decidido pelas comunidades locais. 10

Neste sentido, o ecoturismo de base comunitária é tido como o que mais se adequa aos objetivos da criação da RESEX, porque além de incorporar os objetivos do ecoturismo de uma forma geral, tem como foco que o controle da atividade seja realizado pelas comunidades locais, gerando benefícios predominantemente para estas e para as áreas relevantes para a conservação. Devem ser buscados também padrões diferenciados e alternativos para atendimento das necessidades básicas das populações locais. O Conselho Deliberativo da Reserva indicou o interesse no desenvolvimento do projeto em questão. Mas a principal demanda das comunidades envolvidas é: construir conjuntamente as ações. Os moradores não querem mais ser “incluídos”, e sim gerar junto. Uma metodologia meramente “participativa” não comporta por si só esta demanda. Neste sentido, a primeira etapa do projeto deve considerar, de forma inevitável, a construção conjunta das propostas de ação. O projeto de Cooperação Internacional Brasil-Espanha em questão, prevê a realização de várias ações e etapas que já foram realizadas, particularmente para a Vila do Pesqueiro. O respeito às especificidades das populações locais deve ser premissa básica para todas as atividades e para a proposta como um todo. Isso inclui suas formas organizativas e seus espaços coletivos de decisão, seus valores comunitários, familiares e individuais e o direito de não inserção direta ao mundo do turismo ou à mercantilização, consumo e monetarização de seu patrimônio material e imaterial, muitas vezes transformados apenas em “produtos”. A noção de respeito às comunidades locais é algo extremamente difícil de se definir e, mais ainda, de realizar. Em geral confunde-se a absorção de certas tecnologias com descaracterização cultural, quando pode ocorrer de estarem fazendo apenas uma leitura do que vêem, ou uma releitura de seus próprios valores. As populações locais têm o direito de se modernizar e modificar seus padrões de comportamento. Isso é uma opção para cada grupo cultural ou até mesmo uma opção individual. Mas estas populações também têm – ou deveriam ter – o direito de manter e reproduzir seus valores culturais tradicionais, enquanto assim o queiram. Estas especificidades, antes de serem “dificuldades”, demonstram a capacidade de resistência destes moradores, que efetivamente os torna aquilo que são: populações tradicionais. A lógica destas populações, como o próprio nome indica, é tradicional justamente porque não se inseriram de todo nas formas hegemônicas da sociedade capitalista envolvente. Porque se trata de capital social, cultural, histórico, e que podem e devem ser pensados como diferença, particularidade. Assim, os que executarão o projeto terão chance, simultaneamente, de diálogo, de troca, de crescimento pessoal e profissional, da mesma maneira que os futuros turistas. Inserção do turismo pode não ser equivalente a mercantilização e monetarização social das relações, das pessoas, das coisas. Manejar as relações com os produtos, as práticas, os valores não propriamente capitalistas, como atrativo e não se partir da necessidade de formatá-los para o consumo/monetatização em termos de moeda = equivalente geral, lógica ancorado no “lucro” financeiro. O Projeto tem que enfrentar os gargalos já existentes na localidade, porque o turismo não pode ser desenvolvido de forma independente destes. A não existência do Plano de Manejo, a não explicitação e resolução das questões fundiárias, a não demarcação e sinalização da Reserva, funcionarão como entraves para o desenvolvimento do turismo (além de outras dimensões das comunidades envolvidas). É inevitável e neste sentido foi explicitada a demanda por parte da Vila do Pesqueiro, uma rediscussão do Plano de Uso (incorporável à construção do Plano de Manejo). E neste caso o turismo se apresenta como uma atividade já decidida por esta comunidade. Ações, as quais simultaneamente funcionarão como reforço da identidade da população como população tradicional de Reserva Extrativista.

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Antes de capacitar, ou de forma simultânea, como parte do que se considere como capacitação, socializar informações sobre diferentes experiências, positivas e negativas, já existentes, sobre ecoturismo de base comunitária (vídeos, filmes, palestras) em outras localidades do país e do mundo. As estratégias de marketing também devem funcionar como mecanismos de resgate e valorização cultural. Porque o que se tem dado é um resgate parcial, seletivo, como é o caso do Carimbó. Enfatizar a recuperação do patrimônio, de valores locais que ainda não foram “descobertos” e re-criados por este tipo de marketing. As particularidades das contínuas transformações do espaço físico devem ser incorporadas no contexto geral da Reserva, como é o caso da construção de casas tipo palafitas e sua mobilidade. Qualquer empreendimento deve respeitar e incorporá-lo, positivamente, dentro do que é a especificidade da RESEX e das populações tradicionais que nela vivem. As atividades turísticas devem ser planejadas de forma a não suplantar as extrativistas, adotando-se mecanismos para evitar a substituição das atividades tradicionais pelas turísticas. Afinal, trata-se de uma Reserva Extrativista e o que a caracteriza não pode ser desqualificado na busca por “alternativas de renda”. A sazonalidade da atividade turística na região, vista como fator limitante e de dificuldade para os operadores turísticos convencionais, não deve ser encaracda da mesma forma em uma RESEX, uma vez que é exatamente esta sazonalidade que pode possibilitar que o turismo seja uma atividade complementar e não substitutiva das atividades extrativistas. Para que seja possível a população local interagir com a economia do turismo sem dissolver-se como cultura, ela precisa participar ativamente, e não passivamente do processo. Precisa estar consciente e desejosa das transformações inerentes à atividade e ter controle em todas as etapas do processo. O programa de ecoturismo necessariamente deve se estruturar como uma ação integrada e integradora, promovendo o fortalecimento do associativismo, a valorização das atividades tradicionais, da identidade cultural e do conhecimento local dos extrativistas, sendo este o grande diferencial das atividades por eles ofertadas em contraponto com as atividades comerciais já instaladas na região. As ações, estratégias, subprojetos devem ser integrados com as instituições locais que tem envolvimento com a questão (curso de turismo, prefeitura, setor hoteleiro, projetos para a região). O histórico do que já foi executado nas comunidades e as informações existentes devem ser levantadas, consideradas e avaliadas, promovendo um maior aprofundamento das informações, além da integração das perspectivas e das estratégias de gestão propostas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Reserva Extrativista do Soure e seu entorno possuem, em seu contexto atual, elementos humanos, ecológicos, históricos, culturais, institucionais e políticos com potencial para o desenvolvimento de uma proposta de ecoturismo de base comunitária. A revalorização da região, de suas riquezas naturais, históricas e culturais, associadas ao fortalecimento das comunidades representa uma oportunidade ímpar para se inovar e consolidar uma contra-corrente dentro da tendência dominante do turismo massificado e da sociedade. Há experiências interessantes de ecoturismo de base comunitária que permitem crer na real possibilidade de uma mudança e uma nova maneira de viajar baseada no interesse e respeito pela diversidade.

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