REDES DE TRABALHO E SOCIABILIDADE – SOB A ÓTICA OBSCURA DA FLEXIBILIDADE MODERNA.

July 22, 2017 | Autor: Breilla Zanon | Categoria: Redes Sociais, Trabalho, Estranhamento
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REDES DE TRABALHO E SOCIABILIDADE – SOB A ÓTICA OBSCURA DA FLEXIBILIDADE MODERNA. Breilla Zanon Mestranda em Ciências Sociais

Resumo: O presente artigo tem como intuito colocar em evidência práticas do capitalismo contemporâneo no que concerne às sociabilidades e construções ideológicas da consciência do homem na atualidade. O viés principal da construção teórica aqui abordada tem como objetivo lançar observações acerca das redes de sociabilidade que são institucionalizadas a partir do interesse na organização e colaboração em trabalhos de maneira coletiva, bem como compartilhamento de espaços e materiais. A crítica aqui levantada visa salientar como essas novas práticas, embasadas em falsos atributos relacionados ao indivíduo moderno, apresentam-se mais como uma falácia para o desenvolvimento da capacidade autônoma e representativa dos indivíduos e também da própria sociabilidade em relação ao panorama principalmente econômico e político no qual estão inseridas.

INTRODUÇÃO: A SOLUÇÃO E A FARSA.

Não seria novidade reconhecer que o homem, bem como a sociabilidade que articula, sofre transformações continuadamente, desde as primeiras práticas globalistas das expedições mercantilistas. A necessidade de explorar, conhecer novos territórios, adquirir novos conhecimentos fora crucial em épocas modernas, e juntamente a ela, todas as vantagens de liberdade e oportunidades vinculadas. No entanto, não é neste terreno que viso estabelecer minhas observações. O homem contemporâneo, não obstante daquele que se construiu a partir dos ideais iluminados da modernidade, encontra-se atualmente em um ambiente que possibilita ainda mais a integração com diversidades extensas, informações e conhecimentos variados. Neste momento, a integração se dá por meio de mecanismos (tecnológicos ou não) paridos de uma chamada revolução informacional propiciada pela nova dinâmica flexível da produção e consumo capitalista. mecanismos que dinamizam suas ações mediante o contexto em que vive. Não seria novidade também que, todas essas engenharias criadas para a ampliação da participação do homem no mundo, imprimissem novidades às suas sociabilidades. O trabalho que pretendemos desenvolver aqui considera o fato de que temos atualmente um indivíduo construído conceitualmente e reflexivamente a partir da própria dimensão da modernidade, e consequentemente, da ideologia capitalista. Além da vulnerabilidade de conceitos como liberdade e autonomia, queremos levantar questões igualmente sobre a natureza da sociabilidade aqui construída. Não se trata apenas de avaliar criticamente a formação dos conceitos colaborativistas, em voga na época dos

“compartilhamentos”, mas os analisar, como antes já fora feito com determinação sobre conceitos e aplicações da liberdade e autonomia no ambiente de modernidade radical, através do prisma da restruturação capitalista e suas consequentes regulamentações, artifícios e consequências.

CONCEITOS

MODERNOS

EM

CONTRASTE:

LIBERDADE



FLEXIBILIDADE – AUTONOMIA

Como recentemente observou Manuel Castells, vivenciamos um ambiente tomado por uma nova revolução que passa a impactar tanto as práticas quanto as idéias e percepções do homem a respeito do mundo em que vive. A Revolução Informacional 1, como a intitula, permitiu que o capitalismo, e consequentemente as sociedades que este penetra, pudessem ser reconfigurados a partir da ideia de um contexto que para ele seria o contexto pós-industrial. Nesta nova perspectiva, instaura-se um novo homem em uma nova sociedade, o que ele chama de sociedade em rede. Segundo as avaliações de Castells, em sua obra O poder da identidade: Essa sociedade é caracterizada pela globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista estratégico; por sua forma de organização em redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e individualização da mão-de-obra. Por uma cultura de virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela transformação das bases materiais da vida – o tempo e o espaço – mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades e elites dominantes. Essa nova forma de organização social, dentro de sua globalidade que penetra em todos os níveis da sociedade, está sendo difundida em todo mundo, do mesmo modo que o capitalismo industrial e seu inimigo univitelino, o estatismo industrial, fora disseminados no século XX, abalando instituições, transformando culturas, criando riqueza e induzindo à pobreza, incitando à ganância, à inovação e à esperança, e ao mesmo tempo impondo o rigor e instilando o desespero. Admirável ou não, tratase na verdade de um mundo novo. (CASTELLS, 1999)

O acelerado desenvolvimento tecnológico propiciou o aumento do desempenho dos meios de comunicação ao passo que as formas de produção se tornavam mais flexíveis. Todo esse desenvolvimento e tecnologia necessitavam de uma sociedade

