Referencialidade e desconstrução: tendências composicionais da música paraibana de concerto

June 16, 2017 | Autor: Marcílio Onofre | Categoria: Composição Musical, Música de Concerto na Paraíba
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PARTE II - TEORIAS DO COMPOR: A CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA

Referencialidade e desconstrução: tendências composicionais da música paraibana de concerto Marcílio Onofre 1. Introdução1 Neste ensaio, tratarei de referencialidade e desconstrução na música paraibana de concerto.2 Na verdade, essa foi a maneira que encontrei de contextualizar, na qualidade de compositor que fala de seus pares mais próximos, o tema geral deste congresso da TeMA, que é O Pensamento Musical Criativo. De fato, faço aqui um pequeno recorte das práticas criativas de alguns de meus colegas que atuaram e atuam na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e, em especial, no seu Laboratório de Composição Musical (COMPOMUS/UFPB).3 Na impossibilidade de apresentar todos os diferentes aspectos da música contemporânea de concerto produzida na Paraíba, concentrar-me-ei na obra de três compositores que fazem, e fizeram, uso da música folclórico-popular como modelo para as suas próprias obras e, além disso, partilham a preciosa relação mestre-discípulo. Sob essa perspectiva, eu chego aos nomes dos compositores José Alberto Kaplan (1935-2009) e Eli-Eri Moura (*1963). Por último, apresentarei alguns aspectos de minha própria música. No entanto, ao elaborar o presente texto, que trata da música de compositores que utilizaram a música folclórico-popular como ponto de 1 Antes de tudo, eu gostaria de dizer que foi um grande prazer poder participar da mesa-redonda de abertura do congresso inaugural da Associação Brasileira de Teoria e Análise Musical (TeMA). Acredito que isso se torna ainda mais relevante para mim por estar sendo comemorado neste ano o 60.o aniversário da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia (UFBA), instituição que já há bastante tempo tem colaborado, de modo decisivo, na formação, e também na transformação, de compositores. Por esta oportunidade, eu gostaria de expressar minha gratidão à professora e estimada amiga Dra. Ilza Nogueira, pelo convite, e ao professor Dr. Wilson Guerreiro Pinheiro, pelas profícuas discussões e pela minuciosa revisão deste texto. 2 Essas duas palavras — referencialidade e desconstrução — devem ser entendidas aqui de modo mais amplo, sem se relacionar, especificamente, ao seu significado contextualizado na filosofia de Jacques Derrida (1930-2004). 3 Idealizado por Eli-Eri Moura, a criação do COMPOMUS/UFPB foi fruto da união de seis compositores, além do próprio Eli-Eri. Nomes como Ilza Nogueira, Vanildo Mousinho, Carlos Anísio, Tom K, Didier Guigue e José Alberto Kaplan, que já atuavam no campo da criação musical, passaram a integrar o Laboratório, cuja ação imediata foi a realização de cursos de composição, ministrados inicialmente por Eli-Eri Moura e, posteriormente, por Ilza Nogueira. Portanto, foi a partir de 2003 que o ensino da composição musical alcançou seu âmbito formal na UFPB.

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partida para suas obras, pareceu-me injusto não falar também do compositor José Siqueira (1907-1985). Por esse motivo, também abordaremos aspectos gerais da música de Siqueira. A seguir, tratarei brevemente da importância de um modelo para a criação artística.

2. Composição a partir de modelos A criação a partir de um modelo sempre existiu nas diversas artes, pois é algo que está ligado ao ato de aprender por imitação. Se pensarmos na pintura ou nas diversas artes visuais, nas quais a identificação de um modelo é mais imediata e fácil de constatar, perceberemos como algumas obras se inspiram em outras. Como isso ocorre pode ser comprovado, por exemplo, nas pinturas Vênus Adormecida (1510), de Giorgio Barbarelli da Castelfranco, Vênus de Urbino (1538), de Tiziano Vecellio, Vênus Adormecida e Cupido (1625-35), de Artemisia Gentileschi, Vênus Adormecida e Cupido (1630), de Nicholas Poussin, Olympia (1863), de Édouard Manet, e A Vênus Adormecida (1994), de Paul Delvaux. Não estariam essas obras compartilhando um mesmo modelo? Algo similar ocorre na relação da pintura O Nascimento de Vênus ([1485?]), de Sandro Botticelli, com as fotografias digitais homônimas de Danil Oleinik4, Vadim Cherekhovych5,  Rodrigo Núñez6 e Jim Fiscus7 ou com a pintura The Cloisters/Birth of Venus (2002-2005), do nipo-americano Masami Teraoka8, ou então a que ocorre entre a litogravura Drawing Hands (1948), do holandês Maurits Cornelis Escher, e a fotografia tratada digitalmente intitulada MC Mechanic – Hand Fixing Hand (2007), do norte-americano Shane Willis9. Esses últimos exemplos fazem com que as obras posteriores projetem sua temática para além de si mesma, dialogando com outras obras de arte e, claro, com a memória e o poder de criar relação do observador. Em música, a utilização de modelos é de extrema importância, e está presente de diferentes maneiras. Na verdade, se observarmos boa parte do nosso aprendizado, constataremos que ela se baseia na imitação de modelos. Para verificar essa afirmação, basta darmos uma olhadela nos livros de disciplinas musicais, como, por exemplo, Contraponto 4 Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2015. 5 Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2015. 6 Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2015. 7 Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2015. 8 Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2015. 9 Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2015.

