Reflexão metapoética de Diogo Bernardes em \"O Lima\" e a poética clássica

May 28, 2017 | Autor: C. Martins | Categoria: Poética, Diogo Bernardes
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Reflexão metapoética de Diogo Bernardes em O Lima e a poética clássica José Cândido de Oliveira Martins* Universidade Católica Portuguesa – Braga Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos (CEFH) [email protected]

Abstract The Poetry of O Lima by Diogo Bernardes [1596] – comprising two genres, eclogues and letters – stands out by its scattered meta-poetic reflection. Over several compositions there is a clear presence of a continuous reflection on some of the most recurrent issues of the centuries old classical poetics, such as those relating to the nature, function and origin of the poetic word. In this paper, the aim is also, on the one hand, to explain this meta-poiesis within a recognized sixteenth century republic of letters, in the form of a inter-literary community; and on the other, to trace some possible poetic-doctrinal issues. Keywords :  Diogo Bernardes, inter-literary community, meta-poiesis, O Lima, poetics, republic of letters

1. República das letras, comunidade interliterária e metapoesia Neste texto, propomo-nos analisar o modo como o poeta quinhentista português Diogo Bernardes (1530 – c. 1596) reflecte, assídua e dispersamente, nos seus versos d’O Lima, sobre a própria natureza da linguagem poética. Procuraremos articular essa característica marcante da sua obra literária – metapoesia – com a existência de uma república das letras renascentista e do seu prolongamento em estilos de época subsequentes, à sombra de uma matriz classicista. Por isso, este ponto de partida impõe uma conceituação prévia destes conceitos. Assim, entendemos por metapoética uma reflexão da literatura sobre si mesma, no sentido da indagação sobre a sua natureza ou legitimação no espaço público. Por outras palavras, trata-se de poesia sobre o próprio acto poético, dentro da opção mais lata da metatextualidade (cf. Genette, 1982, p. 10), na medida em que toda a reflexão mais ou menos racional sobre o fenómeno literário é de natureza metaliterária ou metatextual – texto sobre outro texto, literários neste caso, incidindo a sua atenção sobre o próprio fazer (poiein) poético-literário. Discurso de auto-consciência crítica, a metapoesia tem sido muito usada desde sempre, dos antigos aos autores modernos e contemporâneos, como Fernando Pessoa, T. S. Eliot ou João Cabral de Melo Neto, entre tantos outros. *  Estudo desenvolvido no âmbito do PEst-OE/FIL/UI0683/2011, projeto estratégico do CEFH financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

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Decisivamente, esta modalidade de escrita marcada pela auto-reflexividade é tão antiga quanto a literatura (cf. Huber, 2005). No século XVI, esta atitude reflexa da poesia ou da literatura sobre si mesma é indissociável da existência de uma influente república das letras com aguda consciência teórico-doutrinária. República das letras é entendida aqui como espaço intelectual que unia uma vasta comunidade supra-nacional de homens de letras, num influente conjunto clercs sem igreja, sejam eles artistas, teólogos, latinistas, diplomatas, poetas, retóricos, etc. Trata-se de uma comunidade de letrados à sombra de comuns conceitos estéticos e teóricos (de Platão, Aristóteles ou Horácio), bem como de reconhecidos valores humanistas comuns, partilhados por espíritos superiores dados ao ócio da escrita (otium scribendi), e norteados por uma panharmonia universal. Numa visão supra-nacional, estes letrados humanistas consideravam as artes ou as humanidades (humanae litterae ou humaniores litterae) e os respectivos valores – de conhecimento, de igualdade e de tolerância – como um bem comum da humanidade (res publica), ao serviço do ideal ou utopia renascentista e humanista de um mundo melhor. Esta comunidade intelectual ou espiritual, actuante na Europa do Renascimento – sobretudo em países como Itália, França, Espanha ou Portugal, a partir do século XV, mas já antes inaugurada por Francesco Petrarca – manifestava uma enorme admiração pelo modelar legado literário e estético greco-latino. No campo da teoria literária, destacavam-se a já conhecida Ars Poetica de Horário; e a recém descoberta Poética de Aristóteles, objectos de uma vastidão de edições, paráfrases e comentários (cf. Weinberger, 2003, pp. 224 ss.). Imbuída desse ideário cultural, num profundo espírito de diálogo, a república das letras dinamizava diversas academias ou escolas (scuoles), bem como um fecundo intercâmbio e circulação de publicações. Ao mesmo tempo, esta comunidade de sábios humanistas (aristocracia da inteligência) mantinha uma intensa troca de correspondência epistolar, reveladora do perfil desses espíritos cultivados, numa extensa e actuante respublica literária.1 Ora, após um prolongado processo de interpenetração da Poética e da Retórica – de literaturização da Retórica e de retorização da Poética –, e enquanto conjunto de princípios (“praecepta”) e de códigos estético-literários orientadores da criação, a teoria literária da poética clássica é indissociável deste espaço intelectual de profundo intercâmbio de ideias culturais. Nesta atmosfera cultural, um dos topoi mais recorrentes da Cf. H. Bots & F. Waquet (1997); e M. Fumaroli (1988). A intensa doutrinação poética do Classicismo renascentista, com a re-descoberta de vários clássicos antigos, concorre para a configuração da teoria literária moderna, sobretudo à sombras das inumeráveis paráfrases e comentários de Aristóteles e de Horácio, como amplamente demonstrado pelos estudos de Antonio García Berrio (1977); e ainda A. García Berrio e T. Hernández Fernández (1988, p. 24 ss.); e o recente estudo de Belmiro Fernandes Pereira (2012). Neste sentido, pela intensa reflexão poético-doutrinária, não surpreende que alguns estudiosos tenham considerado o Renascimento e o século XVI em particular como a idade da crítica. 1 

Nicolas Poussin (1594-1665).  L'inspiration du poète lyrique

poética clássica ou classicista – a origem divina da poesia – está exemplarmente representado no famoso quadro do francês Nicolas Poussin, “L’inspiration du poète”.2 Atraído por uma Roma idealizada e recuperando o reiterado simbolismo da alegoria mitológica, o célebre pintor celebra, em tonalidade de luz dourada, o tema da sacralidade da inspiração literária. Sob a dupla invocação de Apolo e da Musa da poesia   O conhecido quadro de Nicolas Poussin (1594-1665) data de c. 1630 – óleo sobre madeira, 182,5 × 213 cm; Musée du Louvre, Paris. Demonstrando uma preferência pelo referido tema, data de 1627 outro quadro do mesmo pintor, “L’inspiration du poète lyrique” (óleo sobre madeira, 94 × 70 cm, Niedersächsisches Landesmuseum, Hannover. Discorrendo sobre a prevalência multissecular da Grande Teoria estética de matriz clássica, Wladyslaw Tatarkiewicz (1997, p. 160) recorda como Poussin reafirmara algumas das categorias da categoria clássica de beleza, reabilitada pelo Renascimento: “la idea de belleza se materializa si tiene orden, medida y forma”. 2

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épica (Calíope), figuras clássica e escultoricamente delineadas, a invocada e platónica inspiração materializa-se quer na coroa de louros sobre a cabeça do poeta (Virgílio) – imagem modelar dos celebrados poetas e humanistas de Quinhentos (filhos de Apolo) – poeta que, à direita do deus da Poesia (Apolo), olha enlevadamente o céu e a glória futura; quer na figuração do deus da lira orientando com a mão o processo da escrita. Porém, consabidamente, já antes humanistas como Marsilio Ficino tinham exposto a sua teoria neoplatónica dos divinos furores (cf. Naves, 1998, 230 ss.). Situada miticamente numa Arcádia elitista e pastoril – idílica idade de ouro, tantas vezes artisticamente representada (da pintura à poesia e à música) –, esta alta e aristocrática concepção de poesia na nova ordem cultural advogava o primado da imitação dos celebrados modelos clássicos greco-latinos, convalidados pelos autores modernos, numa prolongada revolução humanista que marcou profundamente a cultura moderna e as élites europeias, estendendo-se, de Petrarca a Erasmo, por mais de três séculos (cf. Rico, 2002, p. 103). Neste contexto espiritual, os códigos estéticos, as regras compositivas e a teoria da expressão figurada, bem como certa tópica recorrente, a par da temática dominante de cada género – procedimentos essenciais para atingir esse desiderato da palavra poética divinamente inspirada –, perfaziam uma arte poética e um sistema literário amplamente partilhados por uma rede alargada, sob a forma de comunidade interliterária supranacional.3 As múltiplas afinidades, convenções e intercâmbios dessa comunidade interliterária, nomeadamente ibérica e mediterrânica – assumidamente poliglota e com ascendente do sistema literário castelhano, constituída por Portugal e Espanha, e tendo em Itália uma forte matriz inovadora – eram partilhadas por uma seleccionada estirpe de intelectuais, humanistas e homens de letras. Estes letrados mostravam-se apostados em dar forma ao sonho humanista de uma cidade ideal ou mundo novo, que, no quadro geral dos studia humanitatis, reconheciam a centralidade da palavra e, em particular, da literatura – da eloquência retórica, passando pela poética, até à moderna filologia (cf. Ibid., p. 33). Acentuando a ideia da sacralidade da escrita e da actuante função do escritor letrado, esta estética do sublime clássico opera ainda uma síntese entre o divino da herança pagã e da mundividência cristã, entre passado e presente, sobretudo através do cultivo das bonae litterae.4

  Cf. D. Durisin & A. Gnisci (2000); e V. Aguiar e Silva (2007), quando se debruça sobre o lugar de Luís de Camões no seio da comunidade interliterária luso-castelhana, após salientar a pertinência e a fecundidade do conceito de comunidade interliterária no domínio do comparatismo literário. 4   É neste contexto que se compreendem os repetidos panegíricos das letras ou artes liberais (laudes litterarum), em que se destacam a Retórica e a Poética, num insistente elogio, onde se vincula a arte da palavra e a sapiência à sombra da dignitas hominis; e se louva a centralidade da res litteraria como base da formação do homem culto moderno e da sua esperada actuação na polis (cf. Rico, 2002, pp. 165 ss.). 3

