Reflexões sobre o conceito de identidade religiosa na Galiza do século VI.

July 13, 2017 | Autor: J. Bardella Fiorot | Categoria: Galiza, Religious Identity
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REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE IDENTIDADE RELIGIOSA
NA GALIZA DO SÉCULO VI.

REFLECTIONS ABOUT THE CONCEPT OF RELIGIOUS IDENTITY
IN GALICIA OF SIXTH CENTURY.

Juliana Bardella Fiorot[1]

Resumo:
Neste trabalho pretendemos tecer algumas reflexões acerca do conceito
de identidade aplicando-o ao universo religioso da Galiza no século VI.
Para tanto, centraremos nossa análise no sermão De Correctione Rusticorum,
escrito por Martinho, bispo de Braga, que fornece inúmeros exemplos acerca
das formas de religiosidade cultuadas cotidianamente pelos galegos em um
contexto de plena organização e fortalecimento do catolicismo. Desta forma,
nosso intuito é demonstrar a importância destas práticas religiosas no meio
social da Galiza e a forma como estas relacionaram-se com o espaço em
questão, contribuindo, assim, para a formação de uma identidade religiosa
entre os praticantes destas crenças.

Palavras-chave: Identidade religiosa; Galiza; Martinho de Braga;
Religiosidade.

Abstract:
In this paper we intend to make some reflections on the concept of
identity by applying it to Galician religious universe in the sixth
century. Therefore, our analysis will focus on the sermon De Correctione
Rusticorum, written by Martin, bishop of Braga, which provides numerous
examples about the forms of religiosity worshiped daily by the Galicians in
a context of full organization and strengthening of Catholicism. Thus, our
aim is to demonstrate the importance of these religious practices in the
social environment of Galicia and how they were related to the space in
question, thus contributing to the formation of a religious identity among
the practitioners of these beliefs.

Keywords: Religious identity, Galicia, Martin of Braga, Religiosity.



Introdução:
Nestas considerações iniciais, acreditamos ser válido destacar
algumas características inerentes ao conceito de identidade e seu processo
de construção. Desta forma, nos remeteremos a três elementos que
consideramos primordiais para um melhor entendimento deste conceito.
Estamos nos referindo ao indivíduo, ao espaço e a sociedade.
A construção da identidade é um empreendimento coletivo que envolve
um processo de significação, no qual os indivíduos, em permanente contato
com o mundo, buscam elementos dotados de valores que satisfaçam seus
interesses. Os indivíduos que partilham das mesmas formas de identidade
agrupam-se, constituindo, assim, o caráter coletivo deste conceito.
Verificamos ainda que a identidade parece-nos forjada. Nenhuma identidade
nasce acabada; os indivíduos que identificam-se com determinados interesses
simplesmente escolheram elementos que lhes pareceram mais relevantes no
espaço, excluindo àqueles que não corresponderiam as suas perspectivas.
Como nos mostra Castells (2008, p.22):

No que diz respeito a atores sociais, entendo por
identidade o processo de construção de significado com
base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de
atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(is)
prevalece(m) sobre outras fontes de significado.


Tendo em vista estas colocações iniciais nos debruçaremos sobre as
questões suscitadas em torno do conceito de identidade aplicado ao contexto
religioso da Galiza no século VI.
Consideramos que o homem é um ser religioso e por ter esta condição
ele vivenciará, ao longo de sua existência, inúmeras experiências com o
sagrado que possibilitarão a construção de sua identidade religiosa. Este
conceito passa a ser construído quando a experiência com o sagrado é
satisfatória e atende as convicções religiosas do indivíduo ou de um grupo.
Assim sendo, nosso intuito é analisar a importância das crenças religiosas
cultivadas pelos galegos que estavam vinculadas principalmente com o espaço
natural e que atendiam perfeitamente as necessidades de seus praticantes.
Procuraremos demonstrar que mesmo em um contexto de plena formação e
organização do catolicismo na região, tais crenças permaneceram, obrigando
a Igreja Católica a recorrer a novas estratégias para efetuar a
evangelização[2] de forma mais eficaz. Isto posto, optamos por utilizar o
sermão De Correctione Rusticorum (572) que justamente elucida a preocupação
do clero com estas práticas ditas pagãs. Ao condenar a religiosidade dos
galegos o bispo Martinho de Braga[3], autor do sermão, acaba fornecendo-nos
importantes dados sobre as crenças existentes no período e como estas
mantiveram-se fortes mesmo com a constante interferência da Igreja.
Acreditamos, assim, que a religiosidade praticada pelos galegos fazia parte
de um processo mais amplo, o da construção da identidade religiosa daquelas
populações.

