Reflexão sobre a coisa julgada, natureza e limites de eficácia da decisão transitada em julgado contrária à constituição

July 11, 2017 | Autor: Ilana Silva | Categoria: Coisa Julgada, Relativização Da Coisa Julgada
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Introdução





A coisa julgada, aqui considerada como a eficácia da decisão judicial
de que não mais caiba qualquer recurso, vem sendo tratada por grande parte
dos estudiosos e aplicadores do direito pátrio com excessivo rigor, visto
que quase unanimemente se tem opinado, nos textos jurídicos e decisões
judiciais, pela absoluta imutabilidade da situação jurídica gerada por
decisão passada em julgado.


O instituto da coisa julgada fundamenta-se na imperiosa necessidade de
se pôr um termo à apreciação judicial de uma lide através do processo,
conduzindo os destinatários das decisões judiciais a uma situação de
segurança jurídica, para que se torne imutável a decisão.


Contudo, conforme exposto por respeitados doutrinadores, tais como
Paulo Otero[1], José Augusto Delgado[2] e Paulo Roberto de Oliveira
Lima[3], o apontado rigor excessivo no tratamento deste instituto conduz a
situações absurdas, tanto no que tange à incompatibilidade de seus efeitos
com instituições e conceitos básicos do Direito, quanto no que se refere à
solução de problemas surgidos na prática forense.


Como exemplo, basta imaginar uma sentença que proclame A como filho de
B, cujo exame de DNA posteriormente venha a demonstrar o contrário. A
manutenção da coisa julgada, nesta situação, certamente configuraria a
concretização de uma injustiça.


Defendendo uma nova disciplina no tratamento da coisa julgada, no
sentido de propor limites à imutabilidade dos efeitos do julgado, Paulo
Roberto de Oliveira Lima[4] levanta a questão fundamental da legitimidade
da obrigatoriedade das decisões judiciais contrárias à lei, ante o
princípio constitucional da legalidade, bem como a constante possibilidade
de serem proferidos julgados desiguais para situações idênticas, em uma
evidente afronta ao princípio constitucional da isonomia.


Inúmeros outros problemas poderiam ser expostos no que se refere à
irrestrita imutabilidade que se quer atribuir à coisa julgada. Deve-se,
porém, dar especial atenção às decisões judiciais transitadas em julgado
cujo conteúdo seja contrário à Constituição, seja por violação direta, seja
por aplicar uma norma jurídica tida por inconstitucional, ou deixar de
aplicar uma norma jurídica considerada constitucional, fundamentando a não
aplicação em uma pretensa inconstitucionalidade.[5]


Exemplo bastante significativo pode ser verificado no caso de um
contribuinte, que venha a pleitear a repetição de indébito referente ao
valor pago a título de determinado tributo, argüindo a
inconstitucionalidade da lei que instituiu a exação. Imagine-se que este
contribuinte venha a obter pronunciamento desfavorável no processo, e que
este pronunciamento acabe por transitar em julgado. Suponha-se, então, que
posteriormente venha o Supremo Tribunal Federal a declarar, por ação
direta, a inconstitucionalidade da norma, retirando-a do ordenamento. O
valor porventura pago pelo contribuinte configuraria, por certo,
locupletamento indevido em favor da Fazenda Pública. Contudo, por força da
coisa julgada, estaria o contribuinte impedido de obter a sua restituição,
em virtude da decisão trânsita em julgado violadora da Constituição.


Tendo em vista que, conforme o princípio da constitucionalidade, a
observância da Constituição é pressuposto de validade de todo e qualquer
ato jurídico, constitui questão de fundamental importância definir o
tratamento a que se devem submeter as decisões que fazem coisa julgada
inconstitucional, para se saber se prevalece a imutabilidade da decisão ou
a supremacia da Constituição.


Deste modo, o presente trabalho tem como escopo refletir acerca das
decisões judiciais que, tendo sido objeto de trânsito em julgado, padecem
do defeito de serem contrárias à Constituição, com o intuito de efetivar a
subordinação das decisões judiciais ao princípio da constitucionalidade.


Para tanto, promover-se-á uma reflexão acerca do conflito potencial
entre a coisa julgada, instituto que consagra os princípio da segurança e
certeza jurídicas, e o primado da Constituição como fundamento de validade
de todos os atos jurídicos, que consagra o princípio da isonomia ou da
justiça distributiva.


Enfim, buscar-se-á examinar, também, como se deve encarar a coisa
julgada no mundo moderno, para concluir com a superação do mito da sua
inatacabilidade ou valor absoluto, passando o instituto a ter um valor
relativo, tanto que pode ser atacada pela ação rescisória, sofrer oposição
por embargos à execução e, segundo propostas de alguns doutrinadores, até
mesmo ser desconstituída por ações autônomas.


Importa destacar que a presente pesquisa se fará de preferência em
textos doutrinários e jurisprudenciais. Serão examinados os posicionamentos
de conceituados doutrinadores pátrios e alienígenas acerca do tema,
apontando-se a conclusão que parecer mais acertada. Serão expostas as
decisões mais atuais acerca do assunto proferidas pelos tribunais do país.



CAPÍTULO I





Coisa julgada – definição e regime jurídico no Direito brasileiro






I. 1. Do conceito de coisa julgada


Para se promover uma análise da coisa julgada inconstitucional,
importa preliminarmente traçar um conceito de coisa julgada através da
análise dos dispositivos legais pertinentes, bem como das exposições
doutrinárias. Cabe ressaltar, porém, que não há um consenso na doutrina no
que se refere à definição deste instituto.


O artigo 467 do Código de Processo Civil brasileiro traz a definição
da coisa julgada material, descrevendo-a como "a eficácia, que torna
imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário".


Consoante se pode inferir da leitura do dispositivo transcrito, a
coisa julgada, no entendimento do legislador, é uma eficácia da sentença,
que consiste em torná-la imutável, esgotadas todas as possibilidades de
recurso cabíveis. Cabe, porém, fazer algumas observações a respeito desta
definição.


A grande maioria dos conceitos de coisa julgada formulados antes da
doutrina de Liebman a definiam como um efeito da sentença. A partir deste
autor, muitos passaram a entende-la não como um efeito, mas como uma
qualidade da sentença, como é o caso, no direito pátrio, de Nelson Nery
Júnior.[6]


Para se facilitar a conclusão sobre esta matéria impõe-se,
preliminarmente, distinguir os conceitos de efeitos, eficácia e conteúdo da
sentença. O conteúdo da sentença, conforme é assente na doutrina,
corresponde ao pronunciamento do juiz acerca da matéria decidida. Já a
eficácia da sentença consiste na sua aptidão para produzir efeitos. Estes,
por sua vez, correspondem à manifestação externa do julgado, o que dele
emana para o mundo fático, podendo ser, conforme explica Ovídio Baptista,
constitutivo, declaratório, condenatório, executório e mandamental.[7]


Partindo-se destes conceitos, observa-se que a coisa julgada não
corresponde a uma eficácia ou efeito da sentença, como dispõe a lei, mas
tão somente uma qualidade desta, que a torna imutável, sendo portanto mais
correto o conceito introduzido por Liebman. É que, como se disse, os
efeitos da sentença são o constituir, declarar, condenar, executar e
mandar. A coisa julgada, por sua vez, é uma característica – qualidade - da
sentença que torna estes comandos imutáveis e indiscutíveis.


Há diferentes graus para a coisa julgada. Ela se denomina formal, ou
preclusão máxima, quando, esgotados todos os recursos possíveis dentro de
um processo, a decisão se torna imutável no processo em que foi prolatada.
Contudo, a matéria objeto da coisa julgada formal pode ser discutida em
outro processo.


Por outro lado, a coisa julgada se denomina material quando excede os
limites da sentença, fazendo com que determinada relação jurídica se torne
imutável, no que respeita às partes do processo do qual emanou a decisão,
projetando efeitos para fora dessa relação processual, de modo que nenhum
juiz possa, até mesmo em outro processo, decidir de modo contrário.


Deste modo, operando-se a coisa julgada, se acaso uma das partes
desejar rediscutir a matéria em um novo processo, havendo identidade de
ações, a outra parte poderá alegar a exceção da coisa julgada, impedindo
que seja proferido um novo julgamento sobre a matéria. Além disso, até
mesmo o magistrado, ex officio, pode declarar a existência de coisa
julgada, bem como tem o dever de levar em consideração, em processos
posteriores, a decisão que transitou em julgado em processos anteriores.


O artigo 468 do diploma processual civil pátrio complementa o conceito
de coisa julgada, ao prescrever que "a sentença, que julgar total ou
parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões
decididas." Em outras palavras, quando a decisão faz coisa julgada, a
relação jurídica decidida passa a ser regida pela disposição emanada da
sentença, ainda que esta decisão seja eventualmente contrária à lei.


Contudo, deve-se ressaltar que, conforme será exposto adiante, a coisa
julgada ilegal constitui uma situação diversa da coisa julgada contrária a
Constituição. Conforme observa Paulo Otero[8], os valores subjacentes ao
princípio constitucional do Estado de Direito - segurança, estabilidade e
certeza jurídicas – que fundamentam a eficácia da coisa julgada fundada em
decisão judicial violadora do direito ordinário, são insuficientes para
fundamentar a validade da coisa julgada inconstitucional.






I.2. Do regime jurídico-constitucional da coisa julgada


As Constituições pátrias, tradicionalmente, trazem disposição relativa
à coisa julgada. A Carta Magna de 1988 não fugiu à regra, trazendo previsão
da coisa julgada em seu artigo 5º, XXXVI, como um dos direitos
fundamentais.


Ocorre que, conquanto haja a previsão constitucional de proteção à
coisa julgada, há autores que entendem que o instituto não representaria um
princípio constitucional. Neste sentido, manifestou-se Paulo Roberto de
Oliveira Lima, ao afirmar que


"os operadores do Direito, máxime os integrantes do Poder
Judiciário, desatentos aos reais objetivos da Constituição, no
respeitante à coisa julgada, têm prestigiado o instituto como
se o mesmo pertencesse ao Direito Constitucional e se
constituísse em princípio magno do sistema jurídico".[9]


Posicionamento mais correto é certamente aquele exarado por Cândido
Rangel Dinamarco, ao afirmar que a coisa julgada é um instituto que
pertence ao direito constitucional. Afirma o autor que a coisa julgada
"resolve-se em uma situação de estabilidade, definida por lei, instituída
mediante o processo, garantida constitucionalmente e destinada a
proporcionar segurança e paz de espírito às pessoas.(g.n.)".[10]


Com efeito, a coisa julgada é instituto protegido pela Constituição,
que, ao lado dos institutos do direito adquirido e do ato jurídico
perfeito, previstos como direitos fundamentais do ordenamento jurídico
brasileiro, consagra os princípios constitucionais da segurança e da
certeza jurídicas. Importa ressaltar, inclusive, que disposta entre os
direitos fundamentais do Estado de Direito, a coisa julgada constitui
cláusula pétrea, não podendo ser abolida por Emenda Constitucional.


Todavia, é necessário analisar-se, tendo em vista uma perfeita
integração do sistema normativo, o verdadeiro alcance do instituto da coisa
julgada, uma vez que a referência constitucional à coisa julgada vem
motivando, despropositadamente, a mais absoluta "sacralidade" do
instituto.[11]


Neste ponto, é importante destacar que a Constituição não assegura a
irrestrita definitividade para as decisões trânsitas em julgado. A previsão
constitucional expressa atinente ao instituto tem o alcance de garantir as
decisões por ele acobertadas contra posteriores modificações, ao prescrever
que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada (artigo 5º, XXXVI CF)"


Aqui, conforme se pode observar, não há um tratamento pormenorizado do
instituto, limitando-se o dispositivo a resguardar as decisões que
transitaram em julgado contra posteriores alterações na legislação
aplicável à relação jurídica material objeto da decisão transitada em
julgado.


