Reflexões sobre a Nova Teoria da Comunicação: etnografia, redes sociais e a construção do objeto empírico

June 7, 2017 | Autor: Daiani Barth | Categoria: Social Networks, Research Methodology, Etnografía, Metodologia, Teorias Da Comunicação
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Reflexões sobre a Nova Teoria da Comunicação: Etnografia, redes sociais e a construção do objeto empírico 1

Daiani Ludmila Barth2 Mestre em Ciências da Comunicação, Universidade Federal de Rondônia, Vilhena, RO

RESUMO O artigo aborda a relação entre pesquisa sobre usos da internet, especialmente MSN, Skype e chat Uol, nas experiências de construção e manutenção de redes sociais de migrantes brasileiros na Espanha e a Nova Teoria da Comunicação. A proposta é enfatizar a construção do objeto empírico, na problematização de seu aspecto comunicacional, levando em conta dois eixos que se cruzam na ida a campo: etnografia virtual e redes sociais. A metodologia da investigação fundamenta-se a partir de uma perspectiva processual e transmetodológica, de onde surgem questionamentos que coincidem com algumas premissas da Nova Teoria da Comunicação, a partir da descrição empírica.

PALAVRAS-CHAVE: Nova Teoria da Comunicação; metodologia; redes sociais e etnografia na internet Introdução Esse artigo descreve o processo metodológico no uso da internet, na utilização dos resultados obtidos de dissertação de mestrado que teve como objetivo abordar as relações entre os usos da internet, especialmente MSN, Skype e Chat, nas experiências de construção e manutenção de redes sociais de brasileiros migrantes na Espanha. A proposta deste trabalho é discutir a relação da pesquisa, com foco em sua construção metodológica, com a Nova Teoria da Comunicação, desenvolvida pelo núcleo de pesquisa FiloCom da USP.

                                                                                                                        1

 Trabalho   apresentado   ao  Seminário  Nacional  de  Comunicação  “10   anos   de   FiloCom:   a   Nova   Teoria   nos   44  anos  de  ECA”.   2  Jornalista,  Mestre  em  Ciências  da  Comunicação  pela  Unisinos  (RS)  e  autora  da  dissertação  de  mestrado   da  qual  resulta  este  artigo,  intitulada:  “Brasileiros  na  Espanha:  Internet,  migração  transnacional  e  redes   sociais”.  Atualmente,  é  professora  assistente  no  Departamento  de  Jornalismo  (DEJOR)  da  Universidade   Federal  de  Rondônia  (UNIR),  e-­‐mail:  [email protected]    

De acordo com a caracterização da Nova Teoria da Comunicação, para realização do quase-método da razão em pesquisas na área, a condição primordial é “Pensar em movimento”. Seriam necessárias três linhas condicionantes para a realização de investigações comunicacionais. Na primeira, que se configura como a própria condição de possibilidade, o mundo é considerado em “permanente movimento” e “nós, inseridos nele, devemos pensar em movimento, produzir teorias ‘no durante’, sugerir descrições e constatações que considerem a provisoriedade do saber. O proceder é o caminhar nômade, de busca, de criação, de produção do novo”. (MARCONDES FILHO, 2010, p.7) Nomadismo também interessa Maffesoli, que trata do assunto de maneira antropológica e social a respeito dessa busca humana pelo novo, inusitado, pelo instante da descoberta e captura instantânea, que seria pertinente ao ato comunicacional cotidiano:

O homem em busca da descoberta de sua alma não se detém diante de determinadas certezas estabelecidas. Ao contrário, está sempre sob tensão: na procura de um objetivo provisório que, uma vez atingido, nunca o satisfaz plenamente, e não passa de uma etapa num processo sem fim cuja meta se desloca constantemente. (2001, p. 112)

Os passos seguintes definem-se em simpatia, isto é, o ato de nos transportarmos para o interior de um objeto e, imediatamente, sente-se a mudança, onde o pesquisador capta a “coisa” no próprio objeto. Ato desafiante e que causa reflexão permanente uma vez que “o conhecimento não admite que sua construção seja aos poucos, como ocorre na intelecção, mas de um só golpe. Esta apreensão é o sentido”. (MARCONDES FILHO, 2010, p.7) Na investigação utilizada para relacionar-se com essa nova teoria, a análise parte de duas dimensões de “usos da internet” para o estudo das migrações transnacionais: (1) a experimentação da internet como ambiente e ferramenta3 online de construção do objeto da pesquisa e abordagem empírica                                                                                                                         3