1 Assim como David Harvey observou em sua obra, avalio aqui os avanços tecnológicos como um atendimento à flexibilidade demandada pelo desenvolvimento e distribuição da produção capitalista. Assim sendo a restruturação do capitalismo necessária para sua ventilação, as próprias tecnologias criadas nesse intercurso, passam a influenciar diretamente, em um quadro que pode parecer dialético quando colocado sob o contraste histórico, o próprio sistema econômico, além das outras dimensões da vida em sociedade.

voltada não somente para a produção, mas também para o consumo efêmero e incessante. Nesse ponto, citamos David Harvey como teórico que também lança olhares sobre esse novo ambiente, no entanto e diferente de Castells, mais do que o caráter das consequências, Harvey tem como intuito analisar as conjunturas econômicas e políticas que desencadearam ambientes, que para ele, são ambientes regulamentados por uma acumulação flexível. A acumulação flexível [...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões subdesenvolvidas. Ela também envolve um novo movimento de “compressão do espaçotempo” no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado. (HARVEY, 2009, p.140)

O que Harvey pretende nos dizer é que a sociedade em rede, seria portanto, uma nova configuração da própria sociabilidade humana, onde esta estaria embasada e submetida ao modo informacional, fruto dos avanços tecnológicos dos mecanismos de produção e distribuição da informação a qual também acaba gerando novas dinâmicas para os mesmos. Por isso, essas novas tecnologias baseadas no conhecimento, podem ser consideradas, como componentes fundantes e necessários para a produção de novas tecnologias, também voltadas para a informação e conhecimento, como se a dimensão tecnológica pudesse agora prover uma metaliguagem específica, capaz de desenvolver um crescimento continuado de atributos e vantagens da própria dimensão tecnológica. Da mesma forma, a sociedade em rede, seria agora o ambiente onde o processamento da informação e a comunicação de símbolos poderia inaugurar uma terceira via, distinta das dicotomias até então enfrentadas, entre uma conexão do conhecimento coletivo e reflexivo às subjetividades construídas dentro do contexto capitalista moderno. Esse novo tipo de conexão, é vista por muitos teóricos do mundo contemporâneo como o maior ganho já visto de oportunidade de acesso à informação de âmbito global, bem como oportunidade de participação e representação política a partir dessas mesmas informações distribuídas, pois agora essas garantem um aumento da capacidade dos

indivíduos em formular demandas para políticas públicas em seus ambientes democráticos. Ao mesmo passo em que são dadas as oportunidades e terrenos férteis para uma maior distribuição de informações no plano extensional das sociedades pelo mundo, possibilita-se ainda a construção de interesses sobre uma base informativa avançada, o que pode permitir a essa construção e representação um melhor desempenho. Levando em conta que a modernidade é a residência contextual desse indivíduo, o próprio desenvolvimento político, que tem como base as relações entre os homens, sofre com a ampliação de interesses dentro da democracia. É compreendendo e construindo a representatividade desses interesses que tanto os indivíduos quanto as dimensões institucionalizadas edificam – de maneira bem flexível – suas posições em meio à sociedade.2

Podemos observar nessa primeira exposição que diante da nunca antes vista oportunidade de manter-se informado e perceptivo aos acontecimentos ao seu redor, a ideia de liberdade retorna agora, não apenas com as características evocadas pelos conceitos da modernidade clássica, mas traz em si a capacidade de flexibilização e participação desse indivíduo nas mais diversas esferas de ação social. A sociedade em rede, mostra a esses indivíduos não apenas as vantagens e dinamizações que passa a constituir no campo econômico, mas principalmente no social. Coloca em voga não apenas preceitos e novas concepções a respeito do antigo conceito liberdade, mas também apresenta novas possibilidades de singularização, não estritamente construído através do consumo – mas de certa forma, ainda consequência deste3. Assim, contribui para

com

a

ideologia

autorresponsabilizações,

individualista

moderna

e consecutivamente,

e

abre

precedente

meritocracias, uma

vez

para

as

que as

oportunidades informacionais estão aparentemente dadas a todos. Dessa forma e principalmente sob o discurso da autorresponsabilidade, não faltaria a esse mesmo indivíduo a oportunidade, nem lhe seria restringido o dever, de manter-se ativo politicamente através desses novos instrumentos da tecnologia da informação. No entanto, se nos voltarmos aos clássicos, como poderíamos tecer conclusões ou questionamentos que se referem aos interesses e sentidos compreendidos como fins 2 DAHL, R. A. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997. p. 25- 37 3 DUMMOND, L. O Individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de. Janeiro: Rocco, 1993.