É certo, porém, que o constituinte não pretendeu, apenas, resguardar
as decisões judiciais transitadas em julgado contra nova disciplina imposta
pelo legislador, mas também objetivou garanti-las contra eventuais
interferências provenientes do poder jurisdicional.[12]


Outrossim, a delimitação do instituto da coisa julgada, o seu regime
jurídico, os modos como se produz e os instrumentos pelos quais é protegida
são definidos pela legislação ordinária, contando, inclusive, com
tratamentos jurídicos distintos a depender do ramo do direito em que se
aplicar.


Contra esta afirmação, poder-se-ia alegar que a regra constitucional
contida no artigo 5º, XXXVI admite a interpretação de que o instituto da
coisa julgada não poderia ser modificado através da legislação ordinária,
de forma a ser-lhe limitada a importância ou reduzida a sua incidência, o
que, contudo, não pode proceder.


Na verdade, em favor da primeira interpretação aqui adotada, revela-se
a própria sistemática da criação dos direitos que assegura a
irretroatividade das leis, na medida em que um direito surge da concreção
de determinado suporte fático previsto em regra jurídica vigente. Sem a
existência de regra jurídica vigente, para incidir quando da ocorrência do
suporte fático, não há incidência a gerar fato jurídico. Desta forma,
contradiz a lógica jurídica que uma legislação posterior discipline fatos
pretéritos, de forma que possa vir a ensejar a alteração de sentenças
transitadas em julgado.


Além disso, a existência de determinados institutos jurídicos, tais
como a revisão criminal e a ação rescisória, só é possível em se admitindo
que a disciplina jurídica da coisa julgada é deixada para a legislação
infraconstitucional, visto que entendimento oposto conduziria,
inexoravelmente, à inconstitucionalidade destes institutos. Deste modo, a
modificação do instituto, mesmo que para restringir-lhe o alcance, é
admissível constitucionalmente.


Esclarece Eduardo Talamine que isto não significa que o legislador
infraconstitucional tenha plena liberdade para dizer quando há e quando não
há coisa julgada, sendo necessário que a configuração infraconstitucional
da coisa julgada submeta-se a parâmetros constitucionais, tais como os
princípios da segurança jurídica, do contraditório, do devido processo e da
proporcionalidade. [13]


Por conseguinte, a melhor interpretação para o art. 5º, XXXVI, que
certamente inspirou o legislador constituinte, é aquela que determina que o
conteúdo de uma decisão não pode ser modificado após ela ter formado coisa
julgada. Em outras palavras, sua intenção foi, unicamente, preservar
situações jurídicas já constituídas.


Importa, porém, salientar que esta regra comporta exceções, como é o
caso da lei penal posterior mais benéfica, que tem o poder de atingir a
sentença penal a qualquer tempo, com a modificação ou cessação dos seus
efeitos. Conforme dispõe o artigo 2º do Código Penal: "Ninguém pode ser
punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando, em
virtude dela, a execução e os efeitos penais da sentença condenatória."
Trata-se do princípio penal da retroatividade da lei mais benéfica, que
implica no fato de que, no juízo criminal, jamais se opera a coisa julgada
contra o réu. Este tem a prerrogativa de pleitear, a qualquer tempo, a
revisão criminal, de modo que este recurso atribui à coisa julgada em
matéria criminal estrutura e limites que resultam na redução da sua
amplitude.[14]


Constata-se, portanto, que a coisa julgada não é um instituto a que a
Constituição atribuiu sacralidade, de modo que esta pode ter
disciplinamento especial a lhe delimitar e restringir o alcance, o que
resulta na possibilidade de que ela possa até mesmo vir a ser
desconstituída, quando a segurança jurídica por ela consagrada é afrontada
com outros princípios de maior valor, referentes a determinado caso
concreto.


É preciso considerar, portanto, que os princípios da segurança e
certeza jurídicas consubstanciados pela coisa julgada convivem com outros
princípios constitucionais, e com eles devem ser harmonizados tendo em
vista o completo equilíbrio do sistema jurídico.


Não obstante, na prática, os operadores do direito costumam sacrificar
outros direitos e princípios, alguns deles fundamentais, em nome da
preservação da autoridade absoluta da coisa julgada. É freqüente, por
exemplo, que se mantenham decisões desiguais para situações jurídicas
idênticas, em ofensa ao princípio da isonomia, mas em proteção à coisa
julgada.


Alguns autores, como Paulo Roberto de Oliveira Lima[15], vêm alertando
para o fato de que o regime jurídico da coisa julgada, definido pela
doutrina tradicional e consolidado pela lei, não mais atende às exigências
do Processo Civil, impondo-se uma profunda modificação.


É que, como já fora mencionado, a manutenção a qualquer custo da coisa
julgada, por vezes, leva a situações que induzem à perplexidade tanto o
julgador quanto as partes figurantes do processo. Deste modo, é patente a
necessidade de se buscar uma adequação do instituto da coisa julgada à
realidade do sistema jurídico como um todo, através da aplicação dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, inclusive, no que
interessa ao presente trabalho, quando transitadas em julgado sentenças
contrárias à Constituição.


A esse respeito, renomados doutrinadores vêm opinando no sentido de se
admitir a desconstituição de coisas julgadas violadoras de princípios
fundamentais do ordenamento jurídico, em uma tendência a que se atribuiu a
denominação de "relativização da coisa julgada".



CAPÍTULO II





Da coisa julgada sob uma perspectiva principiológica






II. 1. Conceito de princípios


A coisa julgada, é assente na doutrina, constitui um dos corolários
dos princípios da segurança e certeza jurídicas. Por outro lado, a
supremacia da Constituição é também um princípio fundamental consagrado
pelo nosso ordenamento jurídico.


Sob outra perspectiva, deve-se considerar a hipótese de
fundamentalidade de certos princípios consagrados constitucionalmente, os
quais, em nome da razoabilidade e da proporcionalidade, deveriam
prevalecer, quando confrontados com o princípio da segurança jurídica,
consubstanciada pela coisa julgada, em nome da harmonia do ordenamento
jurídico.


Deste modo, para se estabelecer uma reflexão acerca das decisões
judiciais inconstitucionais transitadas em julgado, faz-se necessário fazer
uma breve análise acerca dos princípios jurídicos.


Celso Antônio Bandeira de Melo, em conhecida passagem de seu Curso de
Direito Administrativo, traz a seguinte definição de princípios:


"Princípio – já averbamos alhures, é, por definição,
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a
tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos
princípios que preside a intelecção das diferentes partes
componentes do todo unitário que há por nome direito
positivo." (sem grifo no original)[16]


Partindo desta definição, e com o fito de se expor uma idéia precisa
do que são os princípios, importa esboçar a noção de sistema. A definição
presente no dicionário da língua portuguesa Aurélio Buarque de Holanda
Ferreira, nos permite apreender o significado do termo:


Sistema sm. 1. Conjunto de elementos, materiais ou
ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma
relação. 2. Disposição das partes ou dos elementos de um todo,
coordenados entre si, e que funcionam como estrutura
organizada.(...)[17]


Pois bem, o ordenamento jurídico constitui um sistema normativo,
entendido como um conjunto de normas que possuem unidade lógica e
finalística, unidade esta atribuída, justamente, pelos princípios
jurídicos.


É a partir dos princípios que se depreende qual o espírito do
ordenamento jurídico, uma vez que eles representam as diretrizes
fundamentais do sistema normativo, trazendo em si os valores mais
relevantes da ordem jurídica.


O Direito constitui um sistema jurídico, e é formado por vários
subsistemas. Deste modo, há os princípios gerais, que se aplicam a todo o
ordenamento jurídico, e os princípios específicos, que se referem a
determinados subsistemas.


Luiz Roberto Barroso[18] apresenta uma divisão dos princípios em que
os classifica como fundamentais, gerais e setoriais. Conforme a divisão
proposta, princípios setoriais seriam justamente aqueles que se referem a
um conjunto específico de normas que tratam de um determinado tema,
formando um subsistema normativo. É o caso, por exemplo, do princípio da
anterioridade, que tem sua esfera de atuação restrita ao sistema jurídico
tributário.


Por outro lado, tanto os princípios gerais quanto os fundamentais se
irradiam por toda a ordem jurídica, distinguido-se entre si pelo fato de
estes conterem as decisões políticas estruturais do Estado, enquanto
aqueles correspondem a especificações dos princípios fundamentais.


A doutrina tradicional costumava distinguir normas e princípios,
partindo do pressuposto de que os últimos não possuiriam a mesma
normatividade. Contudo, a ciência jurídica moderna entende que os
princípios, ao lado das regras, são espécies de normas jurídicas, sendo,
portanto, igualmente obrigatórios.


Luiz Roberto Barroso[19] adverte que os princípios não são
hierarquicamente superiores às regras. Contudo, a eles cabe, além de uma
ação imediata, quando diretamente aplicáveis a determinada relação
jurídica, uma ação de natureza mediata, que consiste justamente em
funcionar como critério de interpretação e integração do sistema normativo.


O autor supra-aludido complementa a noção de princípios, afirmando que
a violação de um princípio é ainda mais grave do que a de uma norma
jurídica, na medida em que ela importa violação do ordenamento jurídico em
seus alicerces, significando assim uma transgressão de todo o sistema.


Deste modo, verifica-se que os princípios são multifuncionais[20].
Eles têm a função de dar unidade ao sistema normativo, harmonizando-o, além
de servirem para condicionar a atuação dos poderes públicos e a
interpretação e aplicação de todas as normas jurídicas vigentes.


Destaque-se que os princípios, por sua generalidade e abstração,
permitem ao intérprete, por muitas vezes, superar o legalismo estrito para
buscar soluções que se coadunem com os valores maiores protegidos pelo
sistema. Ao mesmo tempo, eles limitam o subjetivismo a que poderia se
entregar o intérprete.


Os princípios constitucionais não têm hierarquia uns sobre os outros,
dado que a Constituição constitui um todo harmônico e integrado. É certo,
porém, que por vezes é necessário fazer uma ponderação entre os princípios
aplicáveis a determinada situação, a fim de se determinar qual aquele que
se melhor se aplica à questão posta. Muitas vezes, também, deve-se ponderar
quais os interesses em questão e, de acordo com o caso concreto, usufruir
da melhor forma possível o que cada princípio aplicável possa oferecer para
a melhor harmonização da situação jurídica controvertida.






II.2 – Relação entre princípios e valores existentes no Direito


O Direito, explica Machado Neto[21], é um fenômeno cultural, no
sentido de constituir uma criação do homem em sua capacidade de atuar sobre
a natureza, buscando satisfazer suas necessidades.


Uma das formas do agir do homem sobre a natureza é, justamente,
tomando posições perante os fatos, e emitindo sobre eles juízos de valor.
"Há, portanto, uma região de objetos – os valores, em face dos quais as
criações humanas se justificam. Os valores são, portanto, fins que as
realizações culturais buscam realizar como meios".[22]


Quando este juízo de valor envolve o reconhecimento da obrigatoriedade
de um comportamento, ensina Miguel Reale[23], temos o que se chama de regra
ou norma.


Há diferentes espécies de normas que regulamentam o convívio social,
representando valores que o ser humano entende por bem proteger. Àquelas
que ele considerou essenciais, o mínimo necessário para que a sociedade
pudesse sobreviver, atribuiu a natureza de regras jurídicas.


Deste modo, ensina Reale, o fenômeno jurídico pode ser descrito sob
uma perspectiva tridimensional, nos termos de trecho a seguir transcrito:


"onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e
necessariamente, um fato subjacente (fato econômico,
geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que
confere determinada significação a esse fato, inclinando ou
determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou
preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma
regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra
um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor".[24]


Devemos, pois, analisar o Direito tendo como instrumento de análise os
valores que buscam realizar satisfazendo as necessidades materiais e
espirituais do homem.