 Importa  esclarecer  que  os  termos  “recurso(s)”  e  “ferramenta(s)”  de  comunicação  são  utilizados  como   sinônimos,   reconhecendo   que,   na   opção   pelo   termo   ‘ferramenta’,   assume-­‐se   o   risco   de   enfatizar   uma   dimensão  instrumental  e  rígida  de  uso  das  tecnologias  da  comunicação.  

no contexto do trabalho de campo e (2) a compreensão da internet como espaço de interação de migrantes brasileiros através de seus usos na constituição de vínculos transnacionais com familiares e amigos, na (re) atualização de contatos com o país de nascimento (Brasil), na vivência com migrantes e não migrantes no país de migração (Espanha), e na constituição de experiências de caráter organizativo e coletivo de apoio às migrações transnacionais.4 Neste artigo, problematiza-se a primeira dimensão, onde a internet integra a construção do objeto da pesquisa e abordagem empírica no trabalho de campo. Assim, com os procedimentos de análise sendo construídos a partir da evolução da pesquisa, ou seja, a partir de sua fluidez e de sua processualidade (MALDONADO, 2006), busca-se o caminho para atingir a compreensão de um fenômeno. O autor reflete acerca do campo da comunicação e propõe, a partir da perspectiva transmetodológica, a estruturação de um método “mestiço”:

Nossos confrontos com os problemas/objeto de pesquisa convence-nos, cada vez mais, da importância da mestiçagem, também, na dimensão metódica. (...) A opção por uma metodologia excludente, por mais atrativa e eficiente que ela se apresente (....), impossibilita observações, experimentações, descrições, formulações, interpretações e inovações articuladoras dos fenômenos e processos comunicacionais. (MALDONADO, 2002, p.11).

Interessante relatar o aprendizado desse período de “maturação” da pesquisa, quando nem tudo do que foi planejado acontece da maneira esperada, o que talvez possa não ocorrer sob a ótica da Nova Teoria da Comunicação. Esses momentos garantem importantes reflexões e conduzem a outras perspectivas no andamento e na funcionalidade da pesquisa. Algo que fez a diferença configura a vivência dessas situações no empírico e a possibilidade de relatá-las, na lembrança de que, “em geral os pesquisadores ‘escondem’ as suas dificuldades em seus relatórios de pesquisa, preferindo mostrar apenas ‘o que deu certo’”. (GOLDENBERG, 2000, p.48).

                                                                                                                        4

  Mais   informações   sobre   os   resultados   da   pesquisa   estão   no   artigo   em   co-­‐autoria   com   a   profª   Dra.   Denise  Cogo,  orientadora  do  trabalho,  em:  BARTH,  D.  L.;  COGO,  D.  Redes  Sociais  e  usos  da  internet  por   migrantes  brasileiros  na  Espanha.  O  Público  e  o  Privado.  Fortaleza:  UECE,  n.14,  p.51  -­‐  66,  Jul./Dez.  2009  

Etnografia na internet na dimensão metodológica A etnografia como método engloba a importância de saber ver, estar com e escrever, num desafio contínuo que merece sensibilidade do pesquisador, uma vez que configura, conforme expressa Winkin:

[...] uma arte e uma disciplina científica, que consiste em primeiro lugar em saber ver. É em seguida uma disciplina que exige saber estar com, com outros e consigo mesmo, quando você se encontra perante outras pessoas. Enfim, é uma arte que exige que se saiba retraduzir para um público terceiro (terceiro em relação àquele que você estudou) e portanto que se saiba escrever. Arte de ver, arte de ser, arte de escrever. São estas três competências que a etnografia convoca. (1998, p.132, grifo do autor)