para os indivíduos em um ambiente onde tamanha é a dimensão que o categoriza e o reproduz como único e ao mesmo tempo flexível? Qual seria, portanto, o cerne que constitui suas ações e relações sociais, aqui, em sentidos weberianos? Não poderíamos encarar a sociedade atual como nos moldes de Durkheim, compreendendo suas conexões, e consecutiva solidariedade, apenas mediante sua complexificação dada pela especialização de funções, mesmo levando em consideração a seguinte afirmação do autor: Mas, se a divisão do trabalho produz a solidariedade, não é apenas porque ela faz de cada indivíduo um ‘trocador’, como dizem os economistas; é porque ela cria entre os homens todo um sistema de direitos e deveres que os liam uns aos outros de maneira duradoura. Do mesmo modo que as similitudes sociais dão origem a um direito e a uma moral que as protegem, a divisão do trabalho dá origem a regras que asseguram o concurso pacífico e regular das funções divididas. (DURKHEIM, 2004, p. 429)

Mais que isso, os sentidos que influenciam os indivíduos no estabelecimento de suas relações sociais devem ser aprofundados em relação a sua análise, uma vez que este, além de se encontrar submerso em meio a uma sociedade onde os padrões ambicionam e aplicam aos ideais humanos as práticas de produção e reprodução capitalista, ele também se encontra envolto pela possibilidade de reter informações que sequer fariam parte de seu entendimento a pouco tempo atrás. Dessa forma, torna para nós importante, salientarmos aqui, os atributos e características da então mencionada Revolução Informacional, como um momento histórico o qual permite não só a construção de conhecimento acerca de dimensões variadas pelos mecanismos que esta insere em nosso cotidiano, mas também, afirma a partir dos mesmos, a ideologia individualista e autorreferenciada

como

componente fundamental

para a

o

fortalecimento das considerações de liberdade, flexibilidade e igualdade que se façam úteis nesse contexto. Se formos levar em conta o sentido da ação dos indivíduos em um ambiente flexível e variado quanto as informações e seus consecutivos mecanismos que permeiam nossa vivência no mundo atual, devemos recorrer às teorias clássicas a respeito da ação individual e ter em mente que, segundo Weber (2012) a ação corresponde ao comportamento humano onde o agente ou agentes embutem um sentido subjetivo, e por sua vez, a ação social seria uma ação em que o agente ou agentes imprime o sentido visado referenciando-se pelo comportamento dos outros e orientado por este o seu próprio curso. O sentido que o autor põe em pauta é o sentido subjetivamente visado e

não se trata de um sentido correto ou verdadeiro. Uma análise que vise aprofundar essas questões no ambiente contemporâneo ainda sim deve ser encaminhada por uma metodologia compreensiva, uma vez que a construção de redes, sejam elas informacionais ou relacionadas à qualquer dimensão da vida social, se vale pela formulação das ações por parte dos indivíduos a partir dos sentidos correlacionados a elas. Nesse caso, a análise sociológica compreensiva nos ajuda a entender os nexos entre o sentido e ação. A possibilidade de reviver a ação é importante para a compreensão, no entanto não é tida como a única maneira de se tecer interpretações. Devemos levar em conta, que toda ação, segundo Weber, encontra em si componentes compreensíveis e não compreensíveis que misturam-se entre si. A interpretação teria como intuito, portanto, encontrar a evidência, podendo ser ela racional (lógica) ou intuitiva (emocional ou artístico-receptiva). De qualquer maneira, o exercício da compreensão de uma ação não se dá para o cientista de maneira óbvia. Muitas vezes não conseguimos compreender, com plena evidência, alguns dos fins últimos e valores pelos quais podem orientar-se, segundo a experiência, as ações de uma pessoa; eventualmente conseguimos apreendê-lo intelectualmente mas, por outro lado, quanto mais divergem de nossos próprios valores últimos, tanto mais dificuldade encontramos em torná-los compreensíveis por uma revivência mediante a imaginação intuitiva. Nessas condições temos de contentar-nos, conforme o caso, com sua interpretação exclusivamente intelectual, ou, eventualmente, quando até essa tentativa falha, aceitá-los simplesmente como dados. Trata-se nesse caso, de tornar inteligível para nós o desenrolar da ação por eles motivadas, a partir de seus pontos de orientação interpretados intelectualmente na medida do possível, ou intuitivamente revividos, na maior aproximação possível. (WEBER, 2012, p. 4)

As afirmações de Weber são fundamentais para que possamos entender as análises de David Harvey, o qual incorpora em suas avaliações questões a respeito da construção dos sentidos das ações em um contexto guiado e embasado por uma economia de acumulação e regulamentação de comportamentos individuais em prol de seu melhor funcionamento estrutural. Como observou Harvey, o ambiente social aqui formatado é consequente e integrante de um sistema particular de acumulação. Assim sendo, para ele: Um sistema particular de acumulação pode existir porque “seu esquema de reprodução é coerente”. O problema, no entanto, é fazer os comportamentos de todo tipo de indivíduos […] assumirem alguma modalidade de configuração que mantenha o regime de acumulação funcionando. Tem de haver, portanto, uma materialização do regime de acumulação, que toma a forma de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc. que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência apropriada entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Esse corpo de regras e processos sociais interiorizados tem o nome de modo de regulamentação. Há duas amplas áreas de dificuldade

num sistema econômico capitalista que têm de ser negociadas com sucesso para que esse sistema permaneça viável. (HARVEY, 2009, p.117)

