REFLEXÕES SOBRE A DIDÁTICA E A PRÁTICA DE ENSINO NA RELAÇÃO COM A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

June 4, 2017 | Autor: Mônica P.Santos | Categoria: Teacher Education, Didactics, Inclusive Education, Teaching practice
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REFLEXÕES SOBRE A DIDÁTICA E A PRÁTICA DE ENSINO NA RELAÇÃO COM A FORMAÇÃO DE PROFESSORES.

Resumo Geral do Painel Este painel inscreve-se no eixo temático: “Didática e Prática de Ensino na Relação com a Formação de Professor” e subeixo: “Desenvolvimento profissional e Práticas Formativas”. O objetivo principal desta proposta de trabalho é refletir sobre a didática e a prática de ensino enfatizando aspectos relevantes na formação de professores e no fazer pedagógico. Na tentativa de construir práticas propositivas que objetivem transformar espaços educativos que acentuam a exclusão social, em espaços que eduquem os jovens superando os efeitos perversos de modelos, propiciando-lhes um desenvolvimento cultural, científico e tecnológico que lhes assegure condições para fazerem frente às exigências do mundo contemporâneo, os trabalhos relacionados nessa comunicação buscam dotar os professores de perspectivas de análise que os ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, culturais e organizacionais nos quais estão imersos. Em “Pesquisa e Prática Pedagógica: Algumas Reflexões sobre o processo de Formação Docente”, a autora busca compreender os sentidos produzidos pelo componente curricular denominado Prática e Pesquisa Pedagógica (PPP), no processo de formação de professores no Curso de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense. Já no trabalho intitulado “A Prática de Ensino de Ciências Sociais como Campo de Conhecimento”, a questão centra-se na Prática de Ensino como espaço/processo de construção da identidade profissional do licenciando na área das Ciências Sociais, da Universidade Federal Fluminense – UFF, frente às novas configurações teóricas e práticas do lócus universitário e escolar da contemporaneidade. Por fim, em “Atendimento Educacional Especializado: Formação e Estratégias de Ação docente”, as autoras discutem práticas e contribuições para a formação continuada de professores para o Atendimento Educacional Especializado. É na mobilização desta tríade de trabalhos apresentados que se pretende disponibilizar aos professores o referencial para desenvolverem a capacidade de investigar a própria atividade e, a partir dela, constituírem e transformarem os seus saberes-fazeres docentes, num processo continuo de construção de suas identidades profissionais. Palavras-chave: formação de professores, práticas de ensino, didática.

2 PESQUISA E PRÁTICA PEDAGÓGICA: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DOCENTE

Resumo

Este trabalho busca compreender os sentidos produzidos pelo componente curricular denominado Prática e Pesquisa Pedagógica (PPP), no processo de formação de professores no Curso de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense. A proposta curricular propõe a articulação entre pesquisa e prática na formação docente e diálogo com os outros componentes curriculares. Considerando que o PPP está presente no decorrer de todo processo formativo, detivemo-nos no componente curricular que propõe realizar investigações e intervenções, por meio de práticas de ensino e/ou projetos pedagógicos, em instituições ou contextos de Educação de Jovens e Adultos e de Educação Especial. Partindo da premissa de que a formação de professores pautada para lidar com a diversidade é tema de grande relevância no contexto educacional brasileiro, procuramos analisar como esse componente curricular tem sido conduzido de modo a possibilitar a formação crítica e reflexiva dos estudantes de Pedagogia, destacando a importância do processo de inclusão em educação, como proposição para superar barreiras de participação e de aprendizagem dos estudantes, em todos os níveis e etapas educacionais. Para finalizar, apresentamos a produção do memorial de formação como um recurso que tem sido proposto para os estudantes narrarem suas próprias experiências e produzirem saberes que ampliem sua condição de autoria. Destacamos ainda, a importância do memorial como instrumento potencializador da percepção dos estudantes sobre o trabalho docente, por possibilitar experiência, investigação e avaliação de situações do cotidiano escolar, articuladas com os conteúdos teóricos dos componentes curriculares e com a trajetória acadêmica de cada um. Palavras-chave: formação de professores, diversidade, prática de ensino.

Introdução

Como fruto de intenso debate envolvendo a comunidade acadêmica, em 1993, foi concretizado o atual Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Pedagogia da Universidade Federal Fluminense. Tal Projeto Pedagógico buscava redefinir novos sentidos e articulações para a formação docente visando romper com dicotomia entre teoria e prática.

Após vinte anos de implementação do Projeto Pedagógico na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (FEUFF), encontramo-nos diante de novos desafios impostos por processos de desprofissionalização e proletarização do magistério que têm secundarizado a função educadora da docência. Deste modo, permanecemos desafiados a reestruturar práticas e incentivar processos de formação

3 docentes voltados para a pesquisa, ou seja, processos de formação que favoreçam a interpretação e a construção de novos significados para a docência. A proposta curricular oferecida aos estudantes do curso de Pedagogia UFF propõe a indissociabilidade entre pesquisa e prática, especialmente, através dos componentes curriculares obrigatórios Pesquisa e Prática Pedagógica (PPP), que se constitui em um eixo articulador de todo o curso. Ao nosso entender, essa proposta é promissora para orientar o processo de formação do docente no contexto da pesquisa; promover articulação entre ensino e sociedade; e, criar alternativas que superem a relação dicotômica entre educação e política. De acordo com Dominick (2006, p.88),

O componente curricular não tem ementa ou conteúdo fixo préestabelecido, os saberes que circulam em cada turma de PPP, são os saberes que caem na rede daquele grupo que dialoga. A cada semestre letivo, os professores de PPP devem apresentar propostas para suas turmas discutirem e elaborarem, juntos, os caminhos do curso. Os rumos devem ser combinados no início de cada semestre e deve-se tomar como referência o necessário diálogo entre e com os demais componentes curriculares de cada período.

Essa proposta nos incita a compreender que cada PPP precisa estar articulado com outros componentes curriculares, com a trajetória acadêmica dos estudantes e com a realidade das escolas e outros espaços formais e não formais de ensino onde ocorrerá o processo de investigação e intervenção. Contudo, algumas questões apresentadas pelos estudantes, por Dominick (2006) ainda necessitam de constantes (re) negociações para que o componente curricular ofereça todas as possibilidades:

Falta de proposta pedagógica de alguns professores; Falta de articulação deste componente com as práticas educacionais presentes em nossa sociedade, imprimindo ao curso uma imagem excessivamente “teórica” e desconectada das práticas educativas cotidianas; Não se aprende a fazer pesquisa em PPP; Não se aprende a dar aulas em PPP; Não se aprende a gerir sistemas educacionais em PPP; Não há articulação dos conteúdos do semestre (Dominick, 2006, p. 95).

A superação das barreiras supracitadas é indispensável para que o componente curricular PPP possa promover experiências formativas relevantes aos estudantes e

4 capacitá-los a fazer um exame crítico dos processos e conteúdos educacionais, levandoos a questionar seus papéis na intervenção e na transformação de propostas educacionais. Consideramos ainda, a pertinência de facultar aos estudantes, um processo de formação que lhes permitam compreender que todo conhecimento é uma produção social, fruto de experiências sociais e que toda experiência social produz conhecimento, independente da diversidade de seus atores.

