Rede urbana e governo local na Amazônia Brasileira

June 3, 2017 | Autor: Lia Osorio Machado | Categoria: Urban Geography, Amazonia
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Em: Maria Célia Coelho, Armin Mathis (org.) Políticas Públicas e Desenvolvimento local na Amazônia: uma agenda de debates, Belém: Ed.UFPA/NAEA, 2005, p.141-151

Rede urbana e governo local na Amazônia Brasileira1.

Lia Osório Machado, UFRJ, CNPq.

A Amazônia ensina que a massa de água e floresta visível num simples sobrevôo da região esconde uma grande diferenciação interna quando descemos ao terreno. Também a urbanização (cidades e redes urbanas) apresenta diferenciações resultantes de complexos processos de territorialização ocorridos nos últimos trinta anos. É um quadro diverso daquele de décadas passadas, quando Belém era considerada a 'capital regional' da Amazônia, 'subordinando' Manaus, Rio Branco e Porto Velho (Geiger, 1963). Tratarei brevemente de algumas questões da urbanização regional e suas relações com o governo local.

O baixo grau de integração das redes urbanas na Amazônia Primeiro, ao contrário do que tem sido afirmado com freqüência, a urbanização não forma uma "malha" reticulada na região. Em vez de uma única rede urbana "amazônica" existem diversos subsistemas urbanos que mantém baixo nível de conectividade entre si, com a maioria das capitais estaduais ocupando a posição de primazia em seu subsistema. Mesmo entre as capitais estaduais o nível de articulação é baixo, embora existam exceções: Boa Vista (RR) e Porto Velho (RO) subordinadas a Manaus (AM); Macapá (AP) subordinada a Belém (PA), e Rio Branco (AC) subordinada a Porto Velho (esta última subordinada a Manaus enquanto perdurar o monopólio da conexão fluvial entre ambas). Houve um momento quando se procurou aumentar a conectividade intra-regional. As políticas de desenvolvimento regional concebidas na década de 1970 (PIN, PDR, etc.) implantaram os "eixos de integração" como alternativa ao domínio das conexões por via fluvial e como meio de expandir o povoamento, mesmo que de forma extensiva. Porém a política de maior impacto estruturador, os "polos de desenvolvimento", permaneceu incompleta, pois sua integração através de uma malha rodoviária que permitisse intensificar as trocas intra-regionais foi sustada pela "crise da divida" do inicio da década de 1980 (Machado, 1986).

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Resultados derivados de uma pesquisa realizada com o apoio do CNPq sobre a rede urbana da Amazônia e suas relações com o governo local.

Nas décadas seguintes a 1970, o padrão espacial de acessibilidade aos investimentos e aos mercados se fundamentou nas capitais estaduais. Geralmente é no distrito da capital onde as firmas têm melhor acesso ao capital de investimento (intra-regional e extra-regional) e aos mercados nacional e mundial. A forte dependência dos estados amazônicos em relação às transferências de recursos da União (entre 50% no Pará a quase 90% no Acre) também favorece os centros políticos estaduais, que tendem a canalizar os recursos para a maquina administrativa e a economia urbana das capitais, onde a massa de votantes é maior. Mesmo no estado do Amazonas, que não depende das transferências da União, as indústrias da Zona Franca estão concentradas em Manaus, apesar da SUFRAMA formalmente poder explorar as áreas de livre comércio de Tabatinga (AM), Guajará-Mirim (RO), Macapá-Santana (AP), Pacaraima e Bonfim (RR), Cruzeiro do Sul e Brasiléia - Epitaciolândia (AC) (as quatro últimas nem foram ativadas).

