Reflexões sobre a ANS: regulação e ordem econômica

July 5, 2017 | Autor: Nicholas Merlone | Categoria: Regulation Economics, The Right to Health
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Reflexões sobre a ANS: Regulação e Ordem Econômica1

Nicholas Maciel Merlone2

Resumo O objetivo desta pesquisa é investigar as relações existentes entre Regulação, Ordem Econômica e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), propondo, ao final, uma rearquitetura do sistema para que o mercado de planos de saúde atenda ao interesse público. Isso se faz necessário devido às críticas e queixas de toda ordem no que se refere ao mercado de planos de saúde por parte dos consumidores. A metodologia utilizada no trabalho é a dedutiva, com base em estudo doutrinário e pesquisa de notícias em sítios da internet. Conclui-se a pesquisa sugerindo uma alteração constitucional, para que a ANS não corresponda mais à lógica do livre mercado, mas, sim, que seja regida por concessões unificando verdadeiramente o Sistema Único de Saúde (SUS) e fazendo prevalecer, por fim, o interesse público.

Palavras-chave: Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Regulação. Ordem Econômica.

Abstract The objective of this research is to investigate the relationships between Regulation, Economic Order and the National Health Agency (ANS), proposing a re-architecting of the system to the health insurance market to fulfill public interest. This is necessary due to criticism and complaints of all kinds in relation to health plans by consumers market. The methodology used in this work is deductive, based on doctrinal study and research news in websites. It is concluded the research suggesting a constitutional amendment, that the ANS no longer meets the logic of the free market, but rather, it is governed by concessions truly unifying the Unified Health System (SUS) and making prevail, finally, the public interest.

Keywords: National Health Agency (ANS). Regulation. Economic Order.

1

Trabalho apresentado no Simpósio Nacional de Agências de Reguladoras na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), onde integra os grupos de pesquisa Estado e Economia no Brasil e Parlamentos Latino Americanos. Professor Universitário e Advogado. Autor de artigos publicados em revistas especializadas. São Paulo/SP. Brasil. E-mail: [email protected] 2

Sumário 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

Introdução Regulação e Ordem Econômica Agências Reguladoras Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) Proposta de Rearquitetura do Sistema Conclusão Referências Bibliográficas

1. Introdução Procura-se analisar neste artigo a Regulação e a Ordem Econômica. Então, estudam-se as Agências Reguladoras e a Agência Nacional de Saúde Suplementar, para se propor uma rearquitetura do sistema de mercado de planos de saúde, com o fim de atingir o interesse público. Em artigo (2011) de nossa autoria publicado originalmente no Jornal Brasil Econômico, na edição de 14, 15 e 16 de janeiro de 2011, descortina-se o tema das seguradoras de saúde, no contexto da Superintendência de Seguros Privados (Susep), outro órgão de controle dos seguros de saúde, mas que serve para ilustrar o cenário vigente: Com a análise de alguns dados da Confederação Nacional das Empresas de Seguros, verifica-se que a quantidade de reclamações realizadas por clientes nas ouvidorias das seguradoras cresceu 167% de 2006 até o presente ano. Além disso, cumpre mencionar que, no mesmo período, a quantidade de apólices ativas teve crescimento de 42%. [...] Partindo ao cerne do tema, as reclamações são variadas: desde o descumprimento de atividades firmadas em contrato até questões relativas ao pagamento de indenização, de modo que devem ser efetuadas na Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão que regula o setor. Porém, os usuários geralmente alegam que não o fazem por desconhecimento, apesar de a Susep possuir um canal on-line e por telefone para registrar as reclamações. A responsável pelo atendimento ao cliente da Susep, esclarece que, comprovada a origem da denúncia, o órgão abre um processo para investigar e solucionar o problema. Contudo, a Susep não divulga as causas das reclamações, nem mesmo uma lista das seguradoras mais reclamadas. Apesar de confirmarem o recebimento de várias reclamações sobre as seguradoras, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e o Procon, da mesma forma não possuem uma lista das seguradoras mais reclamadas.