A questão aqui não é avaliar qual classificação seria a mais coerente para enveredarmos em nossas conclusões (ou problemas), mas ter em mente que essas duas concatenações – a revolução informacional como terreno próspero para o aumento da representatividade e participação do homem em meio à questões da sociedade, e a acumulação flexível como arcabouço para o desenvolvimento de processos de regulamentação não só econômicos, mas políticos e sociais – influenciam observações a respeito das sociabilidades em rede, principalmente, no que tange ao mundo do trabalho. Para contribuir para com o debate e convergência desses dois pontos de vista, o filósofo social contemporâneo Slavoj Žižek, que também observa os tempos atuais, sinaliza que as atitudes de intervenção dentro do sistema econômico, político e social, são cada vez mais possibilitadas através do consumo. Žižek caracteriza o momento atual global como um momento onde temos instituído o que ele chama de capitalismo cultural4. O capitalismo cultural propõe ao ambiente em que se configura, a possibilidade de engendrar novas soluções para antigos problemas sociais e econômicos – ganhando assim o cunho de ativismo político – através do próprio consumo capitalista de comoddities5. Nessa atuação confortam-se as duas partes: a empresa, que agrega valor institucional devido à ação de responsabilidade social que reverbera através da venda de seus produtos, e também o consumidor, que chegou até a refletir sobre suas atitudes deliberadamente consumistas, mas agora encontrado um propósito conscientemente ético, torna-se capaz de digerir e institucionalizar sem ressalvas negativas a práxis do homo-consumens6.

Como

observou

Žižek,

o

capitalismo

cultural

incorpora

4 ŽIŽEK, S. Primeiro como tragédia, depois como farsa. [Filme-Vídeo]. Produção de RSAnimate. 5 Nota: de acordo com Zizek, dessa maneira, cada vez mais, as produções capitalistas se veem imbuídas da construção de campanhas e projetos de caridade, onde a ação propositiva e solidária do indivíduo é concretizada não de maneira direta em face ao problema, mas mediada pelo consumo de determinados produtos que, a partir da insignia da responsabilidade social, repassarão a ajuda monetariamente quantificada a essas causas sociais especiais. Empresas como Coca-Cola, Mc´Donalds e Starbucks (cafeteria) poderiam ser exemplificações claras dessas dinâmicas. 6 O conceito de Homo-consumens foi primeiramente elaborado por Erich Fromm. Para ele “o Homo consumens é o homem cujo objectivo primário não é possuir coisas, mas consumir cada vez mais e, assim, compensar o seu vazio interior, a passividade, a solidão e a ansiedade. Numa sociedade caracterizada por empresas gigantescas, por enormes burocracias industriais, governamentais e sindicais, o indivíduo, que não controla as circunstâncias do trabalho, sente-se impotente, só, aborrecido e angustiado. Ao mesmo tempo, a necessidade de lucro das grandes indústrias de consumo, por meio da publicidade, transforma-o num homem voraz, num menino de peito que quer consumir sempre mais e para o qual tudo se torna um artigo de consumo: cigarros, licores, sexo, filmes, televisão, viagens, e até mesmo a educação, os livros e as leituras. Criam-se novas necessidades artificiais e manipulam-se os gostos do homem. (O carácter do Homo consumens, nas suas formas mais extremas, constitui um

estrategicamente, portanto, em seu funcionamento, a produção de mercadorias e commodities que pregam em si uma conscientização anticapitalista. Todas as carências e preocupações humanitárias e ecológicas são adotadas por este novo modelo de capitalismo global, como se dessa forma, pudesse autorresponsabilizar o indivíduo pela aceitação ou não da oportunidade de ação e transformação desses problemas, uma vez que as suas referentes solução agora são oferecidas no próprio consumo de suas mercadorias. Para o novo homem da presente modernidade, assim como para a própria estrutura que o modela, nada poderia parecer melhor do que conhecer, consumir e compartilhar, sem que realmente estejam relacionadas ações diretas nessas práticas. Por isso, havendo a possibilidade de reconhecimento das diversas desigualdades contemporâneas através dos mecanismos de informação, as oportunidades de manter-se conectado em uma colaboração a partir do simples ato de consumo reforça a moralidade consumista, no entanto agora, a partir de argumentos que revitalizam éticas sociais. A contribuição fundamental de Žižek é que ele observa que esse tipo de estratégia ofusca as verdadeiras práticas, ações relacionadas à causa e à consequência verdadeiramente responsáveis pela consolidação de necessidades e ambientes desiguais em nossos tempos. Como observa Žižek, essa autorresponsabilização pela ação tira do jogo todo o debate político a respeito daquilo que verdadeiramente inaugura e solidifica os problemas socioeconômicos, e consequente os problemas de sociabilidade. Voltando à considerações clássicas, em termos de concepções weberianas, as novas estratégias capitalistas embricam hábitos, comportamentos e maneiras de pensar, que se tornam cotidianas pelo sistema que as engendram, e de tal forma, modelam os sentidos e interesses das ações, adequados para a produção e reprodução dos componentes fundamentais capazes de perpetuar a legitimidade dos padrões de flexibilidade e liberdade tão evocados pelo capital atual, e que acabam se tornando sua própria força motriz, no que diz respeito à formulação de demandas e necessidades por