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Ao mesmo tempo, convém lembrar que o classicismo renascentista português é ainda herdeiro de uma rica tradição poética anterior (trovadoresca e palaciana), cuja medida velha não foi de todo abandonada, com ecos na composição literária de Quinhentos. Porém, e ao contrário do que aconteceu sobretudo no espaço da referida comunidade interliterária mediterrânica, com o advento de novas orientações estéticas de proveniência sobretudo italiana, o século XVI literário português não se materializou numa abundante especulação teórica ao nível das artes poéticas, como acontecerá posteriormente na tradição classicista que se estende até pelo menos Setecentos, mau grado o fecundo intercâmbio dos intelectuais e humanistas do tempo e do seu conhecido diálogo com reputados mestres europeus. Contudo, essa escassez não significa obviamente falta de consciência estético-literária. Em todo o caso, o Portugal de Quinhentos assume-se como centro relevante da política europeia e do diálogo intercultural. Por isso, na supranacional república das letras da segunda metade de Quinhentos eram naturalmente conhecidos diversos tratados poético-doutrinários, sobretudo em Itália e em Espanha, quer no original (grego ou latino), quer em traduções para as línguas vernáculas (português, espanhol, francês, italiano). De orientação classicista e humanista, eram teorias poéticas relevantes pela sua dupla funcionalidade descritiva e prescritiva, ao nível da actividade compositiva, bem como da interpretação crítica – como os influentes tratadistas italianos da segunda metade de Quinhentos, Francesco Robortello, Antonio Sebastiano Minturno, Julio Cesare Scaligero ou Ludovico Castelvetro (cf. Weinberg, 1961; 2003); os espanhóis, com uma crescente subordinação da poética à doutrinação retórica – Juan del Encina, Juan Luis Vives, Antonio Llull, Antonio de Nebrija e Francisco Sánchez de las Brozas, el Brocence, sem esquecer as anotações exegéticas às obras de autores como Garcilaso de la Vega, nomeadamente as de Fernando de Herrera.5 Contemporâneo de Diogo Bernardes, e ainda dentro dessa alargada e culta comunidade literária, merece referência o breve tratado do português exilado Miguel Sánchez de Lima, El arte poética en romance castellano, de 1580, mas com autorizações de impressão datadas de 1576.6 No caso português, destaquem-se também os trabalhos de tradução e de paráfrase da poética horaciana de Aquiles Estaço (1553) e de Tomé Correia (1587).7 5   Como sistematizado por Manuel Asensi Pérez (1998, pp. 247-248) ou Carmen Bobes (1998, pp. 229 ss.). Com óbvio destaque para a fecundidade teórico-doutrinária do Siglo de Oro espanhol, logo a partir da transição para a centúria de Seiscentos, de que é exemplo a obra de Francisco de Cascales, Tablas Poéticas (cf. García Berrio, 2006). 6   Cf. Aníbal Pinto de Castro (2002); e Massaud Moisés (1997, pp. 79-81). Para uma panorâmica da teorização literária da época, na variedade das suas fontes antigas e modernas, é ainda útil o estudo de Karl Kohut (1973, pp. 16 ss.). Garcia Bérrio (2006, p. 169) considera Sánchez de Lima um dos “preceptistas oficiales” da teoria literária quinhentista. 7   Cf. Aníbal Pinto de Castro (1973, pp. 50-51 e 57-60 passim); Massaud Moisés (1997, pp. 79 e ss.) Sem esquecer as poéticas ainda inéditas, escritas em português, como a de D. António de Ataíde, conde

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Com efeito, para o ideário clássico-humanista, são por demais visíveis as influências da multissecular matriz doutrinária de Horácio; mas igualmente do legado teórico-poético de Platão e de Aristóteles, cuja divulgação europeia conheceu consabidos desfasamentos temporais; sem esquecer a não menos influente doutrinação poético-retórica de Cícero ou de Quintiliano, também centrais na perdurável lição humanista. As duas influentes matrizes  –  a consolidada tradição greco-romana e os modernos tratadistas nela inspirados – eram por demais conhecidas e intensamente comentadas e parafraseadas no seio da influente ccultura e pedagogia humanistas, pelo considerável número quer de traduções, glosas e comentários, numa riquíssima e erudita actividade filológica; quer pelas novas artes poéticas assumidamente vinculadas aos modelos antigos.8 Em todo o caso, não podemos individualizar um autor português, espanhol ou italiano com o qual a escrita de Diogo Bernardes mantenha uma relação estético-doutrinária privilegiada ou expressamente visível. Embora, no âmbito da referida poética (ou metapoética) implícita e difusa seja mais visível a imitatio de autores como Jacopo Sannazaro ou Garcilaso de la Vega, dada a progressiva hegemonia da literatura castelhana na comunidade interliterária peninsular, sem obviamente esquecer a preponderância da fecunda recepção italianista. Mais propriamente, como veremos, a reflexão metapoética de Diogo Bernardes demonstra sobretudo a assimilação de um conjunto eclético de influências teóricas que circulavam nesse dinâmico sistema interliterário de matriz clássica.9 Eram concepções estéticas muitas vezes colhidas através de influentes mediadores teóricos ou doutrinadores reconhecidos, como os admirados Francisco Sá de Miranda ou António Ferreira que, no caso português, detinham um manifesto ascendente poético-doutrinário na república das letras da segunda metade de Quinhentos. Ora, como sugerido, uma das mais interessantes singularidades do livro de poesia de Diogo Bernardes, O Lima (1.ª ed., 1596), reside precisamente na existência de uma assinalável reflexão metapoética. Os códigos compositivos dos dois géneros poéticos que constituem esta obra – Éclogas e Cartas, com destaque para o segundo – pelas características decorrentes da sua tradição e natureza dialógica, prestam-se à inclusão de frede Castro d’Aire, escrita possivelmente entre finais de 1599 e o início de seiscentos, aguardando-se a sua próxima edição e estudo crítico. Como nos é demonstrado pelos estudos de Bernard Weinberg (2003) e nos lembra o referido M. Moisés (1997, p. 133), não podemos ignorar “a massa de textos doutrinários portugueses, elaborados ao longo do século XVI”, que, no entender do autor, “é bem mais vultuosa do que se poderia supor à primeira vista”. 8   Cf. Jean Bessière (1997, pp. 119-162); como nos é demonstrado nos aprofundados estudos de Antonio García Berrio (1977, 1980 e 2006); e sobretudo Bernard Weinberg (1961 e 2003). 9   Acrescente-se o aprofundado volume coordenado por Maria José Vega Ramos, significativamente intitulado Idea de la lírica en el Renacimiento (entre Italia y España), sobretudo as páginas introdutórias – “Hacia una poética de la lírica en el Renacimiento” (cf. Vega Ramos, 2004, pp. 15-43), entre outros relevantes capítulos sobre a teorização literária da época.

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quentes considerações estéticas sobre matéria poética (ainda que dispersas e difusas), mesmo quando inflecte alguns códigos do classicismo renascentista rumo a uma mundividência maneirista. Deste modo, estamos perante uma poética implícita, fragmentária e disseminada, num livro que reúne uma parte significativa da produção bucólica do chamado poeta ou “cantor do Lima”, face à dominante lírico-amorosa das Rimas Várias, Flores do Lima (1597), e à natureza mais religiosa das “pias rimas” das Rimas Várias ao Bom Jesus (1594). Ilustremos, sumariamente, alguns dos motivos ou códigos do sistema poético do tempo, que nos parecem mais relevantes nessa reflexão metapoética de Diogo Bernardes em O Lima. Por razões de brevidade e de sistematização, fazemo-lo a partir do seguinte esquema, estruturador de três grandes núcleos temáticos da tradição doutrinária das artes poéticas – (i) fonte da poesia; (ii) natureza da poesia; e (iii) função da poesia –, correspondentes a relevantes códigos da poética clássica.10 Essa é, pois, a questão central do texto que se segue – analisar o modo como a escrita de o autor d’O Lima reflecte sobre si própria, configurando uma poética literária implícita e dispersa, e espelhando uma atmosfera teórico-literária saturada. Como sugerido, estes e outros motivos temáticos levantam variadas questões, com destaque para: onde recebeu Bernardes a formação estética para estas considerações em matéria de arte poética? Contactou directamente os tratadistas clássicos ou serviu-se da lição mediadora dos doutrinadores modernos? Como se coadunam essas reflexões com a dominante temática lírico-amorosa do innamoramento, sobretudo das Éclogas? Em última análise, por que é que um autor da segunda metade de Quinhentos sente necessidade de uma escrita de natureza metapoética? Para demonstrar conhecimento dos códigos estético-literários vigentes, partilhados por outros poetas do tempo? A par da ilustração dos vários motivos ou loci dessa poética implícita, talvez não tenhamos disponibilidade para, no espaço deste breve texto, responder a todas as questões. 2. Fonte da poesia Recorrendo à tópica da modéstia, Diogo Bernardes lamenta algumas vezes, perante os leitores, faltar-lhe o engenho e a arte, como no início da Carta IV (cf. OL, p. 234); e recorre aos conceitos sinónimos (inspiração e estudo) desta oposição de matriz horaciana. E como veremos adiante, a lição reiterada por António Ferreira   Esquema estruturado a partir da sugestão de M. Asensi Pérez (1998, pp. 242 e ss.), bem como da reflexão de A. García Berrio (1977) sobre a recepção da tópica horaciana no renascimento europeu. Aliás, a forma dialógica típica das Éclogas de Diogo Bernardes será também a modalidade mais frequente dos tratados de poética a partir do renascimento, bem como em obras didáticas e filosóficas. 10