Christine Hine (2000), uma das precursoras da noção de etnografia virtual, aponta que na realização deste método de pesquisa, a mobilidade de espaço e tempo pode ser mais bem explorada. A autora propõe que na etnografia o pesquisador estipule um tempo para levar em consideração as relações que se formam entre aqueles que participam dos processos sociais que fazem parte do “recorte de mundo” de sua pesquisa, com objetivo de dar sentido às pessoas, quer esse sentido seja por suposição ou pela maneira implícita em que as próprias pessoas dão sentido às suas vidas (AMARAL; NATAL; VIANA, 2009, p.4). Semelhante a Geertz (1996), que se dedicou aos estudos etnográficos e sugeriu que os antropólogos não “estudem as aldeias”, com um olhar exterior, e sim “estudem nas aldeias”. Dentre os mais diferentes termos para a referência de estudos de etnografia realizada através da internet, tais como netnografia, webnografia, etnografia virtual, etnografia digital, utilizados como sinônimos por Amaral; Natal; Viana (2009), este artigo adotará apenas o termo etnografia virtual, sem citar outros termos, visto que a discussão sobre a pertinência dos termos tem sido cada vez mais ampliada em congressos e publicações, como sustentam as autoras. De acordo com Amaral; Natal; Viana, essa vertente metodológica começou a ser explorada no final dos anos 80, com o surgimento das primeiras

“comunidades virtuais”.5 “No Brasil, entretanto, ainda são poucos os estudos voltados para essa questão, seja no que diz respeito à metodologia em si ou aos objetos analisados”. (2009, p.5) Com a necessidade de compreender as especificidades na incorporação na vida cotidiana de realidades e tecnologias de comunicação na América Latina, a etnografia virtual “ha sido adoptada por los investigadores con vistas a capturar con mayor detalle y rigor el intercambio de los papeles entre los productores y receptores, un fenómeno actualmente en expansión”.6 (COGO, 2009, p.22) Para Soriano, o estudo da comunicação através da internet supõe “um nuevo reto para la etnografia de la comunicación com nuevas formas de interacción social que están teniendo importantes consecuencias a nível metodológico” (2007, p. 3).7 Na etnografia virtual, portanto, o investigador deve procurar não alterar a realidade encontrada, mesmo que não apenas observe, mas sim entrar no processo e encontrar pistas do fenômeno que se propõe a estudar. O autor propõe que: Eso es especialmente importante en el caso de las etnografias virtuales, en las que las interacciones del investigador con los informantes son una fuente de datos central del trabajo etnográfico, a la vez que también lo son las interacciones entre el etnógrafo y la tecnología. (SORIANO, 2007, p.14)8

Entretanto, é importante mencionar que, do ponto de vista metodológico, o encontro entre pesquisador e entrevistado sempre promove alguma alteração na realidade. A perspectiva de etnografia na internet contempla a possibilidade de realizar, de apropriar-se e inserir-se numa rede relacional, situada no tempo                                                                                                                         5

  Não   é   intenção   deste   trabalho   a   discussão   do   termo   comunidades   virtuais,   sendo   este   utilizado   meramente  para  contextualizar  a  etnografia  virtual.       6   Tradução   da   autora:   “que   tem   sido   apontada   pelos   investigadores,   com   vistas   a   capturar   com   maiores   detalhes  e  rigor  o  intercâmbio  de  papéis  entre  produtores  e  receptores,  um  fenômeno  atualmente  em   expansão.”   7   Tradução   da   autora:   “Uma   nova   concepção   para   a   etnografia   da   comunicação   com   novas   formas   de   interação  social  que  estão  apresentando  importantes  consequências  a  nível  metodológico.”     8   Tradução   da   autora:   “Isso   é   especialmente   importante   no   caso   das   etnografias   virtuais,   quando   as   interações  do  investigador  com  os  informantes  são  uma  fonte  de  dados  central  no  trabalho  etnográfico,   uma  vez  que  também  são  as  interações  entre  o  etnógrafo  e  a  tecnologia.”  

e no espaço, o que provoca adaptações nas ferramentas clássicas de entrevistas e conversação a partir das “novas tecnologias”. Segundo Hine:

The emergence of multi-sited ethnography, conceived of as an experiential, interactive and engaged exploration of connectivity, is encouraging news for ethnography of the Internet. It offers up possibilities for designing a study which is based on the connections within and around the Internet and enabled by it but not reliant on any one understanding of it. (2000, p. 61)9