fenómeno psicopatológico muito conhecido. Encontra-se em muitos casos de pessoas deprimidas ou ansiosas, que se refugiam no excesso de alimento, no exagero de compras ou no alcoolismo, para compensar a depressão e a ansiedade ocultas.) A ânsia de consumo (forma extrema do que Freud chamou o "carácter oral-receptivo") está a transformar-se na força psíquica dominante na actual sociedade industrializada. O Homo consumens vive na ilusão da felicidade, enquanto conscientemente sofre de tédio e passividade. Quanto mais poder tem sobre as máquinas, mais impotente se torna enquanto ser humano; quanto mais consome, mais escravo se faz das necessidades sempre crescentes que o sistema industrial cria e manipula. Confunde a excitação e a agitação com a alegria e a felicidade, e o conforto material com a vivacidade; a ânsia satisfeita torna-se o sentido da vida, e a sua busca uma nova religião. A liberdade de consumo transforma-se em essência da liberdade humana

parte dos indivíduos. Assim como a ação que este formula de maneira subjetiva, as relações que passa a desenvolver com outros indivíduos perpassam por essa dinâmica. Dessa forma, ele nos ajuda a entender as questões levantadas quando nos revela que tanto a ação quanto a relação social podem ser orientadas por parte dos participantes mediante a representação de uma ordem tida como legítima. A probabilidade de se garantir tal legitimidade é chamada por “vigência” da ordem em questão7. Weber observa então que a legitimidade de uma ordem pode estar garantida por atitudes internas ou pelas expectativas de determinadas consequências externas. A vigência legítima pode ser atribuída a uma ordem pelos agentes em virtude de tradições, crenças afetivas, crença racional, estatuto existente o qual se acredita, acordo entre os interessados ou ainda pela imposição e submissão correspondente.

DA CRÔNICA DA FLEXIBILIDADE.

Após evidenciarmos brevemente as considerações de Weber a respeito da orientação dos sentidos em uma ação social ou dentro de uma relação social, coloquemos em debate algum conceitos de Marx, mais especificamente suas concepções sobre alienação e estranhamento. Marx logo em seus primeiros escritos, muito dos quais foram elaborados como crítica às conceituações hegelianas a respeito de uma dialética fundamentada no idealismo, levanta esses conceitos como fundamentais para o entendimento do capital como relação social; conceitos que seriam desenvolvidos mais tarde em sua obra magna, O capital. Já nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos, o autor observa a alienação e, consecutivamente, os seus mecanismos de estranhamento, como um dos componentes principais presentes na relação entre a força produtiva e os modos de produção, pois são capazes de separar o indivíduo, portador da força de trabalho, da sua própria consciência como homem e acerca do seu meio, e com isso, satisfazerem a todo um sistema de acumulação pautada na propriedade privada. Já que o trabalho alienado aliena a natureza do homem, aliena o homem de si mesmo, o seu papel ativo, a sua atividade fundamental, aliena do 7 Segundo Weber (2012, p. 19) A vigência seria algo mais do que a mera regularidade condicionada pelo costume, mas leva em consideração também as situações de interesses. Poderia ser compreendida então como um mandamento, cuja violação seria prejudicial e abominada de maneira racional referente a valores, por seu sentimento de dever. No que diz respeito a relação social, há uma diferenciação entre ordem e vigência para Weber. A ordem se revelaria em ações em que estas se orientam por máximas indicáveis. Falamos de vigência de uma ordem quando a orientação delimitada por essas máximas se sucedem como obrigações ou modelos de comportamento.

mesmo modo o homem a respeito da espécie; transforma a vida genérica em meio da vida individual. Primeiramente aliena a vida genérica e a vida individual; depois, muda esta última na sua abstração com objetivo da primeira, portanto, na sua forma abstrata e alienada. (MARX, 2005, p. 116)