Urbanização do território e redes urbanas Segundo, é preciso aprofundar melhor o que significa a urbanização do território e diferenciá-la da formação de redes urbanas. Um dos elementos configuradores da urbanização é o crescimento do número de cidades. Desde o final da década de 1930 que o Brasil oficializou o que é cidade e vila no país ao determinar por lei federal que toda sede municipal é cidade. O resultado dessa decisão foi que urbanização e municipalização são tomadas como sendo um único processo. A criação de novas 'cidades' depende da criação de novos municípios, o que não quer dizer que a sede seja de fato uma 'cidade', com todas as funções urbanas associadas; por outro lado torna irreversível a oficialização dos lugares como "cidade". Em algum momento será preciso alterar a lei e romper com essa rigidez no 'formato' político-administrativo do território brasileiro. Dificilmente se pode levar a sério a gestão do território se desvinculada da temporalidade dos processos territoriais, Também é preciso mencionar que as interações intra-regionais, que conceitualmente fundamentam a subordinação (hierarquia) interurbana sob a forma de 'rede', não são devidamente consideradas nas pesquisas sobre a urbanização na região. De fato a instalação de novos municípios ao longo da história regional amazônica representa mais a expansão do povoamento do que propriamente a 'urbanização' do território e a configuração de uma 'rede urbana' regional. O que se vê são novas sedes municipais ("cidades") seguindo precariamente os impulsos intermitentes das frentes de povoamento e apropriação do solo (Figuras 1, 2 e 3). Até 1945, na Amazônia Ocidental a disposição geográfica das sedes municipais acompanhou de perto o desenho das redes fluviais e a localização das principais áreas de exploração da borracha no vale do Solimões, do Purus e no Acre. Na Amazônia oriental é nítida a colonização da Zona Bragantina nas cercanias de Belém e a integração do Maranhão à Região 2

Nordeste brasileira (Figura 1A). No período seguinte, um número expressivo de municípios foi criado devido à política do último ano do governo João Goulart de ampliar a malha municipal do país (1963). Nesse momento, portanto, não se pode atribuir à criação de novos municípios nem a um processo efetivo de urbanização nem mesmo à expansão de frentes de povoamento (Figura 1B). Com duas exceções: a inversão das frentes pioneiras maranhenses em direção à Amazônia, que resultou da política de colonização do Maranhão capitaneada por Celso Furtado quando dirigiu a Sudene na segunda metade da década de 1950, e que foi posteriormente encampada pelos governos militares com o slogan "os homens sem terras para as terras sem homens"; e as frentes agropecuárias no sul do Mato Grosso, vinculadas à implantação da estrada pioneira "Belém-Brasília" (BR-040) no final da década de 1960. O período entre 1967 e 1988 corresponde grosso modo à política de integração nacional da Amazônia concebida pelos governos militares. As frentes de povoamento são visíveis principalmente nas áreas de colonização privada (no novo estado de Mato Grosso), de colonização oficial (Rondônia) e no Acre (Figura 2A). Apesar da restrição dos militares à criação de novos municípios na década de 1970, as políticas de integração reforçaram a estruturação urbana das cidades existentes e incentivaram a criação (planejada) de núcleos urbanos nos projetos de colonização públicos e privados, inclusive no famoso projeto da Transamazônica. De 1988 a 2001 o aumento considerável do número de sedes municipais se deveu em grande parte à mudança promovida pela Constituição Federal de 1988 que retornou aos estados da federação o poder de criar novos municípios. As condições de onde emergiram foram diferenciadas: criação de um novo estado (caso do Tocantins); povoamento e apropriação de terras, vinculado à agricultura industrial (soja em Mato Grosso e Oeste Maranhense; arroz em Roraima) ou à pecuária (Amapá; Acre); consolidação do povoamento no Sudeste do Pará e ao longo da Belém – Brasília; projetos de colonização (Transamazônica (PA); Roraima; Rondônia; Acre) (Figura 2B). Também faz parte dos processos de urbanização o aumento do tamanho populacional das cidades. Isso é visível na Amazônia. Não só as capitais estaduais aumentaram de tamanho como algumas das cidades pré-existentes a 1970 também. No entanto, a tendência de primazia das capitais em termos de concentração populacional e econômica não se confirma em todos os estados amazônicos nos últimos anos. Enquanto no "arco" de fronteira as cidades de Rio Branco, Manaus, Boa Vista e Macapá permanecem em situação de primazia, no "arco do fogo" ou "arco do desmatamento", assim conhecido por concentrar grande parte das queimadas da vegetação primária e secundária, a concentração do produto interno bruto (PIB) e populacional nas capitais tendeu ao decréscimo entre 1970 e 2002 (Tabela 1).