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(cf. OL, pp. 288 ss.) – sobretudo na famosa carta doutrinária endereçada a Bernardes – vai justamente no sentido de moderar os impulsos da inspiração com o intenso trabalho artístico, num desejável equilíbrio.11 De facto, ligado à definição da natureza da poesia, está o recorrente problema da génese da criação poética, discutindo-se aqui, dicotomicamente, se o trabalho de criação é mais devedor da inspiração e do engenho (ingenium) naturais; se do trabalho da arte ou da técnica (ars ou técné), adquirida através do estudo e da erudição humanistas (studium), implementadas mediante a aprendizagem e a imitação de modelos, bem como da aplicação de certos conhecimentos e regras de composição.12 Por conseguinte, com variantes segundo os diversos preceptistas, a tendência geral era para congregar talento inato e técnicas aprendidas, como ocorre por exemplo em Sánchez de Lima; ou nas Anotaciones de F. Herrera à obra poética de Garcilaso de la Vega, embora aqui se valorize o ímpeto sobrenatural da palavra e a origem divina da inspiração. Em El Arte Poética, o citado M. Sánchez de Lima (1944, p. 32) reitera a lição dos tratadistas clássicos, insistindo na origem divina da poesia, aqui despaganizada num registo contaminado pela mundividência católica: “[...] aueys quedado tan vazio del entendimiento, que quereys reprouar una cosa tan agradable a Dios nuestro señor, como lo es la Poesia, que el Spiritu santo aprouo, hablando en verso por boca de los profetas.” Esta imagem que aproxima os poetas aos profetas será retomada e aprofundada pelo menos até à psicologia e estética românticas. Também por esta razão – a somar à beleza da sua forma ou à nobreza ética da sua funcionalidade –, os poetas são merecedores da imortalidade. Os doutrinadores poéticos dividem-se então, em equilíbrios variáveis e nem sempre ecléticos, entre duas tendências – de um lado, os neoplatónicos, defensores da importância do furor poético (inspiração); do outro, os paladinos de uma visão mais racionalista, aristotélica e horaciana, salientando a importância do trabalho técnico de composição. Neste aceso debate, retoma-se o importante legado horaciano, reabilitado pela doutrina clássica moderna, bem como a reflexão platónica sobre a inspiração divina ou furor poético (furor animi). Para o difundido pensamento estético neoplatónico de Quinhentos, a poesia apresenta-se como uma forma de “êxtase divino” (Marsilio Ficino), com origem na inspiração, completada depois pelo saber técnico.13 11   Como se lê na Carta XIII, reconhecida magna charta do classicismo português: “Tanto mais val o ingenho se à arte se ata” (OL, p. 292) – lição reiterada por António Ferreira (2000, p. 65) no soneto XXXIII: “e pera isso só busco ingenho, e arte”. 12   Cf. Bobes (1998, p. 337); e sobretudo García Berrio (1977, pp. 237 ss.; e 2006, p. 156 passim). 13   Acerca da antiquíssima genealogia desta teoria poética do furor divinus sive poeticus, Ernst R. Curtius (1996, pp. 575-577), em Literatura Europeia e Idade Média Latina, recorda-nos a fecundidade do tópico da “loucura divina dos poetas”, desde a conhecida e influente tese platónica (v.g., no Fedro), passando pela reformulação horaciana em Epistola aos Pisões. Possuído por uma singular mania ou inspiração

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Não basta ao poeta o talento natural ou a inspiração divina, condição tão enfatizada pela poética de tradição neoplatónica. Seguidor da lição horaciana, Diogo Bernardes reconhece expressamente um caminho eclético, ao confessar que a junção do “ingenho e arte” é condição sine qua non para atingir a imortalidade; ou ainda que não é digna de louvor a sua “agreste rima” (OL, pp. 311, 234), não polida pela técnica literária. No exórdio de outra carta, anuncia que se alongará mais do que recomenda o preceito da brevitas,14 se a tanto o ajudar a necessária inspiração o “brando Apolo”: Serei, sem querer dar a isso escusa, Mais largo do que tenho por costume, Se me não for do verso escassa a musa. ........................................................... Porque, sem tal favor, em tal sujeito, Não posso formar verso com que fique Contente quem os ler ou satisfeito.  (OL, p. 368)

Auto-crítica que, no seu exagero poético-retórico, se repete em outras composições de O Lima, como na Carta V, quando o sujeito poético particulariza o seu “estilo” merecedor de desprezo: “Com meu inculto verso e baixa rima, / Estilo, enfim, de cá, lá desprezado” (OL, p. 241); e na Carta VII, quando se compara ao seu destinatário, afirmando a sua impossibilidade para alcançar a brandura do desejado amor (OL, p. 254), só assim se explicando o “triste pranto” em que vive; ou ainda na Carta XX, quando se refere à sua “baja lira”, imerecedora dos elogios recebidos (OL, p. 331). Neste aspecto, sobressai o conselho sobre a importância da sacrossanta imitação (imitatio) dos modelos clássicos, antigos e modernos, tidos como ideal de perfeição e como estímulo inspirador. Como? Através da sua leitura e estudo, num processo de continuada aprendizagem, sem com isso cair no condenável servilismo, nem pôr em perigo a desejada originalidade. Aliás, só o bom conhecimento e o assíduo convívio com os auctores clássicos, através de devotada leitura, permitem moderar o ímpeto do engenho com o rigor do estudo.15 A este propósito, nunca é demais recordar que a imitação clássica se assume como forma peculiar de intertextualidade, numa apropriação diversa do outro(s) texto(s). Num jogo muito variável entre a reprodução (ou glosa) e a originalidade, pode incluir – força irracional da criação artística –, o poeta era um ser tocado pela sacralidade, própria dos moradores ou dos inspirados do Pindo ou do Parnaso; ainda que, modernamente, essa divina loucura da inspiração ficasse cada vez mais restringida à invocação mitológica (de Orfeu ou das Musas, sobretudo). 14   O ideal da brevidade (brevitas) tem uma riquíssima doutrinação poético-retórica, desde os tratadistas gregos aos latinos, como uma das mais celebradas virtutes narrationis, sendo enfatizada pela celebrada poética horaciana – Arte Poética, 25 e 335 (cf. Curtius, 1996, pp. 595-604). 15   Cf. Aníbal Pinto de Castro (1984, pp. 517 e ss.); e Manuel Asensi Pérez (1998, pp. 259-260).

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exercícios de copia verborum, com variações estilísticas sobre frases e pensamentos, numa engenhosa ars combinatoria. Neste âmbito, Diogo Bernardes sintetiza o ideal do studium pressuposto pelo trabalho imitativo, através da leitura metódica e aplicada, quando descreve, elogiosamente, a vida do destinatário da Carta XVIII: “Quem vos visita aí não vos desvia / Da suave lição dos bons autores; / Ledes de noite ao fogo, ao sol de dia.” (OL, p. 399). A exaltação de modelos a seguir – constituindo um cânone pessoal – é bem visível no rico tecido intertextual da poesia de Diogo Bernardes. Casos há em que se estabelecem diálogos intertextuais entre composições de diversos autores coevos; e outros em que se reconhece expressamente o papel doutrinário do admirado F. Sá de Miranda, o “bom Sá”, após o seu falecimento (Écloga VI) – sendo ambos os discursos dominados pelo registo panegírico. O desaparecimento do “Mestre” torna-se então “causa de tanta dor”, ao mesmo tempo que impõe um inspirado canto epicédico, apropriado à figura celebrada: “E qual doce cantor, qual peregrino / Engenho, sentes tu que o verso iguale / Aquele alto louvor de qu’ele é digno?” (OL, p. 88). Como seria de esperar neste contexto, um lugar retórico-compositivo recorrente da metapoesia de Bernardes é a repetida invocação das musas e do favor de Apolo – “as brandas irmãs nove”. Por exemplo, pedindo a inspiração adequada a um estilo mais elevado, apropriado à festiva celebração de umas “alegres bodas” e ao tema tratado, como na Écloga VIII: “O favor que de vós desejo tanto; /Agora, brandas Musas, me inspirai, / Agora meu estilo levantai.” (OL, p. 101). Também no texto deploratório da morte do príncipe (Écloga XII), o sujeito poético solicita compreensão para o “baixo verso” em que está composto (OL, p. 132). Noutras passagens, fala-se em “alto ingenho”; ou pede-se consideração pela “branda rima” gerada pelo seu ingenho (OL, pp. 118, 124). Em diálogo reverenciador com o poeta português António Ferreira, cujo magistério também segue entusiasticamente, após o elogio inicial da Carta II, Bernardes mostra assumir a lição horaciana em matéria de reflexão sobre a fonte ou origem da poesia – o engenho ou inspiração não podem prescindir da arte ou do conhecimento: “Inda que sei que pouco ou nada vale / Natureza sem arte e sem doutrina, / Que pode com amor parecer mal?”. Por isso, no louvado mestre, logo reconhece a fecundidade das orientações: “Outros conselhos dás na triste história / Da triste Dona Inês, outras lembranças, / Dignas de fama cá, no céu de glória.” (OL, pp. 223, 225). No que respeita a modelos que enriquecem a sua arte poética, não esconde um cânone pessoal (auctores), dos clássicos aos contemporâneos, “altos” e “bons espíritos” da “idade antiga” e da “moderna”. De Homero a Teócrito, de Virgílio a Ovídio, Diogo Bernardes valoriza ainda, electivamente, os grandes líricos modernos – Petrarca, Bembo, Sannazaro, Tasso, Ariosto, Garcilaso, Boscán, etc.  –, autores com quem os maiores poetas quinhentistas portugueses se poderiam equiparar (cf. OL, pp. 340, 399-400). Já na Carta XII a António Ferreira, não hesita em aproximar a qualidade dos poetas nacionais à dos grandes clássicos italianos (topos laudatório frequente na poética clás-