O que cabe a nós nessa análise é considerar igualmente esses componentes nas relações de trabalho que se legitimam através do discurso em prol da autonomia e da liberdade pautadas pelo conceito da rede no contexto atual, como é o caso do coworking. Para tal objetivo e com o desejo de clarificar os caminhos pelo qual queremos estabelecer a relação entre esses conceitos atuais aos de alienação e estranhamento, devemos levar em conta os três componentes básicos presentes no desenvolvimento do indivíduo alienado: 1) a alienação do objeto, onde acontece a separação do trabalhador em relação ao produto de seu trabalho, não se reconhecendo, portanto, como produtor de sua criação; 2) a alienação do trabalho, onde o fruto de seu trabalho não mais serve para suprir suas necessidades e realizações, mas a de outrem, uma vez que não é ele o detentor dos meios de produção que necessita e utiliza; 3) e a alienação do ser, processo pelo qual o indivíduo perde de vista o caráter genérico que o identifica como ser humano, e portanto, deixa de reconhecer a si próprio e ao outro, esvaziando esta relação ontológica entre os indivíduos. O que torna a nós relevante nessa classificação e precisamente visível nas relações de trabalho que promovem sua estruturação a partir dos preceito de autonomia e liberdade é o terceiro componente. Ele constitui-se na principal característica que nos permite salientar não só a aptidão pelo ambiente fetichizado como aquele permeado por inúmeras tecnologias, mas também nos permite relevar a incoerência, já observada por Žižek, quando se trata de construir ideias a respeito de identificação e, consequentemente, solidariedade. No entanto, a partir das considerações de Marx, estariam os indivíduos de uma sociedade em rede alienados, uma vez que se encontram diante de mais um mecanismo de estranhamento? O que interessa a nós, a partir desse momento, e posteriormente a explanação dessas três perspectivas a respeito do nosso contexto atual é salientar como as oportunidades de conexões com diversas realidades, inauguradas dentro de um ambiente de informações globais não necessariamente aproximam os indivíduos de questões sociais e políticas essenciais, mas fornecem uma falsa capacidade de realizar ações e reflexões consideráveis nesse campo sobre si e sobre a relação com o outro. Podemos ir ao encontro de autores que, ao contrário de Castells, ao avaliarem as

características da modernidade na qual vivemos, concluem que esta, em sua performance radicalizada ou pós-moderna, ainda se constitui como projeto inacabado se sua pretensão era criar um terreno fértil para a emancipação do homem. O indivíduo moderno não encontra capacidade emancipatória uma vez que uma ideologia de consumo singularizada e singularizante lhe permite agir e participar confortavelmente – e orientadamente – de questões sociais pela simples possibilidade de manter-se conectado através da virtualidade e do consumo. Ocorre aqui então um falseamento e alienação da própria ideia de liberdade, celebrando assim, sua inexistência em campo real8. Uma avaliação interpretativa9 coerente ao desenvolvimento de uma autonomia é esculpida conforme moldes primeiros que, diferente das potencialidades do homem livre, visa instituir uma consciência coletiva reprodutivista das diretrizes do sistema econômico capitalista. O contexto capitalista cultural levantado por Žižek abarca de maneira clara todos os atributos visualizados por Castells e Harvey, ou seja, para haver um ambiente em que os indivíduos se sintam responsáveis e identifiquem-se com as penúrias e necessidades globais é necessário que os mesmos estejam recebendo informações de maneira intensa e extensa10 a respeito desse mesmo contexto. Como já salientou Giddens: “Os modos de vida produzidos pela modernidade, nos desvencilharam de todos os tipos tradicionais de ordem social de uma maneira que não tem precedentes. Tanto em sua extensionalidade quanto em sua intensionalidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas que a maioria dos tipos de mudança característico dos períodos precedentes. Sobre o plano extensional, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo; em termos intensionais, elas vieram a alterar algumas das mais íntimas e pessoais características de nossa existência cotidiana.” (GIDDENS, 1991)

No entanto, ao mesmo tempo, a concepção de Žižek embute fundamentos para uma crítica em relação às celebrações desenvolvimentistas de Castells. Apesar de considerar

os

interesses

enviesados

pelas

políticas

capitalistas,

que

deram

encaminhamento para a produção de novas tecnologias da informação, Castells ainda exalta a capacidade emancipatória dessas novas técnicas. Para ele: Juntamente com a revolução tecnológica, a transformação do capitalismo e a derrocada do estatismo, vivenciamos no último quarto do século o 8 Avalio o conceito de liberdade nesse ponto como essência que emana do homem e não como concessões burocraticamente institucionalizadas a partir de Constituições democráticas. Essa discussão é levantada por Louis Dummont em O Individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de. Janeiro: Rocco, 1993. 9 SANTOS, Boa Ventura de Sousa. Tudo que é sólido se desfaz no ar: o marxismo também?. IN: Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1997, p. 23 – 49. 10 GIDDENS, A. (1991, p. 11-66)

avanço de expressões poderosas de identidade coletiva que desafiam a globalização e o cosmopolitismo em função da singularidade cultural e do controle das pessoas sobre suas próprias vidas e ambientes. Essas expressões encerraram acepções múltiplas, são altamente diversificadas e seguem os contornos pertinentes a cada cultura, bem como as fontes históricas de formação de cada identidade. (CASTELLS, 1999)

Em outra direção, Harvey nos atenta que: (…) as propensões sociais e psicológicas, como o individualismo e o impulso de realização pessoal por meio da auto-expressão, a busca de segurança e identidade coletiva, a necessidade de adquirir respeito próprio [...] têm um papel na plasmação de modos de consumo e estilos de vida. [...] A virtude do pensamento da “escola de regulamentação” está no fato de insistir que levemos em conta o conjunto total de relações e arranjos que contribuem para a estabilização do crescimento e do produto e da distribuição agregada de renda e de consumo num período histórico e num lugar particulares. A segunda arena de dificuldades nas sociedades capitalistas concerne à conversão da capacidade de homens e mulheres de realizarem um trabalho ativo num processo produtivo cujos frutos possam ser apropriados pelos capitalistas.

