Reflexões sobre o trabalho da direção de arte

May 23, 2017 | Autor: Gilka Vargas | Categoria: Cinema brasileiro, Direção De Arte
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apresenta

A DIREÇÃO DE ARTE NO

CINEMA

BRASILEIRO

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apresenta

A DIREÇÃO DE ARTE NO

CINEMA

BRASILEIRO 07 A 18

FEVEREIRO 2017

A direção de arte no cinema brasileiro Débora Butruce e Rodrigo Bouillet (orgs.) 1ª edição 2017 ISBN: 978-85-93535-00-0

CAIXA Cultural RJ

Av. Almirante Barroso, 25 - Centro

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO

10.

A DIREÇÃO DE ARTE NO CINEMA BRASILEIRO

Débora Butruce

16.

UMA HISTÓRIA DO CINEMA BRASILEIRO A PARTIR DA DIREÇÃO DE ARTE: PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Rodrigo Bouillet

96.

REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO DA DIREÇÃO DE ARTE: TRABALHAR CANSA, BRUNA SURFISTINHA, TATUAGEM E AMOR, PLÁSTICO E BARULHO

Gilka Vargas

114.

NOTAS SOBRE O FIGURINO NO CINEMA BRASILEIRO – DO NOVO AO NOVÍSSIMO

Teresa Midori Takeuchi

FILMES

221.

BRAZA DORMIDA

223.

195. 197.

MARIDINHO DE LUXO

199.

24 HORAS DE SONHO

201.

CARNAVAL ATLÂNTIDA

ARTIGOS

128.

203.

24.

Luiz Fernando Pereira (LF)

205.

DO MODELO TEATRAL AO REALISMO CENOGRÁFICO: OS PRIMEIROS CINQUENTA ANOS DA DIREÇÃO DE ARTE NO BRASIL

Débora Butruce

58.

A DIREÇÃO DE ARTE E A CONSTRUÇÃO DE UMA CERTA VISUALIDADE BRASILEIRA

Beth Jacob

70.

O CINEMA É A ARTE DO REAL – MAS O QUE É O REAL? O PAPEL DA DIREÇÃO DE ARTE NA CONSTRUÇÃO DOS DISCURSOS

Carolina Bassi de Moura

82.

A DIREÇÃO DE ARTE E A CRIAÇÃO DE ATMOSFERAS NO CINEMA CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO

India Mara Martins

SOBRE A DIREÇÃO DE ARTE

140.

DIREÇÃO DE ARTE NO BRASIL: UM PERCURSO DE FORMAÇÃO ENTRE O ARTESANATO E A INDÚSTRIA

Tainá Xavier

148.

DIREÇÃO DE ARTE EM CINEMA: LEITURAS DE UM ESPAÇO

Thales Junqueira

ENTREVISTA

160.

ENTREVISTA COM VERA HAMBURGER

HOMENAGEM

184.

CLÓVIS BUENO: A DIREÇÃO DE ARTE COMO FRUTO DA VIVÊNCIA

Rodrigo Bouillet

AGULHA NO PALHEIRO UMA CERTA LUCRÉCIA

207.

EL JUSTICERO

209.

TERRA EM TRANSE

211.

MACUNAÍMA

213.

TUDO BEM

215.

O BEIJO DA MULHER ARANHA

217.

ANJOS DA NOITE

219.

SUPER XUXA CONTRA O BAIXO ASTRAL

A OSTRA E O VENTO

KENOMA

225.

ORFEU

227.

CASTELO RÁ-TIM-BUM, O FILME

229.

A FESTA DA MENINA MORTA

231.

TRABALHAR CANSA

233.

BRUNA SURFISTINHA

235.

TATUAGEM

237.

AMOR, PLÁSTICO E BARULHO

238.