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Figura 1 (A) e (B)

Figura 2 (A) e (B)

Tabela 1 Amazônia Legal: Grau de Concentração do PIB e da População Urbana total nas Capitais Estaduais - 1970-2002 P.Urbana (em % do total urbano estado PIB (em % do total estadual) estadual) capital Rondônia Porto Velho

1970

1980

1996

2000

2002

1970

1980

1996

2000

84

53

39

25

31

69

44

31

30

Rio Branco

51

62

68

65

62

58

66

64

61

Amazonas Manaus

67

83

85

83

81

70

71

65

66

Roraima Boa Vista

90

82

83

71

70

96

88

86

80

Belém

56

40

47

29

26

55

47

32

40

Macapá

90

90

68

66

62

82

87

83

79

Tocantins Palmas

s.d.

s.d.

19

17

20

s.d

s.d

11

15

Maranhão São Luis

27

27

39

24

22

22

15

29

25

32

26

39

24

22

39

32

35

18

Acre

Pará Amapá

Mato Grosso Cuiabá

Org.L.O.Machado sobre dados do IBGE

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Nº. sedes municipais ("cidades") 1970

1980

1996

2000

2

7

40

52

7

12

22

22

44

44

62

62

2

2

15

15

83

83

128

143

5

5

15

16

52

50

139

139

130

130

136

217

34

55

117

126

Mesmo no 'arco de fronteira' Rio Branco (AC) e Macapá apresentam um 'viés para baixo' na concentração do PIB e da população. Por outro lado, é notável a tendência de redução da primazia da capital nos subsistemas urbanos do Pará, Mato Grosso e Maranhão, o que indica certa interiorização dos investimentos e/ou redução deles nas capitais acompanhada por um ritmo maior de crescimento dos núcleos urbanos fora das capitais ou no seu entorno. Comparado à década de 1960, a heterogeneidade da estrutura hierárquica da urbanização aumentou, com o aparecimento de novas classes de tamanho no alto da hierarquia (cidades entre 50/100 000 e 100/500 000 habitantes) e a 'quebra' do limiar de um milhão de habitantes em Manaus e Belém. É a interiorização dos investimentos que pode explicar a emergência, ainda que tímida, de "regiões urbanas" nos subespaços regionais durante a última década. São adensamentos de núcleos urbanos interligados, que aproveitam economias externas locais, ou seja, a possibilidade de geração de vantagens advindas da concentração de produtores rurais e de serviços. Tal concentração, por seu turno, reforça o adensamento atraindo mais fluxos de investimentos e imigratórios (principio de retornos crescentes ou de equilíbrio múltiplo) (Arthur, 1990) (Figura 3).

Figura 3

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A Urbanização extensiva Terceiro, a comparação entre os dados relativos aos municípios criados no período 1980/1991 e no período 1991/2000 mostra que o aumento do número de municípios na última década está associado a um processo de 'ruralização' do que de urbanização, no sentido mais restrito de aumento da população residente urbana. Enquanto no primeiro período os novos municípios somavam uma população urbana maior do que a rural, ou seja, a maior parte da população municipal estava concentrada na sede do município, nos municípios criados no segundo período a população rural é quase o dobro da população urbana. Na década de 1990, no Pará, a proporção de novos municípios com predomínio de população urbana caiu de 33% para 17%; no Tocantins, de 67% para 35%; em Mato Grosso, de 46% para 23%. A tendência recente de "ruralização" não significa, a nosso ver, a total negação da tese da dominância da urbanização no sistema de povoamento. Como nexo e referencial do sistema de povoamento, a urbanização permanece dominante, a despeito da mudança da localização da população. Trata-se de uma urbanização intensiva nas cidades e extensiva no território2. O caráter extensivo da urbanização amazônica também é sugerido pela relação entre número de "cidades" e população urbana. Das 792 sedes municipais existentes na Amazônia Legal3 em 2000, 96% tinham menos de 25.000 habitantes, 70% menos de 10.000 habitantes e 48% menos de 5.000 habitantes.

