Refletindo sobre a Relação entre Proteção da Natureza e Ecoturismo em Parques

June 15, 2017 | Autor: Gapis Ufrj | Categoria: Protected areas, Ecoturismo, Turismo Em Unidades De Conservação
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Refletindo sobre a Relação entre Proteção da Natureza e Ecoturismo em Parques

Bruna Ranção Conti (Programa EICOS/IP/UFRJ) Mestranda do Programa EICOS de Pós-Graduação [email protected] Marta de Azevedo Irving (Programa EICOS/IP e INCT/PPED/UFRJ) Professora do Programa EICOS de Pós-Graduação e Pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas e Estratégias de Desenvolvimento/CNPq [email protected]

Resumo As unidades de conservação vêm sendo consideradas importantes alternativas em políticas públicas para a proteção da natureza. Porém, a implantação dos mesmos modelos provenientes dos países do Norte, ampliando a dicotomização sociedade-natureza, vem gerando um quadro de conflitos sociais, culturais e econômicos para a população que vive em áreas de inserção dessas UCs, principalmente quando estão no interior ou entorno de Parques, categoria de UC de proteção integral que representa um exemplo emblemático de cisão sociedade-natureza. Nesse contexto, o ecoturismo emerge como alternativa potencial para a minimização dos impactos econômicos sobre a biodiversidade, para a potencialização dos processos de conservação da natureza em Parques, e como oportunidade de inclusão das populações locais, com relação à geração de benefícios socioeconômicos. Para contribuir com esta discussão, o objetivo deste trabalho é discutir, preliminarmente, uma possível relação entre políticas de proteção da natureza e o ecoturismo, nas áreas de inserção de Parques. A metodologia adotada para a construção dessa análise parte de revisão bibliográfica , sobre os temas em questão. Ao final, o ecoturismo é apresentado como uma importante alternativa para a sustentabilidade na gestão em UCs, principalmente no caso dos Parques, devido à sua potencialidade para o controle de impactos sobre o ambiente e de inclusão econômica e social das populações locais, principalmente como protagonista no processo de planejamento e gestão dos Parques.

Palavras-chave Parques, Proteção da Natureza, Ecoturismo

Introdução

Desde a década de 70, a temática ambiental vem se consolidando de maneira expressiva no Brasil, e o tema da proteção da natureza passa a ser gradualmente internalizado como central em políticas públicas. E, com o objetivo de se buscar soluções para a crise ambiental, a partir do final dessa década, diversas conferências são promovidas pelas Nações Unidas e pela Comunidade Européia, e acordos internacionais são negociados para orientar a articulação entre as questões ambientais e as demandas de desenvolvimento, apontando caminhos tanto para a proteção da natureza, como para a redução da pobreza e das desigualdades sociais (IRVING, GIULIANI e LOUREIRO, 2008). Como consequência desse movimento internacional, as áreas protegidas (AP), em franca expansão no mundo, passaram a ser consideradas como importantes alternativas em políticas públicas para a proteção da natureza. Concebidas inicialmente como ¨ilhas¨ para a conservação da biodiversidade, estas foram guiadas, a princípio, pela visão preservacionista, que defende o esvaziamento humano destes espaços e a proibição do uso direto dos recursos. De forma específica, no contexto brasileiro, a consolidação do processo de criação das unidades de conservação1 (UC), seguiu o mesmo caminho das tendências internacionais, ampliando a dicotomização sociedade-natureza. E para Diegues (2000), a “implantação dos mesmos modelos provenientes dos países do Norte tem resultado em verdadeiras tragédias, não somente sociais, mas também ecológicas”. Como resultado desta concepção, a criação de Parques2 (categoria de UC de proteção integral) resulta da manifestação de inúmeros interesses contraditórios e estes constituem, portanto, exemplos emblemáticos de cisão sociedade-natureza, em políticas públicas de proteção da natureza. Frente ao quadro de conflitos gerados pela existência de UCs desta categoria, diversos autores vêm afirmando que é fundamental se pensar em alternativas que visem compatibilizar as distintas formas de uso e apropriação dos recursos naturais, por parte dos diferentes grupos sociais envolvidos, e a proteção da natureza nos territórios protegidos e guiados por uma legislação restritiva. Neste contexto, o turismo designado como “responsável” e/ou “inclusivo” (e, particularmente, o ecoturismo nos parques estaduais e federais) emerge, em tese, como alternativa significativa para a