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e Harmonia. Não seria a literatura que versa sobre esses assuntos um grande banco de modelos para estudantes? Na criação musical, isso tem acontecido de diversas formas. Apenas para exemplificar como compositores utilizam algum tipo de modelo, tomemos, como ponto de partida, Mortuos Plango, Vivos Voco (1980), de Jonathan Harvey, L’Esprit des Dunes (1993-1994), de Tristan Murail, Partiels (1975), de Gérard Grisey, e Voi (Rex) (2001-2002), de Philippe Leroux. Nessas composições, diferentes tipos de modelo são utilizados como recurso para a composição, sejam eles acústicos, espaciais ou puramente metafóricos. O compositor José Alberto Kaplan acreditava que “[...] todas as linguagens artísticas são, na sua essência, sistemas que se utilizam de modelos.” (Kaplan 2006, p. 19, grifo nosso). Essa afirmação de Kaplan é significativa para a compreensão do seu modo de entender música. Numa abordagem sistêmica, por mais simples e simbólica que ela seja, temos de considerar cada obra musical, assim como qualquer obra de arte, como um sistema aberto constituído de elementos que, a partir do seu ambiente, se relacionam com outros elementos. Portanto, para Kaplan, todas as obras de arte, e especificamente as musicais, se conectam inevitavelmente com outras obras de arte, de modo consciente ou inconsciente, por parte de quem as compõe e também na memória de quem as recompõe, ou seja, o ouvinte. Kaplan acreditava que toda a obra de arte aponta para fora de si mesma, cabendo ao compositor controlar esse universo de referências. Para exemplificar isso, tomemos como exemplo uma nova peça escrita para piano solo. Essa nova peça escrita tem uma alta potencialidade de se relacionar com outra(s) peça(s) já escrita(s) para piano solo. De fato, devido à existência de grande quantidade de obras para piano solo, há uma probabilidade maior de ocorrer algum tipo de relação nesse caso do que ocorreria, por exemplo, com uma peça escrita para flautim, contrafagote e xilorimba. Isso porque o número de peças escritas para essa formação é, sem sombra de dúvidas, consideravelmente menor. Portanto, o ambiente em que essa nova peça, escrita para uma formação pouco usual, está inserida é menor, o que faz com que as relações sejam mais difíceis de ser criadas — pelo menos, sob o aspecto da instrumentação. Entre os compositores brasileiros, os modelos mais recorrentes talvez sejam aqueles oriundos da música folclórica, ou seja, rítmicos, harmônicos, texturais, tímbricos, etc. A seguir, veremos, de modo mais específico, como isso ocorre na música de diferentes compositores.

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3. Diferentes Gerações de Compositores Como dito anteriormente, o movimento composicional na história recente da Paraíba teve como ponto importante a criação do COMPOMUS. Desde sua criação, o Laboratório tem viabilizado várias ações educacionais e artísticas, como, por exemplo, a consolidação da área de composição na UFPB com a implantação dos cursos de graduação e de pós-graduação em composição e o apoio à realização de concertos e gravações. Prova disso foi a composição das obras coletivas10 “Cantata Bruta” e “Eu, Augusto”, concertos-espetáculos produzidos, respectivamente, em 2011 e 2012. No entanto, ao tratar da música de concerto produzida na Paraíba, e de seus compositores, especialmente aqueles que, de algum modo, utilizam elementos folclóricos como modelos, é inevitável não mencionar o nome do compositor José Siqueira (Sadie 1980), que atuou em diversas frentes como compositor, regente e empreendedor musical. Como compositor, ele deixou uma considerável obra que, aos poucos, vem sendo cada vez mais estudada e tocada. Prova disso são os trabalhos de pesquisa desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Música da UPFB (Vieira 2007; Andrade 2011; Queiroz 2013). O próprio Siqueira chegou a publicar material didático lançado em três pequenos cadernos, tratando, até, de aspectos de sua própria abordagem composicional. Num deles, cujo título é O sistema modal na música folclórica do Brasil, Siqueira (1981) aborda o que ele chama de Sistema Trimodal, construído a partir de três modos, a saber: modo I (mixolídio), modo II (lídio) e o modo III (que incorpora os acidentes dos dois modos anteriores), como mostra a Figura 1. Esses modos são recorrentemente encontrados em suas obras.

Figura 1: Os três modos utilizados por José Siqueira.