Considerações sobre o contexto e a fonte:

Após a queda do Império Romano do Ocidente verificamos o
desenvolvimento de um acentuado processo de ruralização. A Igreja Católica,
que procurou fixar sua pregação essencialmente nos meios urbanos do
Império, assistiu ao declínio dos segmentos citadinos que esfacelavam-se,
abrindo espaço para a emergência de um modo de vida rural, extremamente
tocado pela cultura antiga e mantenedor das tradições religiosas(ANDRADE
FILHO, 2012, p.46). Exatamente neste ponto encontrava-se o maior desafio
da Igreja: penetrar, com sua fé, na consciência de pessoas cuja
religiosidade sempre se manteve muito viva. À Igreja restava, portanto,
promover um movimento contrário. Se até então seu foco de atuação se
restringiu a esfera urbana, era o momento de adequar-se à nova conjuntura
espacial que se impunha e trabalhar com as camadas sociais que haviam tido
pouco ou nenhum contato com o cristianismo. Mário Jorge da Motta Bastos
explica que

Quanto às áreas rurais, é muito provável que mal tivessem
sido contatadas, com exceção do entorno que circundava os
centros urbanos primordiais de implantação. Portanto, a
"ruralização" do cristianismo devia ainda ser muito
reduzida ou limitada no alvorecer da Idade Média
hispânica, haja vista a aparente ausência, em diversas
regiões da Península Ibérica ainda não atingidas pelo
fermento cristão, de qualquer base de fixação que pudesse
atuar como pólo para uma possível irradiação (BASTOS,
2013, p.86).

O ponto crucial para a Igreja Católica seria encontrar um espaço de
atuação dentro de um mundo rural ocupado por crenças de origens antigas que
não estavam presentes de forma esparsa na consciência de um ou outro
indivíduo (GIORDANO, 1983, p.11). A questão envolvida neste processo
abarcava a alteração de toda uma mentalidade. O foco de ação da Igreja
deveria ser o campo e seu grande desafio era a religiosidade:

Longe de se ver o mundo natural como um espaço neutro,
pensava-se que estava recheado de energias sobrenaturais.
Não bastava pôr um único deus exclusivo à cabeça do
mundus, ou sequer trazer esse deus para um nível mais
baixo, para viver entre os seres humanos na pessoa de
Jesus Cristo. Era necessário que o Cristianismo fizesse
sentido para populações que sempre se tinham considerado
inseridas no mundo natural, e que fosse considerado capaz
de atuar sobre este mundo, solicitando a sua generosidade
e evitando os seus perigos, através de ritos que, na maior
parte da Europa, vinham de tempos pré-históricos (BROWN,
1999, p.114).

Durante o medievo, as práticas pagãs não foram vistas pelo
cristianismo como um conjunto de crenças que regulava o mundo físico e o
universo. Ao invés disso o paganismo foi entendido como uma "[...] simples
coleção de 'tradições fragmentárias', de 'hábitos sacrilégios', 'costumes
inertes', imundices dos gentios' inadvertidamente trazida para a igreja nos
pés de muitos crentes"(BROWN, 1999, p.117).
Esta postura presente nos discursos eclesiásticos nos revela a
preocupação da Igreja Católica em combater as crenças populares que ainda
se manteriam muito vivas durante todo o medievo. O objetivo claro da Igreja
era "resgatar" todos aqueles que continuavam a caminhar no sentido
contrário da fé católica, para tanto inseriu o cristianismo no contexto da
luta universal do bem versus mal. Os elementos ligados à religiosidade
estariam vinculados a Satã, bem como seus praticantes, em contrapartida, os
seguidores de Cristo estariam a salvo por apoiarem-se em Deus. A ideia de
pacto com o demônio era reforçada continuamente em pregações ou escritos a
fim de denegrir e excluir da comunidade as pessoas que criam nestas formas
religiosas.
Ao condenar a religiosidade, a Igreja acabou por oferecer ao
pesquisador um rico material para o estudo desta temática. Mesmo que
tenhamos que nos debruçar sobre escritos carregados de elementos negativos
no que se refere à religiosidade, eles nos servem como ponto de partida
para o estudo destas crenças. O historiador que se versa sobre essa área de
pesquisa torna-se

[...] dependente de fontes que excluem o testemunho direto
dos interessados, e forçado a se colocar na perspectiva
externa, e frequentemente hostil dos que tiveram a função
de controlar e punir... Primazia das fontes de repressão,
com todo peso das deformações que esta leitura implica
(VOVELLE, 1987, p.167).

