Reflexões a partir da experiência da disciplina Oficina Integrada II

June 5, 2017 | Autor: Antoanne Pontes | Categoria: Project-Based Learning
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Reflexões a partir da experiência da disciplina Oficina Integrada II Aline aiva Antoanne ontes Christiane ello ércia Britto Roberta Fernandes

Inspirações para novas práticas

Introdução O propósito de publicar este texto é refletir, registrar e compartilhar as experiências, as estratégias, os ganhos e os conflitos em torno da prática de Metodologia por Projetos. Para isso, tomamos como objeto de estudo o projeto Memórias Inventadas1, desenvolvido ao longo do ano letivo de 2014, na disciplina de Oficina Integrada II, oferecida nas turmas de 2a série do CEJLL/NAVE. A Oficina Integrada é uma disciplina que possibilita a integração entre os cursos técnicos de roteiro para mídias digitais, multimídia e programação de jogos, que juntos compartilham carga horária, saberes e práticas previstas em suas ementas. Essa disciplina encontra-se na grade curricular, com processos pedagógicos diferenciados nos três anos de 1. Inspirados na obra de Manoel de Barros, formação do Ensino Médio. A oficina integrada II (OFII), foco de nosso estudo, é oferecida para o segundo ano e desenvolve competências e habilidades sócio-emocionais, tais como: autonomia, liderança, colaboração,

Memórias Inventadas (2010), originalmente, título da trilogia autobiográfica composta de pequenos textos sobre a infância do poeta, foi incorporado ao nome do projeto.

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comunicação, resolução de problemas, pensamento crítico, curiosidade investigativa, criatividade e gestão de projeto. A disciplina também visa desenvolver habilidades técnicas relativas aos três cursos, ao aproximar a formação dos educandos às práticas atuais do mercado, com equipe de trabalho colaborativo e profissionais de diferentes áreas. Protagonismo, colaboração, produção, gerenciamento são alguns indicadores dessa proposta que não se limita à repetição, mas, ao contrário, inventa e reinventa suas próprias práticas. Nesse contexto, refletindo a respeito da formação integral no Programa NAVE, Antoni Zabala (1998) contribui para pensarmos em um processo de descentralização da atenção enfática que as instituições escolares fornecem ao cognitivo e ao conteúdo, passando a priorizar as experiências e as trocas em busca de uma formação humanística. E é com base nessas experiências que a OFII vem buscando uma intervenção pedagógica que possibilita ao ato de aprender e ao ato de ensinar uma intensa experiência, combinando criação, reflexão e produção de conteúdo e apropriação do conhecimento. O embasamento teórico-metodológico desta pesquisa passa por autores do campo da educação, do Design Thinking2 e de gerência de projetos. Nos debruçamos nos relatos de experiência dos educadores da disciplina, nas avaliações e autoavaliações realizadas com os jovens envolvidos no projeto. Por ser uma pesquisa participante, “articula a relação entre teoria e prática no processo mesmo de construção do conhecimento, ou seja, a dimensão da prática” (MIRANDA; RESENDE, 2006, p. 511), onde os professores são também os pesquisadores. Por isso, é possível perceber que somam-se ao foco da pesquisa, a partir da metodologia que adotamos, o dinamismo do processo de ensino-aprendizagem, a contextualização dos conteúdos, a 2. Termo em inglês desfragmentação das disciplinas, a horizontalização das relações para designar um novo modo de buscar nos encontros3 e as constantes preocupações com a formação do soluções para um problema, de fazer as sujeito para além do cognitivo, mas de forma integral. perguntas certas, um Para pensar uma educação disposta a atender às demandas contemporâneas com base no ensino por projetos, precisamos, necessariamente, abandonar as premissas de um ensino monológico e limitado ao conteúdo e ao cognitivo. A noção de que os saberes pertencem aos livros didáticos e à figura do professor deram lugar aos novos modos de aprender e produzir conhecimento.

enfoque divergente na busca por alternativas, um método de pensar simultâneo ao fazer que, ao prototipar as ideias, é colaborativo no processo e criativo na conclusão. 3. Nesse ambiente de ensino não empregamos o termo “aula”, chamamos “encontro”.