Machado Neto relaciona a tábua de valores referida por Carlos Cossio
como sendo os valores jurídicos essenciais, formadores do plexo axiológico-
jurídico. São eles: ordem, segurança, poder, paz, cooperação, solidariedade
e justiça. [25]


Esclarece o aludido autor que o Direito, por ser fenômeno cultural,
não está norteado "como uma estrela polar" no sentido desses valores, sendo
que o fenômeno jurídico, em qualquer de suas manifestações, representa
alguma realização desses valores.


Uma vez que o Direito constitui o instrumento de realização dos
valores essenciais, tem-se que, sob uma perspectiva normativa, os
princípios, ao designarem os alicerces do ordenamento jurídico,
salvaguardam os valores mais fundamentais da sociedade.


Contudo, como já fora mencionado, em havendo conflito entre valores
nas situações concretas que exigem a decisão do julgador, é necessário que,
em cada caso, seja feita a ponderação de qual valor deverá prevalecer,
através dos princípios interpretativos da razoabilidade e da
proporcionalidade.


Neste sentido, manifesta-se Cândido Rangel Dinamarco[26], afirmando
que nenhum princípio constitui um fim em si mesmo, mas que todos devem
funcionar como meios de realizar um sistema processual justo.


A coisa julgada inconstitucional traz em seu âmago a necessidade de
ponderação entre os valores da segurança jurídica e da justiça,
consubstanciada na supremacia da Constituição. Cabe, portanto, uma análise
mais profunda destes princípios, mister a que se dedicam os próximos
capítulos.



CAPÍTULO III





O controle da constitucionalidade como garantia da Constituição e seus
valores consagrados.






O constitucionalismo, da forma como hoje se apresenta, isto é, com a
supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e a previsão
legal do controle de constitucionalidade dos atos normativos, surgiu no
século XVIII, com o fim do Estado Absoluto e surgimento do Estado Liberal.
Costuma-se apontar, como marcos iniciais, as Constituições escritas e
rígidas dos Estados Unidos da América, em 1787, após a Independência das 13
colônias, e da França, em 1791, a partir da revolução Francesa, que
trouxeram em seu bojo a organização do Estado e limitação do poder estatal,
através da previsão de direitos e garantias fundamentais.


Contudo, como bem ressalta Alexandre de Morais[27], aqueles diplomas
correspondem à origem formal do constitucionalismo, sendo que o Direito
Constitucional norte-americano tem origem mais remota, sendo integrado
pelos textos da época colonial (Fundamental Orders of Connecut, 1639) e a
Declaração de Independência, a declaração de Virgínia e outras declarações
dos primeiros Estados.


Quanto ao controle de constitucionalidade, sua origem também remonta
ao direito norte-americano, tendo como ponto de partida a decisão
proferida, em 1803, no julgamento do caso Marbury x Madison, em que o juiz
Marshall demonstrou a nulidade do ato legislativo ou executivo incompatível
com a Constituição[28].


Nos dias atuais, é imperativo o princípio da supremacia da
Constituição, que sustenta que este diploma, estando no ápice do sistema
normativo, serve como fundamento de validade de todos os demais atos
jurídicos, uma vez que no texto constitucional estão contidos os próprios
fundamentos do Estado, sua organização e funcionamento e seus princípios
fundamentais. A Constituição é, desta forma, a norma fundamental que
confere unidade ao ordenamento jurídico. Ela se destina a disciplinar a
vida em sociedade, baseada em um sistema de valores eleitos como essenciais
à sua harmonia.


Esta supremacia na ordem normativa corresponde ao princípio da
constitucionalidade, enunciado por Luiz Roberto Barroso[29], ao afirmar que
por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma
manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com
a Lei Fundamental.


Conforme explica Paulo Otero, "a atual fase do Estado Constitucional
submete toda a atividade do poder público ao princípio da
constitucionalidade, ainda que isso não implique sempre a existência de
mecanismos de controle e declaração da invalidade de todos os atos do poder
público".[30] Aqui, importa destacar que também a atividade jurisdicional
se encontra subordinada ao princípio da constitucionalidade, dependendo a
validade dos seus atos da conformidade com a Lei Fundamental.


Em nome da supremacia constitucional, o sistema jurídico brasileiro
prevê, ao lado dos instrumentos para garantia da observância dos preceitos
normativos ordinários, um elaborado sistema de controle de
constitucionalidade das leis, que segue o modelo eclético, admitindo o
controle abstrato pelo Supremo Tribunal Federal, e o controle difuso por
todos os tribunais.


Dentre os instrumentos de salvaguarda da constitucionalidade, podemos
destacar a ação direta de inconstitucionalidade (art. 103 da CF), a ação
declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 1º da CF), a ação de
inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º da CF), a ação de
descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º CF), o mandado de
injunção (art. 5º, LXXI da CF), o incidente de inconstitucionalidade nos
tribunais (art. 97 da CF) e a suspensão, pelo Senado, da execução da lei
declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.


Além disso, o sistema atribuiu competência ao maior tribunal do poder
judicial, o Supremo Tribunal Federal, para que este fosse o guardião maior
da Constituição, não só porque a ele se dirige o recurso em matéria
constitucional – recurso extraordinário- mas também porque ele tem o poder
de declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade com eficácia
erga omnes e efeito vinculante. Ressalte-se ainda que, através de uma
decisão deste tribunal em via de controle difuso de constitucionalidade,
pode-se acarretar a suspensão da norma inconstitucional através de
resolução do Senado Federal.


Todavia, no que se refere aos atos jurisdicionais inconstitucionais,
observa-se que estes, uma vez ultrapassados os prazos para recursos
ordinário e extraordinário e operada a coisa julgada, carecem de mecanismos
específicos de controle de constitucionalidade.


Deste modo, impõe-se a reflexão acerca da possibilidade de controle da
constitucionalidade do ato judicial que, ultrapassando as possibilidades de
recursos existentes, venha a formar coisa julgada contrária à constituição,
fenômeno que se convencionou denominar coisa julgada inconstitucional.



CAPÍTULO IV





Da coisa julgada como instrumento fundamental no direito processual e
segurança jurídica.






O processo tem por finalidade dirimir as lides levadas a juízo,
através da remoção de obstáculos à realização do Direito. Nas palavras de
Teori Albino Zavascki, "É objetivo fundamental da jurisdição, segundo
entendimento corrente, a eliminação de conflitos de interesses mediante
decisões justas".[31]


Outrossim, é fundamental para a pacificação social objetivada pelo
Direito a estabilidade das decisões, sendo certo que a segurança jurídica
seria gravemente comprometida se fosse admissível discutir-se
indefinidamente uma questão já decidida em juízo, levando as partes a uma
eterna sensação de incerteza e angústia.


No intuito de garantir a segurança jurídica, o ordenamento dispõe de
diversos institutos que têm como finalidade a estabilização das decisões
judiciais, tais como os prazos processuais, as preclusões de toda ordem e,
a mais importante destas, a coisa julgada, instituto fundamental ao
funcionamento do processo, que tem o condão de assegurar a firmeza das
situações jurídicas.


Por muito tempo predominava o entendimento de que a imutabilidade da
sentença se justificava por ela representar a revelação, pelo juiz, da
verdadeira vontade da lei, daí tendo surgido o aforismo "O juiz é a boca
que pronuncia as palavras da lei." Hoje, contudo, este idealismo não mais
prevalece. Na verdade, o fundamento da coisa julgada, explica Murilo
Sechieri Costa Neves[32], é puramente prático, consistindo na necessidade
de se evitar a perpetuação de conflitos de interesses. Deste modo, é a
coisa julgada um instrumento que atende às conveniências do processo, tendo
enorme importância na obtenção da paz na convivência social.


Com efeito, conforme afirma Walter Nunes da Silva Júnior[33], os
litigantes, além do desejo de saírem vencedores na demanda judicial, têm
ainda a pretensão de que a decisão proferida se revista de autoridade,
sendo imposta ao vencido, a despeito de sua recalcitrância em com ela
conformar-se.


Todavia, a segurança jurídica almejada pela coisa julgada não é um
valor absoluto. Ela representa um princípio constitucional e, nessa
qualidade, sujeito a relativização de modo a possibilitar a harmonização do
ordenamento jurídico. Superada está a época em que se defendia com
intransigente veemência que a coisa julgada seria capaz de fazer de albo
nigrum e mudar falso in verum.


É que, como fora explicado, a segurança jurídica possui um valor
instrumental, conquanto da maior relevância, com relação ao processo,
visando a salvaguardar a paz jurídica e a credibilidade do poder
jurisdicional. Porém, é preciso se reconhecer que, em determinados casos,
esta mesma credibilidade melhor será assegurada se a coisa julgada for
relativizada, em favor de outros princípios constitucionais previstos pelo
ordenamento.


Como adverte Cândido Dinamarco[34], é necessário se equilibrarem, no
sistema do processo, as exigências conflitantes da celeridade, que favorece
a certeza das relações jurídicas, e da ponderação, cuja função é produzir
resultados justos.


O autor se refere, como exemplo, a um recurso especial levado a
julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, cujo relator fora o
Ministro José Delgado. Tendo o Estado de São Paulo sido vencido em ação de
desapropriação indireta, fora condenado a indenizar a parte adversa, com
que veio a realizar um acordo de parcelamento. Posteriormente, verificando-
se que o terreno expropriado pertencia ao próprio Estado e não aos autores,
aquele veio a ajuizar ação declaratória de nulidade cumulada com repetição
de indébito, tendo o Ministro Delgado votado em favor da procedência, a
despeito da coisa julgada. Sua tese foi vencedora por três votos contra
dois[35].


Deste modo, alerta Dinamarco, deve-se promover uma interpretação
sistemática dos princípios e garantias constitucionais do processo civil,
uma vez que nenhum deles constitui um fim em si mesmo, mas todos servem
como meios de proporcionar um sistema processual justo.



CAPÍTULO V



O valor da justiça revelado pela isonomia


Como já fora dito, o Direito representa a realização de uma tábua de
valores, composta pelos valores ordem, segurança, poder, paz, cooperação,
solidariedade e justiça, os quais se realizam em todas as manifestações do
Direito. Contudo, o valor fundamental do fenômeno jurídico é o valor
justiça.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, efetiva
a promessa da justiça nas decisões judiciais através da garantia do acesso
à justiça, ao dispor: "a lei não excluirá da apreciação do judiciário lesão
ou ameaça a direito".


Teori Albino Zavascki[36] explica que proferir decisões justas é
efetivar, no plano social, as finalidades básicas do sistema normativo,
consagrando os ideais estabelecidos pelo ordenamento jurídico.


Não obstante, declarar o significado da palavra justiça não é tarefa
das mais fáceis, tendo se empenhado em explanar a matéria pensadores das
mais diversas épocas e origens. É certo, porém, que o conceito justiça
formulado por Aristóteles na obra Ética a Nicômaco[37] revela-se, ainda
hoje, como uma forma eficiente de descrever o termo.


Para Aristóteles, a justiça, assim como o seu extremo oposto, a
injustiça, são conceitos ambíguos, na medida que descrevem mais de um
fenômeno. Nesse ínterim, o filósofo relata três versões para o conceito de
justiça, sempre dentro do contexto de que o ideal ético é o meio-termo
entre dois extremos.


A primeira acepção da palavra justiça, para o filósofo grego,
significa o respeito à lei. Segundo Aristóteles, a lei traz comandos em que
se revelam todas as virtudes, de forma que ser justo obedecendo à lei
representaria a virtude por excelência, a virtude completa.