A importância da diversidade no currículo de formação docente: articulações entre pesquisa e prática A preocupação com um processo educacional que reconheça e considere os diferentes contextos socioculturais dos estudantes tem sido presente nos cursos de formação de professores. As adaptações necessárias dos sistemas educativos, envolvendo uma compreensão dinâmica dos diferentes contextos socioculturais, sugerem a necessidade de maiores pesquisas e análise sobre os significados políticopedagógicos da formação docente. Ao explicitar o desafio de equacionar programas de formação docente para a diversidade, Arroyo (2008) destaca a tendência generalista dos cursos de formação baseados em concepções prévias da docência e do perfil de profissional da educação básica. A ideia de organizar um currículo que capacite os professores para lecionar em qualquer escola, seja no meio urbano ou rural, seja para indígenas ou jovens e adultos, traz, como consequência, um projeto único de docência e de formação. Quando abordada na lógica de concepções e diretrizes únicas de currículo e de núcleo comum obrigatório, a diferença fica condicionada a uma perspectiva universal. As concepções generalistas presentes no sistema escolar e nos cursos de formação de professores podem reproduzir e reforçar padrões que, ao longo da história, converteram diferenças em desigualdades. Nesse sentido, assumir as diferenças é condição para avançar em concepções e práticas de educação, de docência e de formação, que favoreçam a compreensão de tais processos históricos, repensando e desconstruindo os padrões classificatórios e normatizadores presentes no universo escolar.

5 A diversidade se impõe como tema central nos cursos de formação, visto que o núcleo estruturante do sistema educacional está pautado em um padrão único que apresenta resistência em se libertar de hierarquias sociais, raciais, de gênero, territoriais, geracionais, de necessidades educacionais especiais, entre outras. Nos últimos três semestres (2013/2014), tenho trabalhado com o componente curricular PPPIV, que tem como objetivo: Relacionar teoria e prática na educação; Realizar investigações e intervenções, por meio de práticas de ensino e/ou projetos pedagógicos, em instituições ou contextos de Educação de Jovens e Adultos e de Educação Especial. (FEUFF, Estrutura Curricular, formulário n.13).

O trabalho com a temática da Educação de Jovens e Adultos e da Educação Especial tem sido uma experiência bastante rica para estudantes e professora, que têm buscado assumir uma postura não somente investigativa, mas, sobretudo, propositiva. A construção de uma educação em uma perspectiva inclusiva implica, em nosso entender, na adoção do princípio da educação como direito de todos, com oportunidade de participação e de aprendizagem e com garantia de acesso e permanência. A crença de que todos os estudantes aprendem a partir da interação social e da mediação e intervenção pedagógica crítica, que possibilite identificar as barreiras à participação e à aprendizagem enfrentadas pelos diferentes atores envolvidos no contexto escolar é uma condição prioritária (SANTIAGO, 2013). A transformação do espaço escolar em um ambiente acolhedor, que possibilite a aprendizagem de todos a partir de situações que envolvam a colaboração e experiências compartilhadas de aprendizagem, requer responsabilidade e espírito de coletividade por parte da equipe pedagógica. Assim, reafirmamos que a inclusão em educação é um movimento infindável de incentivo à aprendizagem e à participação de todos os estudantes, envolve a valorização de todas as pessoas que compõem o espaço escolar; a redução de barreiras à aprendizagem e à participação; a politização dos conteúdos escolares; a reestruturação de práticas escolares sensíveis à diversidade dos estudantes; a concepção de diferença como possibilidade e apoio à aprendizagem e o reconhecimento que a inclusão em educação é um aspecto da inclusão na sociedade (BOOTH; AINSCOW, 2011).

6 Para Darling-Hammond (2001) a provisão de uma educação com qualidade para todos, só é possível se houver responsabilidade compartilhada por parte de todas as instâncias e profissionais envolvidos com a formação de nossos estudantes. De forma complementar, Hernandez (1998) afirma que não é possível recriar a Escola se não se modificam o reconhecimento e as condições de trabalho dos professores. Os autores nos dão pistas que se encaminham para a correlação entre barreiras e recursos, embora saibamos que as mudanças exigem disponibilização de recursos, temos percebido uma prática comum nos projetos e programas educacionais que confiam as mudanças e as inovações pedagógicas e políticas exclusivamente à ação do professor. Nesse contexto somos impelidos a refletir que por maior que seja o compromisso do professor, ele, por si só, não tem condições de operar mudanças na estrutura escolar. Tais mudanças, em nosso entender, envolvem a gestão de culturas institucionais inclusivas que consiste em adotar uma perspectiva orientada para o trabalho coletivo com a comunidade escolar, ancorada em relações de acolhimento e colaboração entre os atores escolares. Além disso, a promoção de valores inclusivos que permitam estabelecer altas expectativas para todos os estudantes; a adoção de filosofia de inclusão compartilhada por todos os segmentos da escola; a valorização de todos os estudantes e profissionais da escola, a partir de uma ação coletiva que busque reduzir barreiras à aprendizagem e à participação e ainda, que eliminem as práticas de discriminação presentes no espaço escolar são prerrogativas importantes para tais mudanças. (BOOTH; AINSCOW, 2011). As transformações de valores e culturas institucionais envolvendo a coletividade da escola apoiam o desenvolvimento de uma escola para todos, no sentido de promover acessibilidade e apoio à diversidade dos estudantes, o que representa um reposicionamento político que está relacionado à orquestração de práticas que precisam se encaminhar a um ensino planejado, tendo em mente a aprendizagem de todos os estudantes, e também a mobilização de recursos para efetuar as mudanças elencadas coletivamente como necessárias (BOOTH; AISNCOW, 2011). Diante do exposto nosso objetivo com PPP tem sido compreender que as mudanças são complexas e envolvem participação, compreensão e adesão da comunidade escolar, como também o reconhecimento de que as políticas não são

7 impostas, mas se tratam de um texto que precisa ser discutido e reconfigurado para que assuma o perfil de cada instituição e de sua respectiva comunidade. Acreditamos que o reposicionamento político da comunidade escolar permitirá proposições práticas que possibilitem o direito de aprender, considerando que aprender envolve relação com o saber, no sentido de: “valorizar a indagação crítica como estratégia de conhecimento, aprender para compreender e agir, questionar as representações “únicas” da realidade, mudar a organização do espaço e do tempo escolar e, sobretudo, compreender a escola como geradora de culturas e não só de aprendizagem de conteúdos.” (HERNÁNDEZ, 1998). Desta forma, desenvolvemos um trabalho de campo que busque analisar a filosofia de inclusão/exclusão presente na instituição de ensino, o envolvimento dos atores escolares no processo ensino-aprendizagem, o papel da gestão escolar na mediação da política institucional em uma perspectiva de inclusão. Enfim, buscamos conjuntamente, desenvolver olhares que compreendam as dimensões de culturas, políticas e práticas de inclusão/exclusão presentes em cada instituição investigada, para então pensarmos/criarmos estratégias que poderiam contribuir com maior participação e aprendizagem de todos os estudantes. Memorial de formação como instrumento de reflexão e avaliação