Em outro artigo de nossa autoria (2013), publicado originalmente na Revista Carta Forense, prossegue-se com o tema sobre os planos de saúde:

Segundo notícia do Portal G1 (Bom dia Brasil), de 14 de novembro, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) suspende a venda de 150 planos de saúde. Conforme veiculado, os planos serão analisados nos próximos três meses pela agência e somente poderão ter novos clientes quando resolverem os problemas. Ainda segundo informe da mesma mídia, de 13 de novembro, a ANS suspendeu 700 planos de saúde de 95 operadoras desde 2012. Por fim, conforme notícia do Portal IG, de 14 de novembro, os planos de saúde acumulam um volume de queixas que está longe do “razoável”, de acordo com o diretor da ANS. Com efeito, não é de hoje que se escutam queixas de Seguradoras de Saúde. Diversos são os motivos: de cobranças indevidas e reajustes ilegais à falta de cobertura. No que se refere à natureza jurídica da Lei n. 9.656/98 – Lei de Plano Privado de Assistência à Saúde, Karyna Rocha Mendes (2013, p. 508) argumenta: “esses contratos sui generis indubitavelmente têm como escopo assegurar o consumidor contra os riscos relacionados com a saúde e a manutenção da vida.” Adiante, a autora (MENDES, 2013, p. 509) reforça sua reflexão: “Concordamos com Maria Helena Diniz, para quem o contrato de assistência médica não é comutativo, em que as empresas tenham se obrigado a fazer algo equivalente à contraprestação do conveniado. É contrato aleatório, na realidade, em que a prestação das empresas depende de risco futuro e incerto, não podendo antecipar seu montante. Assim sendo, os valores constitutivos do contrato de seguro-saúde estão visceralmente ligados aos princípios constitucionais da proteção à vida (em sentido lato), à saúde e ao dever do Estado de colocar a dignidade da pessoa humana acima dos interesses monetários dos empresários do setor.”

Além disso, outro problema são os planos coletivos por adesão que já foram uma boa opção para uma assistência médica privada, uma vez que eram mais baratos que os individuais. Todavia, isso está mudando, com reajustes acima da inflação, chegando em alguns casos a 40%, e cobertura cada vez mais restrita, os contratos deste tipo não atendem às necessidades dos funcionários. Por fim, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não fixa limite para os aumentos, o empregado fica desprotegido e recorre à Justiça. Atualmente, 86,6% dos usuários de planos no país integram convênios coletivos. Nota-se, então, que a ANS exerce as funções normativa, controladora e fiscalizadora no mercado de planos de saúde. Todavia, nem sempre vem conseguindo atender às necessidades da população e equacionar os seus interesses com os das operadoras. Entretanto, como se observa, esforços vêm sendo feitos na tentativa de melhorar o interesse do consumidor com relação aos planos de saúde. É o que se extrai da notícia (2014), segundo a qual, a Susep e a ANS assinaram termo de cooperação técnica: Objetivo é instituir e disciplinar o intercâmbio de informações entre ambas autarquias A Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) assinaram termo de cooperação técnica, com o intuito de instituir e disciplinar o intercâmbio de informações entre ambas autarquias, bem como a transferência mútua de tecnologia aplicada à supervisão das duas alçadas. O acordo, que tem como foco principal a proteção dos direitos dos consumidores, também prevê eventual coordenação

nas ações de monitoramento de operadoras de saúde ligadas a grupos seguradores. O intercâmbio de informações tem por objetivo prover as partes de dados, esclarecimentos e técnicas que permitam um melhor acompanhamento do desempenho operacional, econômico e financeiro das instituições sujeitas à fiscalização das duas autarquias. O termo será administrado por uma comissão integrada por quatro servidores da Susep e outros quatro da ANS. Os servidores deverão se reunir, ordinariamente, pelo menos uma vez a cada semestre, a fim de avaliar o desempenho do termo. Caberá tanto a Susep quanto à ANS fornecer informações válidas e atualizadas, quando solicitadas pela comissão, além de processar e fornecer, em tempo hábil, dados necessários à execução do termo.

2. Regulação e Ordem Econômica Marçal Justen Filho (2006, p. 456) conceitua a regulação: A regulação econômico-social consiste na atividade estatal de intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático, para implementar as políticas de governo e a realização dos direitos fundamentais.