Da mesma maneira, ao verificar as harmonias utilizadas por Siqueira, também é possível constatar recorrências, em particular a sobreposição de segundas, quartas e quintas (Figura 2). 10 Para maiores detalhes sobre as obras coletivas Cantata Bruta e Eu, Augusto, consultar o artigo do Autor intitulado “Entre a coletividade e a individualidade: interações criativas na composição da Cantata Bruta e do espetáculo Eu, Augusto”. Artigo não publicado.

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PARTE II - TEORIAS DO COMPOR: A CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA Burlesca (1987), para piano e quinteto de metais, etc. Além dessas obras instrumentais, Kaplan escreveu canções, cantatas, peças para coro e uma pequena ópera intitulada O Refletor (1987-1988).

Figura 2: Arquétipos harmônicos encontrados na obra de José Siqueira.

Essa maneira que ele encontrou de organizar as harmonias pode ser vista, por exemplo, na I Sonata para Violino e Piano (Siqueira 1981, p. 21-28) (Figura 3).

Ao tratar de sua obra, o próprio Kaplan divide sua prática composicional em três momentos. No primeiro deles, o compositor se diz fortemente influenciado pela estética nacionalista e pelos escritos de Mário de Andrade (1893-1945). Em termos musicais, isso implicou uma música modal, permeada por ritmos com forte referência às manifestações musicais do Nordeste. Desse período, destacamos a obra Suíte Mirim, de 1978, vencedora, nesse mesmo ano, do I Concurso Brasileiro de Composição de Música Erudita da Funarte. O fato de ter sido premiado deu a Kaplan mais confiança naquilo que ele estava produzindo. Na Suíte Mirim, é possível perceber, de modo muito claro, como Kaplan faz uso do que ele chama de técnica do palimpsesto, ou seja, a técnica de escrever uma obra “por cima” de outra preservando na nova obra traços da antiga. Isso pode facilmente ser visto no primeiro movimento, uma invenção a duas vozes que ele criou utilizando como modelo a primeira das invenções de J. S. Bach (1685-1750) (Figura 4).

Figura 3: Trecho do primeiro movimento da I Sonata para Violino e Piano, de José Siqueira (compassos 28-29).

A seguir, abordaremos a música de J. A. Kaplan e Eli-Eri Moura.

3.1. José Alberto Kaplan Em 1961, o pianista argentino José Alberto Kaplan chegou à Paraíba, após um período de estudo em Viena. Contratado pela Pró-Arte de Campina Grande, Kaplan logo se estabeleceu nessa cidade, distante 133 quilômetros de João Pessoa. Em 1969, ele se naturaliza brasileiro. Apesar de ter vindo como professor de piano, foi aqui, em 1978, aos 43 anos de idade, que Kaplan se descobriu compositor. O catálogo de sua obra é extenso, e nele constam obras para diferentes forças performáticas, como, por exemplo, Concerto para Violino e Orquestra (1997), Concerto para Piano e Orquestra (1989-1990), Nordestinada (2005), para violino e piano, Suíte Mirim (1978), para piano solo, Três Sátiras (1979), para piano solo,

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Figura 4: Primeiros compassos das Invenções de J. S. Bach e J. A. Kaplan.

Em sua segunda fase, Kaplan escreve obras de maior vulto, como a sua Burlesca para Piano e Quinteto de Metais (1987), Três Peças para Trombone e Piano (1987), Sonata para Trompete e Piano (1987) e o Concerto para Piano (1989-1990). Kaplan considera esse período como sendo um retorno à tonalidade. Ao abordar a tonalidade, Kaplan utiliza como modelo a música dos compositores russos Dmitri Shostakovich (1906-1975) e Serguei Prokofiev (1891-1953) e do compositor húngaro Béla Bartók (1881-945). Nesse período, é interessante perceber como

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o material que vem da música folclórica se mistura com outros materiais provenientes de fontes musicais diversas, como, por exemplo, a música do repertório pianístico e a música folclórica judaica. Esta última era certamente significativa para Kaplan que, como o próprio nome deixa transparecer, tinha origem judaica. Esse fato também transparece pelas referências que Kaplan utiliza como modelos intertextuais, pois Shostakovich e Prokofiev são nomes que, de um modo ou de outro, abordaram elementos da música judaica. Essa foi outra maneira de levar Kaplan ao modalismo, e, talvez por ter ouvido música judaica, a música modal nordestina tenha-lhe parecido tão sensível. Em sua última fase composicional, que ocorre a partir 1991, Kaplan considerava que estava fazendo uma espécie de “retorno”, e, ao tratar desse período, chega a citar o escritor paraibano José Américo de Almeida (1887-1980) ao dizer que “ninguém se perde na volta”. Portanto, Kaplan volta ao uso de sua prática intertextual, tomando como modelo obras com referência à música folclórica e também à tonalidade. É nessa época que ele escreve estas obras: Sonata para piano (1991), Quinteto de Sopros (1994) e Partita para dois pianos (2000-2001). Desse período, destacamos o seu quinteto de cordas, intitulado In Memoriam,11 de 1992, e sua Nordestinada, para violino e piano, de 2005, última obra escrita por ele.12