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Unidades de Conservação são definidas no SNUC (BRASIL, 2000) como “...espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”. 2 A categoria Parque Nacional faz parte do grupo das Unidades de Proteção Integral, instituída pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em 2000, e tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

minimização dos impactos econômicos sobre a biodiversidade, para a potencialização dos processos de conservação da natureza em áreas de elevada riqueza em fauna e flora e, também, como oportunidade de inclusão das populações locais, com relação à repartição justa dos benefícios decorrentes do uso dessa biodiversidade. Sendo assim, as práticas de ecoturismo vêm sendo interpretadas, em políticas públicas, como alternativas possíveis à conversão das práticas econômicas vigentes nesses territórios, em práticas sustentáveis. No entanto, são ainda limitados os estudos e pesquisas capazes de interpretar o desenvolvimento do turismo, em sua articulação com as políticas de proteção da natureza, tendo como lócus de análise, os Parques e seu entorno. Para contribuir com esta discussão, o objetivo deste trabalho é discutir, preliminarmente, uma possível relação entre políticas de proteção da natureza e o ecoturismo, nas áreas de inserção de Parques. A importância de uma reflexão sobre o ecoturismo em Parques parte da concepção atual, em políticas públicas, que o ecoturismo pode representar uma alternativa capaz de potencializar a conservação dos recursos naturais e os benefícios socioeconômicos nas áreas de influência destas UCs. Além disso, na contemporaneidade, a natureza e seus recursos vão sendo ressiginificados, no imaginário popular, em atrativos para o turismo, o que se reflete no aumento expressivo de demandas por esses espaços protegidos, e o que justifica, ainda mais, a proposta desta reflexão. A metodologia adotada para a construção dessa análise parte de revisão bibliográfica, sobre os temas em questão.

Ecoturismo: Possibilidade Real para a Conservação dos Recursos Naturais e Geração de Benefícios Socioeconômicos para as Populações Locais?

Apesar do discurso oficial de políticas públicas no Brasil tender a enunciar o turismo como uma solução potencial para todos os problemas enfrentados pela sociedade, as estratégias e ações propostas com este objetivo são ainda desarticuladas e desintegradas dos demais setores governamentais, o que impede que seu desempenho alcance as expectativas apresentadas para o desenvolvimento do turismo contemporâneo (SANCHO, 2007). As ações públicas de fomento ao turismo tratam ainda o tema de forma linear e simplista, difundindo, muitas vezes, um tipo de turismo massificado que tende a comprometer a dinâmica social local e as condições ambientais, e descaracterizar a herança cultural das populações locais3. E, na maioria dos casos, o que se observa é que o modelo vigente de desenvolvimento do turismo tende a privilegiar a sua vertente econômica, diante das demandas de uma sociedade capitalista e globalizada. Interpretado exclusivamente como fonte de geração de emprego e renda, o turismo, nos moldes vigentes, acaba por negligenciar as questões sociais, culturais e ambientais envolvidas nesse processo. Tal problema se agrava quando esses benefícios econômicos não são revertidos para a população local, que se vê subordinada a uma situação de exclusão dos processos decisórios. Para Fraser (2007) as desvantagens econômicas destes grupos humanos impedem sua participação nas esferas públicas, resultando, frequentemente, em um ciclo vicioso de subordinação cultural e econômica, no qual alguns grupos são prejudicados, em detrimento de outros. Nesse sentido, esse modelo de turismo baseado prioritariamente nos pressupostos econômicos, implica em destruição de dois mecanismos importantes para a vida humana: a manutenção dos recursos naturais e o desenvolvimento das populações dos destinos turísticos. Luchiari (2000) aponta que este modelo constitui um dos principais obstáculos para a promoção da participação efetiva de todos os atores sociais nos projetos de turismo. Porém, a autora afirma que, segundo uma nova ordem mundial de desenvolvimento, em busca da sustentabilidade econômica, ambiental e sócio-cultural, o turismo passa a exigir a atribuição de novos papéis à população local, e uma política de inclusão, principalmente em áreas mais sensíveis. Nesse sentido, Irving (1999) analisa a problemática da participação social como garantia de sustentabilidade em projetos de turismo. Para a autora, a população que vive no interior ou no entorno de áreas protegidas, deve estar apta a participar do planejamento do turismo deste o início do processo, e desenvolver um real contato com os visitantes, melhorando suas