Como enfatiza Georges Duby, "os documentos só esclarecem diretamente
as ideologias que respondem aos interesses e às esperanças das classes
dirigentes" (DUBY,1976, p.136), portanto cabe ao historiador trabalhar com
métodos que evitem a reprodução deste discurso dominante, para tanto é
necessário observar o objeto de pesquisa de suas margens e procurar
exteriorizar suas múltiplas faces que foram ocultadas pelos interessados
neste processo (SCHMITT, 2005, p.261). São as margens que irão revelar ao
historiador a verdadeira essência da sociedade.
Tendo essas colocações em vista, utilizaremos neste trabalho o sermão
intitulado De Correctione Rusticorum, escrito no século VI, a fim de
ilustrar e exemplificar as principais formas de religiosidade praticada
pelos galegos e a importância que estas tiveram para os habitantes daquela
localidade. Através das questões suscitadas durante a leitura e análise do
sermão, seremos capazes de demonstrar como a religiosidade cultivada na
Galiza associava-se ao processo de construção de uma identidade religiosa.
O De Correctione Rusticorum é um opúsculo que contém dezenove
parágrafos sendo dividido em duas partes. Na primeira delas observamos que
trata-se de uma carta escrita em latim clássico, endereçada a Polémio,
bispo de Astorga, que teria solicitado a Martinho instruções sobre a
correção dos "rústicos"[4]. Na segunda parte do sermão, o bispo de Braga
usa uma linguagem diferenciada (latim vulgar) visando facilitar a
assimilação de seus ensinamentos ao clero, responsável pela evangelização
da população galega, principalmente os habitantes do meio rural.
A intenção de Martinho, portanto, era fazer uma obra pastoral que
instruísse este baixo clero com todas as proibições e obrigações
necessárias a um bom católico. As instruções do sermão seriam absorvidas
por este clero (também praticante da religiosidade) e repassadas ao
restante da população. Devemos salientar o fato de que a intenção de
Martinho não era destruir as formas de religiosidade praticada pelos
galegos, pois muitos membros do clero também a praticavam, porém ele alerta
que essas crenças são mal orientadas, devendo substituir o culto aos falsos
deuses da natureza pela verdadeira simbologia cristã, como as cruzes, os
santos e as orações, por exemplo. Os elementos ligados a natureza e
cultuados pelos galegos não eram bem vistos por Martinho, pois para ele, a
natureza foi criada pelo Senhor e ele deveria ser o cultuado. Assim, ao
condenar a religiosidade em seu sermão, o bispo acaba fornecendo inúmeros
exemplos que nos permitem avaliar a importância dessas crenças para a
construção da identidade religiosa dos galegos no século VI.



A identidade religiosa da Galiza através do De Correctione Rusticorum



O processo de construção da identidade religiosa da Galiza deve ser
analisado tendo em vista as relações existentes entre o contexto social e
sistema religioso desenvolvido naquela localidade. Assim sendo, nos
remeteremos primeiramente às reflexões desenvolvidas por Mircea Eliade e
Peter Berger que trazem grandes contribuições no estudo desta temática.
A perspectiva desenvolvida por Eliade mostra-se diferenciada no
sentido que para ele a relação entre sociedade e religião é sagrada. A
própria criação e fundação da sociedade é revestida deste caráter sagrado,
pois o homem busca na imensidão do espaço uma sacralidade que tornará
especial o estabelecimento daquela nova comunidade em determinado local
(ELIADE, 2010, p.25). Para Eliade, não basta apenas fixar-se em um ponto; o
homem, antes de estabelecer-se em um ambiente, procura um local que se
destaque do espaço amorfo que o cerca. O homem religioso entende e define o
espaço como porções diferentes umas das outras e que apresentam roturas. Na
visão do autor existiriam, portanto, porções de espaço sagrado, que
representariam a realidade, e não sagrado, caracterizados como o amorfo que
cerca o homem (ELIADE, 2010, p.25). Para explicar as manifestações do
sagrado[5] no espaço, Eliade utiliza-se do conceito de hierofania[6].
Quando as hierofanias ocorrem, o espaço vivencia uma rotura, mas também a
revelação de uma realidade absoluta. A revelação do espaço sagrado tem um
sentido importante para o homem religioso, pois este acontecimento funda
ontologicamente o mundo e fornece uma orientação para o homem frente a
homogeneidade do espaço, proporcionando a comunicação com o meio cósmico.
Peter Berger também aborda o sagrado relacionando-o ao espaço e aos
objetos, entendendo a religião como um empreendimento humano onde o cosmos
é pensado de forma sagrada. Na perspectiva deste autor o sagrado tem um
poder misterioso que residiria nos homens, animais, objetos naturais e
objetos artificiais. O sagrado seria definido então como algo que se
destaca na rotina, um fenômeno extraordinário que mesmo apresentando
perigos pode ser domesticado pelos homens e seus resultados aproveitados no
cotidiano (BERGER, 1985, pp.38-39). Berger também apresenta a manifestação
do sagrado como uma realidade repleta de sentido: "O homem enfrenta o
sagrado como uma realidade imensamente poderosa distinta dele. Essa
realidade a ele se dirige, no entanto, e coloca a sua vida numa ordem
dotada de significado"(BERGER, 1985, p.39).
Através destas reflexões podemos observar que o simples ato de fixar-
se em um ponto e constituir uma comunidade já é sagrado. Este espaço
diferenciado é compartilhado por diferentes pessoas que tem convicções
religiosas em comum, sendo que estas são manifestadas cotidianamente no
espaço através da própria intervenção do homem, que provoca tais fenômenos.
Quando a paisagem sugere a manifestação de elementos que estão em contato
com o sagrado a identidade religiosa passa por um processo de reafirmação e
reforço na comunidade. O ser religioso pode trocar experiências, memórias e
valores a partir da relação que estabelece com esta comunidade que é
mantenedora das mesmas tradições religiosas que ele. Estas relações
alimentam o sentimento de pertencimento a uma religião. Portanto, o De
Correctione Rusticorum nos ajudará a ilustrar a relação dos galegos com o
espaço e as manifestações do sagrado. Através do discurso do bispo de Braga
teremos a chance de analisar várias práticas pagãs ligadas a elementos
naturais e a forma como estas integravam-se no sistema religioso cultivado
pelos galegos, bem como a importância das mesmas para a vida cotidiana
daquelas populações. Vejamos um exemplo que caracteriza a religiosidade da
Galiza a partir da perspectiva do bispo Martinho de Braga:
Os demônios tomaram seus nomes para que [os rústicos]
pudessem adorá-los como deuses e oferecer-lhes sacrifícios
e para que imitassem os feitos daqueles que os invocavam.
Os demônios também persuadiram os homens a construir-lhes
templos e colocar neles imagens ou estátuas de homens vis
e erguer altares aos mesmos, onde poderiam derramar o
sangue não apenas de animais, mas até de humanos. Além
disso, muitos demônios, expulsos do Paraíso, também
residem nos mares, nos rios, nas nascentes ou nas
florestas; homens ignorantes de Deus também os adoravam
como deuses e faziam sacrifícios em seus nomes. Eles
chamam por Netuno no mar, por Lâmia nos rios, por ninfas
nas nascentes, por Diana nas matas, mas são todos demônios
malignos e espíritos vis que enganam homens descrentes,
ignorantes do Sinal da Cruz, e os atormenta. (MARTINHO DE
BRAGA, 1981, p.147).




