Reconstrução argumentativa da República de Platão - Trechos: Livro V (476a à 480b) e Livro VI (504d à 511e)

May 31, 2017 | Autor: Fernando Sáfadi | Categoria: Socrates, Metafísica, Ontologia, A república de Platão
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Goiânia, 23 de maio de 2016. Aluno: Fernando Batista Safadi Disciplina: Ontologia e Metafísica Email: [email protected]

Reconstrução da Argumentação de Platão no livro “A República” Trechos: Livro V (476a - 480b); Livro VI (504d-511e)

 Livro V - 476a à 480b 473a-475e (introdução da questão): O trecho citado se inicia com o personagem Sócrates afirmando que são os filósofos aqueles que devem governar as cidades. Seu interlocutor, o personagem Glauco, pede a Sócrates que demonstre a veracidade de sua afirmação. Atendendo ao pedido de Glauco, Sócrates argumenta que seria necessário demonstrar quem seriam os indivíduos a quem se podem chamar de filósofos para só então responder a questão principal. Sócrates propõe então que são filósofos aqueles que desejam "provar de todas as ciências e se atiram aos estudos sem se saciarem". Glauco então coloca que, seguindo essa definição, os chamados amantes de espetáculos e de audições, que também possuem prazer em aprender, poderiam ser chamados de filósofos. Sócrates discorda de Glauco afirmando que os chamados "amantes de espetáculos" teriam apenas "aparência de filósofos" e, a partir daí, tentará demonstrar a diferença entre os dois.

476a-480b: O personagem Sócrates inicia sua argumentação afirmando que os "amantes de espetáculos" encantam-se com a beleza das "vozes, cores e formas", mas não sabem discernir essa beleza do belo em si. Eles veem a beleza dos objetos do mundo sensível, que é apenas semelhante ao "belo em si", como se fossem ambos o mesmo objeto, e, ao ignorarem a existência dessa outra realidade, poderia se dizer que vivem em sonho.

Cabe aqui deixar claro que, na concepção platônica, os objetos que são em si mesmo são mais reais que os objetos do mundo sensível, sendo assim, como o filósofo consegue fazer a distinção entre o belo e o "belo em si" ele vive na realidade. O filósofo, portanto, possui o conhecimento, pois, pensa racionalmente para contemplar a essência dos objetos que são em si mesmos. Já os "amantes de espetáculo", que fundam seu saber na aparência, possuem o que se pode chamar de opinião. Sócrates passa a discorrer de forma mais ampla sobre a distinção entre conhecimento e opinião, provocando seu interlocutor, Glauco, a ajudá-lo a identificar em que plano se encontraria a opinião, sabendo-se que o conhecimento se refere àquilo que "existe absolutamente"- o Ser - e é, portanto, "absolutamente cognoscível", e que aquilo que não existe não é cognoscível. Ao conhecimento que se funda no Ser dá-se o nome de "ciência", e ao desconhecimento, que remete ao Não-ser dá-se o nome de "ignorância". Uma vez que a opinião não se refere nem ao Ser e (obviamente) nem ao Não-ser, logo, ela ocupa uma posição intermediária entre a ciência e a ignorância. Sócrates continua, colocando que a opinião e a ciência são potências diferentes pois tem como objeto coisas diversas. A opinião também não poderia ser comparada a ignorância, pois, como a opinião é alguma coisa, ela não poderia se referir ao não ser, que, como já dito, não é cognoscível. Antes de prosseguir com sua argumentação, Sócrates manifesta a necessidade de falar acerca das potências. Para ele "potências são um gênero de seres, pelos quais nós podemos fazer aquilo que podemos, nós e tudo mais que tenha capacidade de atuação", e usa como exemplo de potências a visão e a audição. Complementa que as potência não são parecidas com os outros objetos no sentido de que não se vê nelas características comuns (cor, forma) que as distingam, devendo se levar em consideração, quando se pretende analisá-las, os objetos a que se aplicam e os efeitos que geram. Se aplicável ao mesmo objeto e possibilitando a ocorrência do mesmo efeito são idênticas, agora, se elas se aplicam a objetos diversos e geram efeitos também diversos são diferentes. Ou seja, embora dois objetos distintos possam ser classificados como potências eles não são necessariamente a mesma coisa, pois existem várias categorias de potências dependendo do objeto a que se aplica e dos efeitos que geram.