A segunda concepção de justiça descrita pelo autor é a justiça
distributiva, que consiste, sumariamente, na distribuição proporcional de
bens de acordo com o mérito de cada pessoa. Explica o filósofo:


"A justiça distributiva é a conjunção do primeiro termo
de uma proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e
o justo nesse sentido é o meio-termo, e o injusto é o que
viola a proporção, pois o proporcional é o intermediário, e o
justo é o proporcional".[38]


O terceiro sentido da palavra justiça, complementa, é o que denomina
justiça corretiva, segundo a qual o justo seria o intermediário entre um
ganho e uma perda, e o papel do juiz, no caso da ocorrência de um dano,
seria restaurar a justiça através da subtração de uma parte do ganho do
ofensor, o que se concretizaria através da aplicação da pena.


A segunda significação da palavra é a que mais de perto interessa à
presente questão, pois a isonomia corresponde justamente à realização da
justiça distributiva.


Com efeito, o princípio da isonomia, previsto no art. 5º, caput, da
Constituição Federal, consiste no dever jurídico atribuído ao Estado e a
todos os cidadãos de tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais, o que, em outras palavras, corresponde à justa distribuição.


Costuma-se, também, associar-se à justiça à qualidade da cognição
estabelecida no processo, de forma que a sentença justa será aquela que
tenha sido objeto de uma cognição ampla e profunda, em que às partes tenha
sido oportunizados o contraditório e a ampla defesa em toda a sua
plenitude.


Pois bem, na esteira do raciocínio desenvolvido ao longo deste
trabalho, cabe colocar que valor segurança jurídica, consagrado pela coisa
julgada, quando a ele se atribui caráter absoluto, pode levar à consagração
de injustiças, sempre que, ao serem decididas situações idênticas, as
decisões tragam resultados desiguais, em violação à justiça distributiva.


É certo, porém, que normalmente a injustiça deverá ceder ao imperativo
da segurança jurídica, em nome da manutenção do poder jurisdicional. Deste
modo, conforme anteriormente exposto, Cândido Dinamarco[39] defende que a
garantia da coisa julgada deve ser posta em equilíbrio com as demais
garantias constitucionais e com os institutos jurídicos conducentes à
produção de resultados justos mediante as atividades inerentes ao processo
civil.


Em nome da justiça das decisões, impõe-se de modo especial a revisão
da coisa julgada quando se verificar a desigualdade no tratamento da mesma
matéria, ou seja, na hipótese de se ter por ferido o princípio da isonomia.
Exemplo típico desta situação foi relatado por Francisco Barros Dias[40].
Este autor referiu-se à situação, bastante comum, em que um servidor
público tenha obtido determinada vantagem funcional perante o Judiciário e,
uma vez transitada em julgado a sentença que concedeu tal vantagem, tenha
assegurado em seu direito de forma definitiva. Esse servidor, no entanto,
exerce cargo idêntico ao de um outro colega da mesma repartição, tendo
ambos ingressado no serviço público na mesma data, com salários
rigorosamente idênticos. Pois bem, suponha-se que o outro servidor também
tenha ido ao judiciário buscar a mesma vantagem. Contudo, neste caso, o
Judiciário negou o seu direito, quer porque um outro Juiz entendeu que não
fazia jus a tal pleito, quer porque houve mudança da jurisprudência sobre o
assunto. A sentença proferida no processo desse outro servidor também veio
a transitar em julgado. Assim, restará o fato de que um ficará percebendo
salário maior, concedido pelo Judiciário, e o outro uma menor remuneração,
sendo ambas as situações irreversíveis em virtude da coisa julgada.


Uma situação desta natureza certamente causará perplexidade e a
sensação de injustiça entre os sujeitos envolvidos, comprometendo-se,
sobremaneira, a credibilidade dos julgamentos proferidos pelo judiciário.
Assim, melhor seria admitir-se a relativização da coisa julgada para que,
mediante a equiparação das vantagens asseguradas aos sujeitos que dispõem
de situações jurídicas idênticas, se venha a resguardar o princípio
constitucional da isonomia, em nome do valor maior do ordenamento jurídico
representado pela justiça.


É preciso, pois, que se considere o caráter não absoluto do valor
segurança nas relações jurídicas, e, consequentemente, da garantia da coisa
julgada, em face do princípio da justiça das decisões judiciárias,
constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso á justiça. "Não
é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de
incertezas". [41]



CAPÍTULO VI





Natureza jurídica da coisa julgada contrária à Constituição





Postas essas premissas, cumpre indagar da natureza jurídica das
decisões judiciais desconformes com a Constituição, de modo a se verificar
a possibilidade de controle da constitucionalidade das mesmas, uma vez
transitadas em julgado as decisões.


A Constituição contém as normas que instituem os órgãos do Estado,
estabelecem as regras básicas que devem regê-lo e reconhecem os direitos e
garantias fundamentais dos cidadãos.


Deste modo, é o mandamento constitucional que atribui ao administrador
poderes para administrar, ao legislador poderes para legislar e ao julgador
poderes para julgar. Por esta razão, a atividade dos órgãos do Estado
precisa estar em conformidade com os ditames constitucionais, ou, do
contrário, estar-se-á violando o próprio poder instituidor.


Pois bem, é certo que o julgador, em sua atividade de aplicação da lei
aos casos concretos, deveria conformar toda a sua atividade aos ditames da
legalidade. Contudo, o fato é que a falibilidade humana pode levar o
julgador a proferir decisões em desacordo com a lei, tenha esta caráter
ordinário ou mesmo constitucional.


O ordenamento jurídico, em homenagem ao princípio da segurança
jurídica, e admitindo a possibilidade de erro ou falha do julgador, criou o
instituto da coisa julgada, através do qual está limitada a possibilidade
de se discutir a matéria em juízo uma vez transitada em julgado a sentença.


Assim, esgotados os prazos para recurso, a decisão ganha o
qualificativo de coisa julgada, adquirindo estabilidade dentro do sistema.
A sentença transitada em julgado, já se explicou, adquire status de
imutabilidade, sendo certo que só poderá ser rediscutida a matéria por via
de ação rescisória, nas matérias expressamente previstas em lei.


A sentença transitada em julgado, prevê o artigo 468 do
Código de Processo Civil, faz lei entre as partes, o que significa que, uma
vez esgotado o prazo para recurso, a disposição que ela contém é a que
regerá a relação jurídica decidida, mesmo que, ocasionalmente, esta decisão
seja contrária ao que disponha a lei que regulamenta a matéria.


Contudo, e este é o ponto essencial na presente discussão, a violação
de um dispositivo presente em legislação infraconstitucional não pode ser
equiparada a uma violação ao próprio texto constitucional, de forma que
possuem naturezas distintas a coisa julgada ilegal e a coisa julgada
inconstitucional.


Paulo Otero[42] manifesta-se sobre esta distinção, explicando que a
problemática das decisões judiciais inconstitucionais é substancialmente
diferente da que se encontra subjacente ao problema da sentença contrária
ao direito ordinário.


Perante decisões judiciais violadoras da legalidade
infraconstituciional, esclarece, compreende-se que a sentença ilegal se
possa consolidar na ordem jurídica, ou que seja dotada de eficácia, uma vez
que o poder judicial tem uma legitimidade jurídico-constitucional idêntica
ao poder legislativo, sendo ainda, afinal, a própria Constituição que serve
de fundamento último à força de coisa julgada de tais decisões ilegais.


Por sua vez, a sentença violadora da vontade constituinte não se
mostra passível de encontrar um mero fundamento constitucional indireto
para daí tirar a sua validade ou, pelo menos, a sua eficácia na ordem
jurídica como coisa julgada. Na ausência de expressa habilitação
constitucional, a segurança e a certeza jurídicas inerentes ao Estado de
Direito são insuficientes para fundamentar a validade da coisa julgada
inconstitucional.


Em outras palavras, a certeza e a segurança são valores
constitucionais passíveis de fundamentar a validade de efeitos de certas
soluções antijurídicas, desde que conformes com a Constituição. Todavia,
tais valores carecem de força positiva autônoma para conferir validade a
atos jurídicos inconstitucionais, a menos que a Constituição expressamente
o admita.


Desta forma, explica Paulo Otero[43], o princípio da
constitucionalidade determina que a validade de quaisquer atos do poder
público dependa sempre da sua conformidade com a Constituição. Por isso, as
decisões judiciais desconformes com a Constituição são inválidas. A coisa
julgada daí resultante é, também ela, inválida, encontrando-se ferida de
inconstitucionalidade.


Pois bem, admitindo-se que a coisa julgada inconstitucional padece do
vício da invalidade, cumpre delinear a feição jurídica desta invalidade,
uma vez que as nulidades não têm um tratamento uniforme dentro do sistema.


Regina Maria Macedo Nery Ferrari[44], em seu estudo sobre os efeitos
da declaração de inconstitucionalidade, afirma que as nulidades de direito
público, como é o caso da nulidade das decisões judiciais, não têm a mesma
disciplina jurídica das nulidades de direito privado.


Justificando a sua afirmação, a autora cita Aragão Castro Nunes, que
afirma que


"(...) a sanção de nulidade tem no direito privado
finalidade distinta, já que neste campo visa apenas a
restaurar o equilíbrio individual. Já no ramo não privado, a
finalidade é a proteção do interesse público, o que nos leva a
considerar o tema com maior ou menor flexibilidade, conforme o
exija o interesse a proteger." [45]


Pois bem, admitindo-se que uma sentença transitada em julgado
contrária à Constituição padeça do vício da invalidade, o mesmo acontecendo
com a respectiva coisa julgada, se há de reconhecer, todavia, que esta
invalidade deve ter contornos próprios, que levem em consideração
determinados fatos, tais como a presunção de constitucionalidade ínsita a
todos os atos públicos, a produção de efeitos práticos de uma decisão
eivada de inconstitucionalidade, e a insegurança jurídica que poderia advir
se a desconstituição de todos os efeitos de um ato contrário à Constituição
pudesse se processar a qualquer tempo.


Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro Faria[46], em artigo
dedicado ao estudo da coisa julgada inconstitucional, opinaram pela
absoluta nulidade do instituto, de forma que a desconstituição do julgado
inconstitucional poderia se dar a qualquer tempo e em toda e qualquer
circunstância.


Conforme afirmam os autores,


"Em se tratando de sentença nula de pleno direito, o
reconhecimento do vício de inconstitucionalidade pode se dar a
qualquer tempo e em qualquer procedimento, por ser insanável.
O vício torna, assim, o título inexigível, nos exatos termos
do parágrafo único do art. 741 do CPC, introduzido pela Medida
Provisória n.º 2.180-35/2001."[47]


No entanto, o autor salienta a necessidade de se contornar o
inconveniente da dispensa dos prazos prescricionais e decadenciais, em
prejuízo do princípio da segurança nas relações jurídicas. Para solucionar
o problema, propõe a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade a cada vez que o Tribunal viesse a decidir sobre a
inconstitucionalidade dos atos judiciais, possibilitando-se a declaração
com efeitos apenas ex nunc.


É certo que a adoção incondicional da natureza de nulidade absoluta
das coisas julgadas inconstitucionais poderiam levar a prejuízos absurdos,
ou, até mesmo, à completa insegurança das relações jurídicas.


Levados em consideração os três princípios básicos envolvidos na
questão, quais sejam, a supremacia da Constituição, a isonomia e a
segurança jurídica, é certo que nenhum deles basta, por si só, para
resolver o problema. Afinal, conforme explica Eduardo Talamini[48], não se
pode, para combater decisões inconstitucionais, em nome da supremacia da
constituição, simplesmente ignorar a segurança jurídica consubstanciada
pela coisa julgada, uma vez que esta é também um princípio constitucional.
Por outro lado, não se pode sustentar que a coisa julgada deva prevalecer a
qualquer custo, resultando em uma segurança jurídica na
inconstitucionalidade. Por fim, também a isonomia não é suficiente, por si
só, para resolver a questão.