O autor (JUSTEN FILHO, 2006, p. 459) aborda, assim, o modelo do Estado regulador que propõe a extensão dos serviços públicos para a atividade do setor privado. Vale dizer que apenas cabe ao Estado atuar diretamente nas atividades que se coloquem em risco valores coletivos ou que seja insuficiente para propiciar sua plena realização. Marçal Justen Filho (2006, pp. 459-460), então, elenca quatro características fundamentais do Estado regulador: 1) esfera de abrangência das atividades sujeitas aos regimes de direito público e de direito privado: transferência para a iniciativa privada de atividades desenvolvidas pelo Estado e liberalização de atividades monopolizadas pelo Estado – o que estimula a livre concorrência; 2) inversão da relevância do instrumento interventivo (Estado regulador e não Estado empresário); 3) atuação regulatória do Estado se nortear não somente pela proposta de atenuar ou eliminar os defeitos do mercado. Existem os interesses público e social que devem guiar o Estado e não apenas o lucro; e 4) institucionalização de mecanismos de disciplina permanente das atividades reguladas. Nota-se aqui, no Estado regulador, a preocupação com o interesse público e social que devem nortear o Estado e não somente o lucro, o que deve caracterizar o papel do mercado dos planos de saúde, conforme se propõe nesta pesquisa. Por outro lado, nos séculos XVIII e XIX, existiam as constituições liberais, com preocupações políticas, estando centradas no indivíduo. A partir do início do século XX, começam a aparecer as constituições sociais e econômicas, expandindo as matérias tratadas pelas leis fundamentais. A Constituição de Weimar de 1919 trazia um capítulo intitulado “Da Ordem

Econômica”, onde abordava elementos do direito público, autorizando, por exemplo, o monopólio e a nacionalização. Após a Primeira Guerra Mundial, tornou-se comum a inclusão de dispositivos dessa natureza nas Constituições pelo mundo. Tanto que a Constituição brasileira de 1934 institui um capítulo denominado “Da Ordem Econômica e Social”, com vinte e oito artigos (arts. 115 a 143), “procurando conciliar as novas normas da vida política e social com os princípios da justiça e da democracia.”, conforme Pinto Ferreira. (1991, p. 576) A Constituição de 1988 segue essa linha com o Título VIII: “Da Ordem Econômica e Financeira”, cujo Capítulo I trata dos princípios gerais da atividade econômica nos artigos 170 a 181. O autor (FERREIRA, 1991, p. 576) elucida que se firmou uma Constituição econômica ao lado da Constituição política do Estado, sendo que esta “Constituição econômica condensa e sintetiza os direitos dos sujeitos econômicos, o conteúdo e limites de tais direitos e a responsabilidade advinda do exercício da atividade econômica.” O artigo 170, da Constituição brasileira, traz os princípios constitucionais da Ordem Econômica, sendo esta fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Nota-se aí a proteção, no primeiro caso, ao trabalhador; e, no segundo, ao empresário. A Ordem Econômica brasileira busca, assim, equilibrar as relações de trabalho, conciliando os interesses de todas as partes envolvidas. São princípios constitucionais da Ordem Econômica: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País

Além disso, a Ordem Econômica fixada na Constituição de 1988 segue o modelo capitalista, isto é, orienta-se pelas leis da livre iniciativa e da livre concorrência que deverão nortear os rumos das atividades empresariais, ou seja, que atuem no mercado por seu próprio risco. Sobre a intervenção indireta no domínio econômico, o artigo 174, da Constituição brasileira prescreve:

Art. 174.Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

O Estado pode interferir em dois setores: serviço público e atividade econômica. No momento em que o Estado interfere somente na atividade econômica, ocorre a intervenção do Estado no domínio econômico. Pode se dar de duas formas esta intervenção: i) direta: exploração de atividade econômica, em se tratando de segurança nacional ou relevante interesse público; e ii) indireta: fiscalização, incentivo e planejamento da atividade econômica, sendo o planejamento vinculante para o setor público e indicativo para o setor privado. Atualmente, o Estado regulador vem substituindo o Estado do Bem-Estar Social e o Estado Empresário, atuando como “agente regulador” da atividade econômica. André Ramos Tavares (2003, p. 299), assim, reflete sobre o Estado regulador: Estado regulador é o novo perfil do Estado contemporâneo, que se afastou da prestação efetiva diversas atividades, transferindo-as aos particulares, sem, contudo, abandonar totalmente os setores que deixava, já que permaneceu neles regulando e acertando a conduta privada [...]

