REDES SOCIAIS E GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: a experiência de mulheres jovens e adolescentes de diferentes classes sociais de Belo Horizonte

July 27, 2017 | Autor: Letícia Vulcano | Categoria: Sociology, Social Networks, Gender and Sexuality, Social Class, Teenage Pregnancy
Share Embed


Descrição do Produto


Entrevista 1


Entrevista 2


Entrevista 5


Entrevista 7


Entrevista 4


Entrevista 11


Entrevista 3


Entrevista 6


Entrevista 8


Entrevista 9


Entrevista 10


Entrevista 13


Entrevista 12










































5




REDES SOCIAIS E GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA:
a experiência de mulheres jovens e adolescentes de diferentes classes sociais de Belo Horizonte


Letícia Vulcano de Andrada
Alessandra Sampaio Chacham



Introdução

Este trabalho tem como objetivo investigar como as redes sociais de mulheres jovens que ficaram grávidas na adolescência atuam no sentido de reforçar determinadas práticas e discursos em relação a esse fenômeno, apresentando uma análise comparativa entre redes sociais de jovens pertencentes às camadas baixa e média da população. Vários estudos apontam para uma grande diferença na proporção da gravidez na adolescência entre diferentes classes sociais, sendo que a alta prevalência da gravidez na adolescência por ser considerada um fenômeno quase que exclusivo das camadas mais pobres da população (BASSI, 2008).
Contudo, não apenas a prevalência, mas também os significados e sentidos atribuídos a experiência da gravidez na adolescência variam de acordo com a inserção do contexto social (HELBORN et al, 2006). Como possível explicação para essa diferença, Helborn (2006) afirma que em ambientes fortemente marcados pela desigualdade de gênero e classe social, a maternidade não representa um "problema" na vida da jovem, mas um reconhecimento social entre elas, que desprovidas de projetos educacionais e laborais, seguem as expectativas tradicionais em relação ao papel de gênero. (AQUINO, 2003, HEILBORN et al, 2006). Ressalta-se também que nem toda gravidez na adolescência é indesejada ou vista como um problema – social ou econômico, sendo interpretado como um fenômeno complexo e multifacetário. (HELBORN et al, 2006).
Trabalhamos aqui com a hipótese de que a rede social das jovens de classe baixa apresentaria aceitação maior com relação ao fenômeno da gravidez na adolescência, na medida em que essa atuaria para fortalecer laços sociais entre amigas, parentas e vizinhas, enquanto que para as jovens de classe média, a gravidez na adolescência funcionaria no sentido oposto, isolando socialmente a jovem de seus contatos próximos.
A fim de alcançar nosso objetivo, realizamos uma pesquisa de campo utilizando de metodologia qualitativa, na qual mapeamos, entre abril de 2011 e janeiro de 2012, duas redes sociais distintas de jovens entre 15 e 24 anos. Uma rede composta por jovens de classe baixa, residentes em uma favela da região centro-sul de Belo Horizonte, e outra com jovens de classe média, residentes em bairros da mesma região, ambas construídas tendo como ponto de referência inicial uma jovem que ficou grávida na adolescência.
Para o mapeamento dessas duas redes sociais foram realizadas 26 entrevistas em profundidade – sendo 13 em cada uma das regiões (bairro ou favela) – com adolescentes e mulheres jovens entre 15 a 24 anos residentes em bairros e favelas da região centro-sul de Belo Horizonte. A escolha da região centro-sul da capital mineira se deu pelo fato dessa regional abrigar ao mesmo tempo os bairros mais ricos e as favelas mais extensas da cidade. (PBH,2009). Entre as jovens entrevistadas, a primeira em cada rede deveria necessariamente ter ficado grávida na adolescência. Após a entrevista com essa jovem, pedimos que indicasse três amigas para serem entrevistadas, sem a exigência de que suas indicações fossem de jovens ou adolescentes que já tivessem experimentado a gravidez. A essas jovens, após serem entrevistadas, também foram solicitadas a indicar mais três amigas cada, e o processo foi repetido até obtermos duas redes compostas por 13 jovens pertencentes a essas duas classes sociais, o que nos permitiu coletar informação suficiente para alcançar os objetivos do nosso trabalho.

Adolescência, Gênero e Sexualidade

Ao tratarmos a adolescência e juventude como objeto de discussão nesse trabalho, nos deparamos com uma multiplicidade de questões analíticas e conceituais a respeito dessas categorias. Portanto, para se compreender como serão utilizadas as categorias jovem e adolescente em nosso trabalho, é importante explicitar que partimos aqui do pressusposto de que essas duas categorias são historicamente construídas e de que as fronteiras entre as idades podem vir a variar de acordo com as práticas e as representações sociais existentes em contextos específicos.
Como na literatura são encontradas definições distintas, optou-se nesse estudo em reconhecer como adolescente aquele indivíduo entre doze e dezenove anos, principalmente por ser a faixa etária mais utilizada nas pesquisas a respeito de gravidez da adolescência. Já a categoria jovem será aquela que agrega indivíduos que apresentam entre vinte e vinte nove anos de idade. Logicamente que por si só, definir uma faixa etária não resolve de maneira satisfatória a questão do significado dos termos juventude e a adolescência, mas não deixa de ser necessária para que se sejam marcadas as delimitações iniciais básicas do período de vida a ser analisado.
É fácil de observar, por exemplo, que não se trata de uma fase homogênea, ou seja, existem diferentes tipos de juventudes, pautadas por processos distintos, ligados a fatores sociais, culturais e econômicos, o que faz com que os padrões etários sejam redefinidos em função da inserção sociocultural do jovem. (GONÇALVES; KNAUTH, 2006).
Apesar de ocorrer de maneira diferenciada em contextos sociais específicos, tanto a socialização de gênero quanto o início das parcerias afetivas e da vida sexual são partes fundamentais do desenvolvimento do adolescente e do jovem. Gênero é entendido como uma construção cultural, na qual, as diferenças percebidas entre os sexos são atribuídas de significado social e sentidos que possuem uma trajetória histórica, e que variam de acordo com os contextos sociais.
A construção do gênero e da sexualidade se inicia desde os primeiro dias de vida da criança, entretanto, é na adolescência que se intensificam as relações e se iniciam as primeiras formas de contatos. A sexualidade parece algo que temos de mais natural e também particular no ser humano, sugerindo a esta naturalidade a ordem de instintos, impulsos e decisões ligadas a fins hormonais. Apesar dessa ideia bastante recorrente na sociedade, está claro para este estudo e para a literatura estudada que a sexualidade, assim como o gênero, é também uma construção social e cultural, tornando muito diversas as expressões da sexualidade humana.
Obviamente que não se pode negar a importância da fisiologia e da morfologia do corpo, pois são elas que preparam as condições do que é materialmente possível em termos de sexualidade. Mas as precondições biológicas não produzem por si só, os comportamentos sexuais, a identidade de gênero ou a orientação sexual, elas formam um conjunto de potencialidades que só adquirem sentido e eficácia por meio de significações históricas e culturais variáveis. (WEEKS, 2001; MARIANO, 2005). Nesse processo, a importância das redes sociais e dos contatos construídos através do capital social dos jovens se torna parte importante para a compreensão da construção dos significados de suas ações e comportamentos ligados à sexualidade e gravidez na adolescência.