A proposição de uma formação para a diversidade exige um diálogo que favoreça a redefinição de concepções de formação, de docência, de conhecimento, de ensino e aprendizagem a partir da reinvenção da realidade que os coletivos diversos trazem e narram em suas histórias. Nas palavras de Arroyo (2008): Se os coletivos que chegam à universidade têm o direito de ouvir e aprender as concepções, conhecimentos, significados da realidade acumulados no ensino, na pesquisa, na reflexão teórica organizada, a universidade, por sua parte, tem o direito e o dever de ouvir, aprender as concepções, vivências, culturas, valores, conhecimentos, formas de entender-se e entender o real e a rica vivência da diversidade vindos desses coletivos. Sobretudo, de sua história de segregação e silenciamento, que também é espaço de produção de conhecimento e de valores. (ARROYO, 2008, p. 31) Diante de um componente curricular que tem como proposta a elaboração de

8 saberes articulados com a experiência e a trajetória individual/coletiva dos estudantes, nos propusemos a construir um relato de experiência das atividades de pesquisa e prática pedagógica sob a forma de memorial de formação. A carreira docente, de forma distinta a outras profissões, não se inicia ou se constitui a partir de conhecimentos construídos exclusivamente ao longo do curso de graduação. No decorrer de nossa trajetória escolar, familiarizamo-nos com o funcionamento do cotidiano e com os atores que constituem o universo escolar. Assim, propor que o estudante escreva e, consequentemente, reflita sobre o processo que vivenciou até sua chegada ao curso e como tem sido sua trajetória de formação, pode ser uma estratégia viável para auxiliar o processo de construção de sua identidade profissional e alcançar uma formação docente reflexiva (PRADO; SOLIGO, 2007). A escrita de memoriais de formação é um recurso para os estudantes narrarem suas próprias experiências e compreenderem que possuem competências em produzir e refletir saberes, assumindo a condição de autoria que é inerente ao professor que se assume pesquisador (MENDES, 2011). Compreendidos enquanto registros reflexivos, os memoriais de formação funcionam como mediadores das questões a serem problematizadas, possibilitando aos professores em formação, novas leituras e outros questionamentos. O memorial de formação vem sendo cada vez mais utilizado pelos educadores como instrumento de investigação e como estratégia de formação que buscam um maior reconhecimento profissional de suas experiências e de seu papel de protagonista na própria formação. Mesmo que os professores em formação não sejam profissionais em exercício, consideramos que a elaboração de memoriais não contribua somente para o exercício da escrita, como também para socializar experiências e reflexões, tornando-se um instrumento que lhes possibilite tanto a reflexão sobre seu conhecimento teórico, quanto a tomada de consciência das escolhas realizadas, motivadoras de sua trajetória acadêmica (MENEZES; REIS, 2011). Em caráter de ilustração, apresentamos alguns excertos reflexivos apresentados nos memoriais produzidos por estudantes do curso de Pedagogia, na Prática de Pesquisa Pedagógica IV que tem como foco investigar questões referentes à Educação Especial e da Educação de Jovens e Adultos:

Esse trabalho foi de grande importância, pois nele conheci e aprendi

9 como se trabalha com educação especial e como ela se encontra na sociedade hoje. Esse trabalho de campo nos forma humanamente, nos faz aprender com as diferenças, nos permite aprender a partir da troca de conhecimento, do diálogo, além de nos situar sobre como a educação está acontecendo na escola, de que forma, quais métodos estão sendo utilizados, o que ela oferece de bom, o que precisa ser melhorado etc. Assim formando a nossa própria consciência, podemos refletir sobre a nossa prática seja no futuro, se ainda vamos trabalhar com a educação especial, ou no presente, e pensarmos qual forma é correta, que posturas precisamos tomar, que tipo de profissional eu quero ser ou eu estou sendo. (Memorial da estudante M, segundo semestre/2013) Achei muito importante para minha formação ter a oportunidade de participar das atividades na turma do G., pois tinha preconceito em relação ao autismo. Achava que eram pessoas agressivas e que não participavam de nenhuma atividade (Memorial da estudante E, segundo semestre/2013) No que se refere à formação oferecida pela EJA, destaco a importância de considerar o contexto social em que seus alunos vivem. [...] Grande parte dos alunos que frequentam a EJA, já fazem parte do mercado de trabalho, mesmo que de maneira informal. [...] Observei que os professores utilizam exemplos da vida profissional de seus alunos, o que confere significado ao conteúdo trabalho. [...] Em sua maioria, os alunos da EJA, pararam de estudar em algum momento da vida porque precisavam trabalhar e justamente em função do trabalho, retornam à escola para melhor se qualificar. (Memorial da estudante L, segundo semestre/2013)

A análise dos memoriais de formação nos permite (co) avaliar o processo de aprendizagem construído pelos estudantes e se os objetivos do componente curricular foram atingidos, considerando que cada estudante formula seus próprios objetivos. Além disso, este instrumento permite também conhecer a percepção dos estudantes sobre o trabalho docente, ao destacarem e avaliarem situações do cotidiano escolar, articuladas com os conteúdos teóricos dos componentes curriculares de forma crítica e reflexiva.

Considerações finais Buscamos analisar um componente curricular que tem como objetivo investigar as práticas educacionais voltadas para a Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial. Diante da complexidade que envolve o trabalho pedagógico voltado para as questões da diversidade, de forma dialógica, tecemos estratégias de análise e avaliação

10 dos contextos escolares investigados, que envolvem a narrativa das experiências dos próprios estudantes. Os memoriais de formação elaborados pelos estudantes, ao narrarem as influências e trajetórias acadêmicas em articulação com os processos de investigação, têm contribuído com o processo de construção da identidade e formação do pesquisador-docente. Todavia, não olvidamos que a iniciativa apresentada neste artigo não se constitui uma experiência institucional coletiva, mas se trata de uma proposta construída juntamente com os estudantes, com o propósito de produzir experiências que se constituam em novas produções de significados e sentidos para a prática docente.

Referências bibliográficas ARROYO, Miguel. Os coletivos diversos repolitizam a educação. In: DINIZPEREIRA, Júlio Emílio; LEÃO, Geraldo (Org.). Quando a diversidade interroga a formação docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. BOOTH, T. & AINSCOW, M. Index Para a Inclusão. Desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. UFRJ: Lapeade [Tradução de M.P. Santos], 2011. DARLING-HAMMOND, Linda. El derecho de aprender: crear buenas escuelas para todos. Barcelona: Ariel, 2001. DOMINICK, Rejany dos Santos. A instituição, as subjetividades e o corpo docente de PPP (Pesquisa e Prática Pedagógica): Em busca do potencial instituinte. Cadernos de ensaios e pesquisas do Curso de Pedagogia da UFF – Niterói – RJ, nº. 11, 2006. pp. 87 a 104. HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: ArtMed, 1998. MENDES, M. F. M. Memoriais de formação: narrar-se professor a partir dos saberes cotidianos. X Congresso Nacional de Educação – EDUCERE. Curitiba - PR, 2011. MENEZES, D. A.; REIS, C. N. B. A construção de identidades pessoais e profissionais em memoriais de formação: escolhas e dilemas de licenciandos em letras português-inglês. Anais do SILEL. Volume 2, Número 2. Uberlândia: EDUFU, 2011. PRADO, G. DO V. T; SOLIGO, R. Memorial de Formação: quando as memórias narram a história da formação. In: VARANI, A. FERREIRA, C. R. PRADO, G. V. T. (orgs.) Narrativas Docentes: Trajetórias de trabalhos pedagógicos. Campinas: Mercado de Letras, 2007, p. 45-59. SANTIAGO, M. C. As múltiplas dimensões de inclusão e exclusão nos Laboratórios de Aprendizagem. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013.