CRÉDITOS

REFLEXÕES SOBRE O

TRABALHO DA DIREÇÃO DE ARTE:

TRABALHAR CANSA, BRUNA SURFISTINHA, TATUAGEM E AMOR, PLÁSTICO E BARULHO GILKA VARGAS

O cinema nacional contemporâneo traz consigo a riqueza cultural do país. Por sua extensão, pela pluralidade de seu povo, por suas distintas geografias, o Brasil proporciona diferentes olhares. Cineastas estreantes e veteranos em longa-metragem lançam produções oriundas de variadas regiões, oferecendo ao espectador uma diversidade de propostas, de temáticas, de discursos estéticos, de formas de narrativa. Como parte integrante desse multifacetado fazer cinematográfico, encontrase a direção de arte. Função relativamente recente em nosso país, são poucos os escritos e estudos no Brasil que tenham como objeto seu entendimento, seu potencial, sua competência e especificidade. O que é necessário, em termos de tempo e espaço, para situar o espectador em relação à história? Qual o seu contexto, seu gênero, sua natureza psicológica? Quem são seus personagens? Quais cores e texturas melhor servirão ao visual desejado para o filme? Como, efetivamente, transpor a escrita do roteiro para a materialidade, utilizando elementos visuais e visíveis que tragam em si significados, sentidos, estados psicológicos, unificando a linha estética de um filme? Essas são questões essenciais a serem discutidas pela direção de arte com o diretor e o diretor de fotografia; é a partir delas e de suas respostas, aliadas às informações e indicações contidas no roteiro, do ponto de vista do diretor e de suas intenções ou do gênero que se inicia sua participação no processo de construção da imagem cinematográfica que, além de sua materialidade, constitua o universo diegético necessário à narrativa. São vários os caminhos que podem ser seguidos, diferentes processos de criação artística vivenciados, e cada diretor de arte estabelece o seu. Uma 98

história pode ser contada de diversas maneiras visualmente, e o diretor de arte deve considerá-las, a fim de oferecer diferentes opções ao diretor. Cada filme é singular, e a cada projeto o diretor de arte investe sua cultura visual, suas experiências anteriores, sua capacidade de observar o mundo ao seu redor, seu conhecimento técnico sobre as demais funções cinematográficas, seu modo pessoal de escolher e articular os elementos que tem à sua disposição. Não existem receitas, fórmulas ou estratégias estanques para instituir um projeto de direção de arte; a cada filme trabalhado são distintas as opções, as articulações. Os filmes Trabalhar cansa (Marco Dutra e Juliana Rojas, 2011), Bruna Surfistinha (Marcus Baldini, 2011), Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013) e Amor, plástico e barulho (Renata Pinheiro, 2013) ajudam a exemplificar as possibilidades do trabalho da direção de arte e o seu potencial narrativo, dramático, simbólico e estético. Trabalhar cansa, com direção de Juliana Rojas e Marco Dutra, aborda temática atual e universal: como a crise econômica pode afetar uma família de classe média tradicional, as relações empregado-empregador e as consequentes relações de poder. É uma reflexão sobre as relações de classes e como estas podem ser assustadoras na medida em que embrutecem e desumanizam os indivíduos. A direção opta pela estranheza, apresentando um drama social com toques do fantástico, trazendo uma narrativa permeada de acontecimentos misteriosos, colocando em cena elementos que remetem à degradação e à podridão. Dutra e Rojas narram a trajetória de Helena, que, cansada de sua rotina de dona de casa, resolve se tornar uma empreendedora como proprietária de um mercadinho de bairro. Entretanto, no mesmo dia em que encontra a sede que para ela é a ideal, Otávio, seu marido, é demitido. Helena opta por assumir o desafio e segue com seus planos, que incluem contratar a doméstica Paula para cuidar da filha Vanessa e da casa. Ao tomar essa decisão Helena, que “parou de estudar para casar”, passa a viver uma realidade totalmente desconhecida para ela: ter seu próprio negócio e exercer o papel de empregadora e chefe. Ao mesmo tempo, com a demissão de Otávio é obrigada a assumir o suporte financeiro familiar, o que modifica sua posição também em seu ambiente pessoal: prioriza o trabalho e passa mais tempo fora deixando casa e filha nas mãos do marido e da doméstica.