Redes sociais, capital social e pobreza
As redes sociais são importantes ferramentas de comunicação e auxilio social entre os seus membros. Segundo Marques (2010) as redes podem ser entendidas como "elementos de destaque para o entendimento das condições de pobreza e da reprodução dos padrões de desigualdade social no Brasil" (p.17), possuindo padrões complexos de relações de diferentes tipos, acumulados ao longo das trajetórias vividas e sujeitas a constantes transformações.
A manutenção das redes sociais depende em grande escala da atenção aos membros que as compõe, para que o individuo possa utilizar dos benefícios dispostos pela sua participação em determinado ambiente. Nesse sentido, a definição do conceito capital social aparece como uma importante ferramenta na discussão de redes sociais, já que ele atua como um facilitador da cooperação voluntária, fazendo com que os investimentos nas relações sociais obtenham retornos esperados (LIN, COOK e BURT, 1999).
Para Pierre Bourdieu (1998), por exemplo, o capital social é entendido como recursos que podem possibilitar ações e ganhos coletivos entre seus agentes. As relações de confiança acabam por gerar uma forma de ação organizada, que ao acaso podem vir a serem utilizadas por outros atores sociais envolvidos em outros objetivos que estejam para além dos fins da organização (AQUINO, 2000; p. 25).

O volume de capital social que um agente individual possui depende então da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume de capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado. (BOURDIEU, 1998; p. 67)

Outro estudioso do capital social, Robert Putnam (1993), define o seu conceito como referenciado às características de organizações sociais que facilitem à coordenação e a cooperação em favor do beneficio mútuo, exemplo dessas características estão às redes sociais, normas e confiança social. (PUTNAM, 1995, p.66). A acumulação do capital social se dá através de trocas sociais, sejam elas simbólicas ou reais, feitas principalmente por meio da constituição e participação do indivíduo nas suas determinadas redes sociais. Prates, Carvalhaes e Silva (2007), a exemplo disso, enfatizam que no estudo do capital social, as redes sociais são uma importante ferramenta de análise no acompanhamento da efetividade coletiva.
Ao destacar a importância do capital social para a formulação das redes sociais entre os indivíduos, o estudo de Eduardo Marques (2010), visou, entre outras vertentes, compreender as redes sociais de pessoas pobres da cidade de São Paulo, estudando a provisão de bem-estar dependendo de elementos ministrados por unidades sociais, como comunidades locais e famílias.
Para tanto, o autor comparou as redes sociais de pessoas pobres e de classes sociais mais altas, analisando, sobretudo os efeitos da segregação socioeconômica sobre as redes sociais formadas entre os membros de cada grupo específico. Levou-se em consideração, não somente nesse trabalho, mas também no trabalho de Eduardo Marques que a segregação e a pobreza não são fatores voltados somente para as questões econômicas, mas "voltada a partir de elementos societais de médio alcance, associados aos padrões de relação nos quais os indivíduos se inserem" (MARQUES, 2010, p.12). Estudos recentes, a respeito de pobreza nas grandes cidades estão centrados na análise dos processos de produção de espaço, associando o desacerto da distribuição da estrutura social com a estrutura de fornecimento de serviços, sejam eles essenciais ou não. (MARQUES, 1999; PRETECEILLE; RIBEIRO, 1999; 2003; CALDEIRA, 2000). Entende-se, portanto que as proximidades espaciais não necessariamente significam uma "conexão social" ou mesmo um sentimento de comunidade. (MARQUES 2010).
O trabalho de Marques (2010) mostrou que a sociabilidade das redes sociais na classe média paulista era bastante diversa das dos entrevistados em situação de pobreza. Na classe média os resultados apontavam para uma diversificação muito maior de sociabilidade, apesar de ser fortemente baseada nas relações de trabalho e de estudos do que em relações de vizinhança e família, características essas ligadas as redes sociais dos entrevistados de classe baixa.
Por apresentarem qualidades que fluem de acordo com diferentes tipos de atributos - renda, escolaridade, idade e ciclo de vida, sexo, migração, religião, e espaço e segregação -(MARQUES, 2010, p.107-115), os estudos relacionados às redes sociais devem ao mesmo tempo captar a sua estrutura (características da rede) e a sua mobilização na sociabilidade cotidiana. Neste sentido são representadas de maneira que sua análise seja feita "através dos fenômenos sociais, cujas unidades básicas são as relações sociais, e não atributos dos indivíduos." (MARQUES, 2010, p.43). A partir de conexões construídas por meio do uso do capital social, as redes sociais importam mecanismos de confiança e ajuda mútua entre os seus agentes, fazendo com que possivelmente seja determinada uma mobilização da sociabilidade também para a aquisição de bens de serviços, auxílios na obtenção de empregos e "bicos", apoios emocionais e até mesmo favores, como o cuidado com crianças pequenas ou de pessoas idosas.
Dessa forma, percebe-se que os sujeitos que realizam a ajuda social se aproximam uns dos outros em diferentes aspectos. Em relação à gravidez na adolescência mais especificamente, partimos da premissa que em comunidades homofilicas, o auxilio a uma mulher grávida ou já com filho(s) acaba por gerar uma proximidade entre os amigos e parentes que se encontram ou se encontraram na mesma situação. Principalmente entre as mulheres, a presença de uma moça gestante faz com que se crie uma rede de ajuda mutua entre amigas, irmãs, mãe, sogras e cunhadas para o cuidado da criança, sobretudo se a nova mãe possuir menos de 19 anos.