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Os autores afirmam que o poder público vem apostando no setor turístico como um fator de equilíbrio das contas externas e de promoção do desenvolvimento regional para o Brasil, com criação de postos de trabalho e fortalecimento da infra-estrutura. Porém, o incremento do turismo, apoiado por políticas públicas, não trouxe os benefícios potenciais prometidos para essas populações locais.

condições, sem dissolver-se como cultura. Assim, a participação da população do local no planejamento de qualquer iniciativa turística, constitui um pressuposto decisivo para o êxito do próprio turismo. Nesse caminho, Bursztyn, Bartholo e Delamaro (2009) afirmam que essa nova concepção de desenvolvimento do turismo reforça a centralidade dos atores e do saber local no processo de transformação de sua realidade. A análise sobre essas questões incentiva a adoção de uma nova forma para se pensar o desenvolvimento do turismo, pautado em uma visão mais humana que mercadológica, principalmente quando desenvolvido em áreas naturais protegidas. Uma possível alternativa, nesta direção, pode ser a promoção do ecoturismo, caracterizado como “um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas” (BRASIL, 1994, p.19). É importante também enfatizar que a entrada do turismo na agenda ambiental mundial ocorre a partir das décadas de 1970 e 1980, quando o turismo passou a incorporar, em sua expansão, a preocupação ambiental, e na mesma época em que o movimento ambientalista conquista muitos adeptos a favor da proteção da natureza. Neste momento a questão ambiental passa a fazer parte das preocupações de diferentes instâncias políticas globais, envolvendo desde governos locais até os grandes organismos internacionais, e entrando, definitivamente, na agenda dos grandes temas estratégicos mundiais4. Nesse sentido, o ecoturismo passa a ser interpretado como alternativa potencial às formas convencionais de planejamento do turismo (baseadas em sua vertente econômica), principalmente quando desenvolvido em áreas naturais protegidas (MORAES, 2009). Reafirmando este argumento Irving (2002) discute que as práticas de ecoturismo vêm sendo interpretadas, em políticas públicas, como alternativas potenciais à conversão das práticas econômicas vigentes nesses territórios, em práticas sustentáveis, a favor da conservação dos recursos naturais e geração de benefícios para as populações locais. Apesar dos discursos oficiais de políticas públicas reafirmarem, gradualmente, o ecoturismo como uma possível alternativa para o desenvolvimento5 do país, Benevides (2002) discute que o único meio para se efetivar esta proposta, seria equalizando cinco objetivos: a) preservação/conservação ambiental, b) manutenção da identidade cultural, c) geração de ocupações produtivas de renda, d) desenvolvimento participativo, e) qualidade de vida.

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Isso ocorre, principalmente, a partir da publicação do Relatório Bruntland. Publicado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, em 1987, o Relatório chamou a atenção do mundo sobre a necessidade de se buscar novas formas de desenvolvimento, que atendesse as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de atenderem as suas próprias necessidades (CMMAD, 1991). 5 A noção de desenvolvimento tem sido, em geral, interpretada com base em uma perspectiva economicista que a vincula à noção de prosperidade e a associa ao processo de produção de riquezas, e ao crescimento econômico das nações (BURSZTYN, BARTHOLO e DELAMARO, 2009).