PARTE II - TEORIAS DO COMPOR: A CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA Acreditamos que In Memoriam, para quinteto de cordas, é uma obra paradigmática do último período do compositor e, sob vários aspectos, sintetiza a sua prática composicional. A peça foi dedicada à sua mãe, a Sra. Lídia Novick de Kaplan, mas também é uma homenagem aos compositores Igor Stravinsky (18821971) e Béla Bartók. Nessa obra, Kaplan utiliza diferentes referências intertextuais, em especial no segundo movimento, no qual usa como modelo o famoso coral BWV 60 – Es ist genug, de J. S. Bach, e a canção iídiche Oyfn Pripetchik, do compositor russo Mark Markovich Warshavsky (1848–1907). É nesse segundo movimento que acontece algo muito interessante sob o aspecto da percepção culturalmente contextualizada. Conhecendo a música de Kaplan e o seu interesse pela música folclórico-popular do Nordeste, não é difícil para o ouvinte — especialmente para nós, brasileiros —, dizer que o compositor está utilizando a melodia da famosa canção Assum Preto, de Humberto Teixeira (1915-1979) e Luiz Gonzaga (1912-1989). Isso ocorre especialmente no compasso 8, no violoncelo, pouco antes do aparecimento do coral de Bach, como mostra a Figura 5. Portanto, o ouvinte brasileiro muito provavelmente tenderá a relacionar a peça com a canção da dupla Teixeira-Gonzaga. No entanto, o modelo que Kaplan utilizou foi outro.

Figura 4: Primeiros compassos do segundo movimento de In Memoriam. 11 Esse foi o título utilizado por Kaplan no catálogo de suas obras, constante na parte final do seu livro de memórias (Kaplan 1999). Convém esclarecer que, originalmente, o próprio Kaplan escreveu o título Três Peças Breves na capa de seu manuscrito, que, em seguida, mudou para Três Bagatelas, adicionando a seguinte nota: “Talvez o título mais apropriado seria Três Homenagens”, cujos subtítulos ele indicou da seguinte maneira: I – Ostinato (Stravinsky), II – Coral, III – Variações (Bartók). 12 Kaplan tinha ainda a intenção de escrever uma série de variações para piano solo, mas infelizmente isso não foi possível.

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Figura 5: Segundo movimento de In Memoriam (compassos 8-14).



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Portanto, Kaplan intencionalmente cria certo tipo de ambiguidade que contextualiza a escuta em dois âmbitos culturais distintos. Apesar dessa divisão em três fases, proposta pelo próprio Kaplan — talvez para mostrar apenas sua momentânea mudança de ênfase entre a música de caráter mais nacionalista e outra menos enraizada em arquétipos reconhecidamente nordestinos —, é possível percebermos em sua obra uma constante: a intertextualidade. Esse diálogo com a história da música a partir de sua própria música é algo que sempre despertou interesse em Kaplan, que foi um homem de grande cultura que professava o respeito à tradição. Acreditamos que, para Kaplan, na verdade, a intertextualidade nada mais era do que um meio pelo qual o compositor deixava transparecer dois aspectos fundamentais de sua personalidade: a sátira e a ironia. Portanto, a abordagem intertextual é uma maneira de jogar os olhos para aspectos inerentes à criação musical, como identidade, originalidade e novidade. Isso traz para a música de Kaplan um importante jogo de ambiguidades entre o que é novo e o que é velho, entre o que é Kaplan e o que não é. É interessante notar que essas duas características estão presentes na sua obra. Basta voltar a atenção para alguns de seus títulos como, por exemplo, Shosta-polka-kovich, Val-Stravinsky-sa da Esquina e Caso me esqueça(m), livro de memórias publicado em 1999.

PARTE II - TEORIAS DO COMPOR: A CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA desenvolver aquilo que chamou de música contextualizada. Isso ocorreu por volta de 1999, e, de lá para cá, são várias as obras escritas que fazem uso do que ele denominou de desfragmentação.13 Obras como Circumsonantis (1999), para quarteto de cordas, Noite dos Tambores Silenciosos (2002), para orquestra, Opanijé Fractus (2004), para quinteto de sopros, Maracatum (2005), para trio de percussão, e Circumversus (2005), para flauta, clarinete, violino e violoncelo são exemplos desse tipo de abordagem composicional. No contexto da desfragmentação, há dois procedimentos importantes que dizem respeito ao modo como o modelo, sobre o qual a peça está construída, é visto. Esses dois procedimentos, cujos títulos remetem a uma abordagem visual, são denominados de Zoom in e de Zoom out, abreviadamente Zin e Zout. Musicalmente, Zin se desdobra em notas prolongadas, como se tivesse sido realizado um procedimento de time stretching. Já no Zout, ocorre algo inverso, pois é o distanciamento da referência, e, como resultado, se desdobra naquilo que ele chama de melodia textural. Para entendermos melhor como isso ocorre, tomemos como ponto de partida a melodia apresentada na Figura 6, extraída do livro Maracatus do Recife, de autoria de Guerra-Peixe (Peixe 1955, p. 145).