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sica), através da aproximação analógica dos rios celebrados por ambos os grupos (OL, p. 281). Detentor de um “ingenho peregrino”, a poesia de Ferreira está destinada à fama e à admiração universais. Neste contexto, não surpreende portanto a confissão do assumido discipulato de Diogo Bernardes, reconhecendo o imprescindível magistério de influência do horaciano Ferreira: “Confesso dever tudo àquela rara / Doutrina tua, que me quis ser guia / Do celebrado monte à fonte clara.” A publicação dos seus escritos, aliás anterior à dos Poemas Lusitanos (1598) só acontece – acrescenta Bernardes – com o beneplácito do mestre e guia: “Na tua pena está sua valia”. A Ferreira é confirmada, repetidamente, a função de “mestre”, não apenas de Bernardes, mas de todos os contemporâneos: “Escreve, canta, ensina, por que dos / Altos escritos teus nos ajudemos, / E os mais que virão depois de nós” (OL, p. 283).16 Enfim, podemos inferir que, à imagem dos seus mestres (cf. Martins, 2011), Diogo Bernardes ora enfatiza a lição horaciana do equilíbrio entre engenho e arte (inspiração e técnica), através da imitação dos bons modelos e da crítica dos “bons espíritos”; ora, ecleticamente, também associa a palavra poética a uma inspiração supra-terrena, numa releitura cristianizada do neoplatonismo, mais de acordo com a sensibilidade maneirista.17 3. Natureza da poesia De acordo com a teoria clássica platónico-aristotélica, a poesia é fundamentalmente imitação (no sentido amplo, e não apenas como imitatio naturae), princípio que pressupõe sobretudo os códigos da verosimilhança e do decoro, a adequação e a escolha ponderada do tema e do estilo, de acordo com o perfil do destinatário e as condicionantes do género ou subgénero literário. No caso da Écloga, os códigos do género particularizam determinadas singularidades ao nível da efabulação narrativa e dialogada.  Na Carta XXI (a Pêro d’Andrade Caminha), Bernardes lamenta, elegíaca e intensamente, a morte do “bom Ferreira”, o mestre que “deu esprito a mil espritos”, pela sua função orientadora e estimulante, pelo carácter exemplar e inultrapassável de “bom cultor da musa portuguesa!”, só comparável ao grego Homero ou ao romano Virgílio (OL, pp. 334, 337). A forma superlativa de divinizar o estro de Ferreira é imaginá-lo na felicidade celestial, em companhia dos mais altos nomes da poesia do Ocidente. 17  Neste aspecto da concepção da poesia como furor divino reinterpretado a partir de uma matriz cristã, numa aproximação da palavra poética e da fé religiosa, no contexto da ambiência pós-tridentina, Diogo Bernardes parece-nos aproximar-se da teorização poético-doutrinária de autores como o luso comentador horaciano, Tomás Correa, In Librum de Arte Poetica Q. Horatii Flacci, Explanationes (Venecia, 1587) – cf. Moisés (1997, pp. 125-129). Aliás, o homem de Quinhentos, sobretudo maneirista, tinha uma nítida imagem da proximidade entre as bonae e as sacrae litterae. Com outros pressupostos, também um poeta contemporâneo como João Cabral de Melo Neto (2003) requaciona a velha lição horaciana em Poesia e composição – a inspiração e o trabalho de arte. 16

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A convocação do elemento maravilhoso da mitologia é justificada não só pela sua capacidade de sedução, mas sobretudo pela inegável dimensão simbólica e alegórica. Correlacionadamente, impõe-se a perspectiva retórica dos estilos e da sua adequação ao tema e à matéria tratada (res/verba), outro dos loci communes da poética clássica. O problema em causa é o do desejado equilíbrio clássico entre conteúdo e forma, com tendência para valorizar a primeira e mais conservadora componente (conteúdo), face ao segundo e mais mutável elemento (forma). Em todo o caso, esta desejada solução ecléctica do fundo e da forma será perturbada pela evolução das ideias maneiristas e sobretudo barrocas, em acesas e intermináveis discussões sobre a preponderância do conteúdo (tema, assunto) ou da forma (recursos expressivos), e em orientações ora mais didático-moralizadoras, ora mais lúdico-formalistas. Com efeito, com o desenvolvimento da estética do maneirismo e do barroco, a tendência ao nível da teoria poética é para a valorização das verba, isto é, dos recursos artificiosos da arte, em detrimento da tradição conteudística.18 Consabidamente, enquanto res equivale à enciclopédia cultural e literária, ou ciência possuída pelo escritor; já verba refere-se ao estilo adoptado. Porém, configuram assunto e forma uma sequência natural e dialética, de implicações mútuas, ao abrigo dos tradicionais ensinamentos das operações retóricas da inventio, dispositivo e elocutio, bem como dos costumes e das conveniências. Uma recomendação é constantemente salientada, numa filosofia da composição que tende para a busca da perfeição estético-formal, comprovando a inseparabilidade do par res/verba: a concepção da palavra poética que justifique e exija um constante, consciente e rigoroso trabalho de correcção e vigilância, labor formal tão acentuado pela doutrina horaciana (limae labor). Neste espírito, é conhecida a analogia que o doutrinador António Ferreira estabelece entre o Lima (rio) de Diogo Bernardes e a obra homónima de Horácio. E na mesma teoria literária, quando Bernardes recebe um elogio aos seus versos, não se contenta com o agradável encómio; antes, de acordo com a doutrinação horaciana, interroga o autor do elogio para lhe especificar concretamente o que mais lhe agradou nas suas rimas: “Quais mais certas me dás, quais mais limadas, / Mais cultas, mais correntes, mais sonoras?” (OL, p. 363).19 Para concretizar tal doutrina de ascendência sobretudo horaciana, é recomendável a maturação temporal e o trabalho de correcção, bem como a contribuição da crítica; só   Cf. Horácio, Arte Poética, vv. 309-332. Consabidamente, na doutrina horaciana, é manifesta a superioridade da res face às verba, segundo o conhecido lema, atribuído a Catão, o Velho: “rem tene, verba sequentur”. Ao comentar este tópico da doutrinação horaciana e a sua influência na teoria literária quinhentista, A. García Berrio (2006, p. 76) salienta justamente “la prioridade de la dimensión contenidistadidáctica del arte en detrimento de la específica lúdico-artificiosa”. 19   Para maior simplificação nas citações e referências seguintes d’O Lima de Diogo Bernardes, indicaremos apenas as iniciais da mais recente edição da obra (OL), seguidas do número de página. 18

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com trabalho exaustivo se pode atingir a buscada perfeição e aspirar à glória das musas e assim à imortalidade, como era congenial ao espírito renascentista.20 Neste aspecto, Bernardes sintetiza assim a propalada lição: O tempo o mau descobre, o bom apura, Ũas cousas reprova, outras inventa; O que vai devagar mais se segura. Quem tanto dos seus versos se contenta Que cuida que não há qu’emendar nelas, Afronta às tuas faltas acrescenta. (OL, pp. 385-6)

Por tudo isto, a voz poética informa o destinatário da Carta XXVII que começou a escrever poesia muito cedo, o que não impede a consciência de algumas dificuldades na composição do soneto. Surpreendentemente, para o autor de O Lima, certos aspirantes a poetas, sendo demasiado jovens, logo se acham autores amadurecidos: “E vejo muitos qu’inda as penas novas / Com que saem do ninho, não mudaram, / E querem de poetas fazer provas” (OL, p. 386). Desconheciam o imprescindível lugar do contínuo trabalho de aperfeiçoamento e de maturação, tão enfaticamente realçado na carta-manifesto de António Ferreira; como, ao mesmo tempo, ignoravam que a arte da poesia não está ao alcance das massas. Não será por acaso que, seguindo uma ideia difundida entre outros autores seus contemporâneos, no soneto panegírico do irmão Frei Agostinho da Cruz se insiste no louvor da brandura e do brando Lima (OL, 39), que se instituiu como topos da crítica bernardiana através dos séculos. Porém, a brandura desejada para as ledas rimas, inspirada pelas Musas suaves, nem sempre alcança o seu intento, como no caso do solitário pastor que vai tomando a lira apenas em ocasionais dias festivos, alternando assim as doces e ledas rimas com os graves acentos e os queixumes tristes: “Sobre ser tão contino na tristeza, / Que poucas vezes ri, mui poucas canta, / Não por falta de voz, arte e destreza. / Que Febo inspirou nele graça tanta, / Que lá no seu Parnaso o recebeu, / De que s’alegra o Tejo, antes s’espanta.” (OL, pp. 100-101). É, pois, imprescindível a lapidação laboriosa e paciente da palavra, num desejável equilíbrio entre engenho e arte, ou seja, entre inspiração e técnica compositiva.