Conforme Fulvia Helena Paoli (TANAKA et al, 2008, p. 447) faz-se importante distinguir as expressões “regulação” e “normatização”. Segundo a autora: A atuação normativa evidencia-se pela expedição de preceitos, gerais e abstratos, que estipulam obrigação de fazer e não-fazer voltadas ao exercício da atividade econômica, enquanto a atuação reguladora se dá pela interferência concreta ou via normatização no campo do domínio econômico.

Sobre a normação e regulação do Estado que ensejam fiscalização, Eros Grau (2012, p. 300) dispõe: Essas normas e medidas, isso é evidente – nítido como a luz solar passando através de um cristal, bem polido -, hão de necessariamente estar a dar concreção aos princípios que conformam a ordem econômica. Por isso hão de, quando atinjam a atividade econômica em sentido estrito, necessariamente configurar intervenção sobre o domínio econômico.

No que se refere à intervenção sobre o domínio econômico, José Afonso da Silva (2005, p. 807) esclarece que existem duas modalidades de atuação estatal (participação e intervenção – esta última em sentido restrito). A participação ocorre com fundamento nos artigos 173 a 177, da Constituição Brasileira, caracterizando o Estado administrador de atividades econômicas. A intervenção se baseia no artigo 174, do mesmo diploma, em que o Estado surge como agente normativo e regulador de atividade econômica, abrangendo as atividades de incentivo, fiscalização

e planejamento, o que caracteriza o Estado regulador, o Estado promotor e o Estado planejador da atividade econômica. Ana Flávia Messa (2013, pp. 507-508), com relação as atividades do Estado como agente normativo e regulador, explica: a) Incentivo: é a concessão pelo Estado de incentivos e benefícios na área econômica. Noutros termos, a atuação estatal é no sentido de estimular ou apoiar a atividade econômica exercida pelos particulares. O incentivo pode ser dado por norma ou até por ato administrativo. Na política do incentivo, o Estado tem que velar pelo interesse público, não podendo satisfazer interesses exclusivamente privados, sob pena de ofender a isonomia, a livre concorrência e o próprio desenvolvimento do país; b) Fiscalização: é a limitação estatal na liberdade e propriedade dos particulares, para verificar a conformidade atuação dos agentes econômicos na área econômica com as disposições normativas. O poder de fiscalização pressupõe o poder de regulamentação e gera a possibilidade de responsabilização e, por consequência, a aplicação de sanções; c) Planejamento econômico: é a fixação de diretrizes no setor econômico. O plano econômico tem natureza de ato administrativo normativo.

Segundo Marçal Justen Filho (2006, p. 469), ao tratar das finalidades da regulação (a regulação econômico-social), é usual indicar a regulação estatal como ferramenta para suprir as deficiências do mercado. Todavia, essa visão foi sendo modificada, especialmente na segunda metade do século XX. Contudo, a modificação consistiu muito mais numa ampliação da dimensão da regulação do que numa revisão conceitual. Pinto Ferreira (1991, p. 577), assim, sintetiza as ideias: O Estado aparece como agente normativo e também regulador da economia exercendo, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo o planejamento obrigatório para o Poder Público e mero indicativo para o setor privado.

O autor (JUSTEN FILHO, 2006, p. 469) elenca a proposta de auto-regulação do mercado. Afirma que algumas escolas econômicas dizem que os mecanismos de mercado seriam aptos a produzir, por si sós e autonomamente, a realização das finalidades de interesse público. Sob este prisma, a regulação seria o oposto ao livre funcionamento do mercado. Isso não se verificou em país algum, a intervenção no domínio econômico é necessária para a existência do mercado. Em seguida, JUSTEN FILHO (2006, pp. 469-470) aborda a regulação exclusivamente econômica (primeira “onda” regulatória). Num primeiro momento, a regulação se caracterizou como a intervenção do Estado com o mote exclusivo de suprir as deficiências e as insuficiências do mercado.