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Em vez da eternidade, temos a história; em vez do determinismo a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpretação, a espontaneidade e a auto-organização; em vez da irreversibilidade a reversibilidade e a evolução; em vez de ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente. (SANTOS, 1987, p. 70-71).

A Metodologia por Projetos está, ao nosso ver, dialogando com esse tempo de imprevisibilidade e reversibilidade, e possibilita o desenvolvimento de um trabalho didático, que valoriza a participação do educando e do educador no processo de ensino-aprendizagem. Sendo, assim, é possível pensar a formação de um sujeito cooperativo, autônomo e socialmente consciente. Zabala (1998), um dos interlocutores teóricos da nossa reflexão, apresenta subsídios para a prática educativa por projetos, contrapondo o papel do professor não mais como aplicador, mas como intérprete da sua prática e da teoria, tateando as melhores possibilidades, pensando e repensando constantemente os melhores caminhos para desenvolver ou trabalhar os conteúdos. Será necessário oportunizar situações em que os meninos e meninas participem cada vez mais intensamente na resolução das atividades e no processo de elaboração pessoal, em vez de se limitar a copiar e reproduzir automaticamente as instruções ou explicações dos professores. (ZABALA, 1998, p.102).

Nessa perspectiva, deixamos de considerar os alunos como receptores de informação, ou reprodutores de conteúdos, possibilitando que experimentem, nas propostas de integração da escola, a liberdade de produzirem conhecimento.

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Projeto Memórias Inventadas No âmbito do projeto Memórias Inventadas, desenvolvido na OFII, foram atendidos 130 alunos da 2a série do ensino médio. A partir da adaptação de contos do poeta Manoel de Barros, os alunos produziram uma série de minigames4, em um ambiente tecnológico favorável e com equipes multidisciplinares5. Foram produzidos, no total, 13 jogos6, gerados por 13 equipes que se configuraram em duas categorias: um grupo interno, formado por educandos do mesmo curso técnico; e o grupo integrado, onde os educandos dos três cursos se organizaram como equipe de trabalho multidisciplinar. A organização das equipes e grupos foi realizada de forma autônoma, protagonizada pelos próprios alunos. Na falta de maturidade e/ ou critério, para se organizarem, em alguns casos, os educadores interferiram na formação das equipes, pensando nas melhores condições para o desenvolvimento do(s) educando(s). Assim, esses jovens estiveram envolvidos em todo o processo, da criação à finalização dos conteúdos digitais. A escolha em produzir a série de minigames justifica-se porque os games são 4. Jogo curto, aplicações multimidiáticas, que provocam grande interesse nos geralmente contido em jovens em geral, o que não é diferente outro jogo normal. Um minigame é sempre para os estudantes, público-alvo desse menor ou mais simples do que o jogo que o projeto. contém. No primeiro bimestre de 2014, os alunos do curso de roteiro iniciaram suas atividades com um briefing7 para construir narrativas de jogos inspirados em adaptações literárias. Experimentos narrativos e pesquisa de autores e conteúdo foram conduzidos pela professora do curso de roteiro, sem que os estudantes soubessem que se tratava do projeto de OFII. Enquanto isso, os três educadores da disciplina, sendo um representante de cada curso, trabalharam no

5. Utiliza-se o termo equipe multidisciplinar, para fazer referencia aos grupos de alunos integrados dos três cursos, na tentativa de criar uma aproximação a um ambiente de trabalho técnicoprofissional. 6. Foram desenvolvidos doze jogos para internet e um para mobile que estão disponíveis na internet são eles: Circuito Furado; Daai Roa; Circo Travesso; Chuva de palavras; Feito Sucata; O atirados de Pedras; Abc do Lulu; Travessia; O pesadelo das Garças; O caçador de palavras; Sr.Frutas; Desperdício de palavras; Spithit. 7. Contém uma série de informações para a criação do produto.

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planejamento prévio do projeto, que foi desenvolvido ao longo de todo o ano letivo. Assim, no segundo bimestre, as equipes, compostas por alunos dos três cursos, se dedicaram ao planejamento detalhado, à pesquisa e aos primeiros estudos, concluindo com a apresentação de um protótipo - um esboço do minigame. No terceiro bimestre, o trabalho foi direcionado para a criação e realização das mídias, passando por diversas avaliações e testes, até a versão final dos minigames. O quarto bimestre foi dedicado às ações de promoção, lançamento e publicação do produto em diversas plataformas digitais na web. Para garantir o êxito desse processo, ações de avaliação, acompanhamento e gerenciamento atravessaram todo o cronograma, servindo para analisar as condições que ajudaram a modificar e/ou validar as intervenções pedagógicas, necessárias ao longo de todo o projeto Memórias Inventadas.