  A natureza e a substância da poesia constituem matéria de todas as artes poéticas mais ou menos coevas, como acontece, por ex., com o assunto do primeiro diálogo da poética de Miguel Sánchez de Lima, como salientado por Aníbal Pinto de Castro (2002, p. 144; e ainda 1984, pp. 520-521). Sobre a linha de continuidade da reflexão teórica em torno da dicotomia res/verba, a partir do modelo horaciano e tomada como matriz ou padrão estético no século XVI, cf. A. García Berrio (1977, pp. 411 ss.). Este autor destaca a natural interdependência entre a discussão sobre a tópica res/uerba e as outras dualidades horacianas – ingenium/ars e utile/dulci. 20

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Uma forma de ajuizar crítica e internamente a beleza da palavra é através da realização das contendas ou disputas poéticas, demandas em que o desempenho de dois cantores é avaliado por um juiz presente, como acontece na Écloga IX. Neste último caso, é a uma mulher (Inês) que cabe o juízo, mostrando-se ela bastante crítica mesmo antes da perfia. Censura a falta de capacidade e de persuasão poéticas dos opositores presentes – “Já me não vencerão palavras brandas”. Essa debilidade talvez se deva a um certo artificialismo da locução poética, cuja falta de entusiasmo é causadora de tédio: “Enfadam logo a mim vossas friezas. / De que serve fazer tantas misturas / D’enganos, que nos dais por beberajem, / Mexidos, remexidos, com doçuras?” (OL, p. 109). Afastada também de deslocadas mofas, e fiel aos princípios do decoro, a desejável linguagem poética deve ainda ser fonte de deleite: “Não se gaste mais tempo em zombarias. / Por me fazer prazer cantai um pouco.” (OL, p. 110). No final, Inês profere rigorosa “sentença”, julgando-os negativamente como cantores incapazes para certa temática: “Ambos cantastes mal o mal d’amores”. Por tudo isso, perante pedido expresso dos cantores, não se digna sequer esperar pelos poetas-pastores após a recolha do gado ao entardecer: “Por quem canta tão mal, não espero tanto” (OL, p. 114). Também nas Cartas poéticas de Diogo Bernardes encontramos reflexões sobre a tópica horaciana, em particular acerca da benéfica função da crítica e da orientação dos mestres; o mesmo é dizer, sobre o juízo dos pares, as reconhecidas almas gémeas com as quais era proveitoso dialogar. Logo na Carta I, depois de salientar que o “bom esprito” não busca a popularidade do vulgo, interroga o “bom mestre” Francisco Sá de Miranda, a quem reconhece a “segura eternidade”. Curiosamente, no texto endereçado a Pêro d’Andrade Caminha (Carta III), toma a epístola como espaço de confidência; e à luz da dialéctica sentimento/razão, o sujeito poético pede apenas conselhos em matéria sentimental, face ao sofrimento e desengano amoroso em que se encontra: “Agora julga, Andrade, em que estreiteza / Me põe amor cruel; e a mal tamanho / Não negues bom conselho com presteza.” (OL, p. 231). Sobretudo, Bernardes apresenta-se como assumido discípulo do “imortal nome” português, esperando dele, como condutor da “verdadeira via”, a inspirada orientação crítica: O doce estilo teu tomo por guia, Escrevo, leio e risco; vejo quantas Vezes s’engana quem de si se fia. Se guardo teus preceitos, que t’espantas De não me conhecer? Mais certo espanto Recebe o mundo todo do que cantas. Eu já um novo templo te levanto Dentro na minha ideia, onde ofereço A teu imortal nome este meu canto.

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................................................................ Por isso não s’afaste a tua rica Musa de dar a mão à minha pobre, Que no caminho do Parnaso embica. ................................................................ Diz-me por onde vá o Peregrino Quando pisando vai terras estranhas; Há mister certa guia, certo ensino.  (OL, pp. 216, 218, 219)

Também na Carta II, endereçada a António Ferreira, o poeta reconhece a doutrinação horaciana, através do influente magistério do autor dos Poemas Lusitanos, quando sobre os seus versos reafirma a importância do trabalho de aperfeiçoamento e de auto-crítica, na busca do aperfeiçoamento e infatigável lapidação da palavra poética: “Há neles que cortar, há qu’estender, / Vão como parto d’ussa, buscam vida, / Outra forma melhor, um novo ser.” (OL, p. 223).21 Ao mesmo tempo, o sujeito poético mostra consciência dos perigos que os louvores recebidos representam, podendo chegar à condenável “vã presunção” e mesmo a uma certa desorientação: “O louvor traz consigo desatino”. Ao nível do acto criador, a rigorosa vigilância sobre a palavra poética e a “veia natural” exigia, como lembrava o douto António Ferreira, o refreamento dos ímpetos da imaginação e do engenho e, sobretudo, a autodesconfiança perante os apressados juízos próprios e alheios.22 O tópico horaciano, segundo o qual o vulgo ignorante não compreende o poeta letrado – ideia abraçada pelo elitismo humanista, face ao povo inculto –, merece de Bernardes (Carta IV) uma renovada formulação: “Nunca permita o céu, nunca tal mande / Que, merecendo nome meus escritos, / Este na voz do povo em muitos

 Numa variante do conhecido mandamento do labor limae, preconizado por Horácio na Arte Poética (vv. 290 ss.), que tanto eco conheceu na tradição clássica e classicista. A auctoritas de Horácio recomendava a necessidade do trabalho duradouro, visando a perfeição artística, durante 9 anos, antes de o poeta dar à luz a sua obra, para assim proporcionar a justa fama ao seu autor e o desejado deleite ao público. Já antes de Diogo Bernardes, glosando similar imagem de terna gestação filial, Francisco Sá de Miranda (2002, p. 303) também enfatizara a importância do interminável trabalho de correção sobre os seus versos: “Os meus, se nunca acabo de os lamber, / como ussa os filhos mal proporcionados”. 22  Nesta matéria de ponderado juízo crítico, o conselho do autor de Poemas Lusitanos mostra-se inequívoco: “Conheça-me a mim mesmo; siga a veia / Natural, não forçada: o juízo quero / De quem com juízo e sem paixão me leia” (OL, p. 291; Ferreira, 2000, p. 305). É essa postura de rigorosa autocrítica que leva à assunção do preceito horaciano de os originais, depois de submetidos ao juízo crítico, repousarem ou amadurecerem durante nove anos (não nove meses), antes de serem dados à luz do público (cf. Horácio, vv. 386-390). 21

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ande.” (OL, p. 236).23 Também na Carta XIV, retomando o modo como é lida a sua poesia, o poeta parece reafirmar o mesmo princípio, quando se interroga queixosamente: “Os versos que por meus andam na praça / Se os o rico lê, não me conhece; / O pobre qu’aproveita, se m’abraça?” (OL, p. 301). É ainda à sombra da recomendação horaciana que Diogo Bernardes (Carta XI) conta situações que lhe são penosas e transformam, momentaneamente, o dom da poesia em fonte de dissabores. Acontece quando recebe pedidos e solicitações para que “responda a um frio mote” ou que “glose uma cantiga” muito confusa, através do estratagema do elogio fácil – “Com dizerem não há quem milhor diga” (OL, p. 279). Ao contrário do que seria de esperar, o laborioso trabalho de corrigir e burilar “o verso e o conceito”, além de tarefa penosa, não é sequer bem aceite. Mau grado serem talentos nulos, os visados pseudo-poetas são mentirosos, pois estão mais sedentos de lisonja do que das indesejadas, mas oportunas e profundas emendas: E o que, sobretudo, mais me ofende É tratar com poetas que me pedem Que suas obras veja e lhas emende. Que mude ou risque os versos que procedem Sem arte e sem medida, livremente, Que poder para tudo me concedem. Sendo a sua tenção mui diferente, Que não querem emenda, mas louvor, Que d’emenda não há quem se contente.  (OL, p. 280)

Na Carta XII, Diogo Bernardes confirma o reconhecimento do magistério e orientação de António Ferreira, solicitando a actividade correctiva deste elogiado poeta e doutrinador português sobre a sua escrita poética, para assim aperfeiçoar o que é passível de ser melhorado, e destruir o que se mostra desprovido de valor: As faltas, os sobejos, duros ditos, O não guardar decoro, em pranto e rogo, Enfim, erros que levam infinitos, Emenda, corta, abranda, sintam fogo Da tua ardente Musa em que s’apurem, E sendo dignos doutro, dá-lho logo. (OL, p. 283)

 Numa assumida concepção aristocratizante da arte, com conhecida matriz horaciana, expressa no “odi profanum vulgus” (Ode, III, 1,1). Na mesma postura, António Ferreira (2000, p. 107) afirmara na Ode I: “Fuja daqui o odioso / Profano vulgo”. 23

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Definitivamente, o trabalho de criação poética é assim indissociável de um contínuo labor de aperfeiçoamento, em que a arte ou técnica (studium) moderam os ímpetos do engenho ou da inspiração (ingenium). Enfim, em passagens como estas do poeta de O Lima, sobressai, por um lado, uma manifesta consciência da arte literária, típica de uma atitude metapoética da cultura literária de Quinhentos. Ao mesmo tempo que, dialogicamente, se solicita o conselho alheio (de autoridades cujo magistério publicamente se reconhece), demonstra-se o conhecimento e a observação de uma preceptiva poético-doutrinária da época. Por outro, no ponto em análise – questionação da natureza da poesia à luz da influente tópica horaciana res/verba –, à medida que avançava o século XVI, a praxis artística tendia a superar a tendência didáctico-conteudística, em favor de um predomínio artístico-formal. No caso da poesia de Diogo Bernardes, a par da ênfase formal, as omnipresentes preocupações morais (veja-se tópico seguinte), bem como a defesa de um estilo contrário aos excessos de uma rebuscada elocutio e da obscuridade, parecem indiciar um caminho eclético e não disjuntivo, na aplicação da doutrina contida duplo tópico horaciano. De facto, devemos reconhecer que a ênfase de uma sensibilidade melancólica em O Lima não cabe na rigidez mais ou menos racional e estoica da res clássica. 4. Função da poesia Em íntima articulação com a reflexão precedente, neste derradeiro topos da importante doutrinação poético-literária de Quinhentos, a questão fundamental pode ser formulada deste modo genérico em torno da conhecida reflexão horaciana da dualidade docere/delectare: qual a finalidade da escrita poética? Ou mais especificamente: podem as “vãs ficções” e as “elegantiae” da poesia/literatura, mais ou menos culta, aproveitar para a moral individual e colectiva? Quais os seus efeitos para a alma e para o gosto? Qual a utilidade da poesia e da literatura, depois das condenações morais que se estendem desde Platão a Girolamo Savonorola ou Bernardo Tasso? Por outras palavras, como justificar, ética e filosoficamente, a nobre finalidade de valor ou exemplo moral da poesia, se no contexto axiológico do tempo o ócio e o entretenimento das belas letras nem sempre eram considerados positivamente? Pela formulação destas questões, veremos como faz todo o sentido que a poesia de Diogo Bernardes não se alheie do debate sobre a finalidade da poesia – numa palavra, podem os poetas ser preceptores do homem, no sentido da recta conduta moral? Na senda da poética clássica, a generalidade dos tratadistas modernos abordou este tema, nomeadamente F. Robortello (1548), sob o signo de Aristóteles.24 Também na 24   Cf. Bernard Weinberg (2003, p. 65 ss.) sobre os vários tipos de prazer e de utilidade; a que se poderiam juntar as poéticas de Scaligero, Minturo ou Castalvetro, entre tantos outros teorizadores.