Esta afirmação é interessante e quer dizer muitas coisas. Entre elas que, ao observar e também fazer uso de tecnologias da internet, que dão sentido a rotinas e formas de comunicação, o fazer metodológico fica leve, instigante e abrangeria o sentido transmetodológico. Talvez isso aconteça porque, como sugere Maldonado: No campo da ciência, a dimensão emotiva é fundamental, como é a dimensão estética, a dimensão política e a dimensão racional. Se pensamos na intuição, por exemplo, ela pode ser concebida como uma forma pré-racional de domínio sobre a realidade; também poderia ser pensada como uma capacidade inata, estrutural, genética de certos indivíduos para resolver problemas ou criar coisas. Mas, essa mesma intuição no processo de formação-construção de um cientista, de um pesquisador ou de um pensador é seu domínio sensitivo-estético-hiper racional sobre os assuntos de que trata ou investiga. Sem inteligência emotiva e estética, é impossível ter um pesquisador de talento: no máximo teremos um trabalhador esforçado das idéias e dos procedimentos. (2001, p.61, grifo do autor)

As redes sociais e o objeto empírico

No desafio de entender a experimentação da internet como ambiente e recurso de construção do objeto da pesquisa e abordagem empírica no contexto do trabalho de campo, faz-se importante refletir sobre as configurações e reconfigurações de usos e vivências neste âmbito. Essa mídia vem se constituindo como importante meio de busca de informações sobre a vida no                                                                                                                         9

 Tradução  da  autora:  “A  emergência  de  uma  etnografia  que  contempla  diversos  ângulos,  nos  dá  uma   experiência,   interativa   e   engajada   na   exploração   da   conectividade,   e   que   encoraja   novidades   na   etnografia   da   internet.   Isso   aumenta   as   possibilidades   de   desenho   de   um   estudo   que   é   baseado   nas   conexões  dentro  e  fora  da  internet,  mas  que  não  depende  de  um  único  entendimento  sobre  ela.      

exterior bem como visibilidade e sustentação de identidades no mundo digital que merecem investigação.10 Além disso, uma investigação alicerçada na utilização de recursos de interação, disponibilizados via internet configura-se em um campo a ser mais bem explorado nos estudos em comunicação, onde a “(...) mística do olhar, a percepção

do

rosto,

da

atmosfera

circundante,

criadora

do

evento

comunicacional, da noção de sentido”, assim como a “arte de desvendar a fala do outro não pelas palavras propriamente ditas mas pelo ar, pelo jeito, pela postura, pela situação, pelo contexto, por sinais invisíveis e meramente sensoriais (...)” (MARCONDES FILHO, 2010, p.10) deve ser considerada, apesar dos obstáculos impostos pela separação geográfica. O papel das redes sociais, ou seja, da utilização prática de seu funcionamento entre migrantes brasileiros resultou como característica fundamental para a realização das entrevistas, na mesma perspectiva em que a internet se configurou como instrumento e análise de pesquisa. Mais uma vez é necessária a referência à proposta de estudar nas aldeias, de acordo com a obra de Geertz (1996). As redes sociais constituem um conceito contemporâneo fundamental para diversas áreas de conhecimento, dentre as quais estão a Sociologia, a Matemática, a Antropologia, a Psicologia, para mencionar algumas. De acordo com Rizo García, o conceito de rede se associa na atualidade ao uso de “novas tecnologias”, “y aunque se consideran éstas útiles para la conformación de redes, en este caso nos abocamos más a una definición del concepto de red social. (2003, p.2)11 Aliados a ideia de redes sociais, ao discutir a sociedade contemporânea, Barabási; Bonabeau (2003) lembram que elas são formadas através pessoas                                                                                                                         10