Porém, compatibilizar tais objetivos para o planejamento e a gestão do ecoturismo em AP6, e principalmente nas UCs, representa, atualmente, um dos maiores desafios para o Brasil, principalmente quando se considera, por meio dos dados globais sobre biodiversidade, que o Brasil é um dos 12 países mais megadiversos, abrigando de 15 a 20% das espécies vivas do planeta (IRVING, 2002). Para uma melhor contextualização da temática em foco, no presente trabalho se adota o conceito de ecoturismo proposto pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) que envolve:

viagens ambientalmente responsáveis com visitas a áreas naturais relativamente sem distúrbios, para desfrutar e apreciar a natureza, juntamente com as manifestações culturais do passado ou do presente que possam existir, e que ao mesmo tempo promove a conservação, proporciona baixo impacto pelos visitantes e contribui positivamente para o envolvimento socioeconômico ativo das populações locais (CEBALLOSLASCURÁIN, 2002, p.27).

No plano nacional, para a Embratur (1994) o ecoturismo é conceituado como ¨um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem estar das populações envolvidas¨. Dessa forma, o ecoturismo, conceitualmente, não é apenas interpretado como uma viagem orientada para a natureza, mas também constitui uma nova concepção de turismo, tanto como prática social como alternativa econômica. Assim, conforme discutido por Irving (2009), o ecoturismo é fenômeno social e tem também como objetivo viabilizar a melhoria das condições de vida das populações receptoras, ao mesmo tempo em que visa minimizar os impactos sobre os recursos naturais e culturais. Porém, Sansolo (2009) afirma que, embora o Brasil ainda possua a maior biodiversidade do planeta, e esta represente, em tese, um grande atrativo para o turismo nacional e internacional, ainda não se expressa no país a condição necessária para se garantir o equilíbrio entre o processo de conservação da natureza e o desenvolvimento do turismo. Este autor afirma que o país se caracteriza por uma elevada diversidade de paisagens, mas sua proteção não está assegurada pelo desenvolvimento do turismo, uma vez que a natureza é ainda interpretada como ¨mercadoria¨. Nesse sentido, Neiman, Mendonça e Schlindwein (2008) alertam para o perigo da lógica do turismo em sacralizar a natureza, para torná-la mais ¨vendável¨, já que o romantismo provocado pela aproximação com a natureza, a transforma em ¨campo mitificado¨ como compensação à vida frenética da cidade.

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As áreas protegidas, no caso brasileiro, incorporam as unidades de conservação, terras indígenas, reservas quilombolas, além de áreas de preservação permanente e reservas legais.

Ecoturismo em Unidades de Conservação: a busca pelos Parques

No plano global, o ecoturismo teve um incremento mundial no final dos anos 80 e início dos 90 e, a partir de então, passou a integrar também o mercado brasileiro (MORAES, 2009). Na mesma época, houve um aumento no número de UCs brasileiras, e entre elas, vários Parques7, categoria de manejo que, segundo Costa (2002), constitui a principal oferta para o ecoturismo no país. Vale ressaltar que, a criação de Parques, uma categoria de UC de proteção integral prioritária para o desenvolvimento do ecoturismo, ocorre no contexto da manifestação de inúmeros interesses ambientais, econômicos, sociais e culturais. Embora o objetivo central dessas áreas seja a proteção da natureza, nelas é possível o desenvolvimento de pesquisa, educação e interpretação ambiental, recreação e o turismo em contato com a natureza. Sendo assim, a apologia ao turismo tem sido utilizada como um dos principais argumentos para conquistar adeptos para a causa de criação e manutenção desses Parques, ancorada nos benefícios que esta atividade desencadearia para a conservação e utilização sustentável da biodiversidade (RODRIGUES, 2009). Ceballos-Lascuráin (apud IRVING, 2002) menciona também a tendência crescente do turismo em Parques e Reservas8, e um aumento de interesse pelas regiões naturais menos impactadas, como resultado do aumento global de interesse por temas ambientais. Por esta razão, Irving (2002) afirma ser absolutamente necessário se articular o enfoque de conservação dos recursos naturais com o desenvolvimento de estratégias econômicas de baixo impacto ambiental, entre as quais, o ecoturismo. Isto porque, nessa lógica, o desenvolvimento do ecoturismo pode ter papel estratégico no processo de conservação da biodiversidade e geração de benefícios socioeconômicos para as populações locais, com base em três pressupostos centrais: fonte de financiamento para o desenvolvimento e manutenção de áreas de importante valor cultural e ambiental; potencial de catalisador para o desenvolvimento econômico local; e mecanismo de viabilização de intercâmbios internacionais necessários e benefícios globais em nível nacional. Ceballos-Lascuráin (apud IRVING, 2002) ressalta ainda que o Brasil, apesar de ser um dos 12 países mais megadiversos e dispor de uma enorme diversidade de UCs e ecossistemas em seu território, ainda não ocupa uma posição de destaque no ranking turístico, entre os países em desenvolvimento da América Latina que já possuem o ecoturismo como um importante elemento de políticas públicas. Isso reflete seu potencial no país, como alternativa para a geração de recursos e o desenvolvimento regional. O autor defende também que o ecoturismo, se bem gerenciado, pode ter um papel sem precedentes no processo de conservação de área naturais e geração de benefícios às populações locais.