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A PRÁTICA DE ENSINO DE CIÊNCIAS SOCIAIS COMO CAMPO DE CONHECIMENTO

Resumo

A questão que se coloca nessa proposta de estudo, centra-se na Prática de Ensino como espaço/processo de construção da identidade profissional do licenciando na área das Ciências Sociais, da Universidade Federal Fluminense – UFF, frente às novas configurações teóricas e práticas do lócus universitário e escolar da contemporaneidade. Inúmeros são os estudos voltados para a formação do professor através do curso de licenciatura nas últimas décadas. As implicações desses trabalhos tem tido repercussões nos discursos educacionais suscitando análises e reflexões significativas nos mais diferentes contextos. O embate acerca dos cursos de formação de educadores nos últimos anos tem se acirrado e levantado questionamentos bastante relevantes. Um desses pontos diz respeito à dicotomia teoria e prática e o abismo entre a parte específica e a parte pedagógica do currículo de nossos cursos de licenciatura. Outra consequência é o distanciamento entre a formação e o cotidiano escolar. O paradigma atual da pós-modernidade traz a marca de uma sociedade em transformação pelos determinantes culturais, econômicos e socioambientais, pautados em disputas de modelos de sociedades engendrados pelo campo instituído e o que pretende ser instituído também, no caso o instituinte. Esta proposta de investigação permeia a concepção de formação profissional de educação, a partir de modelos e perspectivas referenciadas pelos determinantes político-pedagógicos da realidade em disputa. Partindo desse contexto, firmamos o nosso trabalho no âmbito da formação acadêmica do profissional da educação escolar, através da Prática de Ensino como campo políticopedagógico, que se distingue como espaço de leituras e ações de uma determinada realidade. Esta especificidade pode garantir ao licenciando e professor de prática o papel de reinterpretação, reelaboração e formulação de elementos teórico-práticos do cotidiano escolar do magistério. Palavras – Chave: Prática de Ensino, Identidade Profissional, Ciências Sociais.

Estado da Arte ou da Técnica

Inúmeros são os estudos voltados para a formação do professor através do curso de licenciatura nas últimas décadas. As implicações desses trabalhos tem tido repercussões nos discursos educacionais suscitando análises e reflexões significativas nos mais diferentes contextos. O embate acerca dos cursos de formação de educadores nos últimos anos tem se

12 acirrado e levantado questionamentos bastante relevantes. Um desses pontos diz respeito à dicotomia teoria e prática e o abismo entre a parte específica e a parte pedagógica do currículo de nossos cursos de licenciatura. Outra consequência é o distanciamento entre a formação e o cotidiano escolar. Alguns autores (Ludke, Marli André, Candau, Linhares e outros), ao se debruçarem sobre a questão apontam uma identidade conteudista, o que reflete no desenho curricular dos cursos de licenciatura das universidades brasileiras. Na verdade, o que prevalece em nossas instituições de ensino superior, durante a formação dos licenciandos, são discussões e reflexões sobre uma realidade abstrata, o que dificulta o envolvimento e o comprometimento do aluno em atitudes e práticas propositivas. A sociedade atual exige, necessariamente, uma educação comprometida com mudanças e transformações sociais. No bojo dessa sociedade encontra-se uma educação que por ser social e historicamente construída pelo homem, requer como essência no seu desenvolvimento uma linguagem múltipla, capaz de abarcar toda uma diversidade e, compreendendo dessa forma, os desafios que fazem parte do tecido de formação profissional do professor. Esta formação constitui um processo que implica em uma reflexão permanente sobre a natureza, os objetivos e as lógicas que presidem a sua concepção de educador enquanto sujeito que transforma e ao mesmo tempo é transformado pelas próprias contingências da profissão. Nesse sentido, Pimenta (2005) coloca que a educação, não só retrata e reproduz a sociedade, mas também projeta a sociedade desejada. Por isso, vincula-se profundamente ao processo civilizatório e humano. A autora complementa seu pensamento com a seguinte afirmação: enquanto prática pedagógica, a educação tem, historicamente, o desafio de responder às demandas que os contextos lhes colocam. Ao analisar os estudos científicos publicados, temos percebido a preocupação com a formação do professor que, ao se tornar um educador, deve comprometer-se em participar do processo de formação de sujeitos cidadãos, frente aos desafios colocados pela pós-modernidade e pela lógica excludente e fatalista da globalização. Este profissional educador deve estar apto a se colocar criticamente, na crescente complexidade de sua vida social, cultural e profissional, bem como internalizar a diversidade e pluralidade dos movimentos instituintes que perpassam o cotidiano escolar. A pós-modernidade tem permitido que educadores e intelectuais, ligados à pesquisa sobre a produção do conhecimento na educação e em diferentes áreas do saber

13 e realidades, aceitem o desafio de reconsiderar seus saberes e fazeres. Após tantos anos de certezas baseadas no cientificismo produtivista, chega o momento das incertezas e das profundas reflexões, mediante as verdades outrora preconizadas pela ciência positivista. Ao possibilitar uma articulação teórico-prática, originária de um modelo que considere a perspectiva interdisciplinar como princípio, pode-se, na formação inicial, desenvolver capacidades cognoscitivas que permitam ao futuro educador enxergar criticamente a realidade, compreendê-la, analisá-la e dar respostas criativas e reflexivas a ela. No contexto da prática de ensino é importante ainda ressaltar as críticas ao modelo tecnicista sob o qual esta disciplina foi orientada. Monteiro (2000) sugere que a formação de professores pautada na racionalidade técnica implicou numa organização desta disciplina como momento de observação e reprodução irrefletida de aulas consideradas “boas”. Essa leitura parece supor uma visão de formação que privilegia o saber prático no fazer do professor, tendo esta prática o significado de ação desprovida de reflexão sistematizada e fundamentada, ou seja, baseada no modelo ensaio e erro, levando consequentemente, a aquisição de conhecimentos acríticos e pouco reflexivos. Consideramos que a racionalidade técnica, cujas raízes foram afincadas no positivismo, trouxe historicamente limites para o desenvolvimento de uma sociedade que busca por mudanças no contexto social, político e cultural, visto que, naquele modelo, os princípios básicos eram arregimentados por conteúdos formais, cristalizados em grades curriculares, não valorizando, dessa forma, a criatividade e a inovação do professor. Frente aos aspectos abordados, pretendendo-se superar as dicotomias, a nova formatação de Prática de Ensino proposta pela Universidade Federal Fluminense – FEUFF, produto de intensas discussões, busca negar a ideia de professor enquanto simples transmissor do conhecimento, fruto da visão fragmentada da realidade, reforçando no projeto pedagógico, uma perspectiva que contemple a complexidade do pensamento e da ação docente. Para tanto, a proposta prevê que a Prática de Ensino ganhe nova identidade ao ser compreendida e aplicada como campo de estudo, e não somente como disciplina isolada no final da grade curricular dos cursos de licenciaturas. Assim, os estudantes de licenciatura ao iniciarem no curso, estarão, necessariamente, envolvendo-se na identidade teórico-prática expressa pelo modelo de formação, que tem como princípios a interdisciplinaridade e a complexidade. Através

14 das dinâmicas de refletir, agir, formular e reformular conceitos e práticas, os licenciandos estarão sendo estimulados pela Prática de Ensino, que se estende ao longo do curso, a construírem suas identidades de educadores. Desta forma, o modelo tenta criar no licenciando, o hábito da reflexão engajada aos processos de ensino que ocorrem nos diversos espaços e tempos formativos de nossa realidade educacional e institucional. Nesta linha, o que perseguimos é uma Prática de Ensino entendida como um campo complexo e interdisciplinar, que configura o ato de ensinar e aprender na indissociabilidade teórico-prática.