Desenvolvimento da pesquisa
A presente pesquisa foi realizada em Belo Horizonte, Minas Gerais, estado localizado na região sudeste, a mais rica e desenvolvida do Brasil, apesar de diversos indicadores socias ainda apontarem para a presença de profundas desigualdades sociais. Os dados do censo 2010 apresentaram Belo Horizonte como a cidade com o maior número de setores subnormais (favelas e aglomerados) do estado, com 169 ao todo. A região centro-sul abriga também, os dois maiores aglomerados da capital: a barragem Santa Lúcia e o Aglomerado da Serra, com três e seis vilas consecutivamente (PBH, 2009).
Para iniciarmos a construção da rede foi feita uma "entrevista chave" com uma jovem entre 15 e 24 anos. Essa primeira entrevista foi considerada o ponto de partida para a construção da rede social, portanto necessariamente a jovem que foi o ponto chave a partir do qual foi iniciada a formação da rede ficou ou está grávida na adolescência. Cada entrevista durou por volta de uma hora, sendo que ao fim da mesma foi requisitado à jovem que indicasse três amigas próximas para serem entrevistadas – não excluindo a possibilidade de parentes – e que estivessem dentro da idade estipulada pela pesquisa, mas sem necessariamente terem ficado grávidas na adolescência. Assim foram feitas mais três entrevistas com as jovens indicadas pela "entrevista-chave", que ao fim de suas próprias declarações também indicaram mais três amigas ou parentes, totalizando 13 entrevistas. Essa técnica, denominada pela literatura de "bola de neve", é comumente utilizada para pesquisa de intenção de votos e marketing político, e possui como fundamento a busca de entrevistas em grupos fechados e de difícil acesso (VEIGA, GONDIM, 2001). No caso da nossa pesquisa o uso desse método foi fundamental para possibilitar a identificação das relações de amizade entre as jovens e assim traçar as redes sociais.



Figura 1 - Fluxograma das entrevistas

Fonte: Elaboração própria – pesquisa realizada na favela e nos bairros do centro-sul de Belo Horizonte

Uma vila/favela pertencente ao aglomerado da Serra foi escolhida para a realização da entrevista com a primeira jovem mãe. Como na favela os índices de gravidez na adolescência são consideravelmente altos em comparação com os bairros, não foi encontrada nenhuma dificuldade em realizar uma entrevista com uma mãe adolescente. Foi preciso que nós abordássemos algumas moças aparentemente da idade estipulada para a realização da pesquisa, e perguntássemos a elas se conheciam alguma jovem que possuísse as características para ser a "entrevista-chave". Todos os nomes das entrevistadas foram modificados para manter a confidencialidade das mesmas.
A jovem que se disponibilizou a responder as questões e reside na favela, "Cíntia" possui 24 anos, morou na Serra a vida toda e tem um filho de 6 anos. Se casou aos 17 anos, devido à gravidez com o pai de seu filho - que na época tinha 24. Cíntia morou por 2 anos com o parceiro, e separou porque, segundo ela, ele bebia exageradamente.



Quadro 1 - Entrevistadas moradoras de Favela – Aglomerado da Serra, por principais características pessoais
Fonte: Elaboração própria – pesquisa realizada no Aglomerado da Serra, centro-sul de Belo Horizonte,2011.

Já para as entrevistas na classe média, não foi possível "escolher" em que localidade o campo seria explorado, a não ser pela condição da moradia da jovem ser na região centro-sul de Belo Horizonte. Para localizar uma jovem de classe média que atendesse a exigências da entrevista-chave, recorremos a alguns contatos que pudessem conhecer alguma jovem que fosse ou tivesse sido mãe na adolescência. Apesar de algumas dificuldades em localizar a primeira entrevistada, com a ajuda de terceiros, fomos apresentadas a uma moça que reside em um condomínio fechado no bairro Anchieta, área nobre da cidade. Ela tem 24 anos e, coincidentemente, também teve seu primeiro filho aos 17 anos, sendo que o pai tinha 16 anos na época. A moça mora com seus pais, seu irmão e seu filho, nunca se casou, mas mantém contato com o rapaz nos finais de semana, quando o filho vai visitá-lo.


Quadro 2 - Entrevistadas moradoras de Classe Média – Região Centro-Sul de Belo Horizonte, por principais características pessoais

Fonte: Elaboração própria – pesquisa realizada nos Bairros do centro-sul de Belo Horizonte, 2011

As análises dos dados foram feitas a partir da elaboração de um quadro de categorias, no qual serão destacados os principais temas a serem retratados para esse trabalho, como as redes sociais que ela forma/pertence, trabalho, escolaridade, autonomia , uso de contracepção, autonomia financeira, perspectivas futuras, experiência sexual, maternidade, cuidado com os filhos, iniciação sexual, violência e preconceito.