 São  possíveis  algumas  pistas  a  partir  do  estudo  “Internet,  imaginário  e  migrantes  brasileiras:  o  sonho   de  morar  na  Europa  visto  do  site  www.midiamigra.com.br”,  o  qual  a  autora  realizou  como  requisito  para   a   obtenção   do   grau   de   Bacharel   em   Jornalismo   pela   Unisinos,   em   dezembro   de   2006.   Sua   proposta   configura-­‐se  na  reflexão  sobre  usos  da  internet  por  um  grupo  de  migrantes  brasileiras  a  partir  de  três   experiências  em  que  as  migrações  se  relacionam  ao  imaginário  europeu:  o  projeto  de  migração  para  a   Europa;   a   vivência   da   migração   e   sua   reconfiguração   no   território   europeu;   e   a   reconfiguração   no   território  europeu  na  migração  de  retorno  ao  Brasil.   11  Tradução  da  autora:  “ainda  que  se  considerem  estas  úteis  para  a  conformação  de  redes,  neste  caso   nos  conduzimos  mais  a  uma  definição  do  conceito  de  rede  social”.  

unidas por laços de amizade, familiares e/ou profissionais. Estes autores, com pertinência, apresentam o conceito de redes sem escala, no qual, por exemplo, cada entrelaçamento constituído por uma pessoa, poderia seguir uma lei exponencial: alguns deles vão ser amigos em comum de outros e, portanto, configuram-se como pontos de irradiação conectando muitas pessoas. Os autores utilizam os sites para exemplificar, assim, aqueles que adquirem maior conexão, ou seja, mais links com outros, são mais fáceis de serem encontrados na web. Barabási; Bonabeau poderiam até estarem realizando uma premissa incorreta, mas segundo eles “um punhado de páginas extremamente conectadas estão essencialmente mantendo a coesão da World Wide Web” (2003, p.66). Entretanto, os próprios autores reconhecem que quando se trata de uma rede construída e vivenciada por pessoas, o contexto modifica-se: consideram ser difícil identificar os pólos de concentração (as pessoas que seriam mais conectadas) em uma rede social do que em outros tipos de sistemas. (2003, p.71) Na visão de Lozares, as redes sociais são apresentadas como “cohesión subjetiva” e têm a função de “identificación de los miembros del grupo con los de su grupo, en particular a partir del sentimiento de que los interesses individuales están ligados a los intereses del grupo” (1996, p.15). Dessa maneira, num sistema de redes sociais seria importante a construção de um sentimento de solidariedade e de coesão entre seus membros. O que, por outro lado, poderia configurar a necessidade de certa visão funcional dos sujeitos que estão em rede, para que esta funcione no modelo de coesão. Em grupos migrantes esse sentido aprofundaria a sustentabilidade dessas redes sociais, trazendo à tona a ideia de que a união entre seus membros as transformariam em processos coesos e fixos. Entretanto, nem sempre uma rede social tende a configurar a coesão social sugerida ou pressupor um profundo sentimento de solidariedade. Ao contrário, pode ser transitória, fluente, permeável. A exemplo disso, SchererWarren propõe as redes sociais como “formas mais horizontalizadas de relacionamento,

mais

abertas

ao

complementariedade”. (1999, p. 33-34)

pluralismo,

à

diversidade

e

à

Na pesquisa, portanto, o conceito de rede social utilizado é aquele em que os contatos entre interlocutores são compreendidos como sua premissa constituinte. Os contatos, ainda, são entendidos de maneira presencial (offline), sem a mediação de recursos da internet, como a partir da apresentação de duas pessoas por uma terceira pessoa, e de maneira online, na aquisição de um endereço de e-mail de uma pessoa por meio de outra a partir de uma ferramenta de comunicação, como, por exemplo, através do MSN.12 Na investigação foram realizadas sete entrevistas com migrantes brasileiros na Espanha.13 Três deles foram encontrados pelo chat Uol, e entrevistados no MSN. Uma migrante foi contatada pelo Orkut e entrevistada através de e-mail. Um entrevistado foi contatado através de lista de discussão do Yahoo e entrevistado por e-mail. Outro entrevistado, encontrado no chat Uol, foi adicionado ao MSN, mas entrevistado através do Skype. E, por fim, uma entrevista

foi

realizada

pessoalmente,

sem

a

utilização

de

recursos

disponibilizados pela internet.