Diagnósticos dos problemas levantados

A dicotomia teoria e prática nos remetem a questões que precisam ser elucidadas. Prática é condição de historicidade. Teoria é maneira de ver, não de ser. Nem por isso uma é inferior a outra. No contexto das Ciências Sociais, uma teoria desligada da prática não chega a ser teoria, pois não diz respeito à realidade histórica. A prática é um critério de verdade. A teoria social necessita de prática, mas a prática não a faz necessariamente verdadeira, pois, da mesma teoria, pode-se chegar a várias práticas, até mesmo contraditórias. Uma característica fundamental da prática é a de ser sempre uma opção da teoria que esta por trás. Não é possível que de uma mesma teoria se derive uma única prática, a não ser por fanatismo ou dogmatismo. Outra característica da prática é seu traço concreto, ao contrário da teoria, que é generalizante. Não se pratica toda a teoria, mas versões concretas dela, o que também quer dizer que a prática tende a ser exclusivista, porque opcional. O caráter limitante da prática em face da teoria apequena a teoria, pois não ultrapassa a condição histórica de uma versão dela. É, pois, falsa a imagem de “sujar as mãos”, como se a prática fosse suja e a teoria limpa. Sujeira muito maior é ficar na teoria apenas, porque é prática à revelia, na ingenuidade ou na esperteza. O teórico foge da prática porque teme a condenação histórica. Outra questão pontuada foi o abismo entre a parte específica e a parte pedagógica do currículo dos cursos de licenciatura das nossas universidades brasileiras. Esse problema encontra eco significativo nas práticas pedagógicas dos professores de Ciências Sociais.

15 A compartimentação e a fragmentação dos currículos das licenciaturas das universidades brasileiras têm sido alvo de muitas críticas nos debates atuais. A parte pedagógica desses currículos não é perseguida como um campo rico de complexidades e muito menos é entendida de forma interdisciplinar no tocante ao dialogo com a parte específica desse mesmo processo de formação. A necessidade de pensarmos numa interlocução concatenada entre a formação específica e a formação pedagógica dos alunos dos cursos de licenciaturas de nossas universidades brasileiras supõe que deva existir uma vontade política clara e durável nessa direção. As inumeráveis resistências encontradas para que essa interlocução não seja viabilizada denotam interesses políticos que apontam para necessidades de reflexões mais aprofundadas nesse contexto. Quando tais resistências não saltam às vistas, significa que a abordagem por competências não é uma política afirmada, mas apenas um recurso estilístico no discurso e um encanto nos programas. O desafio de uma reforma curricular, onde o abismo entre a formação específica e a formação pedagógica possa ser suplantado, só será maior se ela beneficiar, prioritariamente, todos os estudantes que estão saindo despreparados, dos cursos de licenciaturas das universidades brasileiras, para atuarem no ensino da escola básica. Por fim, o problema do distanciamento entre a formação dos estudantes de licenciatura e o cotidiano escolar revela problemas de dimensões bastante relevantes e que demandam investigações mais aprofundadas. Diante da grande desigualdade social, a universalidade do acesso à educação ganha grande relevância no Brasil. Porém, a evasão de alunos hoje encontrada no ensino público das escolas básicas brasileiras reflete a baixa qualidade do ensino e a inadequação da escola aos jovens das camadas populares. Essa relação esta concatenada ao distanciamento entre a formação dos professores, a realidade do cotidiano escolar e a contextualização de vida desses sujeitos que frequentam a escola pública brasileira. A relação teoria e prática trabalhada na formação dos futuros educadores que atuarão na escola pública após suas trajetórias acadêmicas deve estar balizada nos eixos da contextualização e da interdisciplinaridade, preparando dessa forma esses profissionais para atuarem numa realidade conhecida e vivenciada por eles. Na medida em que a universidade é um espaço de mediação entre o privado – representado, sobretudo pelos alunos – e o público – representado pela sociedade –, essa

16 deve favorecer, por meio do currículo de seus cursos de licenciatura, procedimentos e conhecimentos que façam essa transição.

Soluções propostas

Pensamos que não podemos sacrificar a teoria em nome da prática, nem a prática em nome da teoria. Para não degenerar em fanatismo, a prática deve retornar à teoria, à crítica e autocrítica. A possibilidade de uma articulação teórico-prática, originária de um modelo que considere a perspectiva interdisciplinar como princípio, pode-se, na formação inicial, desenvolver capacidades cognoscitivas que permitam ao futuro educador enxergar criticamente a realidade, compreendê-la, analisá-la e dar respostas criativas e reflexivas a ela. A Prática deve trazer novas dimensões ao conhecimento científico social, que são essenciais para a construção: a) Obrigar à revisão teórica, pois na prática toda teoria é outra; b) Levar o pesquisador a “sujar” as mãos, tornando-se concretamente histórico, aproveitável e condenável; c) Tornar a teoria muito mais produtiva, porque a obriga a adequar-se a uma realidade processual, inquieta, conflituosa; d) Levar ao questionamento constante da formação acadêmica; e) Repor a importância do componente político da realidade social. Ao se propor buscar soluções para o abismo entre a parte específica e a parte pedagógica dos currículos dos cursos de licenciatura da universidade brasileira, a pesquisa esta buscando, também, colaborar propositivamente com a universidade no sentido de superar a

ideia de oferta de

disciplinas compartimentadas

e

descontextualizadas de suas realidades sociais e culturas próximas, espacial e temporalmente, não só no interior da área das Ciências Sociais e Humanas, como no interior das outras áreas e entre elas. Tentar buscar soluções que supere esse abismo é pensar numa educação permanente, tendo em vista o desenvolvimento de competências para o futuro educador do tipo: a autonomia intelectual e o pensamento crítico; a capacidade de aprender e continuar aprendendo, de saber se adequar de forma consciente às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento, de constituir significados sobre a realidade social e

17 política, de compreender o processo de transformação da sociedade e da cultura; o domínio dos princípios e dos fundamentos científico-tecnológicos para a produção de conhecimentos. Assim, acredita-se que o caráter interdisciplinar de um currículo não reside nas possíveis associações temáticas entre diferentes disciplinas, que em verdade, para ser rigoroso, costumam gerar apenas integrações e/ou ações multidisciplinares. O interdisciplinar se obtém por outro viés, qual seja, por uma prática docente comum na qual diferentes disciplinas (no caso, da parte específica e da parte pedagógica dos currículos das licenciaturas) mobilizam, por meio da associação ensino-pesquisa, múltiplos conhecimentos e competências, gerais e particular, de maneira que cada disciplina dê a sua contribuição para a construção de conhecimentos por parte do estudante, com vista a que o mesmo desenvolva plenamente sua autonomia intelectual. No que tange a questão do distanciamento entre a formação dos estudantes de licenciatura e o cotidiano escolar, propomos uma solução para esse problema fundamentando-se numa formação acadêmica consolidada numa realidade concreta e contextualizada. Na verdade o que prevalece em nossas instituições de ensino superior, durante a formação dos licenciandos, são discussões e reflexões sobre uma realidade abstrata, o que dificulta o envolvimento e o comprometimento do aluno em atitudes e práticas propositivas. A contextualização que propomos é entendida como o trabalho de atribuir significados aos temas, assuntos e atividades no âmbito da vida e da sociedade. Assim, a relação entre a teoria e a prática vai requerer uma concretização dos conteúdos curriculares em situações mais próximas e familiares do educando.