Resultados
As características das redes sociais identificadas

Na rede social de Sofia, ela indicou três amigas do tempo de escola, que conhece há muitos anos. O principal motivo que levou Sofia a indicar Joana (24), Giovana (24) e Nathália (24), foi o fato de que na época que ela engravidou, as três eram muito próximas. Assim, as três amigas sabem o que aconteceu na época, e como foi para elas ver uma de sua amiga ser mãe aos 17 anos. Elas não moram próximas umas das outras, apesar de todas viverem na mesma região da cidade. Nenhuma das indicadas por Sofia já havia engravidado.
A rede social de Cíntia é bem menos homogênea – em relação ao número de mães e grávidas na adolescência - do que a rede de Sofia. Ela indicou duas vizinhas e a sua irmã como contatos: Luana (17), Tatiane (22) e Kelly (20). Todas moram muito próximas, sendo que Cíntia e Kelly moram na mesma casa. Luana e Tatiane não têm filhos, entretanto Tatiane já ficou grávida duas vezes, mas perdeu o bebê, e Luana estava planejando engravidar no momento da entrevista, já que está em um relacionamento estável e pretende se casar. Kelly foi mãe com 18 anos, e conta com a ajuda de Cíntia e sua outra irmã Carla (15) nos cuidados com o seu filho.
Após esses contatos iniciais, partimos para a terceira etapa da rede, e foi a partir dessa etapa que pudemos notar as principais diferenças. Consistentemente, na rede das jovens da favela, era indicada uma jovem ou adolescente que já havia sido entrevistada, então era pedido para que novamente ela se lembrasse de outra amiga. Todas as jovens mapeadas na rede da favela se conhecem. Mesmo que de vista ou apenas de nome, todas sabem quem é quem e detalhes sobre a vida umas das outras, quem tem filho ou quem é casada, se trabalham ou estudam. Ao contrario da rede da classe média, na qual apenas uma entrevistada da terceira etapa conhecia Sofia. Sara (17), é irmã de Giovana (24) e foi apresentada à Sofia (24) pela irmã.
Essa característica encontrada da rede da favela foi observada também no estudo de Marques (2010) sobre redes sociais de pessoas pobres em São Paulo. As redes de pessoas pobres comparadas às redes de pessoas de classe média apresentaram uma variabilidade muito inferior em relação no número de esferas sociais com as quais se interseccionavam, fazendo com que elas fossem caracterizadas como homofílicas e limitadas pelo espaço geográfico.
Da mesma forma que no estudo de Marques (2010), nas redes identificadas nesse estudo a proporção de indivíduos que moravam próximos e participavam da esfera da família também variou por classe social. Essa característica foi bem mais presente entre as jovens da favela, no qual as relações de parentesco foram identificada entre várias entrevistas, com muitas irmãs, tias/sobrinhas e primas entre elas.
Apenas uma conexão da classe média em relação à vizinhança foi detectada. Rafaela (18) foi indicada por Joana (24) e elas moram no mesmo prédio. Apesar disso, elas não são próximas. O seu contato é maior devido a uma amizade entre Rafaela e o irmão mais novo de Joana, que tem a idade da jovem. Observa-se que a maioria das jovens da rede da classe média possui idades parecidas, entre 23 e 24 anos. Isso porque a maioria dos contatos era de amigas de escola ou de faculdade, o que levou a uma concentração da idade entre elas.
Contrariamente, relações de vizinhança foram as indicações mais comuns ocorridas entre as jovens da favela. Todas moravam muito próximas entre si, e como já mencionado anteriormente, todas se conheciam. Nossos resultados deixam muito claro que na favela as redes são mais homofílicas e constituídas por laços de vizinhança locais, enquanto na classe média, a rede foi estabelecida a partir de contatos ligados à esfera escolar e de trabalho, com pontes independentes entre os seus indivíduos.

A experiência da gravidez na adolescência entre as entrevistadas

Ao que tange ao nosso objeto de estudo, a gravidez na adolescência, a grande diferença na sua prevalência entre as jovens que compunham cada rede, foi sem dúvida alguma, o ponto que mais nos chamou a atenção em nossa análise. Entre as jovens da rede formada na favela é grande o número delas que já engravidaram ou estavam grávidas no momento da entrevistas: oito no total, mais da metade das entrevistadas. Já entre as jovens da rede de classe média, Sofia foi a única que já havia engravidado alguma vez. Os significados atribuídos a essas experiências, da gravidez e da maternidade na adolescência, também variaram enormemente de acordo com o contexto social de cada jovem.
Como já foi observado, especialmente entre as jovens de classe social mais baixa, nem toda gravidez na adolescência é indesejada ou vista como um problema. O desejo pela gravidez foi explicitado várias vezes pelas jovens pertencentes a rede social mapeada na favela. Em seus discursos, a gravidez aparece como claramente desejada ou pelo menos não evitada:

Eu queria, queria muito, mas foi só quando eu desisti que ele veio [...] fiquei por um lado chateada, por outro, conformada, porque eu tava nova né? Tava com 17 anos. [...] a gente queria, e depois desistiu, mas também não evitou não.[...] Ele reagiu muito bem, tava com 24 anos, a família dele ficou conformada. (Cíntia, 24 anos, um filho, separada, Favela)

Se deixar eu falo assim, entre aspas, assim não é planejar vou ter não, entendeu? Mas aconteceu mas foi... safadeza minha! Eu não pensava. Não porque antes, quando assim, eu namorava, eu era muito doidona. Então eu ficava com esse, eu ficava com outro sem eu pensar nessas coisas. [...](Tânia, 23 anos, dois filhos, casada, Favela)