Sócrates prossegue, questionando seu interlocutor se seria a ciência uma potência, obtendo uma resposta afirmativa. No que se refere à opinião, Sócrates questiona novamente se esta também seria uma potência, obtendo mais uma vez uma resposta afirmativa. Com base nas respostas obtidas ele recorda, que em um momento anterior do diálogo, Glauco havia estabelecido que a opinião e a ciência são coisas distintas, e, neste momento foram classificadas como sendo ambas potências. Esse último questionamento é resolvido aplicando-se a definição de potência proposta por Sócrates anteriormente, ou seja, que de fato as duas coisas são distintas vez que a potência de cada uma delas tem um objeto e um efeito diverso, pois, enquanto a ciência "se aplica ao Ser, a conhecê-lo no seu comportamento" a opinião se aplica aos objetos do mundo sensível, o que ele chama de aparência. O personagem Sócrates segue levantando uma nova indagação. Seria possível a mesma coisa ser objeto de conhecimento e de opinião? A resposta que obtém é a de que não, pois, se considerados os preceitos estabelecidos, a ciência e a opinião são potencias diversas e se aplicam, portanto, a objetos diversos. Com base nesta última colocação Sócrates continua pontuando que, não sendo a opinião aplicável ao Ser, mas partindo do pressuposto que ela se aplica a algo, também não seria possível dizer que ela se aplica ao Não-ser. Sendo assim o objeto da opinião deve, necessariamente, estar em uma posição intermediária entre a ciência (Ser) e a ignorância (Não-ser), uma vez que mais obscura do que àquela e mais e mais clara do que esta. Demonstrado que o objeto da opinião se encontra em uma posição intermediária, Sócrates continua com seu interrogatório dialético retomando a questão da diferença entre os filósofos e os chamados "amantes de espetáculos". Com base na cadeia argumentativa até o momento construída ele conclui que, portanto, os amantes de espetáculo se diferem dos filósofos pelo fato de que, enquanto estes se interessam pelo conhecimento dos objetos que são em si mesmos podendo ser chamados de "amantes da sabedoria", àqueles se interessam apenas pelas aparências, sendo incapazes de contemplar o Ser, podendo, portanto, serem chamados de amantes da opinião.

 Livro VI - 504d à 511e O trecho indicado se inicia com Sócrates afirmando que existe algo superior as qualidades que haviam analisado anteriormente (justiça, coragem, temperança e sabedoria). Seus interlocutores, não satisfeitos com a simples afirmação exigem que Sócrates passe a discorrer sobre qual seria esse "estudo mais elevado" que ele propõe, bem como o objeto que lhe é atribuído. Sócrates, então, inicia a apresentação de seus argumentos falando que o objeto a que ele se refere é a "ideia do bem", que "é a mais elevada das ciências, e que para ela é que a justiça e as outras virtudes se tornam úteis e valiosas", ou seja, de nada serviria conhecer/possuir algo que não fosse bom. Sócrates continua afirmando que para a maioria das pessoas o bem se identifica com o prazer, e para os mais requintados o bem se identifica com o saber. Faz alusão a esses dois pontos de vista em relação ao bem, para então deixar claro que todos os que pensam de uma forma ou de outra estão eivados de erro. Enquanto os primeiros erram pelo fato de ser inegável que existem prazeres maus, os segundos também erram haja vista que são incapazes de explicar o que é o saber, ou seja, falam como se conhecessem algo que não conhecem. O personagem Sócrates é então provocado pelo seu interlocutor a dizer o que ele afirma ser o bem, "a ciência, ou o prazer, ou qualquer outra coisa?". Sócrates então inicia sua argumentação dizendo que, naquele momento, não seria prudente expor um pensamento acerca do "bem em si", motivo pelo qual se propõe a expor o que lhe parecia ser o filho do bem e que seria muito semelhante ao próprio bem. Antes de deixar claro o que seria o filho do bem Sócrates discorre que as coisas belas, e outros objetos da mesma espécie, são visíveis mais não inteligíveis, enquanto os objetos que existem em si mesmos são inteligíveis mais não visíveis. Continua questionando seus interlocutores a responder como se vê o que é visível, recebendo como resposta que através da vista. A partir daí Sócrates traz ao diálogo outros dois sentidos, a audição e a voz, e demonstra que estes não necessitam de nenhum fator externo para que se realizem, ou seja, a voz estimula a audição e vice versa. Já no que se refere a visão essa afirmação não é verdadeira, uma vez que , "ainda que exista nos olhos a visão", e "ainda que a cor esteja presente nas coisas", se não houver luz nada