O domínio do trabalho informal Uma proporção considerável da população urbana trabalha na informalidade. Isto não é uma grande novidade, porém pouca atenção se presta ao fato de que o trabalho informal domina muito mais nas menores cidades, aquelas de 10 mil, 20 mil, 30 mil habitantes, do que nas grandes cidades. A formalidade ou informalidade do trabalho é um importante indicador da estabilidade da cidade, principalmente quando ela é pequena. A maior parte dos municípios amazônicos encontra-se na situação absoluta de instabilidade. Um aspecto interessante é que nas cidades-empresa mineradoras como Oriximiná e Parauapebas, existe um percentual maior de população empregada no mercado formal de trabalho, principalmente porque as empresas mais capitalizadas necessitam reter mão de obra qualificada. Onde há baixo investimento, baixo número de empreendimento privado, a mão-de-obra não tem nenhuma condição de obter

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Ver L. O. Machado. "Urbanização e mercado de trabalho na Amazônia Brasileira", Cadernos IPPUR 13 (1): p. 131, 1999. Posteriormente a publicação deste trabalho, outros pesquisadores estenderam para o Brasil a noção de urbanização extensiva.

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No cálculo foram incluídos na Amazônia Legal todos os municípios do Maranhão.

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vantagens trabalhistas. Portanto, é um aspecto importante quando observamos as diversas formas de gestão urbana. No mercado formal de trabalho a maioria dos municípios tem como maior empregador a administração publica. É sem dúvida o emprego público que garante certo grau de estabilidade aos pequenos núcleos urbanos, um fator a ser considerado na gestão do território, pois não se pode fazer muita coisa quando uma pequena cidade é dependente de uma só fonte de mercado formal de trabalho.

Lacuna de níveis hierárquicos intermediários e hierarquia do poder decisório A ausência ou o pouco desenvolvimento de níveis hierárquicos intermediários caracteriza praticamente todos os subsistemas urbanos estaduais amazônicos.

Porque isso

ocorre? Sem dúvida que o grau de interação entre núcleos urbanos no espaço geográfico depende das tecnologias de transportes (fluvial, rodoviário, fluvial etc.). Melhores redes de circulação contribuem para a maior interação entre os núcleos urbanos, o que poderia reduzir a primazia das capitais e promover o desenvolvimento de níveis hierárquicos intermediários nas redes urbanas. Mas existem outras razões para essa fragilidade das redes urbanas amazônicas. Em primeiro lugar, a dependência em relação aos recursos federais e o domínio político dos governos estaduais na escala local dificultam a formação de um campo de negociação que possa promover os interesses locais (reduzidas à clássica troca 'pequenas obras por um punhado de votos'). Outro fator é a política pública / privada de distribuição geográfica de investimentos. A alocação dos investimentos tem sido em pontos específicos dos territórios (polos mineradores e industriais; projetos de colonização, etc.), o que em si é uma estratégia válida, na medida em que incentiva a especialização regional e o adensamento das redes urbanas sub-regionais. Porém no caso amazônico, o grande tamanho das propriedades, a concentração fundiária e a ausência dos grandes investidores nas esferas locais de negociação são fatores que 'esvaziam' o poder decisório das localidades e dificultam a complementação e articulação produtiva das aglomerações urbanas e dos subespaços regionais. É claro que estamos partindo de um ponto de vista quase clássico: de que a existência de níveis hierárquicos intermediários expressa de alguma maneira um melhor "equilíbrio" na disposição do povoamento. Devemos deixar em aberto, no entanto, essa suposição normativa. Pois nada tem de mecânico o mundo da "economia do arquipélago, das redes, da velocidade e da incerteza" (Veltz, 1996). Em segundo lugar, a não garantia de direitos de propriedade contribui para a incerteza do futuro imediato e para a instabilidade geral do sistema de povoamento amazônico. É difícil 7