Na classe média a única jovem que engravidou, relatou ter sofrido muito ao descobrir a gravidez. Apesar de não ter usado nenhum preservativo na época em que namorava o pai do seu filho, Sofia afirmou que não foi planejada a sua gravidez, e que ela acreditava ter algum problema hormonal, já que ela se relacionava sexualmente há um ano sem proteção e nunca havia engravidado.
Atrasou né? E como eu não tomava anticoncepcional, eu tinha uma menstruação muito louca assim, às vezes eu ficava menstruada um mês no outro não, e eu tinha certeza que nada ia acontecer comigo, não usava camisinha nem pílula e não ia acontecer nada comigo...burra né? (Sofia, 24 anos, um filho, solteira, Classe Média)

A reação dos amigos foi algo muito explorado no roteiro, já que era a partir de contatos próximos que foi constituída a rede social da entrevistada. Como esperado observou-se uma aceitação maior em favor da gravidez pelas jovens da favela do que pelas jovens da classe média.
Minha irmã [Cíntia] engravidou com 17 anos, eu tenho outras amigas que tem filhos também, mas não sei a idade que cada uma teve não. Achei normal, ela queria ter filho mesmo ai ela teve. Comigo elas falaram que eu era doida, deu ter menino assim cedo, mas acabou que agora elas têm filho também. (Kelly, 20 anos, um filho, Favela)

As amigas da rede de Sofia (24) aceitaram a sua condição, contudo relataram sentir surpresas com o fato, já que todas cresceram juntas e tiveram a mesma educação. O fato de ela ter engravidado na adolescência foi atribuído pelas amigas como uma "irresponsabilidade" e "falta juízo". No discurso de Sofia, ela atribui ao seu antigo namorado – pai de seu filho – um papel muito importante na sua vida na época. Ao estar apaixonada, ela não se importava com outros fatores com escola ou seus amigos, era apenas o seu relacionamento com Matheus que implicava na sua vida. Segundo ela foi depois da primeira relação sexual dos dois que tudo começou a mudar.

Pra gente, a gente tinha virado adulto né? Com 15 anos! Virou adulto, "agora eu transo e sou foda!" (risos), mas assim, melhorou muito a relação, porque a gente ficou muito mais próximo, muito mais íntimo, só que a partir daí a gente ficou na nossa "bolha", era eu e o Matheus e nada mais no mundo entendeu? (Sofia, 24 anos, um filho, Classe Média)

A opinião e a participação do grupo no evento foram descritos como de extrema importância pelas jovens que engravidaram ou já são mães. Entretanto as formas de reconhecimento dentro do grupo, com relação à gravidez na adolescência foram bem diversas. Ao descobrir que estava grávida, Sofia diz ter sentido tanta vergonha que não teve coragem de informar a nenhuma de seus conhecidos, apenas a amigos mais próximos, deixando que à medida que a sua barriga fosse crescendo as pessoas saberiam de sua condição.
Contudo, para Sofia, o seu maior medo se deu em relação à família. Tinha medo de apanhar e ser expulsa de casa, mas nenhum desses medos se concretizou apesar de seu pai ter ficado meses sem lhe dirigir a palavra. Nenhuma de suas amigas, nem na época que ficou grávida nem hoje tem filhos, e isso a torna diferente de seu grupo e sua rede social.

Foi um momento muito estranho da minha vida, porque eu lembro de muita pouca coisa, eu lembro das coisas piores tipo a reação do meu pai.[...] Mas também lembro dos meus amigos, indo viajar e eu barriguda ficando em casa. Tudo bem que na época eu não liguei porque eu tava toda apaixonada com o Matheus [pai do filho] e tava esperando o neném, mas hoje eu vejo que podia ter sido diferente...a minha adolescência. (Sofia, 24 anos, um filho, Classe Média)

Ao contrário de Sofia, a rede social de Cíntia lhe proporcionou reconhecimento dentro do grupo, ela foi à primeira de suas amigas a casar e ter filho, e logo muitas delas também seguiriam esse caminho. Por isso, não foi "difícil" para ela aceitar a gravidez, na medida em que sua condição era por assim dizer "esperada" pela sua rede. "Achei legal ter um sobrinho! Minha mãe nem ligou também dela ter filho nova não... nem ela nem eu ligou. Ela também ganhou a Cíntia com 17." (Kelly, 20 anos, um filho, Favela).
Também o fato de ter se casado logo após a descoberta da gravidez, deu a Cíntia uma maior segurança enquanto seu estado de adolescente grávida dentro de sua rede. Ela disse ter sido a primeira de suas amigas a engravidar, e logo depois todas obtiveram filhos também. "Ser mãe acaba que é normal aqui... eu acho normal. Ninguém acha estranho não sabe?" (Cíntia, 24 anos, um filho, Favela).
Ela diz não ter se preocupado com a reação das amigas quando descobriu aos 17 anos que iria ser mãe. A sua maior preocupação era com a reação de sua própria mãe. Apesar disso, a mãe de Cíntia não se importou com a gravidez da filha, porque segundo ela "eu já tava pra casar mesmo".
A persistência de papéis tradicionais de gênero faz que que a condição de mãe e mulher casada nas classes socioeconômicas baixas, apresenta uma aceitação e um reconhecimento positivo dentro do meio social. Luana (17 anos, sem filhos), por exemplo, afirmou que engravidar não seria um problema, já que o namorado assumiria a sua condição de pai e se casaria com ela.
Ficou bastante claro nos depoimentos das entrevistadas da favela que a jovem que engravida ou tem um filho recebe apoio das outras jovens seja na forma de presentes para o enxoval do bebê ou cuidando da criança quando necessário. Carla (15 anos) cuida dos filhos de suas irmãs para que elas possam trabalhar ou sair. Ela mesma já ficou grávida, mas perdeu o bebê há alguns meses. De acordo a sua entrevista, era normal para ela que as irmãs (24 e 20 anos) tivessem já tido filho, e de acordo com ela, não se importa de cuidar de seus sobrinhos.