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A discussão neste artigo não visa detalhar ou diferenciar o contexto entre os Parques nacionais e estaduais. O autor prevê um incremento do ecoturismo em mais de 10% ao ano nessas áreas protegidas.

Porém, uma questão que emerge com o crescimento do ecoturismo em Parques, é como garantir que os recursos derivados da visitação e/ou acesso a estas unidades de conservação sejam efetivamente aplicados em conservação da biodiversidade e em benefícios diretos às populações locais? Irving (2002) afirma que estudos realizados em áreas naturais brasileiras, de forte apelo ecoturístico, ilustram a tendência global de exclusão das populações locais, com relação aos benefícios gerados. Sendo assim, se por um lado o retorno financeiro do ecoturismo pode ser elevado, por outro, o sobreuso de áreas naturais protegidas constitui um sério risco ao seu equilíbrio natural, uma vez que gera impactos ambientais e sociais, não só no núcleo onde se desenvolve, mas também em todo seu entorno. Irving (op.cit.) destaca ainda outros dois obstáculos para o desenvolvimento do ecoturismo no Brasil: a limitação de recursos humanos qualificados, e a limitada infra-estrutura disponível nas UCs. A autora aponta também, como dificuldade para o processo, o fato dos órgãos governamentais dificilmente atuarem, em conjunto, no local de inserção de uma UC, o que gera conflitos de políticas públicas e uma atuação institucional distante da realidade local, o que é agravado por não existir um mecanismo sistemático de integração entre os órgãos federais, estaduais e municipais, com atribuição na gestão de unidades de conservação. Este descompasso tende a produzir ações segmentadas e pouco efetivas com relação à conservação de áreas de elevada biodiversidade. A autora destaca que “esse conjunto de posturas e limitações institucionais impediu, durante muito tempo, a discussão da perspectiva de gestão compartilhada das áreas protegidas, com um maior engajamento da comunidade local na tomada de decisões” (IRVING, 2002, p.60). Portanto, “sem a definição de um novo modelo de ação integrada interinstitucional com base local, o desenvolvimento do ecoturismo vinculado às UCs tende a ser lento e problemático” (IRVING, op.cit.). Neiman e Patricio (2009, p.102) reconhecem também que:

quando o ecoturismo promove o contato das pessoas com as áreas protegidas, garantindo assim maior visibilidade da importância da sua conservação, chamando a atenção para os seus problemas ao mesmo tempo em que aumenta o poder de fiscalização contra agressores e incentiva a união de todos diante de eventuais tentativas de inviabilizá-las, por si só seria um avanço no reconhecimento da atividade como prática conservacionista. Isolar áreas naturais do olhar da sociedade pode parecer, para os preservacionistas mais radicais, a melhor medida para garantir existência da fauna e da flora ameaçadas. Porém, ao contrário, essa medida só as torna espaços sem relação com a vida da comunidade, não há um sentimento de territorialidade, o que em última instância gera descaso com seu destino. O sentido de patrimônio comum, do que pode ser desfrutado por todos e que cabe a todos conservar, só se dissemina se essas áreas protegidas puderem gerar vínculos afetivos com quem deve zelar por elas. O turista, aliado à educação ambiental, é, portanto, ferramenta indispensável em qualquer estratégia, pública ou privada, de busca da sustentabilidade.

