Reflexão sobre \"O Trabalho do Historiador\"

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REFLEXÃO SOBRE “O TRABALHO DO HISTORIADOR” Raquel Lavrador Novais Trabalho de Metodologia da História, Licenciatura em História – 1º Ano

Docente

Professora Doutora Raquel Henriques

PALAVRAS-CHAVE E RESUMO Lisboa, 27 Outubro 2015

Resumo O trabalho do historiador é determinado pela essência do seu objeto de estudo, a História , comportando em si determinadas metodologias inerentes a uma ciência social e humana. Apesar de algumas facetas do seu ofício se manterem inalteráveis com a passagem do tempo outras são alvo de constante mutação, adequando-se ao processo de construção a que a História nos remete e à postura do historiador face a esta. Palavras-chave: Método; Aprendizagem; Memória.

REFLEXÃO SOBRE O “TRABALHO DO HISTORIADOR”

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Segundo a semântica da palavra “historiador” este indivíduo apresenta-se, apenas, como um especialista na narração de acontecimentos históricos.1Porém, esta definição não permite conhecer a plenitude do seu trabalho, que se centra no seu objeto de estudo, a História. Esta dá-lhe as ferramentas necessárias para, através do passado, compreender o futuro. O “historiador antigo” encarregava-se de narrar os acontecimentos históricos e figuras individuais mais importantes.2 Era “(...) uma espécie de juiz dos Infernos, encarregado de distribuir o elogio ou o vitupério aos heróis mortos”3 que, agora, adquirem a mesma importância dos heróis coletivos. Contrariamente, o “historiador recente” procura o quotidiano e corriqueiro4. Mas, se por um lado valoriza a História que estava na sombra dos heróis, também a erradica com os holofotes dos meios de comunicação. Segundo Jacques Le Goff:

O progresso permitido pelos media, especialmente pela televisão, impõe ou propõe menos História que o historiador. (...) Há mais historiadores atuais (...) que são solicitados para participar em emissões. [ou seja] O historiador novo vê-se. A História que ele faz, essa já se vê menos. 5

A verdadeira essência do trabalho do historiador é conhecer o passado, tentando reconstruí-lo ao invés de tentar reproduzi-lo com exatidão. Metodologicamente começa com uma atitude de curiosidade. Esta estimula a procura de informações (Heurística), interpretação/crítica (Hermenêutica) e síntese e comunicação das mesmas. A escolha do tema pode dever-se tanto à curiosidade como a fatores externos, como pressões sociais ou mesmo a disponibilidade de acesso às fontes (manuscritas, monumentais etc.).6 Segue-se o trabalho de investigação, moroso e

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historiador in Dicionário da Língua Portuguesa sem Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, (2003-2015). [consultado em 11 Outubro 2015] Disponível em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa-aao/historiador 2 Caraterização da História como um todo e não apenas como o conjunto dos acontecimentos mais importantes. Consulte-se por exemplo: BARRACLOUGH, Geoffrey. Em Busca de Novos Conceitos e de uma Nova Metodologia. In Geoffrey Barraclough (1980). A História (Vol.1, pp.82-83). Amadora: Livraria Bertrand 3 BLOCH, Marc (2002). Apologia da História ou O Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda. p.125 4 Destaca-se o tema do processo de evolução da mentalidade do historiador. Consulte-se a este propósito: BARRACLOUGH, Geoffrey, op. cit., pp.86-88 5 LE GOFF, Jacques & et.al (s.d). A Nova História. Lisboa: Edições 70, Lda. p.18 6 Destacam-se alguns tipos de fontes. Para o que se segue consulte-se: BLOCH, Marc. A observação Histórica. In Marc Bloch, op. cit., p.85

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complexo. Negando ser detentor da verdade absoluta o historiador compara e confronta as informações extraídas. Deste modo consegue compreender todas as facetas do seu objeto de estudo e garantir a fidedignidade e a verdade histórica do seu trabalho. Este encontrar-se sempre em aberto, esperando por novos desenvolvimentos e novas conclusões. Segundo Giovanni Levi, “Essa é a caraterística da comunicação dos historiadores.

Trabalhamos

sempre

sobre

algo

que

não

se

pode

afirmar

inquestionavelmente, que não se pode resolver definitivamente.” 7 Na seleção e interpretação das informações o historiador deve reconhecer a necessidade de recorrer a diversas perspetivas que o auxiliem. Para tal, recorre à interdisciplinaridade entre as diversas ciências.8 Tratando-se a História de uma ciência social e humana, não deve cometer o erro de importar das ciências exatas os seus métodos de investigação. Enquanto as várias ciências recorrentemente se iluminam umas às outras (...) podendo receber contribuições valiosas para todas, podem por vezes prejudicar-se devido a uma importação errada dos princípios inerentes de outras ciências de caráter diferente.9