Gênero e violência de gênero

A persistência dos estereótipos tradicionais em relação aos papéis de gênero nos discursos das jovens entrevistadas era muito óbvia, especialmente entre as jovens residentes em favelas. Isso não quer dizer que não apareceu entre as jovens de classe média, mas era com muito menos frequência e apresentando muito mais ambiguidades. Por exemplo, a ideia de que a maternidade é o principal ideal de vida para a mulher e de que ser mãe é muito mais gratificante do que trabalhar fora, são ideias aceitas muito mais frequentemente pelas jovens da favela, enquanto que, em relação a algumas afirmações em relação principalmente ao comportamentos sexual de homens e mulheres, as jovens de ambos os grupos tendiam a ter posições mais conservadoras. De modo geral, elas concordavam por exemplo, que homens tem mais necessidade de sexo que as mulheres, que as mulheres preferem amor a sexo e que as mulheres que tem muitos parceiros sexuais se desvalorizam.
Em relação à violência de gênero, nenhuma concordou com a ideia de que tapa de amor não dói, entretanto Carla (15) e Tânia (23) moradoras da favela, disseram concordar com a afirmação de que a mulher que apanha e fica com o parceiro é porque gosta de apanhar. Mesmo o ciúme não foi entendido como uma prova de amor na maioria dos casos entre as entrevistadas. Entre as jovens de classe média, nenhuma concordou com essa afirmação. Já entre as jovens que moram na favela, três disseram concordar que ciúmes pode ser interpretado como uma forma de amor e atenção dedicada pelo companheiro a elas.

Acho que sim. Ah, sei lá! Porque quando tem ciúmes demonstra que é amor. Quem ama cuida sabe? (Carla, 15 anos, Favela)

Se o ciúmes não for muito possessivo é né? O ciúmes é bom, mas quando é possessivo é ruim. Ele falar que a roupa é isso é uma coisa, agora proibir de sair ou vestir ai pra mim é possessivo. (Marina, 15 anos, Favela)

Apesar da rejeição a ideia da violência conjugal como aceitável de alguma forma, a presença da violência física foi narrada em algumas entrevistas realizadas, relatados em grande maioria pelas jovens da favela, no qual as mesmas sofreram agressões por parte dos parceiros e\ou dos pais. Apenas Sofia, entre as jovens de classe média, disse ter sofrido violência física alguma vez, por parte do seu pai. Apesar de ela ter afirmado a ocorrência do episódio como único, a possibilidade da violência fez que a jovem não se sentisse segura para confronta-lo novamente.
Foram comuns também as jovens residentes em favelas declararem ter testemunhado a mãe sofrer violências pelo pai ou pelo padrasto. As irmãs Cíntia (24), Kelly (20) e Carla (15) presenciaram a agressão da mãe pelo padrasto. Entre elas, Kelly (20) e Carla (15) também já sofreram agressões de seus namorados. Nenhuma delas quis denunciar os agressores.
O único caso de violência sexual de toda a pesquisa ocorreu com Michelle (21), que foi violentada pelo padrasto quando possuía oito anos de idade. Além dessa agressão, ela também sofreu várias violações físicas e psicológicas pelo seu ex-namorado, pai de seu filho. Ele desejava o aborto e por isso a agrediu diversas vezes na barriga com esperança de provocá-lo.

Ele me batia e tal, batia na minha barriga. Teve uma vez que ele me jogou no chão tava grávida e tal. Eu chorando falei com ele pra ele para de fazer aquilo, mas eu não tive coragem de dar queixa. Pra não prejudicar ele e também... Meu foco também era a criança, não era ele. (Michelle 21, filho falecido, Namorando, favela)

A experiência da violência sexual ou física predispõe às vitimas a definirem as suas relações de gênero através de diversas oposições, diferenciações e contrastes entre os homens e as mulheres (MORAES, 2007). Muitas vezes a possibilidade de ficar mal falada, ou de ser identificada como "mulher de malandro" pelos vizinhos ou familiares faz com que as jovens se calem e não façam a denúncia. Existe também o fator medo, ligado a sua integridade física e moral, ou talvez de seus filhos.
A ocorrência da gravidez entre as adolescentes e jovens na nossa pesquisa algumas vezes faz com que ela aceite as violências sofridas. Por se sentir culpada pela gravidez precoce, Sofia (24) não achou anormal o tratamento dado pelo seu pai a ela. Entre as jovens da favela, o medo da rejeição dos familiares e principalmente do parceiro faz com que as jovens se calem sob algum tipo de agressão. Muitas vezes em alguns discursos, encontramos uma expectativa de que a violência verbal e/ou física fosse de fato se concretizar com a descoberta da gravidez. Em alguns casos sim, em outros ela foi aceita pela rede de amigas e parentas da jovem e pelo seu parceiro.

A experiência da maternidade entre as entrevistadas e a condição juvenil

Foram vinte e seis entrevistas, treze na favela e treze na classe média, e ao todo nove meninas já haviam ficado grávidas, sendo que dessas, sete eram mães. Encontramos apenas uma mãe entre as jovens de classe média e seis na favela. Nesse item exploramos o impacto da experiência da maternidade na adolescência com a condição juvenil, ou seja, sobre como ser "sentir jovem".
São muitas as discussões sobre a definição e os papéis do jovem e do adolescente na sociedade contemporânea. As falas coletadas nas entrevistas, tanto na classe média quanto na favela, foram muito semelhantes para a definição do que é ser jovem entre elas. Entretanto, a discrepância aparece ao se indagar se a entrevistada se sente ou não como uma pessoa jovem.
Percebe-se pela fala de algumas delas que a juventude é um estado de espírito, no qual a idade muitas vezes não interfere na sua forma de se sentir jovem. Essa fase é associada à irresponsabilidade, curtição e aventuras, no sentido de estar sempre sujeito a novidades e ao crescimento pessoal.
Como a definição de "jovem" ficou muito agregada a essa perspectiva de novos rumos e tempo para "aproveitar a vida", qualquer característica ligada a responsabilidade de modo geral foi contraposta a realidade de uma pessoa jovem. Quando perguntamos à Cíntia (24) e a Angélica (21) se elas se sentiam como jovem, ambas me responderam negativamente.