É certo, portanto, que desconstituição das sentenças contrárias à
constituição deve fulcrar-se em certos parâmetros prefixados para que, em
respeito à segurança jurídica, seja assegurada a ordem jurídica e a
estabilidade das relações.






VI.2. Meios processuais de impugnação da coisa julgada
inconstitucional.


Como alerta Cândido Rangel Dinamarco[49], ante a inexistência de
disposição processual a respeito, os Tribunais não têm sido exigentes no
que se refere ao meio processual adequado para a impugnação da coisa
julgada nos em que se verifica a existência da coisa julgada
inconstitucional.


Desta forma, o judiciário vem admitindo o ajuizamento de nova ação
idêntica, em detrimento do instituto da coisa julgada, assim como a
desconstituição por via de a ação rescisória, embargos à execução e até de
uma ação declaratória de nulidade insanável.


Cabe, porém analisar qual seria o instrumento processual mais adequado
a esta impugnação, missão a que se propõe o presente tópico.






a) Ação Rescisória


Alguns autores, dentre os quais Teori Albino Zavascki[50], entendem
ser cabível a desconstituição da coisa julgada inconstitucional por meio da
utilização da ação rescisória.


Esta ação é prevista no ordenamento jurídico com a finalidade de
desconstituir sentenças que transitaram em julgado, mas que padecem de
vícios reputados graves pelo legislador. Deste modo, uma vez verificada uma
das hipóteses previstas no artigo 485 do Código de Processo Civil[51], é
cabível o ajuizamento de ação rescisória, por um período de dois anos após
o trânsito em julgado da decisão.


Zavascki[52] considera ser cabível a ação rescisória contra a coisa
julgada que violar a Constituição com base no inciso V do artigo 485 do PC,
que prevê a hipótese de rescisão de sentença que violar literal dispositivo
de lei.


Importa ressaltar que o vocábulo lei a que se refere o dispositivo,
conforme entende a maioria da doutrina, não alude apenas à lei em sentido
estrito,mas todas as espécies de normas jurídicas existentes no
ordenamento. No caso em questão, a norma violada é justamente a norma
constitucional.


No que se refere à literalidade da violação, cumpre esclarecer que,
conforme entende o supracitado autor, há violação literal da lei não apenas
quando se lhe contraria suas disposições explícitas, mas também quando
ocorre desobediência ao sentido inequívoco emergente do comando. Assim, não
deveria prevalecer a idéia, que obsta o conhecimento de grande parte das
ações rescisórias ajuizadas com base no inciso V do art. 485, de que a
rescisória é apenas cabível quando há uma violação gritante da lei. Poderia
haver rescisória "ainda quando a infração do direito concerne àquelas
regras sujeitas à interpretação, ou quando se trata de costume ou direito
extravagante ou singular, ainda que não notório". [53]


Com base na supremacia da Constituição na ordem jurídica, o autor
entende que, enquanto a aplicação das normas jurídicas exige uma
interpretação razoável, para a norma constitucional não basta a
interpretação razoável. É preciso que se aplique a melhor interpretação,
sob pena da possibilidade de ser a sentença desconstituída através da ação
rescisória.


Quanto à melhor interpretação, opina o doutrinador que é justamente
aquela que decorre de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, em sua
atribuição de guardião da Constituição, seja em sede de controle
concentrado ou de controle difuso. Em outras palavras, há violação a
Constituição na sentença que contrariar o entendimento do STF, tanto em
controle concentrado quanto em controle difuso, uma vez que o que importa é
que houve um pronunciamento sobre a constitucionalidade da norma advindo do
tribunal guardião da Constituição. Tal posicionamento, esclarece Zavascki,
implica inclusive em dar atendimento ao princípio da isonomia, um dos
princípios maiores do nosso ordenamento jurídico.


Outros doutrinadores mais comedidos entendem que somente se deveria
admitir a ação rescisória em questão em havendo pronunciamento do Supremo
Tribunal Federal em sede de controle concentrado, tendo em vista a eficácia
erga omnes da decisão assim emanada.


A primeira tese é defensável, na medida que qualquer pronunciamento do
Supremo sobre matéria constitucional representa o seu posicionamento sobre
a questão, consubstanciando a interpretação prevalecente no ordenamento em
matéria de constitucionalidade.


Por outro lado, é certo que em se adotando a segunda tese, estar-se-ia
tacitamente adotando a súmula vinculante em nosso ordenamento, o que não
seria aceito sem fortes protestos em nome da liberdade dos juízes de todos
os graus de jurisdição.


Em verdade, ambas as decisões, tanto aquela proferida em sede de
controle concentrado quando a emanada de processo em que o Supremo produziu
controle difuso de constitucionalidade, refletem o entendimento do guardião
da Constitucionalidade sobre a matéria, o que, em nome da supremacia da
Constituição, deverá prevalecer.


Desta forma, segundo a corrente ora exposta, em havendo sentença que
contrarie a Constituição, e atendidos os demais pressupostos da ação
rescisória, é possível desconstituí-la com a utilização desta ação,
baseando-se em violação literal de dispositivo de lei.


Neste sentido manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão
relatado pelo Ministro José Delgado, que teve a seguinte ementa:





CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RESCISÓRIA. AUSÊNCIA NOS
AUTOS DE ACÓRDÃO QUE APRECIOU CONSTITUCIONALIDADE DE LEI.
INDEFERIMENTO DA INICIAL. IMPROCEDÊNCIA. SÚMULA 343-STF.
INAPLICABILIDADE.INEXISTÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA.
1 - A juntada do acórdão que proclamou, incidenter tantum,
inconstitucionalidade de lei só é necessária para possibilitar
julgamento do extraordinário, não constituindo solenidade
essencial ao ajuizamento da ação rescisória.
2 - A ação rescisória (art. 485, V, CPC) é via adequada para
desconstituir decisão trânsita em julgado que, em desacordo
com pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, deixa de
aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional ou a aplica
por tê-la como de acordo com a Carta Magna.
3 - A coisa julgada em matéria tributária não produz efeitos
além dos princípios pétreos postos na Carta Magna, a destacar
o da isonomia.
4 - O controle da constitucionalidade das leis, de forma
cogente e imperativa, em nosso ordenamento jurídico, é feito,
de modo absoluto, pelo Colendo Supremo Tribunal.
5 - Agravo regimental improvido. [54] (sem grifo no original).



É bastante razoável se admitir a desconstituição da coisa julgada
inconstitucional através da ação rescisória, com base em violação literal a
dispositivo de lei. [55] Contudo, ante a necessidade de garantir-se a
prevalência de determinados princípios fundamentais previstos na
Constituição, cabe a ressalva de que a ação rescisória tem um prazo
preclusivo de dois anos, o que poderia ocasionar a perpetuação de uma
injustiça flagrante em virtude do decurso do tempo.


Além disso, a despeito do posicionamento adotado por este trabalho no
que se refere ao sentido da violação "literal" de dispositivo
constitucional, Francisco Barros Dias[56] adverte para o fato de que a
jurisprudência é pacífica em não reconhecer a possibilidade de rescisória
quando a sentença, mesmo eivada de vício patente, tenha adotado tese
razoável, quando o assunto é controvertido, e quando houve, à época de sua
prolação, vacilo jurisprudencial, mesmo quando depois se tenha pacificado a
tese oposta à do julgado.


Deste modo, deve-se atentar para o fato de que, quando se revelar a
supremacia de um princípio constitucional sobre o princípio da segurança
jurídica, deve-se admitir a possibilidade de se ministrarem outros meios
para desconstituir a coisa julgada inconstitucional.


b) Ação Declaratória de inexistência


Tereza Arruda Alvim Wambier[57] propõe uma classificação diversa para
a coisa julgada inconstitucional. Segundo a autora, as sentenças que
aplicam leis inconstitucionais ou que recusam a aplicação de leis
constitucionais, sob o argumento da inconstitucionalidade seriam sentenças
inexistentes, de forma que jamais fariam coisa julgada.


É importante esclarecer que classificação está inserida no contexto de
uma proposta de sistematização dos vícios da sentença feita pela indigitada
autora. Conforme sugere, os vícios das sentenças podem ser vício de
nulidade ou vício de inexistência.


Quanto à anulabilidade, a autora esclarece que não existem sentenças
anuláveis, uma vez que qualquer vício desta natureza que poderia surgir no
curso do processo seria superado pela própria preclusão.


Deste modo, prossegue a autora, as sentenças estariam eivadas de
nulidade nos seguintes casos[58]: a) quando apresentassem vícios
intrínsecos, quais sejam, o desatendimento ao princípio da congruência
(sentenças citra petita, ultra petita ou extra petita), sentenças
provenientes de processo onde tenha havido nulidades (vícios extrínsecos),
e outros casos, como o do artigo 485, VII do Código de Processo Civil.[59]


As sentenças inexistentes, por sua vez, seriam aquelas que padecessem
de vícios intrínsecos ou fossem provenientes de processos inexistentes,
tais como aqueles em que não tenha sido satisfeita uma das condições da
ação.


"Parece-nos, então, que as sentenças proferidas em
processos instaurados por meio de ação, sem que tenham sido
satisfeitas uma ou mais condições da ação: legitimidade,
interesse e possibilidade jurídica do pedido, não podem ser
consideradas nulas, mas inexistentes".[60]


Nulas, prossegue a autora, seriam todas as sentenças que pudessem ser
desconstituídas através de ação rescisória, em um lapso temporal de dois
anos, conforme se pode observar do seguinte trecho:


"Em nosso entender, efetivamente as sentenças nulas, uma
vez transitadas em julgado, passam a ser (além de nulas)
rescindíveis. Inafastável esta conclusão, em face por exemplo
do que dispõe o art. 485, II, do CPC, no sentido de que,
ausentes dois pressupostos processuais de validade, a sentença
é rescindível".[61]


As sentenças inexistentes, por sua vez, jamais fariam coisa julgada, e
sua inexistência, haja vista nada haver a se desconstituir, poderia ser
declarada, a qualquer tempo, por via de ação declaratória de inexistência.


No que se refere ao objeto do presente estudo, ou seja, a coisa
julgada inconstitucional, a autora se refere às sentenças que tenham
aplicado leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, e
às sentenças que tenham deixado de aplicar lei constitucional, por
reputarem-na inconstitucional.


No primeiro caso, Tereza Wambier fundamenta a inexistência da sentença
na ausência de uma das condições da ação, qual seja, a possibilidade
jurídica do pedido. Admite também a hipótese de se caracterizar, no caso, a
ausência de fundamentação, "já que nos sistemas jurídicos de raiz romano-
germânica as decisões devem necessariamente fundamentar-se em lei". [62]
Deste modo, uma vez que a lei haveria sido expulsa do sistema em virtude da
declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, a
sentença ter-se-ia "fundamentado" em lei que não existe, o que equivaleria
justamente à ausência de fundamentação.


No que tange às decisões que não tenham aplicado determinada lei por
considerá-la inconstitucional, a autora considera ter havido, in casu,
verdadeira negativa de vigência à lei federal, o que entende por ser a mais
grave forma de se violar a lei.


Neste caso, portanto, entende a autora ser cabível a ação rescisória,
com fulcro no artigo 485, V do Código de Processo Civil, que prevê o
cabimento de ação rescisória contra sentença que violar literal dispositivo
de lei.


A construção teórica da autora conduz a uma reflexão acerca da teoria
dos atos inexistentes, teoria esta exposta pela primeira vez por Zachariae,
na França, e na área do direito civil, na busca de justificar a ineficácia
total de certos atos praticados no âmbito do direito de família que não era
explicada pela teoria das nulidades.