O estar no campo A pesquisa empírica estruturou-se em etapas, onde a construção do objeto de estudo foi sendo realizada no decorrer da investigação, de acordo com as descobertas durante o período de ida a campo, primeiramente de forma exploratória. Aliadas ao processo construção empírica, as leituras realizadas foram indispensáveis nos momentos de formular hipóteses, na decisão de rumos a tomar, ou até mesmo buscar fôlego nos momentos de indecisão e angústia e prosseguir na formulação do objeto de estudo e sua posterior análise. Outro fator importante e que merece ser lembrado, por fazer parte do conjunto metodológico, foi a pesquisa documental realizada. Durante o processo de construção da pesquisa, estatísticas, acompanhamento de jornais, novelas, telejornais, consultas a sites, a incorporação em listas de e-mail tratando, principalmente, da migração de brasileiros à Espanha, auxiliaram na construção                                                                                                                         12

 Controversa,  a  separação  em  online  e  offline  é  realizada  para  fins  metodológicos  a  fim  de  exemplificar   as  entrevistas  mediadas  ou  não  pela  internet.     13  O  quadro  dos  entrevistados  está  disponível  no  artigo  “Redes  Sociais  e  usos  da  internet  por  migrantes   brasileiros  na  Espanha”  (2009).  

do objeto de estudo e figuraram como elementos norteadores dos caminhos a serem tomados no processo investigatório. Quando se trata de internet, sem desmerecer outras mídias, torna-se intrigante o encontro com o objeto empírico, ainda mais ao considerar a metodologia um processo de conhecimento, e não apenas como momento de coleta de dados. Ou seja, as surpresas e descobertas realizadas neste itinerário empírico, levam a outras e outras, sem a busca de dados a partir de técnicas rígidas e modelatórias, ou seja, sem a pretensão de trabalho com paradigmas pré-definidos. A primeira medida para a construção do problema de pesquisa foi verificar espaços na internet que se configurassem em locais de encontro e fossem destinados aos brasileiros no exterior. Assim, a ida a campo estruturouse na realização de um mapeamento de espaços oferecidos, inicialmente na web, dirigidos, aos brasileiros que vivem no exterior, onde foi possível reconhecer um contingente disperso, mas que se manifestava pela internet através de sites. Em virtude da diversidade exposta, os objetivos naquele momento foram sinalizando usos da internet pelos migrantes, na medida em que se buscava descobrir o que faziam com os sites/espaços encontrados, quais realmente eram acessados e não apenas buscar o enfoque na análise dos conteúdos oferecidos. Isso significava ir além e descobrir espaços onde brasileiros no exterior realizassem uma comunicação efetiva com outras pessoas, no âmbito da internet, a fim de, naquele momento, perceber a formação de redes sociais online. E essa permite estar diante do outro, perceber suas reações, como também:

“[...] a mudança de seu estado de espírito, de suas posições; sua eventual insegurança, seus questionamentos, sua instabilidade, tudo isso como componente do mecanismo desencadeado pelos sinais dotados de poder comunicacional, quer dizer, de transformação”. (MARCONDES FILHO, 2010, p. 14)

Desde o início da investigação, a internet funcionou ao mesmo tempo como instrumento de obtenção de dados e campo de análise empírica. Portanto,

o critério de intervenção foi delimitado à oferta de algum tipo de interação com os usuários, com preferência para chats e fóruns de discussão. Essa decisão foi fundamental para determinar os recursos utilizados para a pesquisa. Nas idas e vindas do percurso metodológico, foram realizadas, como referenciado anteriormente, sete entrevistas com migrantes brasileiros, na delimitação da Espanha como país de migração.14 Para além do chal Uol, o trabalho proporcionou que se realizasse a procura por outros modos de contato com

brasileiros

na

Espanha,

com

ingresso

na

lista

de

discussão

“brasileirosebrasileirasnaeuropa”, integrante das listas de grupos Yahoo, procura pela comunidade desse grupo que foi criada no Orkut, intitulada “Rede brasileiros no exterior”,15 onde foram publicados recados para algumas integrantes, sobre a pesquisa, no esforço16 de diversificar o perfil dos entrevistados. Durante o trabalho, houve a preocupação com a descrição do maior número de detalhes possível. A perspectiva de escrever sobre tudo que aconteceu no momento de entrada a campo, é algo que contribuiu e torna o trabalho mais prazeroso de se pensar e fazer. Mais rico. De acordo com Marcondes Filho:

A figura do pesquisador, na formulação metapórica é a daquele que descreve cenas, situações, mundos.(...) Contemplar o mundo a partir da nossa atitude fenomenológica significa vê-lo pura e exclusivamente do modo como adquire sentido e validade existencial em nossa vida de consciência e em configurações sempre novas. Segundo ele, ocupar-se com um objeto é praticar a pura descrição, sem se fazer inferências nem aspirar à cumulatividade do saber. “Verdade”, assim, jamais é adequação entre um pensamento e um objeto mas simplesmente uma “experiência vivida de verdade”. (2010, p.8)

                                                                                                                        14

 Brasileiros  no  exterior  representavam  um  grupo  amplo  em  termos  de  universo  de  estudo  e  disperso   em   âmbito   mundial.   Na   época,   a   escolha   foi   determinada   pelo   apelo   midiático   a   respeito   de   casos   de   deportações   de   brasileiros   no   país   e   também   pelo   crescimento   do   número   de   brasileiros   residindo   na   Espanha.         15   Disponível   em:   .   Acesso   em:   20   set.  08.   16  Foram  publicados  recados  sobre  a  pesquisa  nos  perfis  de  quatro  integrantes  da  comunidade.    

O ato comunicativo acontecia naquele momento, na tentativa de “capturá-lo” na identificação do acontecimento, a estratégia que funcionava era registrar o máximo possível. Mesmo sabendo que, segundo Bourdieu, “é suficiente ter feito uma única entrevista para saber a que ponto é difícil concentrar continuamente sua atenção no que está sendo dito.” (1998, p. 696) Através de diário de campo, descrições das entrevistas, gravações delas, cópias da tela do computador ou até mesmo fotografias captadas durante os instantes da entrevista (com o cuidado de avisar o entrevistado e solicitar a aceitação de publicação do conteúdo posteriormente), o material de análise passou a tomar forma. Acompanhado, todavia, dos questionamentos de como se definiria essa pesquisa que estava sendo realizada, em virtude de que, tanto na internet como na vida offline, as pessoas podem mentir acerca do que estão respondendo, o que poderia se estruturar em um ato esquizofrênico (ou não?) de pesquisa. Ao organizar uma investigação em momentos (exploratório, empírico, analítico) emerge, ainda, a dúvida de até onde as possibilidades de compreensão na realização de um estudo de comunicação podem chegar. Conforme a Nova Teoria da Comunicação, estudos históricos, sociológicos e semiológicos da comunicação operam numa circunstância em que o acontecimento esfriou, “tornando-se esvaziado de vida, perdeu seu élan, não repercute mais”. (MARCONDES FILHO, 2010, p. 15) E quando uma entrevista extrapola a intencionalidade proposta a priori pelo pesquisador? Segundo Bianchi: “O que se pode perceber é que não apenas o pesquisador tem proposições a apresentar aos pesquisados, mas também eles são detentores de dúvidas, de questionamentos, de um sentimento de buscar saber mais”. (2006, p. 144) Esse saber mais, nas entradas a campo, configurou-se em convites de namoro, telefonemas do exterior para a residência da pesquisadora e cansativas conversas no MSN com entrevistados que insistiam em obter atenção. Como relacionar esses acontecimentos com a pesquisa? Deveriam ser considerados na análise final? A princípio, são descritos incansavelmente, mesmo em estudos

etnográficos na comunicação, nas incursões metodológicas e, em geral, a discussão encerra-se nesse ponto. De qualquer forma, essas características parecem próximas a um monólogo onde, segundo Bourdieu (1998, p.703), “a pesquisada finge ser o personagem que é esperado nesse encontro” e sendo, nesse sentido, “ao mesmo tempo, testemunha sincera de divisão interior e procura de salvação pela forma estilística”. O mesmo autor esclarece: “[...] ainda que a relação de pesquisa se distinga da maioria das trocas da existência comum, ela continua, apesar de tudo, uma relação social que exerce efeitos (variáveis segundo os diferentes parâmetros que a podem afetar) sobre os resultados obtidos”. (1998, p. 694)

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