Não acho 24 anos jovem não, jovem não paga aluguel, jovem vive bem com o seu pai e sua mãe, eu tenho filho, tenho responsabilidade [...] a partir do momento que tem filho, tem responsabilidade com menino não é jovem mais não. Têm jovens, alguns, que não tem muita responsabilidade, que é mais rebelde, uma pessoa que tem responsabilidade não tem como ficar achando que a vida é de brincadeira porque não é. (Cíntia, 24 anos, um filho, Favela)

Eu não sou jovem, depois que a gente tem filho a gente não é mais jovem não. Antes eu saia muito, não tinha responsabilidade. Sinceramente eu acho que juventude é uma fase e ser mãe é outra, eu acho que quem pode tentar, é... eu, eu tive meu filho eu tinha quase 20 anos, não me arrependo não, tive até numa idade melhor que muita, assim né? Tipo 13, 14...(Angélica, 21 anos, um filho, Favela).


Ser mãe marca, segundo os discursos das entrevistadas, uma atitude relacionada a um papel esperado de uma pessoa já adulta. Por isso a manifestação contrária de algumas de entrevistadas sobre as mães na adolescência. Para estas é difícil, ou impossível, que uma adolescente possa criar uma criança sem que ela passe a se portar como com mais "responsabilidade", ou seja, parar de sair e se divertir com os amigos. Essa ideia vai do que Gonçalves e Knauth (2006) falam sobre a contradição entre "aproveitar a vida" e a gravidez na adolescência. Por outro lado, algumas meninas afirmaram que ser jovem é também aceitar possuir mais responsabilidade, principalmente na hora de decidir o seu futuro.
Depois de considerar a opinião de Sofia sobre juventude e maternidade, concluímos que a jovem não "perdeu" ou pulou a etapa da juventude, como ocorreu com as jovens da favela, que abandonam os estudos e se ingressaram de maneira precária no mercado de trabalho para ajudar no sustento da casa e dos filhos. Como Sofia ocupa a maior parte do seu tempo com estudos e trabalho, a jovem está perdendo o papel de "ser mãe" já que a educação e sustento de seu filho é dado pelos seus pais, que o educam como filho deles. Por diversas vezes na entrevista, Sofia deixou claro que a sua autoridade de mãe não é reconhecida por seu filho, por isso o seu maior objetivo no momento era terminar a faculdade e conseguir um emprego no qual ela possa se sustentar e sustentar o seu menino.

Considerações Finais

A metodologia utilizada nesse trabalho nos permitiram identificar a composição de duas redes sociais a partir dos contatos de duas jovens que engravidaram na adolescência em diferentes classes sociais. Consideramos que a pesquisa com as jovens nos possibilitou uma aproximação da forma como elas vivenciam e reproduzem o seu papel como mulher ou adolescente grávida entre si, seja por meio das experiências vividas ou por meio das representações existentes no grupo acerca daquela situação.
Ao assinalamos que os meios de socialização entre as redes sociais se diferenciam por classe social, percebemos que a grande maioria das entrevistadas moradoras da favela se conhecem através das relações de parentesco e vizinhança, enquanto na classe média as relações foram construídas por intermédio das instituições cursadas pelas jovens, como a escola, faculdade ou trabalho. Apesar de que as informações disponíveis sobre as diferença entre as redes sociais constituídas por indivíduos em diferente classes sociais, nos surpreedeu que a rede social mapeada na favela apresentasse um resultado homogêneo, que tornou possível constituir uma rede na qual todas as entrevistadas se conhecessem e morassem tão próximas uma das outras. Ao contrário da rede das jovens de classe baixa, a rede da classe média , apresentou as características esperadas, sendo mais heterogêneas em relação ao local de moradia e ocupação, e por, em geral, não incluir parentas ou vizinhas, se destacando o fato de que. a rede da classe média manteve um padrão de idade tão consistente quanto o encontrado, resultado atribuído à socialização das classes médias serem em geral produzidas inicialmente em ambiente escolar.
O estudo aponta uma aceitação bem maior a respeito do fenômeno dentro da rede da favela, no qual o discurso das jovens tende a não "dramatizar" a ocorrência da gravidez entre ela ou entre as amigas. A forma como as jovens moradoras da favela veem ou reconhecem o fenômeno dentro do grupo gera status e reconhecimento da adolescente ou da jovem com as amigas, tornando a sua condição de mãe como um elemento constituído de sua identidade, o que é visto como desejável dentro do seu meio social.
Dentro de ambientes segregados e não-segregados, são formados diferentes construções de capital social. Alguns tipos de comportamentos e valores são reforçados e legitimados pelo grupo, como é o caso das jovens da favela, que, ser mãe na adolescência não é considerado como um problema grave ou uma situação ligada à vulnerabilidade social. O que pudemos perceber principalmente no grupo mais fechado e mais homofílico foi que o capital social construído entre as jovens é potencializado pela ocorrência da gravidez, intensificando as relações entre os contatos mais próximos.
A percepção do significado da gestação também variou muito entre as duas redes mapeadas. A fala das entrevistadas indicou que o impacto dessa experiência de vida no desenvolvimento da jovem assume diferentes contornos conforme a sua classe social. Curiosamente, apesar dos discursos das jovens da classe média ter sido em geral bem negativos à respeito da experiência da gravidez na adolescência, nessa classe social, a ocorrência do evento tende a não prejudicar o percurso de estudos e obtenção de emprego da jovem, em comparação com a favela, devido a uma maior disponibilidade de recursos e apoios na forma de lidar com essa circunstância e suas demandas. Pelo que pudemos observar a perspectiva de futuro profissional da adolescente grávida na classe média não foi afetado, principalmente quando comparado ao das jovens e adolescentes moradoras da favela. A segregação sócio-espacial contribui para que essa realidade se efetue, apresentando as jovens e adolescentes da classe média maiores oportunidades de estudos e especialização no trabalho.
Os resultados dessas entrevistas nos permitiram corroborar nossa hipótese de que na rede social das jovens moradoras da favela, encontraríamos um maior suporte social para uma gravidez na adolescência e uma visão mais positiva dessa experiência do que entre as jovens pertencentes à rede social da classe média.