3.2. Eli-Eri Moura Tendo estudado composição com Kaplan no início da década de 1980, Eli-Eri Moura tem sido personagem de grande importância no atual movimento composicional no Nordeste, especialmente na região mais ao leste, formada pelos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e, claro, Paraíba. A influência de Kaplan é facilmente percebida na produção composicional de Eli-Eri, especialmente nas obras escritas sob a orientação do seu mestre, como, por exemplo, Variações (1984), para clarinete, violoncelo e piano. Mesmo tendo ido ao Canadá, para estudar com o também argentino Alcides Lanza (*1929), na McGill University, a presença de Kaplan sempre foi algo muito forte na vida de Eli-Eri, que continuou a apresentar suas peças ao seu velho mestre. Eli-Eri Moura tem apresentado e discutido sua música em diversas palestras, cursos e textos publicados. Para ele, a utilização de modelos decorrentes da música folclórica foi um modo de sair de um cenário musical que, muitas vezes, se apresenta de modo planificado, no qual as linguagens composicionais individuais tendem a ceder lugar a um som “globalizado”. Assim sendo, Eli-Eri começou a

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Figura 6: Toada do maracatu Nas Água Verde do Má.

Na Figura 7, o compositor nos apresenta uma interpretação do Zout da melodia apresentada anteriormente.

13 É importante mencionar que Eli-Eri Moura nutre abordagens composicionais distintas àquela de sua “música de pesquisa”. É possível encontrar no portfólio do compositor obras tonais, armoriais e até eletroacústicas. Por essa sua versatilidade, Eli-Eri tem frequentemente trabalhado como compositor de trilhas sonoras para filmes, teatro e espetáculos voltados para o grande público, como a tradicional Paixão de Cristo, encenada anualmente em João Pessoa durante a Semana Santa.

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Figura 7: Ritmo e melodia texturais em trecho da obra Noite dos Tambores Silenciosos (Moura 2013).

É possível perceber como as notas da melodia são distribuídas pelos instrumentos de modo a criar uma Gestalt textural, na qual a linha melódica com hierarquia máxima cede lugar a uma construção textural na qual o peso hierárquico é distribuído pelo todo instrumental. Por outro lado, podemos visualizar nas notas sustentadas, presentes a partir do compasso 3 de Circumversus (para flauta, clarinete, violino e violoncelo), como exemplo de zoom in (Figura 8).

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Figura 8: Notas prolongadas representando o processo de zoom in (Zin) na obra Circumversus.

É importante mencionar que, para chegar a tais procedimentos, Eli-Eri não utiliza nenhum software, pois ele faz a sua própria interpretação de como as metáforas de Zin e Zout se aplicam a um dado modelo. É uma espécie de modelagem que atua entre o solfejo e a imaginação do compositor, e é parte indissociável do

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processo de composição de cada obra.

PARTE II - TEORIAS DO COMPOR: A CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA Barros Silva (*1930). Essa introdução consiste em dois arpejos, sendo o primeiro

3.3. Marcílio Onofre Após iniciar minha graduação em piano na UFPB, as músicas de Kaplan14 e de Eli-Eri Moura15 sempre me estiveram presentes, assim como seus comentários e ensinamentos. Do mesmo modo, estive próximo à música folclórico-popular. Como toda a minha família por parte de mãe é do interior do estado da Paraíba, certos tipos de música eram ouvidos com frequência, como, por exemplo, os aboios — especialmente no período de “pega do gado”, para realizar a vacinação e fazer a marcação ––, as ladainhas –– especialmente no mês de maio –– e o chamado forró pé de serra, durante as festividades juninas, em especial. Portanto, percebo hoje que a minha música encontrou a música folclórico-popular por duas vias: pela influência tácita desses mestres e pelo ambiente familiar. Talvez por essa razão, em minhas primeiras obras apresentadas, como a Toccata (2003), para piano solo, e o Capriccio (2004), para piano e orquestra, essas referências estejam presentes de modo tão claro. No entanto, o modo como os modelos decorrentes da música folclórica são utilizados foi-se alterando no decorrer do tempo. Como exemplo de minha abordagem composicional mais recente, apresentarei aqui aspectos composicionais do segundo movimento do meu Quarteto de Cordas n.º 2 – Via est Vita, cujo subtítulo é Máscara Espelho, e mostrarei como ocorreu o modus operandi composicional a partir de elementos oriundos da música popular.16 O Quarteto de Cordas n.º 2 – Via est Vita foi escrito em 2011 e está dividido em dois movimentos: I – Via est Vita e II – Máscara Espelho. O segundo movimento, especificamente, foi composto para ser apresentado no festival Virtuosi Diálogo, uma série de palestras curtas na Livraria Cultura, em Recife, em 2011. O material utilizado inicialmente para a composição da obra veio da introdução da sanfona do forró É proibido cochilar, de autoria do compositor popular paraibano Antônio 14 Em 2002, quando comecei a graduação em piano na UFPB, passei a ter contato mais próximo com Kaplan. Essa convivência ficou ainda mais estreita quando o pianista e professor da UFPB José Henrique Martins, discípulo de Kaplan, me perguntou se eu teria interesse em ajudar Kaplan na catalogação e organização de seu acervo musical, missão que aceitei de imediato. Esse período foi de grande importância para a minha formação, pois, enquanto catalogávamos caixas e mais caixas de partituras, Kaplan comentava algo sobre as obras que estavam sendo etiquetadas naquele momento, indicava-me gravações, edições, livros, e fazia comentários enriquecedores sobre a sua própria vivência. A partir desse contato, o vínculo com Kaplan se manteve até à sua morte, em 2009. 15 Conheci Eli-Eri em 2002 no contexto da sala de aula, pois ele era professor de matérias teóricas e, a partir do ano seguinte, viria a ser também o meu professor de composição no curso de extensão do COMPOMUS/UFPB. Dois anos após as primeiras aulas de composição, começamos a trabalhar juntos em diversos projetos artísticos locais, e passei a acompanhar de perto o seu processo de composição, especialmente das peças registradas nos discos intitulados Música de Câmara e Música Instrumental. 16 Onofre, Marcílio. 2014. “Aspectos composicionais do Quarteto de Cordas n.o 2 – Via est Vita”. Texto não publicado.