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20 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: FORMAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE AÇÃO DOCENTE

Resumo A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) conjuga ações e esforços na esfera política, cultural, social e pedagógica em defesa do direito de todos os alunos à educação. O processo de inclusão em educação constitui um paradigma educacional que se fundamenta na concepção de direitos humanos, que busca articular igualdade e diferença como valores indissociáveis. Esse processo reconhece as dificuldades existentes nos sistemas de ensino e busca criar alternativas para superá-las, ou seja, implica uma mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos tenham suas necessidades atendidas e participação garantida no processo de ensinoaprendizagem. O presente trabalho discute práticas e contribuições para a formação continuada de professores para o Atendimento Educacional Especializado. A educação especial na perspectiva da inclusão constitui-se em uma tendência contemporânea que necessita de investigações no campo da Didática e da Prática de Ensino por se configurar em política educacional nas esferas federal, estadual e municipal que tem desafiado a maioria das escolas públicas. Nosso objetivo é relatar e discutir o processo de formação no Ciclo de Formação continuada sobre inclusão em educação em uma perspectiva omnilética (SANTOS, 2013; SANTOS e SANTIAGO, 2013). O mencionado Ciclo se trata de um desdobramento do Observatório Nacional da Educação Especial (ONEESP) que busca empreender uma avaliação das salas de recursos multifuncionais tomando como base alguns principais desafios contemporâneos da educação especial brasileira: ensino-aprendizagem, trabalho didático e carreira docente, direcionados aos alunos com necessidades educacionais especiais. Propomos a articulação das dimensões do processo de formação e estratégias de ação docente com nosso referencial teórico, de modo a pensar proposições que visem superar os principais desafios enfrentados em busca de novas culturas, politicas e práticas de inclusão em educação (BOOTH; AINSCOW, 2011). Palavras-chave: atendimento educacional especializado, formação de professores, inclusão em educação

Introdução

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-EI, 2008) define que a educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto à sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular. Em síntese, a mencionada política recomenda a implementação de políticas públicas para que alunos

21 com deficiência (física, sensoriais e intelectuais), com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação tenham garantido o acesso, a participação e o aprendizado nas escolas comuns. De acordo com as Diretrizes da PNEE-EI, o atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização, ou seja, esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos estudantes com vistas à autonomia dentro e fora da escola. O Observatório da Educação Especial no Estado do Rio de Janeiro (OEERJ), envolve professores e gestores que atuam no Atendimento Educacional Especializado em quatro municípios: Niterói, Nova Iguaçú, Petropólis e Rio de Janeiro e conta com a participação de pesquisadores das Universidades Federais do Rio de Janeiro (UFRJ), Fluminense (UFF), Rural Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). No decorrer da pesquisa foram realizadas diferentes etapas: estudo preliminar sobre os dados demográficos e administrativos; entrevistas realizadas com os gestores de Educação Especial dos quatro municípios; realização de entrevistas coletivas (grupos focais) sobre os eixos temáticos: formação de professores para inclusão escolar; avaliação do estudante com necessidades educacionais especiais; organização do ensino nas SRMS e classes comuns; e, realização do Ciclo de Formação de Professores para a Inclusão, que se trata de um desdobramento das reflexões suscitadas pelos professores durante as entrevistas coletivas. A fim de compreendermos as culturas, políticas e práticas de inclusão (BOOTH; AISNCOW, 2011) que vêm sendo desenvolvidas no cotidiano das escolas que possuem salas de recursos multifuncionais, nos deteremos neste trabalho no terceiro eixo temático investigado pela pesquisa, que se refere à organização do ensino nas SRMs e classes comuns, assim como no processo de formação desenvolvido no referido ciclo de formação continuada. Nossa argumentação terá como foco o planejamento de ações educativas que visem eliminar barreiras à participação e à aprendizagem dos alunos alvos da educação especial. Para isso, partimos do pressuposto omnilético que defende a necessidade de

22 um planejamento flexível e passível de alterações a qualquer momento e de intencionalidade nas ações educativas em processo de constante negociação coletiva; defende, ainda, a importância do deslocamento do olhar da deficiência para as potencialidades dos alunos.

Por uma Didática Omnilética Para compreender o contexto das salas de recursos multifuncionais e toda a complexidade que a envolve nos dias de hoje (2014), consideramos a importância de situar esse espaço sob uma perspectiva didática omnilética. Esta didática prevê muito do que a didática comum sugere: uma função político-pedagógica de concretizar objetivos e modos de intervenção em situações específicas de ensino-aprendizagem, que dado seu caráter intencional, solicita planejamento. De acordo com Franco (2012, p. 178),

A prática docente é uma prática pedagógica, quando esta se insere na intencionalidade prevista para sua ação. Assim, enfatizo que um professor que sabe qual é o sentido de sua aula frente à formação do aluno, que sabe como sua aula integra e expande a formação desse aluno, que tem a consciência do significado de sua ação, esse professor tem uma atuação pedagógica diferenciada: ele dialoga com a necessidade do estudante, insiste em sua aprendizagem, acompanha seu interesse, faz questão de produzir aquele aprendizado, acredita que este aprendizado será importante para o aluno.

A didática omnilética acrescenta à visão acima alguns “ingredientes” que, se por um lado, perecem desafiar ainda mais os atores da cena educacional em seus saberes e práticas já consolidados, oferece, por outro lado, grande preparo para encarar o maior desafio da atualidade: a complexidade, e as incertezas que dela decorrem. Segundo Morin (2000), a incerteza caracteriza um paradigma já presente, mas ainda pouco reconhecido pela atualidade. Ele diz-nos, ao pensar a realidade, que “[...] importa ser realista no sentido complexo: compreender a incerteza do real, saber que há algo possível ainda invisível no real.” (2000, p. 85). Outro

“ingrediente”

importante

do

pensamento

omnilético

(e,

consequentemente, da didática), é o reconhecimento da tridimensionalidade na qual se expressam os fenômenos humanos e sociais. Referimo-nos às dimensões culturais (da ordem dos valores que possuímos), políticas (da ordem de como nos organizamos tendo em vista orientar nossos atos) e das práticas (da ordem do que e como fazemos na vida), inspiradas em Booth (2002). O terceiro e último elemento que caracteriza o pensamento

23 e a didática omniléticos é a adoção do conceito de dialética, no sentido aristotélico, que a considera como oriunda do importante exercício intelectual de discutir dialogicamente e confrontar percepções e opiniões, o que prepara o espírito para a construção da ciênciai. Deste modo, uma didática omnileticamente construída entende que, apesar de o planejamento ser importante, ele não pode ser único, imutável, nem definitivo; não pode ser construído apenas por um dos atores do projeto educativo em questão, mas por vários e, se possível, todos, em um processo dialógico (e não desprovido de conflitos e contradições) em que as intencionalidades fiquem claras e coletivamente decididas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado, como práticas pedagógicas intencionais que são, precisam estar circunscritas em valores como os descritos acima. Os objetivos do atendimento educacional especializado, descritos no Decreto 7611/11/08, são: prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação; garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular; fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras do processo de ensino e aprendizagem; e assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis de ensino. Em última instância, nada disso poderia ser feito, nem mesmo pôr em ação os princípios de uma didática omnilética, se não fosse o planejamento, assunto que passaremos a discutir a seguir.