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referida obra do quinhentista Miguel Sánchez de Lima (1944, p. 40), El Arte Poética, fazendo-se eco de tantos outros tratadistas clássicos, o teorizador realça assim a excelência e funcionalidade da Poesia, pela boca de Calidónio: [...] la Poesia es la que mata la necedad, y destierra la ignorancia, auiua el ingenio, adelgaza y labra el entendimiento, exercita la memoria, ocupando el tiempo el Poeta en studiosas, y altas consideraciones, tratando conceptos muy subidos, mesclando el agradable y dulce estilo, con lo prouechoso e muy sentido.

Como vemos, mais uma vez num eco da doutrina horaciana, o panegírico da palavra poética e do trabalho implicado culmina na sua funcionalidade simultaneamente formativa e estética, “utilidad y provecho” (utile dulci). Contrariavam-se assim as vozes críticas que – desde a controversa expulsão platónica dos poetas da República ideal – acusavam a poesia de imoralidade ou de inutilidade. Aliás, é muito expressiva a permanência do antigo tópico que assimila a poesia à filosofia moral, como forma superior e universal de sabedoria, e, desse modo, relevante como orientação existencial do ser humano (cf. García Berrio, 1977, pp. 417 ss.).25 No clima saído da Contra-reforma e do Concílio de Trento – que enformará sobretudo o seiscentista siècle des moralistes (Parmentier, 2000) –, colocam-se objecções morais e religiosas à arte da poesia, em teses contrapostas de louvor e condenação (laudatio / vituperatio). Por isso, os tratadistas preocupam-se em desenvolver argumentos que sustentem a apologia da criação poética, “tendiendo a considerarla como una parte o un instrumento de la filosofía moral”.26 Vista do ângulo da prática formação ética do homem e do cidadão (herança da paideia clássica), a poesia deveria ensinar princípios, transmitir verdades, orientar moralmente. Beneficiária da renovação do conhecimento humanístico, a verdadeira poesia pretendia complementar o saber estético com o pensamento moral, separando o bem do mal. Em face desta problematização, a recorrente argumentação da arte poética clássica reitera, vezes sem conta e com cambiantes assinaláveis, a lição horaciana da Ars Poetica. Sustenta assim a dupla funcionalidade da poesia – ensinar e deleitar (docere e delectare, 25   Tal como em Sánchez de Lima (cf. 1944, p. 17), também em Diogo Bernardes esta argumentação sobre o valor da poesia – decorrente do seu carácter universal e sublime, fruto quer do prazer estético, quer sobretudo do seu papel ao nível da formação moral e espiritual –, proporciona uma defesa e um lamento: se a arte poética é uma criação nobre e útil, por que razão não é devidamente reconhecida e os poetas não são merecidamente apoiados, sendo antes vistos como sujeitos “con más sobra de locura que de dineros”? Afinal, o perseguido ideal de homem renascentista poderia ser atingido pela nobreza da pena e da espada. 26   Sobre esta tópica poético-doutrinária da funcionalidade da poesia/literatura, cf. M. Asensi Pérez (1998, pp. 243, 252, 260 e ss.); Carmen Bobes (1998, pp. 240-242); Aníbal Pinto de Castro (1984, p. 525; e 2002, pp. 148-149); e na síntese de Bernard Weinberg (2003, p. 220): “Uno de los postulados fundamentales del siglo es que la poesia es un auxiliar o un subordinado de la filosofía moral o política”.

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instruir e deleitar) –, desde pelo menos o prelúdio humanista do renascimento, como em Boccaccio, segundo nos é relembrado pelos historiadores da teoria literária da época, quando sublinham [...] su utilidade [da poesia] para la formación moral de los ciudadanos y su carácter transcendente como reflejo de la revelación divina. [...] Un repasso a los grandes autores y a su influencia en las artes europeas demuestra ese carácter noble de la poesia y su finalidade didáctica y placentera. (Bobes, 1998, p. 198)

Porém, o reconhecimento da dupla finalidade comporta uma ressalva importante: a hierarquização das funções pedagógica e lúdica (utile dulci), subordinando a finalidade lúdica, estética ou evasiva à finalidade formativa ou moralizadora, numa tendência acentuada pela sensibilidade maneirista. Esta valorização da formação moral – a par do prazer intelectual (retórico-literário e estético) – constituía, ao mesmo tempo, um dos mais repetidos argumentos para a defesa da poesia ou da literatura, concebida assim como meio de aperfeiçoamento individual e humano, mas também do governo da cidade (polis). Ensinar deleitando, ou docere cum delectatione, na expressão de Scaligero (cf. Weinberg, 2003, p. 130); e, com isso, fazer os homens melhores. A estas funções pode acrescentar-se uma terceira, de índole ciceroniana –  a de persuadir (movere), provocando a admiração e mobilizando os sentimentos e as paixões do leitor. O objectivo é múltiplo: espelhando a natureza e a fragilidade do género humano, a poesia deve fortalecer o carácter (“vertu”), inspirar a virtude e condenar o vício, numa apologia dos valores morais, atitude própria de um profeta dos novos tempos (poeta theologus). Ora, como também seria de esperar, este ideário moral e teleológico é bem visível nas considerações metapoéticas expendidas em algumas epístolas de O Lima. De forma mais ou menos difusa, encontra-se disseminada a ideia da função didáctica e moralizadora da criação literária, desde logo enquanto se assume como espaço de confidência e de espelhamento do ser humano. Enfim, não basta que o poeta seja inspirado; é necessário que a sua obra seja uma lição de conhecimento que exorte à prática da virtude e da sabedoria. Afinal, a poesia constitui uma forma de sapientia civilizadora e humanizante (cf. Rigolot, 2002, pp. 53-64, 72 ss.). É nesta intencionalidade educativa, numa palavra moralizante, que se pode interpretar o recurso às fábulas tradicionais, reescritas por Bernardes e, aliás, aplicadas à sua própria situação (OL, pp. 304-305); ou ainda o registo simbólico com que enumera as narrativas mitológicas imortalizadas pelas suas tragédias amorosas –  “tragédias de Cupido” reveladoras da omnipotência do Amor  –, acentuando a sua funcionalidade alegórica – Dido e Eneias, Helena e Páris, Leandro e Hero, Píramo e Tisbe, Orfeu e Eurídice, etc. (OL, pp. 230 e 377 ss.).27 Igualmente exemplar é o recurso a brevíssimas 27   Em todo o caso, a utilização moralizadora da mitologia em Diogo Bernardes não incorre no perigo denunciado por M. Sánchez de Lima (cf. 1944, p. 36), em El Arte Poética, quando particulariza os

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narrativas, à maneira de histórias de proveito e exemplo –  casos extraordinários cuja moralidade ou ensinamento o poeta pretende retirar, aos olhos dos seus destinatários poéticos –, assim introduzidas: “Um dia destes li um sobrescrito”; e logo adiante: “Outro a ler me deram na Ribeira” (OL, p. 349). A valorização da vertente formativa da palavra poética também é visível no modo como faz a apologia da aurea mediocritas, ideal de vida rústica repleto de virtudes, em contraponto com a degradação moral reinante. Afinal, a rectidão de vida é condição sine qua non para a desejada imortalidade: “O louvor que se ganha pelos meios / Da virtuosa vida, este só dura, / Este de se perder não tem receios.” (OL, p. 309). Dito de outro modo, esta é a glória pela qual vale a pena lutar, pois “A fama na virtude está segura”. É ainda notória esta função quando Bernardes pronuncia o superlativo elogio da inspiração poética do destinatário de uma carta, logo acrescentando uma qualidade com que se deve preocupar a sua escrita – a transmissão de “altos conceitos”, valores ou virtudes, associando a beleza da forma à beleza do tema (forma singular de adequação verba/res): “Inspira altos conceitos no teu peito, / Os quais tão altamente nos declaras / Que o bom verso orna o bom conceito.” (OL, p. 363). Porque, no fim de contas, mais do que a busca de uma fama passageira e vazia, o que interessa é que as acções de cada homem tenham em consideração a alma, aquilo que é importante e perene, atribuindo assim à própria existência uma função edificante: “Mas que chuvas, que frios e que calmas / Passámos (te pergunto) pelas vidas, / E quão pouco de tudo pelas almas?” (OL, p. 364). Na poesia como na vida, o decisivo é que a “boa lição” proclamada ou vivida seja pedagógica, pois “o vício mau desterra” (OL, p. 366), sempre em louvor das “virtudes verdadeiras”. Aliás, o próprio Bernardes mostra, em magoada auto-contrição, que não tem posto em prática muito do que escreve em seus versos: “Mil vezes dentro em mim choro e suspiro / Ver que do verso meu, que louvas tanto, / Tão pouco fruito em tanto tempo tiro.” (OL, p. 365). Nem sempre a poesia alcança a desejada função formativa. Porém, na Carta II a António Ferreira, o poeta interroga-se, cepticamente, sobre a função da poesia ou da literatura, considerando mesmo “vãs pretensões” os propósitos morigeradores da arte literária: “Pouco presta escrever grandes volumes, / Por parte da virtude, contra o vício. / Vencem boas palavras maus costumes?” (OL, p. 225). Em todo o caso, parecendo evocar o pensamento socrático, para Bernardes, a grande meta de uma filosofia prática é o homem conhecer-se a si próprio, de modo a alcançar princípios éticos norteadores da sua existência: “Que gostos dá[s] na vida, que mor bem, / Que ter excessos fantasistas e a dimensão efabuladora de muita poesia, nem sempre ao alcance dos menos preparados leitores. Nas palavras do tratadista, a excelência da poesia impõe que os poetas não nos recontem as fábulas de Ovídio... Sobre o uso e funcionalidade da mitologia em O Lima de Diogo Bernardes, cf. Martins (2013).