As deficiências de mercado abrangem: 1) as hipóteses de deficiência na concorrência; 2) os bens coletivos; 3) externalidades; 4) assimetrias de informação e 5) desequilíbrio econômico. JUSTEN FILHO (2006, pp. 470-472) reflete sobre cada uma delas: Deficiência na concorrência A deficiência na concorrência caracteriza-se quando não existe disputa suficiente e equilibrada no mercado, o que impede que a concorrência econômica produza seus efeitos positivos. A deficiência de mercado pode derivar de vários fatores. O caso mais evidente reside no monopólio. Costuma-se denominar direito antitruste o conjunto de normas destinadas a prevenir e a reprimir a deficiência na concorrência. [...] Bens coletivos (satisfação de necessidades especiais) O mercado não pode satisfazer necessidades fundamentais, tal como se passa na área de saúde, educação e assim por diante. Os mais desvalidos não dispõem de condições para se obter essas utilidades por meio do funcionamento espontâneo do mercado. O direito tem de regular essas atividades, se não for o caso de transformá-las em serviço público. Externalidades Externalidade é uma circunstância econômica cujo custo não está contido nos preços praticados. Usualmente, consiste na transferência (internacional ou não) para terceiros de custos inerentes à atividade econômica. Assim se passa quando o Estado (ou alguns agentes econômicos determinados) são obrigados a suportar despesas decorrentes da poluição causada por uma indústria. A regulação se orienta a evitar os efeitos danosos das externalidades. Assimetria da informação A assimetria de informação significa, então, que diversos agentes que participam do processo econômico detêm diferentes graus de informação, o que indica que alguns dispõem de melhor condição de escolha do que outros. [...] Um exemplo é o consumidor, que costuma ser prejudicado pelo fenômeno da assimetria de informações. A regulação busca neutralizar o fenômeno. [...] Desequilíbrio de mercado [...] O processo de acumulação de riquezas, inerente ao capitalismo, propicia movimentos cíclicos. Há períodos de desenvolvimento a que se seguem épocas de crise, e assim por diante. A atividade empresarial conduz ao lucro e à sua incorporação ao patrimônio privado. Como efeito, há tendência à redução do ritmo de crescimento, o que acarreta desemprego – fenômeno agravado pelo acesso permanente de novos sujeitos ao mercado de trabalho. A alternativa de ciclos é inerente ao capitalismo, e não deriva de eventos externos marcantes. Isso conduz à concepção de que o Estado deve adotar as providências necessárias a eliminar o desequilíbrio, evitando as causas que conduzem à crise e propiciando fatores para o desenvolvimento.

Depois disso, o autor (JUSTEN FILHO, 2006, p. 472) trata da regulação social (a segunda “onda regulatória”). Trata-se da regulação social de assuntos que o mercado, por si só, não aborda, e que necessitam da intervenção estatal, para a consecução do interesse comum.

Desse modo, não trata de temas exclusivamente econômicos, mas se preocupa, por exemplo, com o meio ambiente, o direito das minorias e outros direitos políticos, culturais e sociais. JUSTEN FILHO (2006, pp. 472-473), então, discorre sobre a desregulação e a reregulação. No início da década de 1980, existia um excesso de regulação, o que impedia a obtenção de melhores resultados. Surgiu a expressão custo regulatório, apontando o efeito econômico que o cumprimento de posturas governamentais gerava. Promoveu-se em vários países uma reforma do Estado comprometida com a desregulação e a re-regulação. Isso levou à re-regulação, isto é, à substituição das regras inadequadas por outras, mais compatíveis com a nova realidade. Nesse panorama, vale mencionar a segunda "onda regulatória", em que a regulação social ocorre, no caso, regulando o direito à saúde, tema que o mercado propriamente não trata diretamente, e que necessita da intervenção estatal, para a concretização do interesse público.