O fato da maioria dos cultos realizados na Galiza estarem vinculados
as forças da natureza nos demonstra que os habitantes daquela localidade
eram extremamente dependentes do meio natural para sobreviverem. Os galegos
direcionavam seus cultos a deuses ligados as forças da natureza visando
benefícios. Os pedidos eram voltados para o sucesso e abundancia das
colheitas ou ainda súplicas para que temporais e pragas não destruíssem as
plantações; porém ritos cotidianos, com as mais diversas funções, também
eram realizados e ajudavam a manter as tradições religiosas. Observamos que
este processo de significação construído pelos habitantes da Galiza através
dos cultos, ritos e invocações, é uma característica inerente ao conceito
de identidade. Tal processo que ocorre no decurso da atividade cotidiana, é
visto como necessário para explicar e justificar a ordem social fornecendo
suporte ao mundo e ao homem, apaziguando os momentos de dificuldade e
explicando as disparidades sociais. As fontes de significado e a
experiência vivenciada pelo povo definem o conceito de identidade
(CASTELLS, 1999, p.22).
Vivendo no campo as pessoas vão passar a dedicar sua vida aquilo que
faz parte de seu meio; temem o que possa afligir a eles e as suas famílias,
portanto dedicam seus cultos como uma forma de evitar qualquer empecilho
que dificulte seu dia-a-dia. O desejo do camponês era o de ter o mínimo
controle sobre a natureza já que viviam constantemente ameaçados pelo
terror e pelo perigo das calamidades. Para Oronzo Giordano


(...)nestas paganiae transparece um quadro rural e afloram
estruturas sociais que nos fazem ver a ininterrupta cadeia
de influências entre homem e ambiente, entre ambiente e
fenômenos naturais, entre homens e animais (...). Não
sendo capaz de dar uma resposta racional, e muito menos
científica, aos fenômenos naturais, o homem busca e dá uma
resposta teológica, que traduz concretamente uma série de
atos rituais propiciatórios, em que colocam todas as suas
esperanças...(GIORDANO, 1983, p.98).


Martinho de Braga desenvolve seu discurso afirmando que a preocupação
dos galegos deveria ser com a salvação de suas almas e não com as
dificuldades do mundo. Assim, observamos que uma das maneiras utilizadas
pelo bispo para afastar estas pessoas de sua religiosidade, era fazê-los
pensar em sua salvação e não em seus problemas diários. Ao longo de todo o
sermão, o bispo de Braga utiliza-se de estratégias que possam convencer o
povo a mudar sua religiosidade e adotar o catolicismo como única religião.
O recurso de caracterizar as crenças da Galiza como obra demoníaca, por
exemplo, será utilizado praticamente em todo o sermão, constituindo-se como
um dos principais argumentos de Martinho:


Vejam como vocês realizam essas superstições vãs, seja em
segredo ou abertamente, e nunca cessam de fazer
sacrifícios a demônios. Por que eles não os sustentam, de
modo que estejam sempre alimentados, seguros e felizes?
Por que, quando Deus se irrita, os vãos sacrifícios não os
defendem dos gafanhotos, ratos e muitas outras
atribulações que Deus envia em Sua ira? (MARTINHO DE
BRAGA, 1981, p.148).