poderá ser visto. Sócrates, então, coloca o laço entre a visão e a luz em um patamar mais elevado do que os laços de outros tipos. A partir daí Sócrates pergunta a seus interlocutores qual seria, "dentre os deuses do céu", o responsável por emitir a luz que nos faz "ver da maneira mais perfeita que é possível", recebendo como reposta que seria o Sol. Passa então a ponderar que, de todos os sentidos, aquele que mais se assemelha ao sol é a visão, e que o poder da visão transbordaria do Sol, ou seja, o Sol é a causa da visão e só pode ser contemplado por este sentido. Deste modo, Sócrates começa a construir sua famosa analogia. Por meio das ponderações levantadas ele discorre que o "bem é, no mundo inteligível, em relação a inteligência e ao inteligível, o mesmo que o Sol no mundo visível

em relação à vista e ao visível". Seus

interlocutores não compreendem essa afirmação e pedem que Sócrates explique melhor. Sócrates continua introduzindo a ideia de que, a nitidez com que se enxerga um objeto que esta sendo iluminado pela luz do Sol é muito maior do que quando se enxerga um objeto iluminado apenas pelos "clarões noturnos". Continua dizendo que, em mesmo sentido poderíamos falar acerca da inteligência e da opinião, isto é, quando "a alma se fixa num objeto iluminado pela verdade e pelo Ser" ela exerce sua inteligência, porém, quando se fixa em um objeto envolto em trevas exerce apenas opinião. Com base no que foi falado é possível concluir que, para Sócrates o filho do bem é o Sol uma vez que este está para visão assim como o Bem está para o saber e para a verdade, ou seja, da mesma forma que o Sol permite que os objetos sejam vistos e que os olhos vejam, o Bem permite que as ideias sejam cognoscíveis por meio do exercício da razão. Em outras palavras a capacidade de ver depende do Sol e a capacidade de conhecer depende do Bem. Ainda no que se refere ao Sol, Sócrates menciona também a sua função em relação à gênese dos seres do mundo sensível. Em mesma medida, o Bem, além de proporcionar a cognoscibilidade dos objetos do mundo das ideias seria também através dele que são adicionados o Ser e a essência desses objetos. Os interlocutores de Sócrates, ainda não convencidos por suas exposições, exigem melhores explicações. Ele então pergunta a seus interlocutores se almenos a

distinção entre mundo visível e mundo inteligível foi compreendida, obtendo uma resposta afirmativa. Com base nisso ele convida seus interlocutores a imaginarem uma linha horizontal contada de forma desigual em que um dos lados (o menor) representará o mundo visível e o outro (o maior) o mundo inteligível. Em relação à linha que representa o mundo visível, ele pede para que seja feito um novo corte na mesma proporção (quanto mais a esquerda da linha mais obscura). O primeiro segmento representa o que Sócrates chama de imagens, onde se encontram as sombras e os reflexos. A segunda seção representa os seres vivos e "toda a espécie de artefatos”. As imagens estariam para o modelo (o corpo que gera a imagem) assim como a opinião esta para o saber. A linha que se refere ao inteligível também deve ser cortada na mesma proporção da que se refere ao visível. O primeiro segmento representa os entes matemáticos que são investigados por meio das hipóteses. Chama-se essa investigação de hipótese, pois os que se ocupam de estudar esta categoria de objetos se utilizam de objetos do mundo sensível para buscar o entendimento, mesmo que em seu raciocínio eles sejam capazes de imaginar, por exemplo, o quadrado em si e o triangulo em si. Ou seja, mesmo compreendendo a existência desses entes que são em si mesmos os geômetras e matemáticos acabam tendo que se valer de objetos do mundo sensível para desenvolver o seu saber. O segundo segmento representa as ideias ou formas que são investigadas por meio da inteligência (dialética). O conhecimento a que se refere esse segundo segmento é alcançado sem se valer de percepções sensoriais, ou seja, é um trabalho puramente racional onde ideias são concatenadas para, ao final, se identificar outras ideias. Sócrates conclui que, cada um dos segmentos representa uma operação da alma e que cada uma dessas operações tem “o mesmo grau de clareza que os seus respectivos objetos tem de verdade”.

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