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homem de si conhecimento? / Quem isto só alcança tudo tem.” (OL, p. 226). Só com essa iluminadora filosofia de vida o homem pode levar uma existência recta e honrada: Não se deixa virar de cada vento, Não morre por viver, não lisonjeia, Não faz em peito alheio fundamento. Recolhe com prazer o que semeia, Com gosto come, dorme descansado, Da sua vida vive, e não d’alheia.   (OL, p. 227)

Em todo caso, reconhecendo a sua incapacidade para elucidar este tipo de assunto – “Enfim esta matéria é-me imprópria” (OL, p. 228) –, remete para outras pessoas que dele podem tratar com mais rigor. Ao mesmo tempo, na Carta V, o poeta formula uma outra dúvida de índole pragmática e pessoal, em jeito de dicotomia teoria/prática: de que serve cantar poeticamente o amor se não consegue obter a correspondência amorosa: “Que val por derradeiro um bom ingenho / Que val cantar d’amor o fogo, as setas, / Se sempre com as mãos vazias venho?” (OL, p. 242). Em última instância: de que serve ser poeta inspirado, se não for um homem amado? Essa é outra forma, pragmática e pessoal, de equacionar a questão da utilidade da palavra poética. Ao mesmo tempo, em continuada expressão disfórica, afirma Bernardes que os poetas estão condenados à penúria e à fome, pois a fama não alimenta os artistas: “Não sei, Senhor, quem disse que os poetas / Eram manjar da fome, sede e frio, / Mas bem sei que não comem com trombetas.” Parafraseando a fábula da cigarra e da formiga, conclui de modo pessimista e radical, na sequência do conhecido epimítio, desafiando o seu destinatário: “Quantas fábulas destas, Senhor, quantas / Se podem em nosso tempo aplicar / Àqueles que se dão às Musas santas.” (OL, pp. 242, 243). Nem a poesia de feição religiosa salva o criador do estado de carência. Isso não impede o poeta de questionar o materialismo dos contemporâneos, apenas obcecados pela cobiçosa acumulação de riquezas, por oposição aos desprendidos homens de espírito, que se distinguem pela “boa fama”; e de interrogar-se sobre se a riqueza proporciona automática felicidade aos seus detentores. Na sequência deste tópico acusatório, surge a apresentação de alguns “queixumes vãos”, com Bernardes a lamentar-se da falta de persuasão da sua advertência ou palavra moralizadora, sentindo-se uma solitária voz clamando no deserto, no que se vislumbra uma disfarçada farpa crítica ao materialismo coevo: “Ah qu’em deserto cá, grito em deserto, / Pois tantos ditos meus não são ouvidos, / E menos quanto mais grito de perto.” (OL, p. 244). Em todo o caso, a literatura possui uma função informativa e crítica, ao mesmo tempo que patrimonial e memorialística, enquanto “imortal memória” do passado e ensinamento para o presente e para o futuro. Sobretudo quando a escrita literária detém uma qualidade que a torna mais perene que o bronze, imortalizando os seus objectos:

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“[...] podeis dos mortais fazer divinos”; e acentuando o clássico tópico da supremacia das letras (inspiradas por Apolo) face aos feitos bélicos (trabalhos de Marte), numa recuperação do topos das armas e das letras: Não olham qu’Alexandre inveja tinha Não dos feitos d’Aquiles, mas d’Homero, Porque dele cantou como convinha. Se os escritores não culparam Nero, Quem pudera saber sua crueldade? Eneias pode ser que foi mais fero.  (OL, p. 301)

Porém, mais uma vez advém magoado cepticismo; e logo mostra o poeta ter consciência de estar a pregar para convertidos, isto é, de fazer a apologia dos poetas perante alguém caro às musas: “Dissera maravilhas dos poetas, / A muito pouca custa da memória; / Mas pera quê, pois te não são secretas?” (OL, p. 302). Nesta matéria das funções da escrita poética, há um topos intemporal e recorrente em Bernardes – afirmar que a poesia ou a literatura têm, como grande e decisivo contributo, a finalidade de imortalizar determinados feitos e personagens para memória futura, tendo seguramente em vista a construção da identidade colectiva: “As estátuas do tempo são gastadas, / Também o foram já suas memórias, / Se não foram das Musas conservadas” (OL, p. 375). Do ponto de vista retórico, a dupla docere/delectare poderia ainda ser vista como um meio para alcançar a desejável captatio dos leitores (cf. García Berrio, 2006, p. 96). Em Diogo Bernardes podemos inferir a escolha de uma solução eclética e não disjuntiva; embora não surpreenda que, na poesia maneirista do autor, a função moralizante (ou didáctico-utilitária do docere) ganhe ascendente sobre a finalidade estética ou princípio do deleite estético (delectare). Num palavra, o ensino sobrepõe-se ao prazer, com as preocupações morais a ganharem relevância sobre o deleite formalista; a verdade da palavra poética também radica na sua utilidade. Em última instância, como ilustrado pela doutrina de Juan Luis Vives, a multissecular lição humanista insistia na ideia do cultivo das bonae litterae constituir uma forma de conhecimento, pois “es un ir y venir entre verba, res y mores, entre lenguaje, realidad y formas de vida” (Rico, 2002, p. 104). Se o sonho humanista passava por uma cultura que se materializasse “in actum”, esse desiderato é claramente amplificado pelos novos tempos da reforma católica. 5. Conclusão: auto-conciência literária Face ao exposto sobre a dimensão metapoética de uma obra expressiva do tardo-renascimento e sobretudo eivada pela nova sensibilidade do maneirismo português – e

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conscientes da necessidade de aprofundamento do tema –, é legítimo inferir, muito brevemente, algumas conclusões ou questões ainda abertas, embora indiciadas no desenvolvimento da anterior exposição. Definitivamente, não se deve ler o poeta d’O Lima fora da omnipresente e actuante teoria e cultura literárias de Quinhentos. Mais concretamente, pode-se afirmar que Diogo Bernardes era um poeta informado no que respeita à doutrina clássica e moderna em matéria de arte poética. Demonstra clara consciência crítica, ao deixar aflorar na sua poesia um variado discurso metapoético. Convém salientar que nos restringimos apenas a um dos seus livros, O Lima, e mesmo aqui sem pretensões de exaustividade; mas estamos seguros de que não é possível um estudo da teoria poética quinhentista portuguesa sem conceder a devida atenção à poética implícita, visível em autores como Bernardes e tantos outros. Também se podem questionar as razões da visibilidade desta reflexão metapoética. Uma das justificações poderá encontrar-se no ascendente doutrinário e pedagógico exercido por António Ferreira junto dos poetas do seu tempo, com destaque para o autor d’O Lima, enquanto “bom aluno” desse afã doutrinador. Essa tendência formativa contaminou a criação de poetas como Diogo Bernardes, configurando uma das manifestações do assumido discipulato face ao magistério de influência de António Ferreira e de Sá de Miranda junto dos mais novos confrades de ofício, podendo mesmo falar-se num círculo poético ou escola mirandina (cf. Martins, 2011).28 Ao mesmo tempo, a reflexão metapoética de Bernardes pode perfeitamente não ter origem na leitura directa dos grandes tratadistas clássicos ou contemporâneos, muito divulgados na comunidade interliterária da época, através de edições, comentários, paráfrases; mas, mais provavelmente, na mediação orientadora – formal (sob a forma de cartas) ou informal (encontros pessoais) – por parte de autores como António Ferreira ou Francisco Sá de Miranda; e ainda através das anotações e comentários críticos que frequentemente acompanhavam as edições de poetas mais ou menos coevos, com destaque para os admirados autores espanhóis e italianos, num magistério indirecto, mas não menos fecundo. A relevância concedida à imitatio e mesmo à reflexão metapoética pode, em parte, ser explicável pela quase ausência – no caso português, contrastante com o castelhano – de uma poética explícita sobre a poesia bucólica no século XVI. Em compensação, seleccionavam-se modelos (auctoritates) e extraíam-se deles exemplos e doutrina, através da fecunda emulação e contaminação, de Aristóteles e Horácio a Sannazaro e Garcilaso de la Vega, configurando uma comunidade interliterária típica da república das letras   Enquanto transmissão de grandes lições, a rica tradição humanista e poético-retórica assenta precisamente numa “sucesión directa de maestros y discípulos”, no quadro curricular dos studia humanitatis. Ao mesmo tempo, esse processo radica na centralidade da palavra ou da linguagem, como salientado por Francisco Rico (2002, pp. 11, 19): “el fundamento de toda la cultura debía buscar-se en las artes del linguaje”, com destaque para o saber multissecular da tradição poético-retórica. 28