Os questionamentos colocados pelo bispo, bem como suas palavras
fortes, constroem um discurso que nos revela dois aspectos importantes: ao
condenar as práticas religiosas da Galiza, Martinho acaba revelando a força
e a vivacidade destas para a manutenção da ordem cotidiana dos galegos
(grifo acima); ao mesmo tempo verificamos em seu discurso a preocupação da
Igreja Católica com a continuidade destas crenças e rituais. Podemos, desta
forma, nos questionar como uma nova religião, que garantiria a seu fiel uma
vida próspera e sua salvação, não é capaz de suscitar a vontade de uma
sociedade em adotar uma nova crença, mesmo com discursos tão instigantes
como os pronunciados por Martinho de Braga.
Refletindo sobre esta dificuldade dos galegos em adotar o catolicismo
com promessas de uma vida melhor e garantias de salvação, podemos perceber
que talvez o monoteísmo pregado pela Igreja não fosse tão atrativo para a
população em geral. A ideia de que Deus era o único responsável em gerir e
garantir que tudo funcionasse no cotidiano dos galegos talvez gerasse
desconfiança, já que seriam muitas tarefas para que um único Deus atendesse
a todos. Além disso, os galegos viam Deus como uma força onipresente e que
possuía função de juiz, pronto para julgar qualquer deslize humano. Por ter
uma grande importância, a figura de Deus não era vista como acessível aos
fiéis e estes acabavam sentindo-se desamparados. Em contraposição, os
deuses ligados às forças da natureza, bem como os elementos naturais
propriamente ditos, estavam presentes no mesmo espaço compartilhado pela
comunidade religiosa. O homem desenvolvia então uma identidade com a
natureza, enxergando-se como uma continuidade dela. As atividades
desenvolvidas no espaço natural refletiam a forma como o homem buscava
explicar sua vida. Para Paul Claval:


As identidades associam-se ao espaço, pois se baseiam nas
lembranças divididas, nos lugares percorridos, nos
monumentos que retratam os grandes momentos do passado,
nos símbolos gravados nas pedras das esculturas ou nas
inscrições(CLAVAL, 1997, p.107).




A fim de prosseguirmos na análise das práticas religiosas da Galiza
vejamos outros exemplos de cultos ligados a natureza e condenados pelo
bispo: "E acender velas nas pedras, e árvores, e fontes, onde as estradas
se cruzam, o que é isso se não adoração ao diabo?"(MARTINHO DE BRAGA, 1981,
pp.150-151); Segundo Jose Maria Blazquez(1977, p.460), este é o único
texto conhecido sobre o culto as águas, as árvores e as pedras entre as
populações do noroeste peninsular e que tem suas origens em crenças
célticas. Este costume, criticado pelo bispo, seria realizado com o
propósito de se obter algo desejado invocando os deuses da natureza.
Segundo uma crença antiga cultivada na Galiza, cada pedra, árvore ou fonte
tinha contido em si um espírito que poderia tomar forma humana. A
astrologia também aparece no sermão em uma das críticas feitas pelo bispo:


Alguns adoravam o sol, outros a lua e as estrelas, outros
o fogo, outros as águas profundas ou as nascentes,
acreditando que essas coisas não foram feitas por Deus
para o uso do homem, mas que elas eram próprios deuses
(MARTINHO DE BRAGA, 1981, p.146).


Um outro tipo de festividade muito criticada pelo bispo de Braga era a
festa em comemoração às Calendas. Em uma passagem do sermão, evidencia-se a
crítica de Martinho a respeito deste festejo: "O erro também engana os
ignorantes, que pensam que as calendas [1º] de janeiro são o começo do ano,
o que é totalmente falso"(MARTINHO DE BRAGA, 1981, p.148). Na crença
popular, esta festa tinha como objetivo a veneração ao deus Jano. Os
participantes da festividade geralmente cobriam seus rostos com máscaras em
forma de animais, tal como cabras ou vacas. Rosa Sanz Serrano descreve os
elementos presentes nestes festejos:


(...)disfarce de figuras monstruosas, os cânticos impuros
e danças frenéticas, a ingestão de vinho e a luxúria; por
outro lado próprios de todas as comemorações relacionadas
com os ciclos vegetativos onde os excessos eram os
veículos para a comunhão final com a natureza, o que
produzia horror aos bispos (2003, p.60).