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deles na tônica, e o segundo, na dominante, como mostra a Figura 9. Figura 9: Melodia da introdução do forró É proibido cochilar.

Apesar da simplicidade do trecho, assim como sua falta de identidade regional, a priori, pois arpejos de tônica e dominante são encontrados amplamente na literatura, foi esse início que me chamou a atenção, especialmente pelo modo peculiar como ele era tocado numa gravação antiga do grupo Os Três do Nordeste. Ao importar a gravação desse fragmento por meio de um aplicativo de análise e manipulação de áudio, pude ter uma noção mais clara do conteúdo espectral desse trecho, especialmente quando diminuía o andamento. Foi a partir das experimentações com os softwares de análise de áudio SPEAR e AudioSculpt que comecei a separar o material para a composição. Minha ideia era que, durante a peça, esse material fosse utilizado em suas várias possibilidades de tal modo que se apresentasse sempre de uma nova maneira, apesar de ser sempre o mesmo. Daí veio a ideia do movimento, que foi construir máscaras dinâmicas por meio de diferentes tipos de manipulação do material. Uma máscara dinâmica é capaz de refletir a própria face que está por baixa dela; no entanto, o reflexo vai-se alterando no Figura 10: Etapas do decorrer do tempo. Resumidamente, as etapas do processo processo de composição. de composição podem ser vistas no diagrama da Figura 10.

Esse processo de análise e manipulação da gravação resultou num banco de material, parte do qual viria a ser utilizada no decorrer da obra. Para facilitar o nosso trabalho de escuta das várias possibilidades de manipulação, criamos um patch em OpenMusic contendo as funções mais utilizadas durante o processo de

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PARTE II - TEORIAS DO COMPOR: A CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA Alguns dos resultados dessas transformações podem ser vistos na Figura 13.

Eles foram utilizados de modo a preservar o contorno do arpejo original. Figura 13: Deformações melódicas.

Uma das maneiras como essas deformações são utilizadas pode ser vista na Figura 14. Nesse trecho, é possível ver a sobreposição das deformações melódicas

composição da obra (Figura 11).

Figura 11: Início do forró É proibido cochilar.

Ao trabalho de manipulação e análise a partir da gravação e do seu conteúdo harmônico soma-se outro processo de trabalho a partir do material da introdução. Isso ocorreu com o objetivo de alterar as relações intervalares entre as notas. Como no primeiro movimento da obra há uso de Figura 12: Distorção da melodia. microtons, empregados com o fim melódico, ou seja, de alterar sutilmente a entoação de determinados trechos, a alteração, por essa razão, ocorre de modo não temperado. Para tal fim, utilizamos um patch em OpenMusic para nos ajudar nesse processo. De fato, a grande vantagem de poder trabalhar a partir do patch foi poder ouvir cada transformação, ou deformação, melódica. Também no OpenMusic criamos uma função para distorcer o arpejo inicial, como mostra a Figura 12.

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da Figura 13. Figura 14: Trecho de Máscara Espelho (compassos 84-88).

Na Figura 15, é possível ver uma variação do procedimento mostrado na Figura

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14. No entanto, o violoncelo mantém as notas originais do arpejo. Figura 15: Sobreposição de diferentes deformações melódicas.