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Elementos como textura, cor, objetos simbólicos e dramáticos, arquitetura são estrategicamente articulados pela direção de arte de Fernando Zuccolotto, a fim de participar na construção da dramaticidade, da atmosfera de tensão e suspense, despertando a sensação de estranhamento no espectador. É no universo do Mercado Curumim, lugar no qual transcorre a maior parte da narrativa, que o espectador se depara com uma variedade de metáforas visuais estabelecidas para que esses objetivos sejam alcançados. O mercado é o lugar que apresenta, de forma clara e evidente, as escolhas, as articulações e os jogos engendrados pela direção de arte, estabelecendo a partir de seus elementos concretos e visuais, várias camadas de leitura. Cada situação conflitante vivenciada por Helena é associada a algo físico, concreto; suas relações com os funcionários, seus temores enquanto empreendedora são materializados pela direção de arte, que se utiliza de vários elementos como a marreta, as correntes, a coleira de metal envelhecida, o líquido preto que brota do chão, a mancha na parede que aumenta pouco a pouco, a bola de pelos com larvas, as mercadorias que desaparecem, o boneco do Papai Noel, as câmeras de segurança, os móveis que ocultam coisas, a garra estranha e o cadáver de um animal fera emparedado. Ao mesmo tempo, essas reações visíveis acabam por contribuir na criação de um clima de expectativa. Os conflitos materializados no mercado fazem com que o ambiente acompanhe visualmente a transformação de Helena e de suas relações com seus funcionários. O mercado “reage” e a associação entre os fatos é imediata: Helena cobra de Ricardo o desaparecimento de leite e é descoberta a mancha na parede; Helena detecta a falta de panetones e é destacado o mau cheiro e encontrado o vazamento de líquido escuro e viscoso no piso; ao mesmo tempo em que Helena observa Gilda conferindo e guardando dinheiro no caixa, é retirada do encanamento uma bola de pelos escuros, coberta por larvas. Em seu cotidiano, Helena adota postura rígida e vigilante, controla seus funcionários, demite Ricardo por suspeita de furto, instala sistema de câmeras. Segundo indicação visual realizada por objetos, figurinos e adereços, esse é um processo que leva alguns meses – o mercado é aberto em estação fria, passa o Natal, e o desfecho da narrativa ocorre no carnaval, período no qual a população brasileira tem a cultura de “soltar seus monstros”, liberar seus instintos. É no período de carnaval que Helena insiste em abrir o mercado, obrigando os empregados a trabalhar, revista a bolsa de Gilda e, quando ela e Otávio estão fechando o lugar, o marido arreda um móvel e encontra uma corrente grande, com traços de ferrugem e forte o suficiente para segurar o 100

animal que provavelmente fez as grandes ranhuras que ele vê na parede marrom do depósito. Otávio diz que vai colocar nela, “pra ver se você se acalma”. No carnaval, Helena leva Paula para limpar o mercado, e a doméstica encontra uma espécie de garra no local. Depois disso, enquanto Helena observa a parede, agora totalmente escura, Ricardo entra no mercado para fazer compras; desconfiada, ela pede que Gilda o vigie de perto e acompanha a movimentação dos dois pelo sistema de câmeras que instalou em pontos estratégicos do mercado. Em seguida, depois da saída de Gilda, Helena apaga algumas luzes, vai até o depósito, pega a grande marreta que encontrou em seu primeiro dia no imóvel e se dirige lentamente à parede, decidida a descobrir o que há ali. Dá alguns golpes e o material cede, fazendo com que caiam sobre ela os restos de um grande animal. Até esse momento, Helena conta com os homens para resolver os problemas nesse ambiente: Seu Antunes conserta o vazamento, retira a bola de pelos, ajuda a esconder com uma tela a mancha que cresce cada vez mais na parede; Otávio limpa o líquido do vazamento, além de deslocar expositores com produtos para cobrir a mancha, coisa que também o açougueiro faz. Entretanto, por opção própria, na noite de carnaval encontra-se sozinha e decide abrir a parede. O grotesco animal enclausurado, que lembra a figura de um lobisomem – um ser humano que se transforma em fera –, remete à transformação sofrida pela personagem. É preciso limpar o mercado, retirar dali o monstro, ou a monstruosidade, que é a relação de poder que acabou estabelecendo com seus empregados baseada na desconfiança, na rigidez, na frieza, na repressão de afetos solidários; é preciso expurgar a fera capaz de demitir um funcionário por uma suspeita de furto sem comprovação às vésperas do Natal. Helena inicia sua libertação sozinha, mas precisa da participação de Otávio para concluí-la: é ele quem termina de quebrar a parede e dela retira o crânio do animal. Os dois levam o cadáver para fora da cidade; Helena joga sal grosso e querosene sobre ele e Otávio risca o fósforo. Purificados magicamente pelo sal grosso e pelo fogo em seu ritual pagão particular, nada é dito; não falam sobre o ocorrido e continuam suas vidas. Ele decide libertar seu animal interior e se tornar capaz de lutar na selva profissional; ela volta ao trabalho e leva consigo a filha, verbalizando que dinheiro “é sujo”, mas integrando a menina ao seu ‘mundo dos negócios’. Trabalhar cansa é um filme híbrido que faz uso do fantástico para falar dos medos, angústias, receios e problemas da classe média tradicional que se vê 101