Processo de criação e produção A partir do segundo bimestre iniciamos as integrações, os alunos foram apresentados à proposta do projeto, e aos 11 contos do livro Memórias inventadas, de Manoel de Barros, já trabalhados pela equipe de roteiro. Nesse mesmo dia, os alunos se organizaram em equipes que continham representantes dos três cursos para o brainstorm8, relacionando ideias para o que seria o produto final. O processo começou com a construção de argumentos e narrativa dos games, utilizando a técnica do Game Design Document (GDD) 8. Tempestade de ideias. em português, Documento de Game Design - 9, como processo de 9. Termo em inglês para organização. Para esse desenvolvimento, foi levado em conta três Game Design Document. É um documento detalhado pontos importantes: uma boa história, a construção do universo e sobre a concepção de um conceito bem definido. A tentativa foi, a nosso ver, incentivar projeto de jogos. Um GDD é criado e editado os alunos a mergulharem no mundo da adaptação literária, por toda a equipe de profissionais envolvidos no proporcionando um campo fértil para a criação de narrativas para desenvolvimento de games.

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games. Nesse caminho, chegamos aos contos de Manoel de Barros, que com os seus jogos de palavras e sua ternura imaginativa, inspirou os alunos.

O pensamento prático aliado capacidade reflexiva, encontrando condições e meios adequados para articular novas intervenções pedagógicas, demandam, acima de tudo, curiosidade, colaboração e cooperação por um trabalho comum.

A produção visual dos minigames, realizada pelos alunos de multimídia, aconteceu com a orientação dos alunos de roteiro. Foram criados cenários, personagens, elementos de jogos, efeitos sonoros, identidade visual etc. Com o suporte dos alunos de programação, a equipe multimídia gerenciou a edição e a entrega dos arquivos para a finalização do produto. É importante ressaltar que o investimento na pesquisa em torno do tema, o descarte das primeiras ideias e a busca por soluções originais, foram fortes aliados no processo criativo de geração das imagens e dos efeitos sonoros.

Enquanto os estudantes de roteiro trabalhavam na roterização, os estudantes de multimídia realizavam a produção das imagens e, paralelamente, os estudantes de programação se dedicavam a revisar os conceitos e a estrutura da linguagem de programação Javascript 10, além de buscarem referências de games e exemplos de mecânicas. Esse levantamento referencial foi compartilhado com os integrantes das suas equipes para que fosse feita a escolha e a validação de qual mecânica seria usada nos seus minigames. Essa atividade contribuiu para que os educandos, a partir do conhecimento de outros modelos, pudessem escolher e produzir um produto que eles mesmos se sentissem motivados a jogar. Os educadores envolvidos apontaram em seus relatos as qualidades lúdicas e fantasiosas da poesia de Manoel de Barros e o quanto essas qualidades facilitaram o envolvimento 10. Linguagem de programação, dos alunos com o tema. Outra questão relevante neste processo, foi originalmente implementada como percebida nos relatos dos educadores, diz respeito à orientação do parte dos navegadores Web. trabalho integrado e ao gerenciamento de conflitos.