A pesquisa na área de composição tem tido um caráter cada vez mais interdisciplinar, sem dúvida um reflexo direto da quantidade e da facilidade ao acesso da informação em nossos dias. Basta compararmos com as ferramentas tecnológicas disponíveis no tempo de Béla Bartók. Em minha pesquisa pessoal, isso se reflete de diversos modos, tanto no universo das ideias quanto na maneira como o material é manipulado.

06. Considerações finais Neste trabalho, abordamos aspectos gerais da música contemporânea de concerto produzida na Paraíba, a partir da obra de diferentes compositores que compartilham o interesse pela utilização de modelos decorrentes da música folclórico-popular. A partir disso, pudemos perceber as diferentes soluções no emprego e no tratamento desses modelos para a criação de novas obras. É possível perceber como a referência passa a ser utilizada cada vez mais de modo mais discreto, ou seja, ela vai ficando mais escondida. É interessante notar como as músicas de Kaplan e de Eli-Eri Moura encontram a música folclórico-popular por caminhos distintos. Kaplan que, ao chegar a Campina Grande em 1961, se encantou, de imediato, pela música tocada na feira livre da cidade e assumiu uma postura composicional nacionalista, fortemente influenciado pelos escritos de Mário de Andrade e, especialmente, pela música de Camargo Guarnieri (1907-1993). Por outro lado, Eli-Eri Moura, natural de Campina Grande, reencontra a música de sua terra enquanto esteve no Canadá, durante o seu doutoramento, incorporando à sua música de pesquisa elementos do maracatu, do candomblé e da capoeira. Se, em Kaplan, é possível ouvir facilmente melodias e ritmos claramente identificáveis como tendo um caráter nordestino, em minha própria música esses aspectos são abordados de modo mais sutil. Apesar de termos enfatizado neste ensaio apenas os aspectos relacionados à música folclórico-popular, na música desses compositores há muitos outros aspectos que extrapolam qualquer relação direta com a música do Nordeste brasileiro. Em Kaplan, por exemplo, não é difícil encontrarmos exemplos disso, até mesmo em sua obra inaugural, a Suíte Mirim. Do mesmo modo, encontramos na música de Eli-Eri Moura conjuntos de classes de notas utilizados na construção daquilo que ele chama de “grid” de alturas. Mesmo tendo dividido a sua prática

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PARTE II - TEORIAS DO COMPOR: A CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA composicional em três diferentes momentos, é possível encontrar, na obra de Kaplan, aspectos que permanecem imutáveis, como a intertextualidade, o uso de modelos oriundos do repertório pianístico e o tratamento dado às melodias em que intervalos são substituídos e notas são alteradas para se encaixar num determinado modo. Também é interessante notar na música de Kaplan o uso da intratextualidade, ou seja, a reciclagem de materiais musicais já empregados noutras obras e também trechos de suas próprias músicas para compor uma nova. Pode-se constatar na música de Eli-Eri Moura uma fase de transição no uso da desfragmentação.17 Desse período de transição, destacamos o uso, por parte do compositor, de procedimento análogo ao da intratextualidade utilizado por Kaplan. Essa nova abordagem é caracterizada por um processo de reciclagem e reutilização de porções de música e de fragmentos em novas obras. Como exemplo disso, destacamos as obras Apsis18 (2014), peça concertante para violino e orquestra, e Circumfractus (2013), para quarteto de cordas. Como dito anteriormente, em minha própria música tenho buscado um tratamento cada vez mais sutil da música folclórica, procurando desenvolver processos composicionais que se conectem com as ideias por trás de cada peça, aquilo que chamo de metáforas generativas, que se projetam em vários níveis na realização musical de cada peça. Além disso, tenho utilizado recursos de composição assistida por computador para fins de análise e manipulação de arquivos de áudio. Sem dúvida, isso é uma consequência direta da facilidade com que podemos encontrar gravações de diferentes manifestações folclóricas, e isso tem despertado, obviamente, um crescente interesse por esses “diferentes” tipos de música. Se, com Kaplan, eu tento trazer para a minha própria música o aspecto multicultural, com links e referências que projetam a música para além dela mesma, com Eli-Eri eu tenho o tratamento mais sutil do material que vem do modelo da música folclórica, fazendo com que ele perpasse vários níveis da peça. Referências Andrade, Danilo Cardoso de. 2011. Concertino para Contrabaixo e Orquestra de Câmara de José Siqueira: um processo de edição, análise e redução para piano e contrabaixo. Dissertação (Mestrado em Música) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba. 17 Em palestra proferida em 2013 durante o Festival Virtuosi Século XXI, o próprio compositor afirmou que se considera num momento de “crise”, pois está buscando novos caminhos composicionais. 18 Obra encomendada pela Funarte, com estreia prevista para 2015 durante a XXI Bienal de Música Brasileira Contemporânea.