disputando espaços e empregos com a classe média emergente. Trabalhadores experientes como Otávio são descartados e trocados por jovens recém-saídos das universidades, preparados e ousados o bastante para competir e vencer no mercado de trabalho. Mulheres como Helena enfrentam o risco de perder o poder dentro da própria casa para obter sucesso como empreendedoras. Helena vê despertar em si a fera, o monstro que luta com unhas e dentes para obter lucro, seja acusando, humilhando ou vigiando funcionários. Bruna Surfistinha, adaptação do livro O doce veneno do escorpião – o diário de uma garota de programa, autobiografia de Raquel Pacheco, tem como diretor Marcus Baldini. O filme mostra os caminhos percorridos por Raquel, que aos dezessete anos decide sair de casa e se tornar garota de programa. No decorrer da narrativa, o espectador acompanha a jovem em sua jornada, sua transformação de adolescente em mulher que obtém seu sustento por meio do sexo; sua ambição; seu ápice profissional proporcionado pelo sucesso do blog no qual descreve seu cotidiano de garota de programa; sua fase de celebridade; sua decadência em função das drogas; sua recuperação após reconhecer que depende apenas de si mesma para alcançar seus objetivos, e sua decisão de trabalhar apenas por mais seis meses como garota de programa. Participando de forma efetiva na construção da visualidade do filme, a direção de arte concebida por Luiz Roque estabelece estratégias e articulações entre seus elementos de trabalho, desempenhando a função de dar suporte à narrativa. Em momentos distintos vividos por Raquel, percebe-se que sua caracterização visual e os diferentes ambientes pelos quais circula estão impregnados de verossimilhança e coesos entre si e com a narrativa. São três os principais espaços do filme: a casa dos pais adotivos, a casa de encontros de Larissa e o apartamento de Raquel – codinome Bruna Surfistinha. A personagem é apresentada em seu quarto, realizando uma dança erótica frente à câmera do computador e se despedindo de seu público virtual como Raquel Sensual. O ambiente enquadrado é composto por móveis brancos, uma das paredes na cor rosa claro; veste uma camiseta larga, calcinhas na cor rosa e um top branco. Raquel veste-se como uma adolescente típica e se expõe na internet explorando sua sensualidade, mostrando seu corpo. Essa cena pode sugerir um desejo de mudança: seu quarto e suas roupas apresentam a cor rosa, que em nossa cultura remete a meninas mais jovens e Raquel, entretanto, adota uma postura sensual e provocativa.