3. Agências Reguladoras A Administração Pública criou órgãos especiais para exercer os poderes que reservou para si, devido à política do governo de transferência para o setor privado de serviços públicos. No contexto, reserva a regulamentação, o controle e a fiscalização da prestação dos serviços. Desse modo, instituíram-se várias agências reguladoras no Brasil, dentre as quais, no setor da saúde: a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Marçal Justen Filho (2006, p. 475), assim, conceitua as agências reguladoras: Agência reguladora independente é uma autarquia especial, sujeita a regime jurídico que assegure sua autonomia em face da Administração direta e investida de competência para a regulação setorial.

Desse modo, as agências reguladoras foram instituídas como autarquias especiais, já que possuem independência administrativa, uma vez que seus dirigentes têm mandato fixo e não se vinculam à subordinação hierárquica. Além disso, detêm autonomia financeira, bem como podem aplicá-las com liberdade. Igualmente, possuem poder normativo, porque emitem normas próprias que vinculam os prestadores de serviços públicos do setor privado.

Tratam-se igualmente as agências reguladoras de estarem investidas de competência para a regulação setorial, que pode ocorrer em serviços públicos e/ou atividades econômicas, com decisões vinculantes para os setores estatais e não estatais, excetuada a revisão jurisdicional. A respeito do regime jurídico das agências reguladoras independente, algumas observações. Quanto à previsão constitucional de órgãos reguladores, há somente duas disposições sobre as agências. O artigo 21, XI, firma que compete à lei instituir um órgão regulador dos serviços de telecomunicações. O artigo 177, § 2º., III, por sua vez, estabelece questões relativas ao monopólio federal do petróleo. Desse modo, não existe disposição constitucional sobre a ANS. Porém, não existe obstáculo para que a lei crie agências reguladoras. Por outro lado, Marçal Justen Filho (2006, p. 478) argumenta: “as agências representam uma inovação significativa quanto ao desempenho da função administrativa.” O autor (JUNTEN FILHO, 2006, pp. 478-481) elenca cinco peculiaridades das agências reguladoras, a saber: 1) a titularidade de competências privativas; 2) a titularidade de competência regulamentar; 3) a titularidade de competência discricionária; 4) cargo em comissão com prazo determinado; e 5) autonomia financeira. JUSTEN FILHO (2006, p. 481) assinala a preocupação com a adoção de instrumentos de controle das agências reguladoras. Lembra que há vários limites e que a autonomia não significa independência diante dos demais Poderes e órgãos de controle. E afirma que existem limites mais precisos. A agência não pode formular políticas ou concentrar competências decisórias sobre assuntos fundamentais ao destino do País. Então, acentua que um instrumento de controle das agências trata-se do contrato de gestão. Sobre o contrato de gestão, o autor (JUSTEN FILHO, 2006, pp. 483-484) esclarece:

O contrato de gestão deve ser entendido como uma avença concertada entre autoridades públicas, derivada do exercício de competências discricionárias versando sobre determinado setor de atuação estatal. Trata-se da individualização e especificação de metas concretas, estratégias determinadas e políticas específicas assumidas pelas autoridades públicas encarregadas da gestão de um segmento delimitado de atividades. Por meio do contrato de gestão, as autoridades produzem uma forma de regulamentação setorial, exaurindo sua competência discricionária sobre o tema.

Além disso,a intervenção estatal deve ser técnica, mas não política. Isto porque o poder normativo das agências reguladoras tem como meta atender às necessidades técnicas do setor. Importa dizer que, ao interferir politicamente nas agências reguladoras, significa que a eficiência técnica é prejudicada. Todavia, o Estado não se libera da questão política, o que cria

obstáculos ao desenvolvimento do país, já que a sua descentralização, através de agências reguladoras, aponta favoravelmente para o interesse público e o bem comum do Estado brasileiro nos âmbitos interno e externo. Finalmente, o Estado deve ser um gestor eficiente, privilegiando o aspecto técnico e não político nesta competência. Trata-se a política de ponto fundamental para o país, contudo, aplicada no momento e local adequados. Afinal, aos políticos cabe vontade política para desempenhar suas funções, já para dirigentes da administração indireta, cabe competência técnica.