A teoria dos atos inexistentes tem sido bastante contestada no âmbito
em que foi criada, qual seja, do direito privado, visto que os efeitos
decorrentes da inexistência, naquele ramo do Direito, seriam os mesmos dos
atos jurídicos nulos, do que decorreria a sua completa inutilidade.


Contudo, na órbita do direito processual a teoria tem sido quase
unanimemente acatada, uma vez que os seus efeitos, neste ramo do direito,
seriam diversos daqueles decorrentes da nulidade do ato.


Com efeito, enquanto as nulidades processuais somente existem quando
pronunciadas, os atos inexistentes prescindem da decretação judicial para
que se tornem ineficazes. O ato inexistente, explica Calmon de Passos[63],
é um não-ato. Nesta qualidade, jamais pode gerar efeitos, podendo a
inexistência ser argüida a qualquer tempo.


Todavia, a opinião predominante na doutrina, no que se refere à
natureza jurídica da coisa julgada inconstitucional é entendê-la como um
ato nulo, uma vez que ato inexistente, conforme explica Carlos Valder do
Nascimento[64], seria aquele ato desprovido dos caracteres mínimos de um
ato judicial quais sejam, ser praticado por um juiz no exercício de suas
funções, obedecendo aos requisitos formais e processuais mínimos.


Calmon de Passos[65] enumera algumas hipóteses de inexistência dos
atos jurisdicionais: sentenças proferidas por um não-juiz, ou não
subscritas pelo juiz, sentenças desprovidas de conclusão, sentenças
impossíveis, explicadas como aquelas que aplicam direito não contido
expressamente, nem implicitamente, no sistema legislativo, sentenças
proferidas contra quem não foi parte ou não tinha capacidade de ser parte,
sentenças que contenham absoluta ausência de vontade, e atos em geral não
previsto pelo ordenamento jurídico processual.


Parece ser este o posicionamento mais acertado. Consubstanciaria um
sério risco para a segurança jurídica afirmar que uma sentença proferida e
firmada por um juiz, no exercício de sua função jurisdicional, que
contivesse os caracteres mínimos para sua configuração como sentença, sendo
provida de relatório, fundamentação e conclusão, pudesse ser caracterizada
como uma não-sentença, ainda que seu conteúdo violasse a Constituição.


A inconstitucionalidade da sentença pode configurar um defeito de
fundamentação ou de disposição, mas não a ausência destes requisitos. Deste
modo, melhor classificar a coisa julgada inconstitucional na categoria dos
atos nulos.


No que se refere à impugnabilidade, é idéia corrente na doutrina que
admite a relativização da coisa julgada a sentença inconstitucional poderia
ser impugnada a qualquer tempo. Contudo, esta não parece ser justificativa
para, por si só, caracterizá-la como ato inexistente. Melhor admitir, como
Carlos Válder do Nascimento[66], a existência no direito processual de
nulidades absolutamente insanáveis, como é o caso de sentença proferida em
processo em que não houve citação, ou em que houve citação nula.


Deste forma, assim como no caso das sentenças proferidas em processo
sem citação, ante a relevância do vício de inconstitucionalidade, a coisa
julgada seria absolutamente nula, e a sua argüição não se limitaria ao
prazo bienal da ação rescisória, mas seria argüível a qualquer tempo, uma
vez que a inconstitucionalidade jamais seria convalidada. Mas isto será
objeto de outro tópico, restando, por ora, declarar que não deve prevalecer
a concepção de que a sentença contrária à constituição é sentença
inexistente, jamais formando coisa julgada.






c) Embargos do devedor


A medida provisória n. 2102-27, de 26/01/2001, incluiu uma nova
hipótese de Embargos à Execução, através da inserção do parágrafo único ao
artigo 741 do Código de Processo Civil que assim dispõe:


"parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II
deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial
fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais
pelo Supremo Tribunal Federal, ou em aplicação ou
interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição
Federal"


Este dispositivo declara nula a execução fundada em título judicial
inconstitucional, em três situações: A) quando houver julgado proferido
pelo Supremo Tribunal Federal que tiver reconhecido a inconstitucionalidade
da lei ou do ato normativo sobre o qual o título executivo estiver fundado;
B) quando o título executivo judicial implique aplicação tida por
incompatível com a Constituição e C) quando o título executivo judicial
implique interpretação tida por incompatível com a Constituição.


Deste modo, o Código de Processo Civil passou a trazer, de forma
expressa, uma alternativa para a desconstituição da coisa julgada contrária
à Constituição, por via dos Embargos à Execução, mesmo que o título
judicial não possa mais ser objeto da ação rescisória, em razão do prazo
decadencial de dois anos.


Esta alternativa revelou-se ponderosamente útil, visto que, embora os
tribunais viessem admitindo a desconstituição de coisas julgadas
inconstitucionais por via de ação rescisória, ou, por vezes, conforme se
verá adiante, até por ações autônomas, na maioria dos casos o
restabelecimento do status quo ante não mais se fazia possível, haja vista
que a coisa julgada inconstitucional já havia ensejado a formação de um
título judicial em vias de execução.


Sob a alegação de ofensa ao princípio da coisa julgada, o Conselho
Federal da OAB propôs ação direta de inconstitucionalidade contra este
dispositivo (Adin n. 2418-3, Relator Ministro Sydney Sanches), a qual
encontra-se à espera de julgamento. Contudo, conforme o entendimento
exposto ao longo deste trabalho, não há inconstitucionalidade no
dispositivo, ao menos no que tange à questão material, visto que a
Constituição admite que a coisa julgada seja delimitada e restringida em
seus efeitos através de lei ordinária.


Pois bem, impõe-se, em princípio, analisar se há ou não a necessidade
da existência de julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal acerca
da constitucionalidade da sentença a ser impugnada por via dos aludidos
embargos à execução.


Quanto à primeira das situações previstas pelo novel parágrafo único
do artigo 741, ou seja, quando houver julgado proferido pelo Supremo
Tribunal Federal que tiver reconhecido a inconstitucionalidade da lei ou do
ato normativo sobre o qual o título executivo estiver fundado; não há
qualquer dúvida, uma vez que o dispositivo prevê expressamente a
necessidade da indigitada declaração.


Resta, portanto, saber se o pronunciamento do Supremo se impõe para a
oposição dos embargos fundados no dispositivo em análise quando o título
executivo judicial implique aplicação ou interpretação tidas por
incompatíveis com a Constituição.


Entende Gilberto Barroso de Carvalho Júnior[67] que a análise do texto
permite inferir que a inexigibilidade da coisa julgada inconstitucional não
pressupõe, nestes casos, a existência de julgamento proferido pelo Supremo,
sob o argumento de que a diversidade dos casos concretos não se coaduna com
este requisito.


Contudo, a melhor solução é aquela apresentada por Eduardo
Talamini[68], que entende haver necessidade de manifestação do Supremo para
todas as hipóteses previstas no dispositivo.


É que, conforme aludiu-se ao tratar da rescisória em matéria
constitucional, a última palavra em matéria de constitucionalidade é aquela
proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, explica o autor, não seria
o entendimento de qualquer juiz ou tribunal ou o das partes que deveria
estar apto a ensejar a oposição dos ditos embargos, mas, tão somente, o
entendimento da corte constitucional. Contudo, ao contrário do autor, que
entende ser necessário que o pronunciamento do Supremo seja por via de
controle abstrato de constitucionalidade ou que, sendo através do controle
difuso, impõe-se ter havido a suspensão dos efeitos da norma
inconstitucional pelo Senado, parece ser o melhor entendimento aquele que
admite que o pronunciamento do tribunal constitucional pode ser tanto por
via difusa quanto através de controle concentrado.


Outro aspecto a ser abordado é aquele que resulta da possibilidade,
inserida no nosso direito através da lei 9868/99, de o Supremo Tribunal
Federal modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade.[69] A
regra geral é que a declaração acerca da constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de uma norma jurídica pelo Supremo tem eficácia ex
tunc. Isto decorre da própria natureza deste ato jurídico, uma vez que a
incompatibilidade da norma com a Carta Magna não decorre da declaração, mas
é apenas reconhecida por ela. Assim, uma vez reconhecida a
inconstitucionalidade de uma norma jurídica, todos os atos jurídicos dela
decorrentes estão, conseqüentemente, contaminados pela
inconstitucionalidade dela originária.


O artigo 27 da Lei 9868/99 surgiu justamente para preservar situações
jurídicas que, apesar de geradas sob o manto da norma posteriormente
declarada inconstitucional, sendo conseqüentemente nulas, acarretariam dano
maior acaso a mencionada inconstitucionalidade implicasse em sua
desconstituição.


Pois bem, uma vez exercido este poder atribuído ao Supremo, indaga-se
se a decisão formada sob o manto de uma norma cuja inconstitucionalidade
tenha sido declarada pelo STF, que, todavia, tenha determinado que todos os
efeitos pretéritos fossem mantidos, poderia ser objeto dos Embargos
previstos no artigo 741, parágrafo único do Código de Processo Civil. E a
resposta não poderia ser mais clara. Uma vez que o entendimento da Corte
Suprema é justamente no sentido de se preservarem os efeitos pretéritos da
norma declarada inconstitucional, a toda evidência ele estará resguardando
a coisa julgada formada sob tais circunstâncias, a qual, conseqüentemente,
não poderá ser objeto dos aludidos embargos.


Questão interessante, mencionada por Eduardo Talamini[70], é que as
decisões obstadas por via de embargos à execução são, justamente, as
decisões com conteúdo condenatório. Este fato é relevante na medida que
observamos que as sentenças condenatórias, para que promovam uma
modificação efetiva no mundo fático, precisam do processo executivo. Deste
modo, ao se possibilitar a desconstituição da coisa julgada
inconstitucional em ação condenatória, estar-se-á efetuando uma ingerência
na segurança jurídica menos grave do que se estaria ao se desconstituir
sentença declaratória ou constitutiva, as quais, por si sós, já efetivam
transformação substancial no mundo dos fatos.


Cabe também analisar se é possível alegar a inexigibilidade do título
judicial inconstitucional através de Exceção de pré-executividade.


Posicionamento bastante liberal é aquele trazida por Gilberto Barroso
de Carvalho Júnior[71], que entende ser possível a desconstituição do
título até mesmo por exceção de pré-executividade, uma vez que, sendo nula
a coisa julgada, ela não poderia ser tida como um título exigível. Deste
modo, uma vez que a exigibilidade é um pressuposto de existência da
execução, a inexigibilidade também poderia ser conhecida de ofício, o que
possibilitaria o ajuizamento da exceção, mesmo se já transcorrido o prazo
para embargos.


Eduardo Talamini, por sua vez, entende que não é cabível o meio em
questão. O autor defende que a sentença que veicula uma solução
inconstitucional não seria, intrinsecamente, nem nula nem ineficaz, mas
apenas injusta, uma vez que a coisa julgada serviria como uma sanatória
geral. Assim, a inexigibilidade criada pelo parágrafo único do artigo 741
serviria apenas para os fins do disposto no inciso II do artigo, ou seja,
para fins de Embargos à Execução. O caso não trataria, propriamente, de uma
inexigibilidade, sendo que a alusão a esse termo seria "uma tentativa
(inútil e atécnica) do legislador de enquadrar a nova hipótese de embargos
em alguma das categorias já existentes, para assim diminuir as censuras e a
resistência à inovação".[72]


Embora os argumentos de Talamine sejam bastante ponderáveis, verifica-
se que, em verdade, o novo dispositivo não criou uma hipótese de
inexigibilidade, mas reconheceu a nulidade do título executivo
inconstitucional. Assim, esta nulidade poderia ser reconhecida inclusive
através da exceção de pré-executividade, acaso se verificassem os demais
requisitos autorizadores deste instrumento. Ademais, o que importa para o
cabimento da exceção de pré-executividade é que haja um constrangimento
ilegal do patrimônio do executado, sendo que esta ilegalidade seja patente
e possa ser demonstrada de plano no curso mesmo da execução. Assim, em se
adotando a tese em abstrato de inconstitucionalidade do título judicial
exeqüendo, pouca diferença faz ser ele impugnado por meio de embargos ou de
exceção de pré-executividade.