O Planejamento em uma perspectiva Omnilética Para atender os objetivos e funções traçados para o AEE, como dissemos acima, os professores e a escola como um todo precisam organizar e planejar omnileticamente esse espaço, o que implica fazê-lo de forma coletiva e aberta, ou seja, sempre passível de revisão, obedecendo ao dinamismo que caracteriza qualquer situação humana (em especial as educativas), o que, por sua vez, favorece o comprometimento dos atores (alunos, pais, professores) envolvidos, direta ou indiretamente, no processo educativo. Nas reflexões das professoras a necessidade de planejamento e organização surge de forma recorrente: Começamos a fazer a primeira entrevista, o primeiro contato com os responsáveis, onde há uma entrevista e logo depois começamos o atendimento, é feito todo um planejamento para se trabalhar com

24 aquele aluno. Depois de já identificada as suas necessidades, a gente uma vez por mês tem um encontro com a equipe, onde colocamos as nossas dificuldades e algumas vezes estudamos sobre casos de alguns alunos para que outras colegas compartilhem com a gente aquela experiência [...] a gente faz um acompanhamento e a gente observa o aluno em sala de aula, conversa com o coordenador, vai buscando informações e vê como o aluno interage com a turma, com a escola, até com os docentes e tudo mais. Como é esse aluno no espaço onde ele passa a maior parte do tempo. E dessa forma, também, a gente pode orientar o professor, levando material para trabalhar com esse aluno em sala de aula. (Professora G)

Do acolhimento ao atendimento do aluno no AEE, a professora acima expressa a necessidade de uma ação contínua e integrada entre os atores escolares. Com o objetivo de propor a participação e a aprendizagem do aluno há uma série de ações descritas que visam, sobretudo, auxiliar o professor na tomada de decisões e nas práticas mais favoráveis à situação de cada aluno. Na transcrição posterior, evidenciamos situações que exigem condutas diferenciadas em função da condição do aluno a ser atendido, Para aqueles alunos que têm comprometimento severo, há um planejamento educacional individualizado, a gente não tem planejamento educacional individualizado para todo e qualquer aluno não, a gente tem um PEI para os severamente comprometidos. Aos outros alunos o planejamento é totalmente inserido dentro da proposta curricular do plano de curso daquele grupo. (Professora N.)

Em relação ao planejamento, é inegável sua importância, no entanto, cada realidade possui propostas e situações diferentes, que respondem aos seus contextos específicos, conforme verificamos nas seguintes transcrições: O planejamento é feito com o professor da sala de ensino regular e ele tem o planejamento da turma dele e junto com a professora do AEE, é feito um plano de ação para aquele aluno que está inteirado. Então junto com professor da turma regular, a gente faz um plano do que a gente quer atingir naquele bimestre para aquele aluno, quais são os focos que aquele aluno tem que atingir naquele bimestre. Então o planejamento dele é dentro daquele planejamento que é feito para a turma inteira, só que adaptado à maneira que pegue os focos mais objetivos para aquele aluno ser atingido (Professora J) As nossas salas de recursos funcionam no mesmo turno, eu continuo dizendo isso em Niterói, nós não conseguimos fazer contra turno. Não conseguimos por uma questão muito familiar. Em primeiríssimo lugar os familiares não têm condições de buscar a criança, ônibus... Não têm. Então, a gente faz um planejamento com o professor da sala de aula comum, semanal, todos os professores têm hora especial de planejamento. (Professora N)

25 Recorrentemente defendemos

a importância

do planejamento

coletivo

envolvendo o professor do AEE e da sala de aula comum. Todavia, essa realidade ainda não se confirma nos contextos dos municípios investigados, em função das distintas sistematizações políticas do AEE e das diferentes realidades municipais e das famílias envolvidas. Conforme evidenciado em uma das transcrições acima, há, inclusive, o caso de um município que não oferece o AEE no contra turno escolar, como é recomendado pela política nacional. Em contrapartida, o mesmo município consegue promover momentos de planejamento coletivo, envolvendo professor de AEE e de sala comum. Desse modo, podemos demonstrar que nem sempre as intenções e orientações legislativas conseguem ser implementadas no dia a dia institucional conforme explicitado no texto, o que, se pensarmos a questão omnileticamente, não invalida nem desqualifica as práticas que conseguem ser empreendidas. Lidar omnileticamente com o contexto da prática significa manter uma abertura para que as leis e orientações sejam redefinidas e viabilizadas em cada realidade municipal ou até mesmo, em cada unidade de ensino. O planejamento diante da perspectiva omnilética pela qual concebemos os processos de inclusão/exclusão na escola assume, assim, um caráter complexo que envolve ação reflexiva e contínua, ou seja, é um ato permeado por processo de avaliação e revisão em que nos interrogamos: Estou no caminho certo? O aluno está aprendendo? Eu estou possibilitando participação? Ato decisório, político e ético, porque o processo exige reflexão sobre a nossa função social e o que precisamos realizar para tentar transformar a escola em um espaço mais inclusivo. O espaço do AEE é potencialmente relevante para problematizar e identificar as barreiras de exclusão presentes na escola. Esse fato torna o professor de AEE um ator importante nas articulações políticas, como por exemplo, na elaboração da proposta político-pedagógica (PPP) da escola, no sentido de provocar questões e visibilizar tensões. Salientamos que a elaboração do PPP é contínua e que esse instrumento precisa ser construído e avaliado sistematicamente, assim como nossa prática, pois caso contrário, se torna um documento burocrático e descontextualizado da realidade da escola. Se a escola é viva, se nossas práticas mudam diariamente, o PPP precisa registrar e atualizar tais mudanças com a mesma frequência em que ocorrem. Para Pinto (2012, p. 521) o PPP é o instrumento pelo qual a escola pode garantir o exercício de sua autonomia e consolidar a cultura escolar local.

26 O planejamento envolve também ideias, valores, crenças e projetos da própria escola, interferindo diretamente nas culturas, políticas e práticas, ao nos exigir escolhas, opções metodológicas e teóricas. Nessa perspectiva o planejamento transcende o espaço da sala de aula, favorecendo possibilidades coletivas para que os atores escolares compartilhem uma filosofia de inclusão e assumam identidade institucional. Todos os desafios destacados envolvem processo de investigação/ação, que requer a participação dos atores escolares em situações de reflexão cooperativa e na transformação da realidade da escola, ou seja, no planejamento, no desenvolvimento e na avaliação das estratégias de mudanças e compreensão crítica da própria prática pedagógica e de seus desdobramentos no processo de participação e de aprendizagem dos alunos.

Formação do professor pesquisador: desafios e possibilidades

O processo formativo requer reflexão sobre a própria prática e sensibilidade com as diferenças, conforme nos orienta Arroyo (2011, p. 223) A chegada de outras crianças e adolescentes às salas de aula obriga os professores que têm sensibilidade de vê-los, a criarem novas autoimagens de sua condição docente. Criam outros sentidos para as salas de aula. Dessas infâncias e adolescências vêm demandas de outros significados para as escolas, para a docência e para o próprio currículo e seus ordenamentos e conhecimentos.