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O P E N S A M E NTO M U S I C A L CR I AT I VO

Andrade, Mário de. 1991. Aspectos da música brasileira. Rio de Janeiro: Villa Rica, Belo Horizonte. Camacho, Vania Cláudia da Gama. 2004. As Três Cantorias de Cego para piano de José Siqueira: um enfoque sobre o emprego da tradição oral nordestina. PER MUSI – Revista Acadêmica de Música, v. 9, 129 p. Gerling, Cristina Capparelli. 2006. A Sonata para piano de José Alberto Kaplan (1991) e a Tradição da Escrita Pianística. Claves, n. 1, p. 73-90. João Pessoa: PPGM/UFPB. Kaplan, José Alberto. 1994. As composições: À Maneira de Introdução. In: Encarte do CD Kaplan – Obras Escolhidas. João Pessoa: FUNESC: FBB: FCJA. ______. 1999. Caso me Esqueça(m): Memórias Musicais. Volume I (1935-1982). João Pessoa: Departamento de Produção Gráfica da Secretaria de Educação e Cultura. 301p. (Coleção Páginas Paraibanas 2). ______. 2006. Ars inveniendi. Claves, n. 1, p. 15-25. João Pessoa: PPGM/UFPB. Moura, Eli-Eri. 2003. Noite dos Tambores Silenciosos: for symphony orchestra. Tese (Doutorado em Música) – Faculty of Music, McGill University, Montreal, Canadá. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2014. ______. 2006. Processo Composicional de Desfragmentação. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA (ANPPOM), 16., Brasília. Anais... Brasília, p. 843-849. Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2014. ______. 2007. Compositional Process of Defragmentation. In: INTERNATIONAL CONFERENCE “COMPOSER AU XXIe SIÈCLE – PROCESSUS ET PHILOSOPHIES”, 28 fev. - 3 mar. 2007, Montréal (Québec), Canada. Proceedings... Montréal (Québec). Disponível em: < http://oicrm.org/ wp-content/uploads/2012/03/Moura_Defragmentation.pdf>. Acesso em: 16 out. 2014. Onofre, Marcílio. 2009. Sistema composicional complexo visando à hierarquização de unidades sonoras, sintagmas e envelopes. Dissertação (Mestrado em Música – Composição) –­ Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba. Peixe, César Guerra. Maracatus do Recife. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1955. Pinheiro, Wilson Guerreiro e Onofre, Marcílio Fagner. 2006. COMPOMUS: Agente catalizador da composição na Paraíba. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA (ANPPOM), 16., Brasília, 2006. Anais... Brasília, p. 909-911. Queiroz, Luiz Kleber Lyra de. 2013. A Ópera A Compadecida de José Siqueira: Elementos Musicais Característicos do Nordeste Brasileiro e Subsídios para Interpretação. 2013. 324 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Centro de Comunicação, Turismo e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba. Sadie, Stanley (Ed.). 1980. The New Grove Dictionary Of Music And Musicians. London: Macmillan, vol. XVII. p. 350-351. Siqueira, José. 1981. “Sistema modal na música folclórica do Brasil.” João Pessoa: Secretaria de Educação e Cultura.

PARTE II - TEORIAS DO COMPOR: A CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA

a obra musical

enquanto sistema-obra Fernando Barbosa de Cerqueira 1. Sistema-obra versus inocência do compositor

Do meu ponto de vista enquanto compositor, a obra musical é sempre concebida como um sistema, o “sistema-obra”, conceito este decorrente da compreensão de música como um “universo de sistemas”, ou um sistema cuja virtude principal é atrair e capturar outros sistemas, tanto no âmbito das tradições e vanguardas musicais quanto no senso amplo das interações entre criação musical, artes e ciências, com todas as implicações ideológicas e culturais. Este pensamento pode soar genérico e metafórico, mas é essencialmente óbvio, pois a interação de ideias, conteúdos e processos, mesmo que não seja assumida intencionalmente pelo compositor nas opções prévias de cada peça, torna-se condição irremediável do processo criativo, comprometendo desde as configurações de forma e textura até os aspectos expressivos e de comunicabilidade específica de uma obra. Aplicado a formas convencionais e fechadas ou utilizando processos livres e abertos, o “sistema-obra” é a força que caracteriza o modo como o sentido musical é apreendido e recriado pelo ouvinte, determinando, inclusive para o teórico, a direção e a trajetória de todos os elementos macros e micros percebidos, resgatáveis pela análise. Conciliando, então, os termos da temática aqui proposta, a obra musical é mais do que a resultante concreta (objetivada em partitura ou outro registro gráfico-sonoro) de uma escolha complexa: Um “sistema de ideias musicais” (relação conteúdo-forma, gênero-estilo, texto poético ou não) agregador de subsistemas (acústica e sistema temperado ou não, instrumentação, texturas) reunidos para a tarefa de solução metodológica de “problemas” (estruturação dos elementos sonoros para a criação de linearidades-verticalidades no âmbito das gramáticas), por alguém (compositor) que em algum ponto desse processo meteu a “mão na massa”.

Vieira, Josélia Ramalho. 2007. José Siqueira e a Suíte Sertaneja para violoncelo e piano sob a ótica tripartite. Opus, Goiânia, v. 13, n. 2, p. 110-128.

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