Por fim, é necessário salientar que, como todo e qualquer instituto
jurídico, os embargos à execução pelo parágrafo único do artigo 741 não
podem ser opostos contra decisões transitadas em julgado antes da vigência
da medida provisória que o instituiu. Isto se justifica porque, na
qualidade de norma processual, o preceito tem aplicabilidade imediata,
podendo ser aplicado desde o momento que passou a viger. Contudo, como é do
próprio caráter das normas jurídicas, esta não pode ser aplicada a
situações pretéritas. Assim, uma vez que a sentença tenha transitado em
julgado antes da vigência da Medida Provisória n. 2102-27, de 26/01/2001,
sobre ela não pode incidir a inexigibilidade prevista por esta norma.






d) Uma ação independente


Conforme visto até o momento, a coisa julgada inconstitucional é
passível de desconstituição através de ação rescisória, bem como pode ter a
execução nela fundada obstada por meio de embargos à execução, com fulcro
no artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, sendo que
alguns autores admitem, inclusive, a extinção da execução por via de
exceção de pré-executividade.


Contudo, é certo que os dois principais meios de impugnação estão
sujeitos aos prazos decadenciais previstos em lei: de dois anos contados do
trânsito em julgado para a ação rescisória e de dez dias contados da
intimação da penhora para os embargos à execução. Cumpre, portanto, indagar
se, ante a supremacia da Constituição e o princípio da isonomia, existe
algum meio para desconstituir a coisa julgada inconstitucional que tivesse
superado o prazo para a ação rescisória – a coisa soberanamente julgada –
e/ou tivesse esgotado também o prazo para o ajuizamento de embargos à
execução.


Eduardo Talamine[73], a despeito de defender uma solução fartamente
amparada na lei - a oposição dos embargos ex vi do artigo 741 do Código de
Processo Civil - admite que, em determinados "casos-limite", não se pode
descartar a possibilidade de descontituição da coisa julgada, mesmo nas
ações com conteúdo declaratório ou constitutivo, em que incabíveis os
indigitados embargos. Tratam-se de situações, explica o autor, em que a
ofensa à Constituição seja de tal monta que justifique o seu desfazimento
até mesmo após transcorrido o prazo para ação rescisória. Nestes casos,
isto ocorre pela própria incidência dos valores constitucionais, resultante
de uma ponderação que se deve fulcrar nos critérios da razoabilidade e da
proporcionalidade.


Neste diapasão, alguns doutrinadores, como Carlos Valder do
Nascimento[74], Cândido Rangel Dinamarco[75] e Humberto Teodoro Júnior[76],
vêm apontando a possibilidade de, com a finalidade de desconstituir a coisa
julgada inconstitucional, se admitir o ajuizamento de uma ação autônoma, a
qualquer tempo, como se pode verificar do trecho seguinte, de Carlos
Valder:


"Não há como, pelo que se infere do exposto, convalidar
sentença nula, notadamente contaminada pelo vício da
inconstitucionalidade que não subordina sua desconstituição ao
manejo da rescisória. De fato, essa é a regra que prevalece no
direito brasileiro, o que possibilita a recorrer-se a ação de
impugnação autônoma, tanto quanto a de incidentes de embargos
à execução."[77]


A despeito da opinião corrente de que a ação declaratória de nulidade
insanável, ou querella nullitatis insanabilis, não mais existe no direito
moderno, importantes juristas vêm declarando a sua sobrevivência, dentre os
quais destaca-se o nome de Piero Calamandrei.[78]. Em se verificando a
coisa julgada inconstitucional, esta ação teria o condão de declarar a
nulidade do julgado, nos moldes da ação declaratória de nulidade por
inexistência ou nulidade da citação seguida de revelia, podendo ser
proposta a qualquer tempo, uma vez que, segundo os partidários dessa tese,
o vício de inconstitucionalidade jamais se convalidaria. [79]


Na verdade, como enfaticamente exposto neste trabalho, a coisa julgada
inconstitucional representa um conflito entre os princípios da segurança
jurídica e a supremacia da Constituição sobre todos os atos jurídicos.
Deste modo, sempre que observada a inconstitucionalidade de uma decisão
judicial transitada em julgado, deve-se estabelecer um confronto entre os
valores envolvidos, para que se decida entre a preservação da coisa julgada
ou a supremacia do valor constitucional violado. Em se verificando uma
grave violação a princípio constitucional, violação esta que, no caso
concreto, represente maior ofensa ao sistema do que a ofensa à segurança
jurídica, deve proceder a ação declaratória de nulidade insanável para
desconstituir o julgado.


Para que os padrões de análise comparativa não sejam deixados ao
absoluto arbítrio do julgador, impende sejam traçadas algumas diretrizes
para norteá-lo neste mister, buscando-se a restauração da harmonia do
ordenamento jurídico.


José Augusto Delgado, afirmando que "deve sempre o intérprete ao se
deparar com conflito entre os princípios da coisa julgada e outros postos
na constituição, averiguar se a solução pela aplicação do superprincípio da
proporcionalidade e da razoabilidade, fazendo prevalece-los no caso
concreto, conduz a uma solução justa e ética e nunca aquela que acabaria
por consagrar uma iniqüidade, uma imoralidade",[80] aponta algumas
hipóteses em que se deve optar pela desconstituição da coisa julgada
inconstitucional.


Em uma apertada síntese, o autor entende que não deve prevalecer a
coisa julgada inconstitucional nas situações em que a coisa julgada
ultrapassar os princípios da moralidade e da legalidade, transformar fatos
não verdadeiros em reais, estipular obrigações para o Estado ou para o
cidadão ou para pessoas jurídicas que não sejam amparadas pelo direito,
violar princípios constitucionais que dignifiquem a cidadania e o Estado
Democrático, for via para o cometimento de injustiças, de apropriações
indébitas de valores contra o particular ou contra o Estado, provocar
desigualdades nas relações do contribuinte para com o fisco, e nas dos
servidores com o órgão que os acolhe, e quando violado o princípio da justa
indenização nas desapropriações. [81]


Deste modo, uma vez verificada pelo julgador uma das violações acima
descritas, a caracterizar grave ofensa aos ditames da carta magna, deve dar
provimento à ação declaratória de nulidade insanável, em nome da primazia
da Constituição sobre o ordenamento jurídico.


É necessário alertar para o risco de se possibilitar a argüição a
qualquer tempo, e sob qualquer circunstância, da inconstitucionalidade do
julgado. No intuito de evitar a eterna possibilidade desta argüição, Paulo
Roberto de Oliveira Lima. propõe que se crie uma ação específica com a
finalidade de desconstituir a coisa julgada inconstitucional, adotando-se
como prazo final aquele relativo à prescrição para o exercício do direito
subjetivo, cuja alegação ensejou a procura do judiciário.


Esta seria, efetivamente, a melhor forma de se solucionar o problema
proposto, uma vez que a criação deste instrumento processual atenderia aos
princípios magnos da Constituição sem que, para isso, viesse a possibilitar
a possibilidade eterna de desconstituição dos julgados. É certo, porém, que
enquanto esta ferramenta não é criada, o julgador, em nome do equilíbrio
das relações jurídicas, deve admitir, em caso de violações muito graves à
Constituição, o ajuizamento de uma ação declaratória de nulidade da
sentença, nulidade esta que, decorrendo da violação de princípios basilares
do ordenamento jurídico previstos constitucionalmente, pode ser admitida
como insanável.



Conclusões





1. Analisando-se as observações feitas ao longo do presente trabalho,
verifica-se que o instituto da coisa julgada, entendida como a mais
absoluta imutabilidade da decisão judicial de que não mais caiba recurso,
não mais atende aos anseios do ordenamento jurídico em busca da primazia da
justiça, razão pela qual renomados juristas vêm defendendo uma nova
disciplina no tratamento da coisa julgada, no sentido de propor limites à
imutabilidade dos efeitos do julgado.


2. O tratamento constitucional dispensado à coisa julgada, a despeito
dos posicionamentos tradicionais, refere-se apenas à impossibilidade de lei
posterior interferir no comando trazido por sentenças transitadas em
julgado antes de sua vigência. Desta forma, é perfeitamente possível a
criação de limitações ou modificações no instituto da coisa julgada, a
exemplo da ação rescisória e da revisão criminal.


3. Uma das mais importantes questões levantadas pelos partidários da
relativização da coisa julgada diz respeito à coisa julgada
inconstitucional, visto que, conforme o princípio da constitucionalidade, a
observância da Constituição é pressuposto de validade de todo e qualquer
ato jurídico, sendo certo que a coisa julgada, por outro lado, atende aos
imperativos de segurança e efetividade do provimento jurisdicional, que
também constituem princípio Constitucional.


4. Impõe-se, em princípio, reconhecer que a sentença violadora da
Constituição é eivada de vício mais grave do que a sentença meramente
ilegal, visto que a Carta Magna contém os valores fundamentais do
ordenamento jurídico. Além disso, o poder judiciário, assim como o
legislativo e o executivo, extrai sua competência do disposto no texto
constitucional, de forma que ele não pode ir de encontro às disposições
nela contidas.


5. A solução para o conflito entre os princípio da primazia da
Constituição e isonomia e o da segurança jurídica consubstanciada pela
coisa julgada, deve ser dada através da ponderação, em cada caso concreto,
entre os princípios envolvidos, sempre se levando em consideração que a
coisa julgada não deve ser tomada como um valor superior e absoluto.


6. Verificada a ocorrência de coisa julgada inconstitucional, o
ordenamento jurídico dispõe, para combatê-la, dos instrumentos da ação
rescisória e dos embargos à execução fundados no artigo 741, parágrafo
único, do Código de Processo Civil.


7. Contudo, ante a existência dos prazos preclusivos para estes
remédios jurídicos, deve-se admitir, em caso de graves violações aos
princípios constitucionais, a utilização de ação autônoma para combater a
coisa julgada inconstitucional, nos moldes da ação declaratória de nulidade
insanável.


8. A admissão de uma ação autônoma deve ocorrer, apenas, em hipóteses
excepcionais, quando, sopesados os princípios aparentemente conflitantes,
se verificar a efetiva necessidade de se desconstituir o julgado, ante o
imperativo maior de proteção à Constituição.


9. Ante o evidente risco de se admitir a desconstituição de julgados
as qualquer tempo, impõe-se a criação de uma ação específica, que venha a
prever um prazo decadencial razoável, com o fito de atacar a coisa julgada
inconstitucional.