sem uma garantia mínima de direitos pensar em sustar o acréscimo e decréscimo espasmódico da população urbana, que tanto dificulta a formação de articulações produtivas capazes de sustentar redes urbanas estáveis. Em terceiro lugar, a excepcionalidade do espaço amazônico, com suas áreas indígenas e seu patrimônio ambiental, exige visões excepcionais. Infelizmente existe uma tendência daqueles que defendem o desenvolvimento regional de usar outras regiões do país como modelo É praticamente uma constante a reação negativa que a criação desses territórios especiais causa entre a população não-indígena. Não só porque a vêem como uma limitação à livre expansão das frentes (madeireira, agrícola, criatória, mineradora, etc.) e à articulação entre os núcleos urbanos (o exemplo mais recente sendo a resistência à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no nordeste de Roraima). Há uma dificuldade recorrente dos governos em conceber planos de desenvolvimento regional que levem em consideração essa rica diversidade físicoétnica-cultural e seu imenso potencial social e econômico. Já é quase uma caricatura repetir que os resultados insatisfatórios das políticas públicas se devem às concepções adotadas em sucessivos ‘modelos’ de desenvolvimento regional. Isso certamente ocorreu. Porém é igualmente verdadeiro desconfiar de que se conseguirá algum dia uma condição em que todos os desejos de todos os setores sociais serão realizados. Se isso fosse possível estaríamos diante de uma situação “perfeita” e, portanto, estática, onde a premissa básica da dinâmica das interações sociais deixaria de existir. Modelos e projetos de desenvolvimento serão sempre soluções precárias diante da luta incessante pelo uso e controle social do espaço. As formas de uso efetivo, ou mesmo projetado, do espaço definem diferentes territorialidades e nós as encontramos empilhadas, separadas ou em luta por um mesmo território. Em quarto lugar, nem sempre os atores e agentes diretamente envolvidos na competição pelo espaço conseguem elaborar projetos e estratégias claras. Dificuldade na escolha e prioridade de objetivos, análise precária das relações das forças presentes e obtenção de informações relevantes são restrições freqüentes. Existem ainda outros problemas difíceis de integrar, como as temporalidades ou condição evolutiva diferenciada de questões, soluções e decisões ou mesmo da dinâmica das relações com o ambiente 'externo' aos territórios. A complexidade dos sistemas territoriais é geralmente ignorada nos modelos de planejamento dirigido pelo Estado. Em sua vertente territorial, tal planejamento parte de uma concepção integral, tratando o espaço regional como um "todo", sujeito a uma mesma dinâmica e relacionando-se de igual maneira aos novos elementos introduzidos pelo planejamento. Em lugar desta concepção totalizadora é possível fundamentar a ação do Estado com base em propostas que emerge de demandas locais através de projetos de gestão compartilhada dos territórios, o que coloca em questão o recorte da Amazônia Legal.