4.Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi instituída pela Lei Federal no 9.961, de 28 de janeiro de 2000, regulamentada pelo Decreto Federal no 3.327/2000, bem como pela Resolução RDC (ANS) no 593/2000, que aprovou o seu Regimento Interno. A ANS, enquanto autarquia especial, se vincula ao Ministério da Saúde e se trata de um órgão de regulação das operadoras setoriais, fiscalização, controle e normatização de atividades que assegurem a assistência suplementar à saúde, defendendo o interesse público. A ANS possui sede e foro no Rio de Janeiro, com dez Núcleos Regionais de Fiscalização em todo o território nacional, com o objetivo de receber as demandas da população. Além disso, é dotada de Ouvidoria, onde a comunidade deposita sua voz sobre questões de interesse. O artigo 4o da Lei em comento traz as competências da ANS. A ANS é gerida por uma Diretoria Colegiada, de modo que os diretores são nomeados pelo Presidente da República, depois de prévia aprovação pelo Senado Federal. Finalmente, BAGNOLI (2013, p. 143) afirma que o setor de saúde suplementar abrange planos de saúde, médicos, dentistas, dentre outros profissionais, e hospitais, laboratórios e clínicas. Toda essa rede prestadora de serviços de saúde atende aos consumidores que usam planos privados de assistência à saúde com o intuito de realizar consultas, exames ou internações. Conclui, então, ponderando que a atuação da ANS procura promover o equilíbrio nas relações entre esses segmentos para construir, com a sociedade, um mercado sólido, equilibrado e socialmente justo.

4. Proposta de Rearquitertura do Sistema

Em artigo (2013) nosso sobre o tema já publicado na Revista Carta Forense, traz-se a proposta: “Diante dessa perspectiva, um caminho possível para os problemas que não são poucos neste setor é sugerido por Carlos Octávio Ocké-Reis (2012, p. 121-123): “A possibilidade de o interesse público – como preceito normativo da ANS – servir de eixo organizador para um programa de reforma das operadoras do mercado de planos pressupõe a superação do pragmatismo da ANS, bem como mudanças no modelo regulatório de caráter constitucional, confrontando a norma que designa a assistência à saúde como livre à iniciativa privada. A hipótese subjacente reside na percepção de que esse novo quadro institucional lançaria as bases para a elaboração de um contrato social regulatório visando, a um só tempo, à aplicação específica do direito de acesso à saúde no mercado à perspectiva de unicidade do SUS (integrando, de fato, os sistemas público e privado em um único sistema). [...] Em termos mais concretos, a diretoria colegiada da ANS, o Conselho de Saúde Suplementar (Consu) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) precisariam negociar o conteúdo, a forma e o ritmo das ações regulatórias, caso se queira suplantar a já difícil tarefa de parametrizar contratos de direito privado, mas agora também em direção à salvaguarda do interesse público. De certa forma, esse tipo de arranjo ficaria favorecido, porque as agências no setor saúde são as únicas em que o contrato de gestão é mandatário em relação à diretoria colegiada (Pereira, C., 2004), servindo como mecanismo formal de controle, que acaba por preservar os interesses do Poder Executivo (Ministério da Saúde) mesmo diante da independência relativa da ANS. Igualmente, as instâncias consultivas da agência reguladora, que funcionam como instâncias de participação social (a Câmara de Saúde Suplementar, as câmaras técnicas, as instâncias de consulta, a audiência pública e a ouvidoria) poderiam ser ampliadas e algumas delas dotadas de poder de decisão [...]. Essas transformações visariam a fortalecer o controle social sobre a Agência [...] O projeto político-institucional da ANS, mediado pelo interesse público, passaria necessariamente pelo debate com a sociedade civil organizada [...].” (Para saber mais sobre o assunto, ver: Ocké-Reis, Carlos Octávio. SUS o desafio de ser único. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012.) Ocké-Reis (2012, p. 124) propõe ainda que a ANS conduza uma gestão especializada com a participação social, incorporando o interesse público nas suas decisões. Para tanto, indica que seria necessária uma regulamentação da Constituição da República, guiando o mercado de seguros de saúde, conforme o interesse público – ou seja, “combinando uma regulação de atividade privada de interesse público com o regime de concessão de serviços públicos.” Ocké-Reis (2012, p. 125) conclui: “Restaria saber ainda, de um lado, em que medida o Estado detém pré-condições para subordinar o mercado às diretrizes das políticas de saúde com base no interesse público; de outro, quais seriam os segmentos privados que aceitariam mais facilmente internalizar esse tipo de função social requerida àquelas atividades mercantis empreendidas no setor saúde, sem trocadilho, vitais para a sociedade brasileira.” [...]”