A citação de Arroyo nos convida a refletir sobre a diversidade com a qual lidamos no cotidiano escolar e sobre necessidade de adotarmos olhares e posturas sensíveis às diferenças de nosso alunado, o que não significa a oferta de oportunidades iguais, uniformes e homogêneas, que frequentemente representa a manutenção de processos excludentes, através da cultura da indiferença à diferença. O processo de reconhecimento das diferenças e dos novos significados nos impele a assumir um papel não somente pedagógico, mas, sobretudo político, pois oferecer condições de participação e produzir significados e saberes que respondam à necessidade de todos, transcende uma questão técnica e nos desafia a assumir a educação como processo de luta pela garantia de direitos. Quando falamos do direito à autonomia e do direito de aprender, nos referimos ao nosso papel político e pedagógico em oferecer oportunidades diferenciadas de participação, conforme a necessidade

27 específica de cada um e essa tem sido a principal função identificada em nossos estudos e reflexões para o professor de AEE. Tais funções impõem grandes desafios aos educadores, em especial para o professor de AEE, que ao nosso entender se torna o grande desencadeador de questões e articulações que envolvem nossas três dimensões de inclusão: culturas, políticas e práticas. Ressaltamos que não temos a pretensão de hierarquizar os desafios que pretendemos problematizar e que elencamos a identificação e superação de barreiras à participação e à aprendizagem dos alunos no cotidiano escolar como o primeiro desafio porque nos remete à auto avaliação e reflexão de nossos valores, concepções e práticas. Qualquer processo de mudança implica na avaliação de nossas condições atuais para que possamos planejar o que precisa ser transformado e pensar quem são os atores envolvidos nesse processo. Mais do que isto: ao concebermos este processo omnileticamente, o fazemos com a convicção de que esta auto avaliação (tanto dos sujeitos da instituição quanto da própria instituição em si, por meio de seus atores) precisa ser interminável, contínua. Isto porque, pensar este processo omnileticamente implica compreender que cada novo passo não garante a permanência do sucesso dos passos anteriores. Ou seja: cada nova descoberta de uma barreira e eliminação da mesma não garante que ela não torne a aparecer, tampouco que a estratégia adotada para eliminá-la servirá para todo e qualquer caso. Voltamos, portanto, ao princípio da incerteza, mencionado anteriormente, tão fundamental aos processos culturais, políticos e práticos que, dialeticamente, se relacionam no dia a dia das instituições. O segundo seria assumir as diferenças entre os alunos com peculiaridades, rompendo com a ideia de que as mesmas são problemas que precisam ser corrigidos ou normalizados. A proposta do AEE é oferecer apoio, de modo que o aluno consiga participar e contribuir com processo de ensino-aprendizagem através de suas singularidades. Esse desafio está totalmente associado com o próximo, que se trata de aprender a dialogar com as particularidades do sujeito, ou seja, é através do contato com o aluno que aprendemos sobre ele e que podemos investigar e oferecer propostas significativas para seu desenvolvimento e participação. Esse desafio nos questiona sobre como lidamos e o que para nós representa a diferença do outro. Como afirmado anteriormente, não são desafios específicos para o professor de AEE, mas são desafios centrais em sua prática cotidiana ao atender alunos e orientar professores em relação às especificidades do processo educativo.

28 Outro importante desafio é superar barreiras relativas à homogeneização curricular, aos processos avaliativos que selecionam e classificam os alunos, em uma perspectiva que despreza os tempos e os ritmos individuais. Definitivamente essa não é uma atribuição exclusiva do professor de AEE, esse processo envolve todos os atores da escola e as culturas, políticas e práticas que, dialética e complexamente, regem o cotidiano escolar. O desenvolvimento de culturas de inclusão envolve a adoção de valores e concepções que impliquem expectativas positivas em relação à participação e ao desenvolvimento de todos os alunos, o que em certa medida impõe a problematização das consequências sociais das ‘não aprendizagens’ e dos fatores determinantes que facilitam a vida escolar de alguns alunos e impõe barreiras de sucesso escolar a outros.

Inclusão em educação: em busca de novas culturas, políticas e práticas Partindo do pressuposto de que atuar pedagogicamente em uma perspectiva omnilética de inclusão em educação envolve pensar a diferença em um campo cultural, político e prático que requer posturas e adoção de valores que construam práticas que valorizem a dignidade humana e promovam relações mais éticas, ou seja, o processo de inclusão em educação redefine valores e orienta novas práticas em todo o contexto educacional. De acordo com Drago (2013) um processo de inclusão bem planejado entende que existem barreiras que precisam ser transpostas, que métodos de ensino precisam ser revistos e que o ensino coletivo é um caminho interessante para o desenvolvimento de relações que promovam a aprendizagem e participação de todos. A exigência de preparação como formação, evidencia uma crença de que a formação, enquanto movimento prévio e teórico, possibilita a aquisição de habilidades para lidar com determinadas tipologias de aluno. Entretanto, como já dissemos anteriormente, compreendemos que lidar com a questão da singularidade humana implica em enfrentar as próprias concepções de normalidade e as próprias expectativas, sem nenhuma garantia de certezas.. Desse modo, não há como obter uma consistente formação teórica alijada do contato com as pessoas e suas histórias. As mudanças concretas (pedagógicas e estruturais) ocorrem de forma dinâmica e complexa através das interações no espaço escolar (ANJOS; SILVA; MELO, 2013). O relato abaixo sugere que a formação/atribuição do professor para promover o processo de inclusão é um desafio no cotidiano escolar:

29

[...] A gente recebe um professor de apoio, hoje (2012) que já tem toda essa trajetória, então recebe um professor de apoio que vai trabalhar com essa criança, vamos dizer hoje autista e tem hiperatividade e tem uma deficiência mental, então mesmo que o professor já vindo com alguma preparação na área de educação especial tem uma dificuldade de trabalhar. A gente precisa estudar, a gente precisa compartilhar os conhecimentos, a gente precisa trocar, a gente precisa conversar com a família, a gente precisa estar na escola, acompanhando como vai ser o processo de inclusão. [...] A escola e mesmo o professor precisa entender que professor não é um cuidador, o trabalho que precisa ser desenvolvido é um trabalho pedagógico (professora H)

Além das dificuldades destacadas para se trabalhar com peculiaridades dos alunos, evidenciamos que a inclusão requer quebras de cristalizações educacionais e reorganização do sistema educacional para que se efetivem ambientes dinâmicos e envolventes para estimular todos os alunos.

Considerações finais A experiência relatada expressa a articulação entre pesquisa e extensão na formação continuada de professores atuantes nas salas de recursos multifuncionais. No decorrer do processo investigativo e de formação temos desvelado novas facetas referentes às questões culturais e políticas num movimento contínuo de aquisição de novas práticas de inclusão em educação. Compreendemos que não há um modelo definido previamente para o AEE e que os saberes e experiências se constituem de forma individual/coletiva a partir de proposições que permitem ao professor refletir sobre seu papel sociopolítico e sobre a importância da disponibilidade de deslocamentos e de novas articulações para desenvolver práticas e estratégias pedagógicas que ampliem a participação e a aprendizagem de todos os alunos.

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