Se enredarmos sobre outro campo que não o socioeconômico apresentado nas considerações de Marx e Žižek, mas se fizermos nossas análises tendo em vista questões da sociabilidade moderna, poderemos ver, da mesma forma, que os ideais individualistas e de desenvolvimento de consciência autônoma que anteriormente relacionamos ao consumo econômico, são colocados em xeque quando relacionados às novas plataformas de ação social baseadas no trabalho colaborativo, atualmente na moda quando se trata da gestão e construção de ideias e novas estratégias de organização no mundo do trabalho. Em consonância à perspectiva de Castells, outros autores celebram as oportunidades trazidas pela gestão de trabalhos e sociabilidades através da rede como componentes catalizadores de uma autonomia individual: Nas redes sociais, há valorização dos elos informais e das relações, em detrimento das estruturas hierárquicas. Hoje, o trabalho informal em rede é uma forma de organização humana presente em nossa vida cotidiana e nos mais diferentes níveis de estrutura das instituições modernas. O estudo das redes coloca assim em evidência um dado da realidade social contemporânea que ainda está sendo pouco explorado, ou seja, de que os indivíduos, dotados de recursos e capacidades propositivas, organizam suas ações nos próprios espaços políticos em função de socializações e mobilizações suscitadas das redes. Mesmo nascendo em uma esfera informal de relações sociais, os efeitos das redes podem ser percebidos fora de seu espaço, nas interações com o Estado, a sociedade ou outras instituições representativas. Decisões micro são influenciadas pelo macro, tendo a rede como intermediária. (MARTELETO. 2001. p. 72).

O reflexão que quero propor aqui é o fato de que assim como não existe a real consciência ou autonomia por parte do indivíduo que legitima seu consumo desenfreado através de suas intenções caridosas, inexistem para esse mesmo homem as causas que o

colocaram em um ambiente fragmentado de trabalho, bem como as consequências que essas engendram no que diz respeito a um novo nível de sua sociabilidade nas mais diversas dimensões de sua vida11.

CONCLUSÃO

Com as referências e conceitos que nos embasaram até aqui, somos conclusivamente levados a considerar que as relações de trabalho realizadas em forma de rede produzem muitas falácias e, por consequência, ocultam as reais fronteiras e dimensões na formulação de verdadeiros sentidos e interesses por parte dos indivíduos envolvidos. Isso porque, apesar de serem originalmente pensadas no momento atual a partir dos mecanismos de comunicação e informação, não compreendem o caráter fetichizador que esses agregam, e assim passam a considerar como subjetivos os interesses profundamente engendrados pela dinâmica do capital e agregados a eles como propulsores de autonomia e liberdade. No entanto, esses indivíduos são incapazes de visualizar essa faceta limitante, uma vez que esses próprios mecanismos que exaltam conceitos tão humanizadores obscurecem e promovem a sua alienação em relação às necessidades e antagonismos reais, passando a caracterizar-se portanto, de maneira concreta e abstrata, como artifícios que impedem o real desenvolvimento de uma consciência emancipadora. Marx e seu conceito sobre estranhamento nos ajuda e muito a levantar tal consideração12.

11 Uso um exemplo para ilustrar tal situação no campo do trabalho. Trata-se das novas redes voltadas para o desenvolvimento de trabalhos a partir da organização coletiva, conhecidas pelo termo coworking. O coworking é um modelo de trabalho baseado no compartilhamento de espaço e recursos de escritório, onde pessoas que trabalham não necessariamente para a mesma empresa ou na mesma área de atuação estão reunidas, podendo inclusive reunir entre os seus usuários os profissionais liberais e usuários independentes. No entanto, faz parte da análise crítica a respeito das novas organizações sociais pautadas em práticas provenientes desse novo mundo informacional, fazer um contraponto e compreender que essas novas plataformas de produção conectada podem não desenvolver a autonomia dos sujeitos nelas inseridos, propriamente dizendo, mas antes, tornar-se nesse novo contexto, uma forma de reorganizar ou realocar esse indivíduo em um ambiente até então desregulamentado pela estruturação flexível das formas de produção e reprodução socioeconômica. De qualquer maneira, tal hipótese, especificamente voltada para o ambiente dos escritórios de coworking, ainda deve ser desenvolvido em trabalhos futuros sobre o tema. GONÇALVES, A. Você sabe o que é coworking?. Disponível em: http://www.administradores.com.br/artigos/tecnologia/voce-sabe-o-que-e-coworking/37704/ . Data de acesso: 07/06/2013. 12 Jesus Ranieri nos explana de maneira clara sobre a utilidade dos mecanismos de estranhamento para a perpetuação de contexto alienado nesse trecho: a primeira [alienação - Entäusserung] está carregada de um conteúdo voltado à noção de atividade, objetivação, exteriorizações históricas do ser humano; a segunda [estranhamento - Entfremdung], ao contrário, compõe-se dos obstáculos sociais que impedem que a primeira se realize em conformidade com as potencialidades do homem, entraves que fazem com que, dadas as formas históricas de apropriação e organização do trabalho por meio da