As calendas contrastavam totalmente com a moral cristã, sendo sinônimo
de libertinagem, causando grandes preocupações aos eclesiásticos não
somente por causa das ações praticadas durante as comemorações, mas porque
eram vistos como uma grande permanência do paganismo.
Neste trabalho citaremos apenas alguns exemplos das crenças descritas
pelo bispo de Braga, no entanto estes já se mostram suficientes para
compreendermos a importância da religiosidade na vida cotidiana dos
galegos. Analisando os exemplos descritos pelo bispo notamos a estreita
proximidade dos praticantes da religiosidade com os cultos e deuses
venerados por eles. Todos os elementos da paisagem na qual a comunidade
estava inserida eram dotados de poder sagrado. Assim, as populações da
Galiza sentiam uma presença mágica e superior em todos os momentos do dia.
Este nos parece ser um sentimento compartilhado por todos os adeptos dessas
crenças. A comunidade participava dos festejos e cultos, trocava
experiências e pedidos, construindo, assim, uma identidade religiosa.
A importância destas práticas está ligada ao forte enraizamento desta
religiosidade, cultivada durante séculos e que correspondia perfeitamente
as necessidades dos seus praticantes, muitos deles ligados a um ambiente
rural[7]. Logicamente que uma religião nova, com preceitos distantes da
realidade a qual vivia as populações em questão, não seria adotada com
facilidade. À Igreja restará adaptar inúmeras crenças pagãs aos preceitos
católicos para ser melhor aceita entre os praticantes da religiosidade. O
caso dos santos é emblemático neste sentido, já que o catolicismo delega a
estes as mesmas funções correspondentes aos deuses pagãos[8].
Ao criar novos simbolismos, a religião católica procurou fazê-los sem
prejuízo da sua doutrina, mas sua preocupação também se pautou na forma
como estes deveriam ser recebidos pelo público. Não bastava simplesmente a
criação de dispositivos; a maneira como estes iriam ser disseminados seria
determinante para o sucesso da tarefa evangelizadora da Igreja. Tinha-se a
consciência de que a religiosidade abarcava todos os indivíduos que
compunham a comunidade religiosa da Galiza, o que obrigou a Igreja a criar
mecanismos para desafiar esta identidade religiosa já consolidada.
Considerando que o clero detém o monopólio das letras era necessário
simplificar a doutrina cristã para que ocorresse a aproximação e o diálogo
com os praticantes dessas crenças que, em sua maioria, eram totalmente
iletrados. No entanto, Oronzo Giordano explica que o homem medieval
"aceita" e vive o catolicismo, mas "considera válida e busca a proteção dos
santos e dos anjos com a mesma confiança com aquela que crê nas antigas
divindades familiares, que no pensamento dos demais, somente mudaram de
nome"(GIORDANO, 1983, p.97). Os galegos tinham esta religiosidade
extremamente arraigada em suas vidas, e seria custoso convencê-los de que o
novo era melhor, já que eles não pareciam acreditar que seus deuses e
cultos eram tão malignos quanto se afirmava.
Desta forma, percebemos a importância do discurso na construção do
sermão; as palavras fortes e a indignação do bispo para com estas práticas
chocam o leitor, fazendo com que este sinta que está optando por um caminho
sem volta, afastando-se da salvação e aproximando-se do mal. Esta difusão
da ideia do mal pela Igreja era extremamente necessária para que alcançasse
o seu intento de se consolidar como religião triunfante diante do
paganismo: "Era necessária para a coletividade cristã a existência e a
encarnação do Mal. Era preciso que fosse visto, tateado, tocado para que o
Bem surgisse como a graça suprema - o Belo e o Divino, em oposição ao
Horrível e Demoníaco"(NOGUEIRA, 2002, p.103).
O discurso da Igreja colocou o diabo como uma força sombria presente
em toda a extensão do mundo e que se manifestava na continuidade dos
rituais e crenças populares. Aqueles que permaneciam no "erro do paganismo"
estavam, na verdade, prestando culto a Satã e seriam corrompidos por este,
fazendo-os perecer no inferno. Como presença constante no cotidiano
medieval o diabo desafiava o poder de um Deus que estava distante de seus
fiéis.
Houve ainda um esforço da Igreja em monopolizar o destino da
humanidade. Os pecados poderiam ser esquecidos através de mecanismos que
ela mesma criara para amenizá-los, tais como a confissão, o batismo, os
jejuns e as penitências, possibilitando ao fiel a salvação eterna de sua
alma. No sermão, Martinho de Braga cita o batismo como uma espécie de
contrato entre Deus e o novo crente, além de frisar, por muitas vezes, que
a idolatria era obra demoníaca acusando a religiosidade praticada de ser o
oposto daquilo que se deveria seguir para se chegar ao Paraíso e evitar o
inferno:


Aqueles que forem descrentes, ou não foram batizados, ou,
após serem batizados, curvaram para os ídolos,
assassinatos, adultérios ou perjúrios e outros males serão
condenados com o diabo e os demônios que adoraram. E serão
enviados, com sua carne, para o fogo eterno, onde essas
chamas inextinguíveis queimam para sempre e sua carne
ressuscitada irá gemer eternamente em tormento (MARTINHO
DE BRAGA, 1981, pp.149-150).