REFERÊNCIAS

AQUINO, Estela M. L. et al. Adolescência e reprodução no Brasil: a heterogeneidade dos perfis sociais. Cad. Saúde Pública, Rio de janeiro 19(Sup. 2):S377-S388, 2003.

AQUINO, Jakson Alves de. As teorias da ação social de Coleman e de Bourdieu.
Humanidades e Ciências Sociais, Ceará, v. 2, n. 2, 2000.

BASSI, Camillo. (2008). "Exposição à maternidade precoce e estratos sociais das adolescentes brasileiras: Justificativas via determinantes próximos das taxas de fecundidade". Texto para Discussão No. 1322. Brasília: IPEA. Janeiro de 2008. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1322.pdf Acessado em 15 de agosto de 2008.
BRASIL, Ministério da Saúde. Estatuto da Criança de do Adolescente. Disponível em Acesso em 15/08/2011.

BOURDIEU, Pierre. O Capital Social: notas provisórias. In; NOGUEIRA, Maria Alice & CATANI, Afranio. Escritos de Educação: Petrópolis,Vozes, 1998.

CALDERA, Teresa. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora.34, 2000.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: v.1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

GONÇALVES, Helen; KNAUTH, Daniela Riva. Aproveitar a vida, juventude e gravidez. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2006, V. 49 Nº 2.

HEIBORN, Maria Luiza; CABRAL, Cristiane; BOZON, Michel. Valores sobre sexualidade e elenco de práticas: tensões entre modernização diferencial e lógicas tradicionais. In: HEILBORN, M.L. et al. (Org) O aprendizado da sexualidade, reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiro. Rio de Janeiro: Garamond e Fiocruz, 2006.

JAYME, Juliana; NEVES, Magda de Almeida; CHACHAM, Alessandra. Tão perto e tão longe: gênero, juventude, território e vulnerabilidade em Belo Horizonte. Trabalho apresentado no 34º Encontro Anual da ANPOCS, ST 10 – Economia e Políticas do Simbólico, Outubro/2010

KAZTMAN, R. Seducidos y abandonados: el aislamento social de los pobres urbanos,
Revista de La Cepal. nº 75, dezembro de 2001.

LEÓN, Oscar Dávila. Uma revisão das categorias de adolescente e juventude. In GUIMARAES, MTC; SOUSA, SMG. Juventude e contemporaneidade. Desafios e perspectivas. Brasilia: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2009. p.47-76.

LIN, Nan, COOK, Karen, BURT, Ronald. Building a Network Theory of Social Capital. In Social capital: Theory and Research. Ed Sociology and Economics. Ed 2, 2001.

MARIANO, Silvana Aparecida. O sujeito do feminismo e o pós-estruturalismo. Estudos Feministas, Florianópolis, 13(3): 483-505, setembro-dezembro/2005.

MARQUES, Eduardo Cesar. Redes sociais, segregação e pobreza. São Paulo: Editora UNESP; Centros de Estudos da Metrópole, 2010.

MONTALI, Lilia. Provedoras e co-provedoras: mulheres-cônjuge e mulheres-chefe de família sob a precarização do trabalho e o desemprego. Revista Brasileira de Estudos Populacionais. Vol.23, número 2, pp.223-245, dezembro, 2006.

MORAES, Aparecida Fonseca. Violência sexual, atendimento na saúde e repercussões nas identidades das vítimas. In: ALMEIDA, Suely Souza de. Violências de gênero e políticas públicas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. p. 43-56.

OLIVEIRA, André. NEVES, Magda, JAYME, Juliana. Trabalho e Renda na RMBH numa Perspectiva de Sexo e Cor. In: Luciana T. Andrade, Jupira G. Mendonça, Carlos Aurélio P. Faria (Org.). Metrópole: Território, Sociedade e Política - O caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Editora PUC MINAS. 2008. p. 46-60.

PRATES, Antônio Augusto Pereira; CARVALHAES, Flávio Alex de Oliveira; SILVA,
Bráulio Figueiredo Alves. Capital social e redes sociais: conceitos redundantes ou complementares? In.: AGUIAR, Neuma (Org.). Desigualdades sociais, redes de sociabilidade e participação política. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2007, c.1, p. 47-59.

PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Estatísticas - Mapas e Aglomerados. Portal online disponível em acessado dia 13/09/2011

PRETECEILLE, Edmond e RIBEIRO, Luiz César. Tendências da segregação social em metrópoles globais e desiguais: Paris e Rio de Janeiro nos anos 80. Revista brasileira de Ciências Sociais vol.14 n.40 São Paulo Jun. 1999.

PUTNAM, Robert D. Bowling Alone: America's Declining Social Capital. Journal of Democracy 6:1, Jan 1995, 65-78. Disponível em http://xroads.virginia.edu/~HYPER/DETOC/assoc/bowling.html acessado dia 20/06/2011.

SIMÕES, Júlio; FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-iris: do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo. 2009.

VEIGA, Luciana e GONDIM, Sônia Maria Guedes. A utilização de métodos qualitativos na Ciência Política e no Marketing Político. Opinião Publica, vol.7, n.1, pp. 1-15. 2001

WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.





Entrevista 1

Entrevista 2

Entrevista 5

Entrevista 6

Entrevista 7

Entrevista 3

Entrevista 8

Entrevista 9

Entrevista 10

Entrevista 4

Entrevista 11

Entrevista 12

Entrevista 13

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.