5. Conclusão

Finda esta pesquisa, analisou-se a Regulação e a Ordem Econômica, então estudaram-se os principais aspectos atinentes às Agências Reguladoras, para examinar as características da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e, finalmente, propor uma rearquitetura do sistema, com o fim de melhor regular o setor de saúde.

O primeiro ponto nevrálgico extraído do texto reside no fato de que o Estado, enquanto agente normativo e regulador, deve necessariamente compatibilizar essas características com os princípios constitucionais da Ordem Econômica. Sabe-se que são princípios da Ordem Econômica a livre iniciativa e a livre concorrência. Todavia, acredita-se que, em se tratando do direito à saúde, não se deve este direito ser meramente regulado pelas leis do mercado, já que envolve o interesse social, isto é, a redução das desigualdades e a minimização do sofrimento. Portanto, como visto e como se concluirá, o setor deve ser regido pelo interesse público e pelo regime de concessões. Destarte, enquanto serviço público seria delegado a particulares que o exerceriam ainda sim sob a fiscalização do Estado. Mudar-se-ia, assim, o papel da ANS, que passaria a normatizar e fiscalizar um serviço público prestado por concessionárias. Talvez, por assim ser, pela proximidade que se firmaria da saúde prestada por particulares com o setor público, que defende o interesse social, melhoras na prestação de serviços pudessem ocorrer, como a eliminação ou redução dos problemas de planos coletivos por adesão em que as operadoras aumentam indiscriminadamente as tarifas sobre os usuários, sem a atual fiscalização da ANS. Problemas de outras ordens também poderiam ser senão solucionados ao menos amenizados, como redução das reclamações, das cobranças indevidas e até mesmo da falta de cobertura em alguns casos, por parte das seguradoras. Nota-se, por outro lado, que os planos de saúde tratam com seres humanos, em que a dignidade deve ser tutelada. Não apenas como princípio basilar sedimentado na Constituição brasileira, mas como valor-real que deve ser efetivadopara a população. Para tanto, para buscar este fim, a saúde deve ser garantida. Importa salientar que o mercado é adotado como modelo econômico pela Constituição da República Federativa Brasileira de 1988. Todavia, a saúde trata-se de um bem maior, que deve ser permanentemente perseguido. Além disso, conecta-se diretamente ao interesse público. Desse modo, o mercado deve se adequar às necessidades da saúde (interesse público) e se modificar a Constituição brasileira de 1988, com o objetivo de tornar o setor privado de saúde realmente integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS), através de concessões. Portanto, deve-se alterar o artigo 199, da Constituição da República, que prevê:“A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.”. Deve-se, assim, submeter a assistência à saúde ao regime de concessões, o que permitiria verdadeiramente unificar o Sistema Único de Saúde (SUS), atendendo ao interesse público.

Mas, a essa altura, pode-se estar se perguntando o que é o interesse público. Conrado Mendes (SUNDFELD et al, 2006) indaga a qual dos interesses públicos as agências reguladoras atendem. Do Estado, das empresas multinacionais ou dos usuários. Da leitura da reflexão do autor, é possível questionar se existem canais de representação dentro das agências para eles e ainda conclui-se ser preciso determinar e deixar claro a quem o interesse público deve destinar-se, prevalencendo-se sobre os demais, como legítimo e não supostamente verdadeiro. Finalmente, a intervenção do Estado para regular a saúde enquanto serviço público deve servir para atender ao interesse coletivo e às finalidades públicas, respeitados os limites constitucionais e legais. Nota-se, assim, o primado de se regular adequadamente o mercado de planos de saúde, na verdade, transformando-o da lógica de um mercado a um integrante verdadeiro do SUS na esfera do interesse do povo, enquanto assim, público, a partir de uma emenda constitucional.

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