O sucesso da religião católica se efetivaria na medida que todos os
dispositivos criados por ela fossem capazes de penetrar no inconsciente das
populações pagãs(ANDRADE FILHO, 2012, pp.124-125). Sabemos, no entanto, que
este processo nunca gozará de uma plena efetivação, afinal a conversão
completa deste mundo rural era uma tarefa impossível. As ações
desenvolvidas pela Igreja na sua tarefa evangelizadora englobaram a criação
de simbolismos e preceitos que tentavam desafiar a religiosidade já
existente. No entanto, verificamos que tais ações serviram para demonstrar
a vivacidade e a força da religiosidade. A comunidade praticante dessas
crenças identificava-se com os simbolismos, cultos e ritos que criara, isto
nos mostra que a identidade religiosa cultivada pelos habitantes da Galiza
era extremamente forte, obrigando a Igreja Católica a se adaptar a
realidade das pessoas a quem visava atingir no processo de evangelização.
Este mundo natural repleto de simbolismos permaneceu ativo durante
toda a Idade Média. É certo que as ações da Igreja Católica visando a
destruição e a difamação da religiosidade contribuíram enormemente para que
este fenômeno religioso se enfraquecesse, porém ao declararem de forma tão
repentina a vitória sobre o paganismo, o clero acabou permitindo que o
passado pré cristão continuasse impregnado na sociedade sem grandes
problemas(BROWN, 1999, p.116). Zygmunt Bauman afirma que


(...) o 'pertencimento' e a 'identidade' não tem a solidez
de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são
bastante negociáveis e revogáveis, e de que as discussões
que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre - e
a maneira como age e a determinação de se manter firme a
tudo isso – são fatores cruciais tanto para o
'pertencimento' quanto para a identidade (BAUMAN, 2005,
17).


Ao analisarmos o trecho de Bauman verificamos que apesar do esforço da
Igreja em combater a religiosidade esta se manteve ao longo da Idade Média.
A identidade religiosa na Galiza estava consolidada entre os habitantes e
estes não permitiram-se abandonar suas crenças mesmo diante do processo de
evangelização.
Peter Brown afirma que os espaços tomados pelas igrejas não
conseguiram apagar o enorme peso do sagrado que estava impregnado na
paisagem. Para o autor, mesmo que os templos pagãos mostrassem certo
desgaste devido ao tempo eles ainda eram visitados frequentemente,
recebendo inclusive oferendas que posteriormente eram transferidas para as
igrejas católicas locais (BROWN, 1999, p.114). Para Brown a religiosidade
ainda permanecerá muito viva, pois o processo de conversão simbólica no
qual os homens deveriam aceitar os símbolos da nova religião será demorado
e precisará de um reforço contínuo através da evangelização. Este processo
de aceitação envolve duas etapas: a transferência de tais símbolos para a
esfera cristã e posteriormente a aceitação destes pelos homens praticantes
da religiosidade. O homem medieval aceita e vive o cristianismo, porém sem
renunciar totalmente a suas antigas crenças. Ele frequenta a Igreja, mas
continua recorrendo aos seus antigos rituais a fim de buscar respostas que
possam explicar os fenômenos naturais que o cercam. É fato que o mundo
rural estava se cristianizando, porém os adeptos desta forma de
religiosidade continuam a vivenciar suas práticas, mesmo que elas tenham
sido envernizadas.


Considerações finais

O De Correctione Rusticorum nos serviu de base para que pudéssemos
demonstrar a identidade religiosa desenvolvida na Galiza através da
manifestação de crenças ligadas ao espaço natural. A partir das críticas
tecidas pelo bispo de Braga fomos capazes de avaliar a importância dos
simbolismos criados pelos galegos para a manutenção da ordem cotidiana, bem
como a adesão completa da comunidade nos ritos e cultos.
Devemos ter em mente que tais crenças atendiam perfeitamente as
necessidades de seus praticantes que viam a manifestação do sagrado em
todos os elementos do ambiente no qual estavam inseridos. Desta forma,
percebemos a estreita ligação do homem com a natureza: pedras, árvores,
fontes e animais eram acessíveis e seus poderes sagrados estavam a
disposição dos galegos em todos os momentos do dia. Por estabelecerem esta
relação próxima com a natureza o processo de organização e fortalecimento
da Igreja Católica na Galiza não será triunfante. Para evangelizar as
populações ditas pagãs não bastava somente ensinar os preceitos cristãos,
mas fazer com que estas pessoas sentissem o mesmo conforto e paz que a
religiosidade proporcionava a seus adeptos. Assim, esta instituição
religiosa criará um sistema de simbolismos próprio, onde muitos deles foram
tomados de empréstimo da religiosidade.
Ainda que a Igreja tenha se esforçado em adaptar alguns de seus
preceitos à religiosidade, verificamos que os galegos não deixaram de
praticar suas crenças e, mesmo aqueles que já estavam inseridos na esfera
cristã através do processo de evangelização, ainda buscavam em seus cultos
os antigos deuses a quem eles se dirigiam. Concluímos, portanto, que nesta
empreitada a Igreja Católica depararou-se com uma identidade religiosa
extremamente forte já aceita e consolidada entre os galegos.