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[1] OTERO, Paulo. Ensaio Sobre o Caso Julgado Inconstitucional, Lisboa:
Lex, 1993.
[2] DELGADO, José Augusto. "Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios
Constitucionais". in: NASCIMENTO, Carlos Valder. (coordenaodor), Coisa
Julgada Inconstitucional, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.
[3] LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa
Julgada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
[4] Idem. Ibidem.
[5] Estas três situações foram apontadas por Paulo Otero, ob.cit., pág. 65.
[6] NERY JÚNIOR, Nelson. e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo
Civil Comentado e legislação processual extravagante em vigor: atualizado
até 15.03.02, 6. ed. rev., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2002, pág. 743.
[7] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e Coisa Julgada, 2. ed., Porto
Alegre: Fabris, 1998, págs. 483 e ss.
[8] OTERO, Paulo. Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional, cit., págs.
56 a 62.
[9] LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa
Julgada, cit., pág. 83.
[10] DINAMARCO, Cândido Rangel. "Relativizar a Coisa Julgada Material",
in.: NASCIMENTO, Carlos Valder do. (coordenador) Coisa Julgada
Inconstitucional, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, págs. 54 e 55.
[11] LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa
Julgada, cit., pág. 83
[12] Neste sentido, manifestou-se Cândido Rangel Dinamarco no artigo
"Relativizar a Coisa Julgada Material", cit., pág. 54 e 55, afirmando que
"Por força da coisa julgada, não só o legislador carece de poderes para dar
nova disciplina a uma situação concreta já definitivamente regrada em
sentença irrecorrível, como também os juízes são proibidos de exercer a
jurisdição outra vez sobre o caso e as partes já não dispõem do direito de
ação ou de defesa como meios de voltar a veicular em juízo a matéria já
decidida".
[13] TALAMINI, Eduardo. "Embargos à Execução de Título Judicial Eivado de
Inconstitucionalidade." in: Revista de Processo, ano 27, n.º 106 -
abril/maio/junho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pág. 65.
[14] A revisão criminal é assim tratada pelo Código de Processo Penal:
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei
penal ou à evidência dos autos;
II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos , exames ou
documentos comprovadamente falsos;
III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do
condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial
da pena.
Art. 622. A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da
extinção da pena ou após.
[15] LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa
Julgada. cit., págs. 83 e ss.
[16] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 10ª
ed. Malheiros, 1998, págs. 583 e 584.
[17] Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa, 2. ed., revista e aumentada. Rio de Janeiro: Editora
Nova Fronteira, [s.d.], pág. 1594.
[18] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição:
fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999, págs. 150 e ss.
[19] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição,
cit., págs.147 e ss.
[20] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional, Coimbra: Almedina,
1993, pág. 167.
[21] MACHADO NETO, Antônio Luís. Sociologia Jurídica, 6.ed. São Paulo:
Saraiva, 1987, pág. 154 e ss.
[22] Idem. Ibidem, pág. 158.
[23] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 1988, págs. 23 e ss.
[24] Idem. Ibidem, pág. 65.
[25] NETO, A. L. Machado. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São
Paulo: Saraiva, 1969, pág. 75.
[26] DINAMARCO, Cândido Rangel. "Relativizar a Coisa Julgada Material",
cit.., pág. 35.
[27] MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional, 6. ed. São Paulo: Atlas,
1999.
[28] Alexandre de Morais explica que, neste histórico julgamento, "o Juiz
Marshal da Suprema Corte Americana afirmou que é próprio da atividade
jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E, ao faze-lo, em caso de
contradição entre a legislação e a Constituição, o tribunal deve aplicar
esta última, por ser superior a qualquer lei ordinária do Poder Legislativo
(ob. cit., pág. 541)."
[29] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição,
cit., pág. 156.
[30] OTERO, Paulo. Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional, cit., pág.
20.
[31] ZAVASCKI, Teori Albino. "Ação Rescisória em Matéria Constitucional".
in: JUNIOR, Nelson Nery e WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coordenadores).
Aspectos Polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de
impugnação às decisões judiciais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2001, pág. 1041.
[32] COSTA NEVES, Murilo Sechieri. "Relativização da Coisa Julgada", São
Paulo: Complexo Damásio de Jesus, ago. 2002, endereço eletrônico:
http://www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm, consultado em 03 de
janeiro de 2003.
[33] SILVA JR, Walter Nunes da. "Coisa Julgada – Direito Imperativo ou
Facultativo", in.: Justiça Federal do Rio Grande do Norte – Doutrina,
endereço eletrônico: http://www.jfrn.gov.br/doutrin1.htm,consultado em 01
de setembro de 2001.
[34] DINAMARCO, Cândido. "Relativizar a coisa julgada material", cit., pág.
34 e ss.
[35] STJ, 1ª T., REsp. n.º 240.712/SP, j. 15.2.2000, Rel. José Delgado
[36] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na Jurisdição
Constitucional, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, pág. 122.
[37] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002,
págs. 103 e ss.
[38] Idem. ibidem, pág. 109.
[39] DINAMARCO, Cândido. "Relativizar a coisa julgada material", cit., pág.
34 e ss.
[40] DIAS, Francisco Barros. "Breve Análise Sobre a Coisa Julgada
Inconstitucional", in.: Justiça Federal do Rio Grande do Norte – Doutrina,
endereço eletrônico: www.jfrn.gov.br/doutrin1.htm,consultado em 01 de
setembro de 2001, pág.. 1.
[41] DINAMARCO, Cândido Rangel. "Relativizar a Coisa Julgada Material",
cit. pág. 39.
[42] OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, cit.,
págs. 56 a 62.
[43] Idem. Ibidem.
[44] FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da Declaração de
Inconstitucionalidade, 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1999, págs. 112 a 126.
[45] Castro Nunes, Aragão. Poder de iniciativa e inconstitucionalidade da
lei, RDA 64/361, apud FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da
Declaração de Inconstitucionalidade, cit., pág. 118.
[46] THEDORO JÚNIOR, Humberto, e FARIA, Juliana Cordeiro. "A coisa Julgada
Inconstitucional e os Instrumentos Processuais para seu Controle." in.:
NASCIMENTO, Carlos Valder. (coordenador) Coisa Julgada Inconstitucional,
Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.
[47] Idem. Ibidem, pág. 160.
[48] TALAMINI, Eduardo. Embargos à Execução de Título Judicial Eivado de
Inconstitucionalidade, cit., pág. 78.
[49] DINAMARCO, Cândido Rangel. "Relativizar a Coisa Julgada Material",
cit., pág. 70.
[50] ZAVASCKI, Teori Albino. Ação Rescisória em Matéria Constitucional,
cit., pág. 1041 e ss.
[51] São as seguintes as situações que autorizam o ajuizamento da
indigitada ação: I - sentenças proferidas pelo juiz por prevaricação,
concussão ou corrupção; II – sentenças proferidas por juiz impedido ou
absolutamente incompetente; III – sentença que resultar de dolo da parte
vencedora ou de colusão em fraude a lei; IV – sentença que ofender a coisa
julgada; V – sentença que violar literal disposição de lei; VI – sentença
que se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo
criminal ou tenha sido provada na própria ação rescisória; VII – quando,
depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência
ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar
pronunciamento favorável; VIII – quando houver fundamento para invalidar
confissão, desistência ou transação, em que se basear a sentença; IX –
sentença fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da
causa; X – quando for fixada indenização em ação de desapropriação direta
ou indireta em valor flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao
preço de mercado objeto da ação judicial.
[52] ZAVASCKI, Teori Albino. Ação Rescisória em Matéria Constitucional,
cit., pág. 1041 e ss.
[53] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição
Constitucional, cit., pág. 127.
[54] STJ, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 202290, Processo:
199800645586 – MG, órgão julgador: 1ª Turma, data da decisão: 18/02/1999,
fonte DJ, data:26/04/1999, pág. 67 , Relator José Delgado.
[55] Cabe colocar, aqui, a questão da aplicabilidade da Súmula 343 do STF à
ação rescisória em matéria constitucional. Esta súmula dispõe que "não cabe
ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei quando a decisão
rescindenda se tiver baseado em texto de interpretação controvertida nos
tribunais". O sentido da súmula é impedir o cabimento de ação rescisória
quando houver aplicação razoável do dispositivo legal, uma vez que a
existência de divergência nos tribunais quando à interpretação de
determinada disposição implica na existência de mais de uma interpretação
razoável. Contudo, o entendimento predominante nos tribunais tem sido o da
não observância desta súmula quando a rescisória estiver fundada em
violação literal a dispositivo constitucional. É que, dada a supremacia da
Constituição, sua aplicação não pode ficar sujeita a dúvidas ou
perplexidade. Neste sentido, manifestou-se o TRF 5ª Região: (Ação
Rescisória N. 000228/PE, Relator : JUIZ JOSE DELGADO, Turma: PL,
Julgamento: 22/06/1994 Publicação: 12/08/1994 Fonte: DJ Pag:043447 ), cuja
ementa teve o seguinte teor:
CONSTITUCIONAL E TRIBUTARIO. AÇÃO RESCISORIA. LEI 7689/88.
CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. PRIMEIRO A SETIMO DECLARADA PELO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE, TÃO-SO, DO ART. OITAVO.
INAPLICABILIDADE DA SUMULA 343-STF. DESCONSTITUIÇÃO DO ACORDÃO ARESTADO.
RESCISORIA PROVIDA.
1 – O Colendo Supremo Tribunal Federal, em várias decisões, tem se
pronunciado pela constitucionalidade dos art. primeiro a sétimo, da lei
7689, de 15/11/88. A respeito, aponta, apenas, como inconstitucional, o
art. oitavo, da mesma lei.
2 – Sendo da competência do Colendo Supremo Tribunal Federal julgar,
mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de
tratado ou lei federal, ocorre literal violação a dispositivo legal quando
órgão judiciário inferior prover pedido de parte interessada, sob o
fundamento de ser inconstitucional lei que o tribunal maior, mesmo em
decisão posterior, entende diferentemente. Cabendo à excelsa Corte Suprema
guardar a atuação do ordenamento jurídico de acordo com a Constituição,
somente e ele é que cabe, dizer com força de imperatividade, se a lei é
inconstitucional ou não.
3 – A Súmula 343-STF, há de ser entendida com a mensagem que ela própria
contém. Ela se destina a prestigiar a interpretação controvertida de texto
legal pelos tribunais. Não se expande, consequentemente, a prestigiar
divergência sobre inconstitucionalidade de lei entre tribunais inferiores e
o Colendo Supremo Tribunal Federal.
4 – A função do Direito é ordenar. Atuar de modo sistemático e obedecendo a
uma hierarquia de valores que se expressam, também, no campo das
competências. A unidade de sua força se encontra na horizontalidade de suas
decisões e no estado harmônico como se apresenta o ordenamento jurídico.
Este, em determinados momentos, deve submeter-se ao processo de
verticalização que lhe foi imposto pela Constituição
Federal, pelo que, em tema de constitucionalidade ou inconstitucionalidade,
há de, sempre, homenagear a corte que tem competência para a respeito
decidir.
5 – Ação rescisória provida, para desconstituir, em parte, assim, a douta
decisão atacada, a fim de que prevaleça, tão somente, a
inconstitucionalidade do art. oitavo da lei 7689/88. Honorários
advocatícios pela parte vencida, na base e 10% (dez por cento).
[56] DIAS, Francisco Barros. "Breve Análise Sobre a Coisa Julgada
Inconstitucional", cit., pág. 3.
[57] WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença,
cit., págs. 310 e ss.
[58] Idem, pág. 227.
[59] O art. 485, VII do CPC dispõe que a sentença de mérito transitada em
julgado pode ser rescindida quando, depois da sentença, o autor obtiver
documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso,
capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável.
[60] WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença,
cit, págs. 271 e 272.
[61] Idem. Ibidem, pág. 226.
[62] WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da
Sentença,.cit., pág. 312.
[63] PASSOS. José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades
aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 101.
[64] NASCIMENTO, Carlos Valder do. "Coisa Julgada Inconstitucional", cit.,
págs. 16 a 18
[65] PASSOS. José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades
aplicada às nulidades processuais, cit., págs. 103 e 104.
[66] NASCIMENTO, Carlos Válder do. "Coisa Julgada Inconstitucional", cit.,
pág. 23.
[67] CARVALHO JÚNIOR, Gilberto Barroso de. "A coisa julgada
inconstitucional e o novo parágrafo único do art. 741 do CPC." Jus
Navigandi, Teresina, a7, n.61, jan. 2003. Disponível em:
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