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do século XVI, cujas inter-relações, estreitas afinidades e memória cultural comum superam as nacionalidades. A constante reedição e trabalho hermenêutico sobre os tratados poético-retóricos clássicos (de Platão, Aristóteles, Horácio, Quintiliano, etc.), ou as reflexões e as poéticas modernas (a partir da cultura tardo-medieval e sobretudo do humanismo), contribuem para o aumento, a partir dos séculos XV e XVI, da aguda consciência da teoria literária moderna. Marginalmente, é ainda necessário questionar em que medida os sujeitos locutores (fictae personae) das Éclogas de Bernardes são máscaras ou porta-vozes das concepções do autor em matéria metapoética, sobretudo quando em algumas composições co-existem posições díspares e até contrapostas, à sombra do espírito de tensão poética. Uma coisa é certa: à imagem da própria palavra poética e do amor divino, o amor (innamoramento) tinha uma função cognoscitiva do próprio ser humano e do mundo. Por fim, uma das grandes lições do humanismo clássico e da universal república das letras reside precisamente na ideia da preeminência da palavra (primado das humaniores litterae) – com o desejável favorecimento de poderosos protectores ou ilustrados mecenas – na formação do ideal de honnête homem. Ou seja, nesta auto-consciência da expressão lírica reafirma-se a eficácia da tradição poética, retórica e filológica, e do alargado saber nela contido, atribuindo um lugar central à palavra literária no processo histórico e na memória do passado, bem como na compreensão do presente, em bases mais humanas, justas e universais. Referências Bernardes, Diogo (2009). O Lima, edição de José Cândido Oliveira Martins. Porto: Caixotim. Ferreira, António (2000). Poemas Lusitanos, edição crítica de T. F. Earle. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Miranda, Francisco Sá de (2002 e 2003). Obras Completas, edição de Rodrigues Lapa, 2 vols., 5.ª ed. Lisboa: Sá da Costa. Asensi Pérez, Manuel (1998). História de la Teoría de la Literatura (desde los inicios hasta el siglo XIX), Vol. I. Valencia: Tirant lo Blanch. Bessière, Jean et al. (1997). Histoire des Poétiques. Paris: PUF. Bobes, Carmen et al. (1998). História de la Teoría Literaria, vol. II (Transmissores. Edad Media. Poéticas Clasicistas). Madrid: Gredos. Bots, Hans & Waquet, Françoise (1997). La Republique des Lettres. Paris: Belin-De Boek. Castro, Aníbal Pinto de (1973). Retórica e Teorização Literária em Portugal. Coimbra: Centro de Estudos Românicos. Castro, Aníbal Pinto de (1985). Os códigos poéticos em Portugal do Renascimento ao Barroco. Seus fundamentos, seu conteúdo, sua evolução. Revista da Universidade de Coimbra XXXI: 505-532. Castro, Aníbal Pinto de (2002). L’Arte Poética en romance castellano de Miguel Sanches de Lima. Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian XLIV: 141-151.

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Camões e os contemporâneos Organizadores Maria do Céu Fraga José Cândido de Oliveira Martins João Amadeu Carvalho da Silva Maria Madalena Teixeira da Silva Manuel Ferro

Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos (CIEC) Universidade dos Açores (DLLM) Universidade Católica Portuguesa (CEFH)

BRAGA  2012

Este trabalho é financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Fatores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PEST-C/ELT/UI0150/2011 (Ref.ª COMPETE FCOMP-01-0124-FEDER-022684).

UNIÃO EUROPEIA Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional

Ficha técnica

Título : Camões e os contemporâneos

Organizadores: Maria do Céu Fraga  .  José Cândido de Oliveira Martins  .  João Amadeu Carvalho da Silva Maria Madalena Teixeira da Silva  .  Manuel Ferro Edição: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos (CIEC) Universidade dos Açores (DLLM) Universidade Católica Portuguesa (CEFH) Tiragem: 600 exemplares dezembro 2012

Design da capa: Ana Amaral e Mário Fernandes

Execução gráfica: Graficamares, Lda. R. Parque Industrial Monte Rabadas, 10 4720-608 Prozelo - Amares

Depósito Legal: 353162/12 ISBN: 978-989‑9892‑3-9

9 789899 809239

O conteúdo dos artigos e a norma ortográfica usada são da responsabilidade dos autores.

Índice geral

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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I Camões e os seus contemporâneos Para a revisão do conceito de Maneirismo Vítor Aguiar e Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

19

O ensino de Camões. Aproximações a um problema maior José Augusto Cardoso Bernardes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

35

Os dois Adamastores: diversidade e complexidade na epopeia Camoniana Thomas F. Earle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

51

Os Lusíadas à luz da teorização da epopeia nos tratados latinos do Cinquecento Arnaldo do Espírito Santo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

63

Vasco da Gama, a figura histórica e a personagem d’Os Lusíadas Giulia Lanciani . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

75

Fernão Álvares do Oriente e Camões: o romance irresistível Maria Vitalina Leal de Matos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

81

Aspetos da receção de Camões: do Neoclassicismo aos alvores do Romantismo Ofélia Paiva Monteiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

95

Os Lusíadas para gente nova Vasco Graça Moura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

Camões e a espiritualidade do seu tempo José Carlos Seabra Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

A memória da alma Barbara Spaggiari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155

8

Índice geral

II Camões e os seus contemporâneos Um solitário andar por entre a gente Isabel Almeida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171

Canto Nono Hélio J. S. Alves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

Pastoras e pastores: a subversão camoniana da Arcádia de Virgílio Carlos Ascenso André . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195

Reflections on the Empire in the work of Diogo de Teive Catarina Barceló Fouto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

Hospital das Letras de D. Francisco Manuel de Melo: o olhar avisado de um cortesão discreto sobre “modernos” e “antigos” Maria João Mota e Silva de Figueiredo Bettencourt . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219

Camões e Pedro da Costa Perestrelo: aspetos da inspiração bíblica no Maneirismo português Maria Bochicchio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233

Os Lusíadas de Camões: o seu significado e receção crítica na Arte Poética de António de Ataíde (1564-1647) Adriano Milho Cordeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241

O Camões do Estado Novo: receção e ensino Carlos M. F. da Cunha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253

Camões en el canon de la literatura española Xosé Manuel Dasilva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259

Representações do Portugal de finais de Quinhentos, nos textos de Soropita Maria Luísa do C. Linhares de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277

A receção d’Os Lusíadas em França no século XIX: análise do paratexto da autoria dos tradutores, nas traduções de Millié e de Ragon Dominique Faria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287

Ilustre senhor meu: a épica nas dedicatórias das éclogas de Diogo Bernardes, Camões e os seus contemporâneos Ana Filipa Gomes Ferreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297

Índice geral

9

O impacto da proposta humanista da épica cristã em Portugal Manuel Ferro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 309

Martim de Castro do Rio: outros tempos no nosso tempo Maria do Céu Fraga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327

Sá de Miranda e Camões Marcia Arruda Franco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 339

O sublime no humilde nas redondilhas de “Babel e Sião” Maria Helena Nery Garcez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353

André Falcão de Resende, tradutor de Horácio Sheila Moura Hue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 365

Luís de Camões e Sandro Botticelli Helena Langrouva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 377

Momentos “heureca” camonianos arquivísticos: Camões de repente; de repente, Camões Christopher C. Lund . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 391

O tema da “saudade” em gaspar Frutuoso José Luís Brandão da Luz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 403

A formação universitária de Gaspar Frutuoso. Um açoriano na Universidade de Salamanca em meados do século XVI Ángel Marcos de Dios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 419

Reflexão metapoética de Diogo Bernardes em O Lima e a poética clássica José Cândido de Oliveira Martins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 435

Et valeat tacitis scribere quisque notis. A emblemática presença de Alciato nos comentários a Os Lusíadas de D. Marcos de S. Lourenço Filipa Medeiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 461

Luís de Camões e Luís da Cruz: dois poetas, mas o mesmo amor à pátria António Maria Martins Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 475

Da música no ensino e nas festividades universitárias de Coimbra no tempo de Camões Maria do Amparo Carvas Monteiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 485

Os poetas contemporâneos de Camões musicados no seu tempo Manuel Morais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 513

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Índice geral

Fernão Rodrigues Lobo Soropita, um poeta editor da lírica de Camões Micaela Ramon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 519

O diálogo e a emblemática em convergência: o “aut prodesse [...] aut delectare” nos Diálogos de Vária Doutrina Ilustrados com Emblemas, de Vasco Mousinho de Quevedo Maria Teresa Nascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 527

Camões para o futuro. Excerto de uma teoria sobre a composição d’Os Lusíadas Luiza Nóbrega . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 537

“Que fez o Serenissimo & Reverendissimo Cardeal Iffante Dom Anrique”: a ação legisladora do Arcebispo e Inquisidor-Mor no tempo de Camões Milton Pedro Dias Pacheco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 549

Imagens judiciais na lírica de Camões Luís da Silva Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 565

“E do ventre levado à sepultura”: Job e as variações em torno do tema da miséria humana na poesia maneirista Paulo Silva Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 581

Bona Lvsitania! Aspetos da celebração de Portugal em Resende e camões Virgínia Soares Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 597

Imagens do cativeiro em Alcácer-Quibir na poesia de Diogo Bernardes João Amadeu Oliveira Carvalho da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 602

O processo de composição das comédias de Sá de Miranda e o trabalho de edição das várias versões d’Os Estrangeiros Martha Francisca Maldonado Baena da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 615

III Camões na literatura contemporânea Camões na pena e na espada de Camilo João Paulo Braga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 627

Uma viagem à Índia, de Gonçalo M. Tavares: a epopeia possível no século XXI Ana Cristina Correia Gil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 639

À sombra de Camões: celebrações e aprendizagens Rosa Maria B. Goulart . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 647

Índice geral

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(Re)Escrever Camões: entre o prazer da memória e a exigência da técnica Marco Livramento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 657

A receção de Camões em Joaquim de Araújo Maria Amélia Ferreira Peixoto Maia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 673

Camões e a poesia de Vasco Graça Moura João Minhoto Marques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 687

As variações camonianas na escrita experimental de Ana Hatherly (das neoglosas verbo-voco-visuais de Leonorana) Carlos Paulo Martínez Pereiro  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 697

A atualidade de Camões na obra poética de Rui Knopfli Maria do Carmo Pinheiro e Silva Cardoso Mendes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 713

D’Os Lusíadas a Os Calaicos: o discurso da épica camoniana na literatura galega Maria Isabel Morán Cabanas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 721

Camões e os trovadores românticos Ricardo Nobre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 733

Um Adamastor ambíguo, uma tuba enrouquecida: Camões na leitura de Nélida Pinõn Maria Aparecida Ribeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 745

A sombra de Camões Susana Rosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 757

Cartografias do regresso: o intertexto camoniano em Vasco Graça Moura José Manuel Ventura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 763

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