Bibliografia:

Fonte

MARTINHO DE BRAGA. De Correctione Rusticorum. Ed. bilíngüe (latim-espanhol)
de R. Jove Cloz. Barcelona: Ediciones El Abir, 1981.


Bibliografia Sumária


ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. Imagem e reflexo. Religiosidade e monarquia
no Reino Visigodo de Toledo. (Séculos VI-VIII). São Paulo: Edusp, 2012.
BAUMAN , Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedito Vecchi. Tradução:
Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.
BASTOS, Mário Jorge da Motta. Assim na Terra como no Céu...: Paganismo,
Cristianismo, Senhores e Camponeses na Alta Idade Média Ibérica (Séculos IV-
VIII). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013.
BERGER, Peter. O Dossel Sagrado: elementos para uma teoria sociológica da
religião. São Paulo: Edições Paulinas, 1985.
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ibéricas. Madrid: Ediciones Cristandad, 1977.
BROWN, Peter. A ascensão do cristianismo no Ocidente. Tradução de Eduardo
Nogueira. Lisboa: Editorial Presença, 1999.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
CLAVAL, Paul. As abordagens da Geografia Cultural. In: CASTRO, I. E.;
GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L. (orgs.). Explorações geográficas:
percursos no fim do século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
DUBY, Georges. História Social e ideologias das sociedades. In: LE GOFF,
Jacques; NORA, Pierre. História: Novos Problemas. Rio de Janeiro: Livraria
Francisco Alves Editora, 1976.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Tradução:
Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
GIORDANO, Oronzo. Religiosidad Popular em la alta Edad Media. Madrid:
Editorial Gredos, 1983.
LE GOFF, Jacques. Cultura clerical e tradições folclóricas na civilização
merovíngia. In: Para um novo conceito de Idade Média. Lisboa: Estampa,
1980.
NOGUEIRA, Carlos Roberto F. O Diabo no imaginário cristão. Bauru: Edusc,
2002.
SANZ SERRANO, Rosa. Paganos, adivinos y magos. Análisis del cambio
religioso en la Hispania Tardoantigua. Madrid: Gerión Servicio de
Publicaciones, 2003.
SCHMITT, Jean-Claude. A história dos marginais. In: LE GOFF (org). A
História Nova. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes,
2005. p.261-290.
VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. Tradução de Maria Julia
Goldwasser. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.







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[1] Mestranda em História pela Universidade Estadual Paulista
(Unesp/Assis).
Email: [email protected]
[2] Podemos pensar o conceito de evangelização como a ação da Igreja ao
tentar levar os ensinamentos e a mensagem do Deus católico, contidos nas
Sagradas Escrituras, aos povos considerados pagãos.

[3] Martinho de Braga, homem letrado, teria nascido na Panônia entre 518 e
525. Durante sua vida realizou diversas viagens que contribuíram para sua
formação clássica. Martinho teria viajado até a Galiza por estímulos
divinos e teria sabido que o Reino Suevo estava afastado da fé católica.
Foi fundador de diversos mosteiros e ascendeu ao cargo de bispo de Braga
após reconhecida atuação religiosa na Galiza. Entre seus principais
escritos podemos destacar: Formula Vitae Honestae, De superbia, De ira e os
Capitula Martini.
[4] Para o clero o rústico seria o homem caracterizado pelo seu atraso
intelectual e suas deformidades físicas, em contraposição a perfeição
estética e espiritual da Igreja.
[5] Mircea Eliade entende o sagrado como o "[...] real por excelência, ao
mesmo tempo poder, eficiência, fonte de vida e fecundidade". In: O sagrado
e o profano: a essência das religiões. Tradução: Rogério Fernandes. São
Paulo: Martins Fontes, 2010, p.31.
[6] Para Mircea Eliade o conceito de hierofania significa a revelação de
algo sagrado.
[7] As crenças descritas no sermão De Correctione Rusticorum não eram
praticadas somente pelos habitantes do meio rural. No entanto, devido a
escassa cristianização nos campos a religiosidade irá permanecer com uma
maior intensidade neste espaço.
[8] Neste contexto podemos nos remeter a classificação feita por Jacques Le
Goff ao estudar os principais recursos utilizados pela Igreja para ser
acolhida entre os povos considerados pagãos. Estamos nos referindo aos
processos de destruição (extermínio de imagens, santuários pagãos, etc),
obliteração (ocultamento ou sobreposição da cultura popular) e desnaturação
(os símbolos, temas ou as representações, mudam radicalmente de significado
e sofrem uma adaptação para serem inseridos dentro dos preceitos
católicos). Tais processos introduziriam na paisagem medieval uma nova gama
de simbolismos, sendo que na maior parte deles houve apenas uma alteração
de significado. LE GOFF, Jacques. Cultura clerical e tradições folclóricas
na civilização merovíngia. In: Para um novo conceito de Idade Média.
Lisboa: Estampa, 1980, p. 214.
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