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Em que medida a existência de uma região oficial – a Amazônia Legal - ajuda ou atrapalha hoje os projetos de gestão territorial? A criação de uma Amazônia “oficial” décadas atrás instituiu uma área de planejamento regional (SPVEA/SUDAM) que induziu por sua vez a implantação de normas específicas e acesso a verbas especiais para toda a região, mas que na prática foi dirigida a partes específicas do território. Isso ficou especialmente claro em dois momentos, o primeiro no Plano de Integração da Amazônia (PIN) que estabeleceu os "pólos de desenvolvimento"; o segundo momento, mais recente, caracterizado pela eco-política de parceria entre os governos e organizações internacionais, consubstanciada nos programas do PPG-7. Apesar de diferentes em muitos aspectos, a representação do território em ambas é praticamente a mesma, trabalhando-se com a idéia de ‘unidade’ regional, porém atuando em áreas especificas de acordo com agendas igualmente especificas. Entre os dois momentos citados as diferenças são pequenas e o modelo de relações hierárquicas entre a região (inferior) e o centro de decisão (superior) permaneceu. De qual 'unidade' regional estamos falando se as interações intra e inter-regionais não são levadas em conta? Aceitemos o fato de que o nome oficial “Amazônia” recobre de fato muitas "amazônias" (Machado, 1996). A Amazônia como ‘unidade’ regional é em grande parte um expediente geopolítico inteligente do Estado brasileiro, pois um único nome passa a simbolizar o reconhecimento de que se trata de uma região peculiar, porém ao mesmo tempo parte integrante do território nacional. Por certo, a criação do SIPAM/SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia) foi mais um passo no sentido de reafirmar a existência de uma única região. Porém o risco da concepção totalizadora patrocinada pelo Estado central e local, pelas organizações internacionais e por parcelas de seus habitantes é deixar a porta aberta para de uma penada internacionalizá-la. Uma das 'amazônias' que se distancia da presumida 'unidade' regional, mostrando sinais de que uma bifurcação evolutiva pode estar a caminho é aquela da agricultura industrial de grãos em Mato Grosso e sul de Rondônia. Embora existam elementos similares ao de outras sub-regiões amazônicas, inclusive os relacionados à urbanização, os projetos de gestão territorial nessas áreas partirão de condicionantes e objetivos diferentes daqueles encontrados, por exemplo, no Acre, ou mesmo no norte de Rondônia. Os interesses vinculados à agricultura industrial em Mato Grosso já são fortes o suficiente para investir em lugares situados em outros estados amazônicos ao norte, de modo a promover suas exportações (portos fluviais; construção de estradas). Em principio, essas iniciativas poderiam ser favoráveis aos lugares escolhidos. Mas quais os efeitos regionais e municipais dessas iniciativas nos estados hospedeiros? As grandes empresas agro-exportadoras não participam da gestão territorial dos lugares que fazem parte de sua rede logística, basta a elas conseguirem apoio dos governos (federal e estadual) sem precisar 9

negociar com os municípios e as cidades-sede. Por outro lado, o processo de aglutinação de propriedades em antigas áreas de colonização como as de Rondônia, é responsável pelo aumento de correntes migratórias em direção a Mato Grosso, muitos deles acampando ao longo das principais vias de circulação ou pressionando os mercados de trabalho urbano e rural, sem que as prefeituras estejam aparelhadas para tratar da questão. Em outras palavras são as interações intra-regionais conectando as diversas "amazonias" que podem transformar em realidade a Amazônia como um 'sistema regional' interdependente.

Referencias bibliográficas Arthur, Brian. "Positive Feedbacks in the Economy". Scientific American v.262(2), p.92-99, 1990 Geiger, Pedro Pinchas. Evolução da rede urbana brasileira. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais/MEC. 1963. Machado, Lia Osorio. "A Amazônia Brasileira como exemplo de uma combinação geoestratégica e cronoestratégica". Tubinger Geographische Studien 95:189-204, 1986 Machado, Lia Osorio. "Sistemas longe do equilíbrio e reestruturação espacial na Amazônia". Em S.Magalhães et al.(org.). Energia na Amazônia. Belém: UFPA/NAEA, vol.II, p.835-859 Veltz, Pierre. Mondialisation, Villes et Territoires. L'Économie d'Archipel. Paris: PUF, 1996.

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