Posteriormente deve analisar informações recolhidas de forma distanciada e crítica, observando-as, não como certezas absolutas, mas sim como matéria para novos desenvolvimentos. Trata-se de questionar os dados fornecidos através de duas vias: as diretas, evidentes, “academicamente corretas”, habituais; e as indiretas, novos pontos de vista. O historiador deve renegar o evidente, que não produz progresso, e procurar o oculto, fornecido pela ação de apropriação do historiador por parte do objeto, que nunca é um agente passivo. Ambos se influenciam mutuamente, partilhando as suas caraterísticas, apenas apreendidas quando o historiador se abstém dos seus condicionalismos, “(...) «circunstâncias» de tempo, de espaço, de ideologias (...) que

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LEVI, Giovanni (2014). O trabalho do historiador: pesquisar, resumir,comunicar. Revista Tempo. Vol. 20, p.5 [consultado em 20 Outubro 2015] Disponível em http://www.scielo.br/pdf/tem/v20/pt_14137704-tem-20-20143606.pdf 8 A respeito da interligação e da relação entre as diferentes ciências sociais e as suas caraterísticas consulte-se: BARRACLOUGH, Geoffrey, op. cit., pp.71-73 ; BARRACLOUGH, Geoffrey (1980). A Influência das Ciências Sociais. In Geoffrey Barraclough, A História (Vol. 1, pp.109-143). Amadora: Livraria Bertrand. 9 J.HILL, David (1908). The Ethical Function of the Historian. The American Historical Review. Vol. 14, nº1, pp.12 [tradução pessoal]

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explicam a História que se faz e a que não se faz.”

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É essencial que evite incorrer em

anacronismos, tentando compreender o passado com os moldes do presente – “(...) as relações entre pais e filhos mudaram muito nos últimos 30 anos. Então, não podemos explicar as relações de pais e filhos de há 30 anos com nossa autobiografia, mas podemos perguntar o que mudou.”

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Seria também incorreto procurar organização na

História quando o Homem, por si só, não é linear, pois a este não se adequam nem fórmulas nem relações de causa-efeito. Por fim, o historiador concentra-se na composição da interligação das conclusões resultantes das fases anteriores. Articuladas de forma sintética e concisa, tendo em vista o tipo de leitor e as suas necessidades de compreensão, podendo este ser mais ou menos educado culturalmente. Para além de ser eticamente correto dar “crédito” aos seus “colegas de profissão”, é também necessário que comprove a sua investigação visto que “uma afirmação não tem o direito de ser produzida senão sob a condição de poder ser verificada” 12

Em suma, o trabalho de historiador é uma permanente construção da memória através de aspetos, outrora silenciados, que são progressivamente descobertos. Ser historiador é uma aprendizagem de reinterpretação do mundo, questionando-o. O historiador é o “Amigo do saber, orientador, operador de diferenças, experimentador, que fala, corrige, retifica, que ajuda a rever certezas e relativizar verdades.”13

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS TORGAL, Luís Reis (2014). História...Que História ? – Notas Críticas de um Historiador. Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores, p.66 11 LEVI, Giovanni, op. cit, p.10 12 BLOCH, Marc , op. cit, p.94 13 JÚNIOR, Durval Muniz de Albuquerque (2007). História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da História. Revista Aulas. nº4, p.6 [consultado em 18 Outubro 2015] Disponível em http://www.unicamp.br/~aulas/Conjunto%20III/r4.pdf 10

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BARRACLOUGH, Geoffrey (1980). A História (Vol.1). Amadora: Livraria Bertrand BARRACLOUGH, Geoffrey (1980). A História (Vol. 2). Amadora: Livraria Bertrand BLOCH, Marc (2002). Apologia da História ou O Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda. JÚNIOR, Durval Muniz de Albuquerque (2007). História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da História. Revista Aulas. nº4. [consultado em 18 Outubro 2015] Disponível em http://www.unicamp.br/~aulas/Conjunto%20III/r4.pdf LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre (1987). Fazer História - Novos Problemas (vol.1, pp.17-58). Lisboa: Bertrand Editora. LE GOFF, Jacques & LE ROY LADURIE, Emmanuel & DUBY, Georges & DE CERTEAU, Michel & VEYNE, Paul & ARIÈS, Philippe & NORA, Pierre et.al (s.d). A Nova História. Lisboa: Edições 70, Lda LEVI, Giovanni (2014). O trabalho do historiador: pesquisar, resumir, comunicar Revista Tempo. Vol. 20 [consultado em 20 Outubro 2015] Disponível em http://www.scielo.br/pdf/tem/v20/pt_1413-7704tem-20-20143606.pdf RANCIÈRE, Jacques (2014). As Palavras da História – Ensaio de Poética do Saber. Lisboa: edições unipo TORGAL, Luís Reis (2014) . História...Que História ? – Notas Críticas de um Historiador. Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores VEYNE, Paul (1971). Como se escreve a História. Lisboa: Edições 70, Lda

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