Mas, reforçando o argumento em favor do ecoturismo, Neiman, Mendonça e Schlindwein (2008) afirmam que este representa, na atualidade, uma alternativa turística pode funcionar como meio de aproximação entre o ser humano e a natureza, principalmente em Parques Nacionais, e enfatizam que o ecoturismo pode também ter um caráter educativo. Nesse caso, o ambiente natural precisa deixar de ter apenas valor utilitário ou comercial e passar a se associar a valor de herança, contribuindo para a construção de representações e significados no imaginário social e para a transformação da relação do ser humano com o ambiente natural.

Conclusão

Pelas razões discutidas, o ecoturismo, entendido como modalidade sustentável de turismo, pode representar uma alternativa possível para a conservação da natureza e geração de benefícios socioeconômicos para as populações locais, sobretudo por considerar os princípios de mínimo impacto e o compromisso de participação das populações envolvidas no processo, no que tange aos benefícios socioeconômicos gerados e ao processo de tomada de decisões. Além de se constituir em uma importante alternativa econômica, o ecoturismo busca também o fortalecimento da cultura tradicional e a redução da pressão sobre os recursos naturais renováveis, principalmente quando desenvolvido em unidades de conservação (IRVING, 2002; MORAES & IRVING, 2007). Sendo assim, Déjardin (2009) conclui que o ecoturismo é uma importante alternativa para a sustentabilidade na gestão em UCs, principalmente no caso dos Parques, devido à sua potencialidade para o controle de impactos sobre o ambiente e de inclusão econômica e social das populações locais. Todavia, um planejamento inadequado e a ausência de uma gestão local, aumentam consideravelmente as probabilidades para o seu insucesso. Com esta nova inspiração, o desenvolvimento do ecoturismo exige a incorporação de princípios e valores éticos, uma nova forma de pensar a democratização de oportunidades e benefícios, e um novo modelo de implementação de projetos, pautado em parceria, co-responsabilidade, ética e inclusão social (IRVING, 2002). Nesse sentido, o ecoturismo em Parques pode representar uma alternativa possível também para a melhoria de qualidade de vida da população local, se os benefícios socioeconômicos gerados por ele, se relacionarem ao compromisso de conservação do patrimônio cultural e natural e permitirem que a população local seja inserida como protagonista no processo de planejamento e gestão de Parques (IRVING, 2008). Mas segundo a autora, alguns obstáculos precisam ser superados para o desenvolvimento do ecoturismo nestas áreas: 1) a limitação de recursos humanos qualificados; 2) a limitada infra-estrutura disponível nas UCs; e 3) o fato dos órgãos governamentais dificilmente atuarem em conjunto no local de inserção de uma UC, o

que gera conflitos de políticas públicas e uma atuação institucional distante da realidade local. A autora afirma ainda que tais obstáculos são agravados por não existir um mecanismo sistemático de integração entre os órgãos federais, estaduais e municipais, com atribuição na gestão de unidades de conservação, o que acaba por produzir ações segmentadas e pouco efetivas, com relação à conservação de áreas de elevada biodiversidade. Por todas estas razões, o ecoturismo em parques representa, ainda, no Brasil, uma potencialidade a ser consolidada nos próximos anos. E para que se torne realidade, é fundamental que este não seja apenas entendido na lógica romântica de viagens à natureza, mas como fenômeno complexo, com inúmeras implicações nos planos ambiental, social, econômico, político e, principalmente, ético.

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