Como observou o economista Amartya Sen, a capacidade de participar de um ambiente público, e consecutivamente, de garantir sociabilidades, vai além dos interesses e pré-disposições, mas condizem diretamente com as liberdades substantivas e políticas oferecidas e passíveis de serem adquiridas concretamente por cada indivíduo de acordo com seu contexto social, cultural e econômico. Podemos dizer que essas liberdades substantivas e políticas corresponde às variabilidades relacionais, as quais o que pesquisador de redes de sociabilidade Eduardo Marques chama de economia dos vínculos, em sua obra Redes Sociais, segregação e pobreza: As redes sociais são padrões complexos de relações de diferentes tipos acumuladas ao longo de trajetórias de vida e em constante transformação. Elas são heterogêneas – variam de indivíduo para indivíduo –, são intrinsecamente dinâmicas e podem ser mobilizadas por eles de diversas maneiras dependendo da mesma situação. Mesmo o sentido e o uso dessas redes podem variar para indivíduos de grupos sociais distintos. (…) Consequentemente, as redes devem ser consideradas simultaneamente relacionais (no sentido de serem constituídas de relações) e relativas (no sentido de que a sua mobilização pode variar dependendo da situação). Para conseguir essas dimensões plenamente, os estudos devem capturar ao mesmo tempo a sua estrutura (as próprias redes e suas características) e a sua mobilização na sociabilidade cotidiana. (MARQUES, 2010, p. 16)

O que Eduardo Marques salienta é a existência de inúmeras variáveis em jogo quando se trata da possibilidade ou não de inserção em uma rede. Essas variáveis, muitas vezes podem funcionar de maneira restritiva, incluindo indivíduos que compartilham de atributos desejados e excluindo outros que não se garantem através desses atributos. O acesso às três esferas do bem-estar (mercado, Estado e solidariedade), portanto, depende de contatos sociais e pode ser influenciado pela conformação dos padrões relacionais dos indivíduos. Esses padrões foram construídos ao longo da trajetória de vida dos indivíduos, embora sejam reconstruídos cotidianamente, e são mobilizados de maneira corriqueira pelos indivíduos, tanto consciente quanto inconscientemente. (MARQUES, 2010, p. 155)

E assim, em paralelo com os questionamentos e dúvidas de Žižek acerca da autenticidade de consciências críticas que se voltam para os problemas do contexto social em que estão inseridas tendo como aporte o consumo como solução, podemos também questionar a autenticidade de plataformas que celebram a conquista de autonomia por parte de indivíduos, que sem transparecer, encontram-se social, econômica e culturalmente selecionados pelas capacidades e interesses que a eles estão propriedade privada, a alienação apareça como um elemento concêntrico ao estranhamento. Na verdade [...], a partir do momento em que se tem, na história, a produção como alvo da apropriação por parte de um determinado segmento social distinto daquele que produz, tem-se também o estranhamento, na medida em que este conflito entre a apropriação e expropriação é aquele que funda a distinção socioeconômica e também política entre as classes (RANIERI, p. 8-9).

agregados. Por isso, um desenvolvimento dessas proposições, não se baseia na construção de uma crítica rasa ou simplesmente ir contra preceitos de coletividade ou solidariedade, mas concluir que a sociabilidade e desenvolvimento autônomo evocado a partir dessas instâncias devem ser profundamente analisadas levando em conta o aspecto estrutural embutido na ação que visam promover, pensando-as aqui em seu sentido weberiano de formulação dos interesses que a permeiam e levando em conta, a partir das observações de Marx, o contexto alienado e os mecanismos de estranhamento que aqui se inserem e influenciam diretamente na formulação e na capacidade de implementação de tais interesses. De qualquer forma, aqui já podemos ver que, exaltar o campo das conectividades trazidas pelas novas tecnologias da informação como nova força universal capaz de garantir a participação e desenvolvimento autônomo de sugestões e vontades individuais de maneira plena nas diversas dimensões da vida social é de certa forma ofuscar as causas de desigualdades mais primárias, e que se relacionam diretamente com as percepções e sentidos que o indivíduo insere uma vez em contato com o ambiente em que vive, e por isso, prioritariamente importantes para o real desenvolvimento da consciência e prática do indivíduo acerca do contexto em que reside.

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