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Algumas considerações Em um contexto de diversidades e diferentes expectativas, como o caso do CEJLL/NAVE, por exemplo, torna-se, mais uma vez, importante destacar o papel do educador como consultor e orientador. No projeto Memórias Inventadas, coube aos estudantes a responsabilidade de avaliar o conceito do seu produto e, atender ou não, as orientações dos educadores e, mais que isso, foram incentivados a assumir a autoria e os desafios que se desdobraram nesse processo criativo. Também pudemos concluir que, os processos avaliativos, acompanhamento e gerenciamento foram fundamentais ao longo desse processo. Em curtíssimo prazo, percebemos a evolução dos educados, no que diz respeito à compreensão do seu próprio desenvolvimento e de sua participação na realização do projeto. As idas e vindas entre correções e ajustes foram naturais para a finalização dos produtos. Os educandos tiveram a oportunidade de incorporar impressões de diferentes públicos11, o que motivou o investimento em melhorias e novas versões do produto final. O resultado do projeto foi acima das expectativas dos coordenadores pedagógicos, educadores e dos próprios educandos envolvidos. Além disso, as equipes não pararam na criação do jogo, foi construído um plano de comunicação e promoção dos produtos criados, que incluiu a criação de identidade visual, blogs, Facebook e outras redes sociais. Essas ações garantiram um feedback de avaliação de outros públicos, extrapolando a relação com o sistema educacional convencional, que muitas vezes se limita a um único retorno de avaliação por notas e médias. Experiências como estas se aproximam da lógica das redes sociais, por exemplo, com a mesma descentralidade dos saberes que as redes da internet dispõem, entendendo que o uso das redes sociais “aumenta a descentralização da comunicação e viabiliza novos tipos de mobilizações na esfera pública, impossíveis no ambiente de comunicação analógica e unidirecional.” (SILVEIRA, 2008, p.35). Concluímos assim que, o pensamento prático aliado à capacidade reflexiva, encontrando condições e meios adequados para articular novas intervenções pedagógicas, demandam, acima de tudo, curiosidade, colaboração e cooperação por um trabalho comum. Através da integração de três áreas distintas, tivemos a coragem necessária para abandonar o conforto da nossa linguagem técnica e nos aventuramos no desejo de encontrar uma nova possibilidade de construir e compartilhar conhecimento. A seguir, dois exemplos de minigames produzidos no projeto.

11. Durante o ano, as equipes participaram de diversas bancas: apresentação de seus projetos para educadores e coordenação; apresentação de protótipos para o terceiro ano; realização de playtestes para crianças e jovens no evento Nave de Portas abertas; e apresentação dos jogos finalizados para a banca examinadora, formada por profissionais do mercado de games.

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Circuito Furado O circo é mais uma descoberta inventada na infância, onde crianças se deparam com novidades e as entendem de maneira simples como só elas sabem fazer. Toda descoberta é feita pela presença de Clóvis que tem o papel de mestre dos meninos mais novos. O aprendizado, porém é ingênuo e não contém uma essência maliciosa. O jogo se desenvolve em um contexto onde a dita transgressão é, na verdade, uma traquinagem.

CRÉDITOS Equipe Roteiro: Ágatha Rodrigues, Ana Flávia Lelis, Catarina Lopes, Pamela Candido, Catarina Equipe Multimídia: Ana Carolina Lima, Giulia Ventura, Guilherme Paes, Julia Custodio, Mariana Meliande Equipe Programação: Alex Natalino, Matheus Gomes

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Spithit O jogo tem inspiração no conto de Manoel de Barros, “O lavador de pedras”. Presente na trilogia ‘Memórias Inventadas’, ele conta sobre um velho senhor que todo santo dia tinha a obrigação de proteger uma pedra, em meio a um rio, dos cuspes das garças que ali voavam. Neste mini game, levamos a todos a imagem do que seria o trabalho deste senhor, que fazia isto com enorme prazer.

CRÉDITOS Equipe Roteiro: Angelo Costa, Leonardo Martinelli, Matheus Sandonato Equipe Multimídia: Angelo Alves, Carolina Tavares, Maria Luiza, Matheus Praça, Vinicius Pereira Equipe Programação: Luiz Gustavo Galvão, Davson Santos

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Referências bibliográficas BARROS, Manoel de. Memórias inventadas – As infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Editora Planeta, 2010. MIRANDA, Marilia Gouvea de.; RESENDE, Anita C. Azevedo. “Sobre a pesquisa-ação na educação e as armadilhas do praticismo”. Revista Brasileira de Educação, v. 11 n. 33 set./dez. 2006. SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento, 1987. SILVEIRA, Sérgio Amadeu. “Convergência digital, diversidade cultural e esfera pública”. In: PRETTO, Nelson de Luca; SILVEIRA, Sérgio Amadeu (org.). Além das redes de colaboração: internet, diversidade cultural e tecnologias do poder. Salvador: EDUFBA, 2008. ZABALA, Antoni. A prática educativa - Como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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