Redução de dimensionalidade de afinações e a afinação mesotônica

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Redução de dimensionalidade de afinações e a afinação mesotônica Texto por Igor S. Livramento1 Tomando por base o que já apresentamos anteriormente2, revisemos a extensão do teorema fundamental de aritmética para racionais positivos com a seguinte notação: ∞ 𝑎

+

∀𝑞 ∈ ℚ , 𝑞 = ∏ 𝑝𝑖 𝑖 | 𝑝𝑖 𝑝𝑟𝑖𝑚𝑜, 𝑎𝑖 ∈ ℤ 𝑖=1

#01 – A comma sintônica e a afinação mesotônica Passada a Renascença e a estabilização da M3 como um intervalo consonante 3, chegamos à busca de novas consonâncias próximo ao Barroco. E é aqui que a redução de dimensionalidade de afinações entra em jogo, ao lado afinação pitagórica, majoritariamente utilizada até agora e a recém-chegada entonação justa. Revejamos a comma sintônica, pois a partir dela desenvolveremos a afinação mesotônica. Como sabemos, a comma sintônica é a diferença da M3p em relação à M3h, isto é, a diferença entre a) quatro J5 encadeadas e b) uma M3 adicionada a duas oitavas, reduzidos à gama. Podemos pensar o caso a) e b) como sendo a distância entre D e F#, se pensarmos em termos do dó central do piano, estamos indo de D4 a F#6. Em a), usando M3p temos D4→A4→E5→B5→F#6, vejamos:

81 3 4 81 81 1 81 5 5 16 80 , reduzindo: 16 = × = ≈ = × = . ( ) = 2 16 22 16 4 64 4 4 16 64 Já em b), usando M3h temos D4→D5→D6→F#6, vejamos:

4 5 × = 5. 1 4 Da diferença das duas obtemos a comma sintônica, veja-se:

81 64 = 81 × 4 = 81 × 1 = 81. 5 64 5 16 5 80 4 Se considerarmos o intervalo de décima sétima maior (M17), isto é, ascender quatro J5 sem reduzir à gama, perceberemos a importância da comma sintônica, veja-se:

3 4 81 80 81 81 = × =5× . ( ) = 2 16 16 80 80

1

Graduando do curso de Letras-Português da Universidade Federal de Santa Catarina. Afinações racionais, entonação justa, limite-primo e dimensionalidade, do presente autor, disponível em: , acesso em 14 de fevereiro de 2016. 3 De fato, a J4 deve resolver para a M3 nas regras do contraponto renascentista tardio, como compiladas por Johann Joseph Fux e outros. 2

Como dito, a partir da Renascença a M3h começou a ser valorizada em detrimento da antiga J5 enquanto consonância e ponto de estabilidade, ampliando a quantidade de consonâncias disponíveis para o compositor. Todavia, continuava-se a tradição pitagórica herdada da Idade Média e a construção de afinações baseava-se no encadeamento de J5 suficientes até fechar a afinação desejada. No desejo de ter M3 mais justas e perfeitas, surgem as propostas para a afinação mesotônica. Como visto, a M3h difere da M3p por uma comma sintônica. Pelo encadeamento de quatro J5 chegamos a M3p, logo, o que precisamos fazer é distribuir o erro4 propagado pelo encadeamento, de tal modo que após quatro J5 tenhamos uma M3h, isto é, 5/4, em vez de 81/64. Como faremos isso? Sabendo que 81/64 é maior que 5/4, basta reduzirmos 81/64 em 4 parcelas espaçadas ao longo do encadeamento e atingiremos o intervalo desejado. Trabalharemos aqui com medição em cents, pois nela é que se mostrará a resolução do problema. Veja-se: Queremos que quatro J5 sejam iguais a uma M3h. Se utilizarmos x para a J5 que encadearemos, temos:

𝑥4 = 5 Que nos diz que após quatro delas encadeadas temos uma M3h, como esperado. Então, para descobrirmos o tamanho de nossa J5 encadeada, devemos isolar x, tal que: 1

4

𝑥 = √5 = 54 . Se pensarmos em cents, perceberemos que:

1200 ×

1 log 2 54

≈ 696,578 cents

Enquanto nossa J5 pitagórica era:

1200 × log 2

3 ≈ 701,955 cents 2

De fato, uma diferença audível, beirando o limiar humano de distinção, medindo:

701,955 − 696,578 = 5,377 cents. Como previsto, a distribuição de erro sobre o encadeamento das J5 deu certo, resolvendo a comma sintônica que separava M3p de M3h, falhando apenas pela diferença de menos de meio cent, veja-se:

21,50 = 5,375 ≈ 5,377 𝑐𝑒𝑛𝑡𝑠. 4 Esta afinação ficou famosa pelo nome um quarto de comma mesotônica. Mas por que mesotônica? Pois ela tem seu tom inteiro exatamente no meio geométrico entre o tom inteiro maior, da afinação pitagórica (9/8) e o tom inteiro menor, da entonação justa (10/9). Veja-se: 4

Ver A afinação cromática pitagórica, a comma pitagórica e a medição por cents, do presente autor, disponível em: , acesso em 14 de fevereiro de 2016.

O tom inteiro maior (9/8) mede:

9 1200 × log 2 ( ) ≈ 203,910001731 cents 8 Enquanto o tom inteiro menor (10/9) mede:

1200 × log 2 (

10 ) ≈ 182,403712134 cents 9

Daí sua média é:

203,910001731 + 182,403712134 = 193,156856935 2 Que é extremamente próximo à média geométrica dos tons inteiros maior e menor, quando medida em cents: 2 9 10 1200 × log 2 √ × ≈ 193,156856932 cents. 8 9

Uma diferença de um bilionésimo de cent! Realmente inaudível e, como dito, no meio dos dois tons inteiros, daí seu nome mesotônica. Centrando nossa afinação cromática de 12 tons em D, podemos construir sua matriz intervalar, observando em cents (aproximados) os intervalos que estão justos (negrito) e aqueles que diferem do esperado por uma ou mais commas sintônicas (vermelho), intervalos válidos, porém diferentes do esperado estão marcados em amarelo: Tabela 01 Intervalo / Tom

A1

A5

A2

A6

A3

Uni.

Eb

76

773 269

966

462

0

697 193 890 386 1083 579

Bb

76

773 269

966

503

0

697 193 890 386 1083 579

F

76

773 269 1007 503

0

697 193 890 386 1083 579

C

76

773 310 1007 503

0

697 193 890 386 1083 579

G

76

814 310 1007 503

0

697 193 890 386 1083 579

D

117 814 310 1007 503

0

697 193 890 386 1083 579

A

117 814 310 1007 503

0

697 193 890 386 1083 621

E

117 814 310 1007 503

0

697 193 890 386 1124 621

B

117 814 310 1007 503

0

697 193 890 427 1124 621

F#

117 814 310 1007 503

0

697 193 931 427 1124 621

C#

117 814 310 1007 503

0

697 234 931 427 1124 621

G#

117 814 310 1007 503

0

738 234 931 427 1124 621

m2

m6

m3

m7

J4

Uni.

J5

d6

M2

d3

M6

d7

M3

d4

M7

d8

J4

d5

#02 – Redução de dimensionalidade na afinação mesotônica de ¼ de comma Como se pode verificar pela matriz intervalar, o preço pago por buscarem M3h perfeitas foi nada menos que 16 intervalos claramente desafinados mesmo para os ouvidos mais leigos. Ganhou-se intervalos bem comportados, ao custo de limitações na modulação. O que mais nos interessa aqui, contudo, é o que fizemos acima, reduzimos a dimensão da afinação. Como? O que isso quer dizer? Antes, precisava-se de três coordenadas para fornecer qualquer tom da afinação: oitavas (2/1)n, J5 (3/2)n e M3h (5/4)n. Porém, com afinação de ¼-comma sintônica mesotônica, nós igualamos quatro J5 a uma M3h, ou seja, (3/2)4 = (5/4)1. Impossível matematicamente, uma vez que nenhuma potência de algum número primo resultará em outro número primo, é perfeitamente possível musicalmente e foi mesmo a afinação reinante do final do séc. XVI até meados do séc. XVIII. Se pensarmos visualmente, é como entrar num wormhole, espécie de hiperespaço, onde entramos por dois lugares diferentes que, na predição, dariam resultados diferentes, mas caímos no mesmo lugar. Pela matriz ainda tiramos que essa afinação é uma escala5 uniformemente distribuída de estrutura constante ou particionada, sendo uma coleção gerada bem-formada pelo encadeamento da J5 (de aprox. 696,6 cents).

5

Ver Propriedades das escalas diatônicas, do presente autor, disponível em: , acesso em 14 de fevereiro de 2016.

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