contemporânea, organizada, em cores neutras, sem muitas indicações sobre a personalidade de quem ali vive. Os enquadramentos estabelecidos pela câmera não proporcionam a visão do ambiente por completo; percebe-se a existência de porta-retratos, porém as fotos que contêm não são vistas. Assim como a personagem não fala de seu passado, de sua vida como filha adotiva dessa família, também o lugar não é descortinado ao espectador. Quando foge da casa dos pais, a jovem vai para a casa de encontros administrada por Larissa para trabalhar como garota de programa. Esse espaço não oferece privacidade às suas habitantes: Raquel dorme em um quarto com mais duas colegas; os objetos pessoais de todas são guardados em pequenos armários localizados no espaço de convivência, uma espécie de sala/copa/cozinha/ lavanderia onde as seis mulheres passam a maior parte do tempo. No pequeno quarto de Raquel, há duas camas: uma de casal e outra de solteiro; vemos poucos móveis e sobre eles roupas, cremes, desodorantes, xampus, bijuterias, roupas secando penduradas no cabide de pé. A câmera faz um passeio nesse ambiente, mostrando sua desorganização, e também como o mundo da jovem coube em sua mochila, que está pendurada na cabeceira da cama, e como seus poucos pertences se mesclaram aos demais, já existentes na casa. No criado-mudo ao seu lado percebe-se o pequeno relógio despertador laranja (que vimos em seu quarto na casa dos pais) e seu relógio de pulso vermelho junto a esmalte, acetona, algodão, provavelmente de sua companheira de cama, uma vez que Raquel ainda não pinta as unhas. Quanto ao espaço de convivência, a articulação entre arquitetura, cor, textura, objetos e acessórios estabelece a verossimilhança, apresentando uma desorganização orgânica, com roupas, revistas e diversos objetos de uso pessoal sobre os móveis. O ambiente concebido pela direção de arte traz ao espectador um lugar com objetos de uso diário, eletrodomésticos e móveis simples e desgastados. Trata-se de ambiente que não oferece conforto algum além do necessário. É nele que as mulheres cozinham, comem, fazem as unhas, lavam roupa, veem TV, jogam cartas e esperam pelos clientes. Quando acende a luz vermelha intermitente e toca a antiga campainha de metal, elas ajeitam roupas e cabelos para serem escolhidas por Larissa.

Nos poucos momentos em que é mostrado seu ambiente familiar, vemos uma jovem estudante de tradicional escola particular com uma camiseta de uniforme folgada que esconde as formas do corpo; uma sala de jantar

Raquel/Bruna é mostrada mantendo relações sexuais com vários homens; esses encontros ocorrem em diversos quartos que possuem praticamente a mesma arquitetura, com a textura mostrando a passagem do tempo nos móveis e acessórios, os recentes remendos nas paredes, as diferentes estampas das cortinas plásticas que isolam o vaso sanitário, o chuveiro e a pia. São ambientes pequenos, neutros e sem requintes, tendo apenas o necessário para atender os clientes.

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Ao sair da casa de Larissa, Raquel/Bruna busca ter o seu próprio espaço e ser independente, sem ter uma cafetina. Para isso, investe em um apartamento de alto padrão. Arquitetura, textura e cor são articuladas pela direção de arte para estabelecer um ambiente requintado, um lugar diferenciado que pode ser oferecido a clientes com maior poder aquisitivo. Raquel/Bruna cria um blog escrevendo detalhes sobre sua vida de garota de programa e passa a ter milhares de acessos diários e a atender inúmeros clientes VIPs. Ao mesmo tempo, a frieza transmitida pela textura dos vidros, metais e móveis brancos indica ao espectador o quanto falta afeto na vida da jovem. Raquel/Bruna é ambiciosa e nunca mediu esforços para ser a melhor garota de programa. Seus relacionamentos se dão em função de lucros financeiros. Isso é reforçado quando Hudson, seu primeiro cliente, lhe oferece um conjunto de colar e brincos semelhante ao de sua mãe e ela recusa exigindo o pagamento do encontro, deixando claro que não está disponível para relacionamentos afetivos, somente para os profissionais. No momento em que intensifica o uso de drogas e vive sua decadência pessoal e profissional, seu apartamento a acompanha sendo visto sujo, desarrumado, com restos de comida e bebida, retratando a confusão interna vivida pela personagem. A caracterização visual da personagem – figurino, cabelo e maquiagem – é trabalhada pela direção de arte para mostrar a trajetória de Raquel e apontar seu estado de espírito em diferentes momentos: adolescente, sentindo-se feia e deslocada na escola, tem seu cabelo longo, solto e levemente desgrenhado, com uma pequena franja; veste camiseta e moletom grandes. Ao começar sua vida de garota de programa, continua por algum tempo vestindo-se dessa maneira, cobrindo o corpo em demasia para a profissão. Quando já tem um certo sucesso junto à clientela, modifica seu vestir, investindo em camisetas mais cavadas e curtas, jeans justos – afinal, “tem que saber se vender”. Seu auge profissional vem acompanhado por longos cabelos tratados, sem franja e, portanto, mais mulher; por roupas com muito brilho, curtas e justas; por brincos grandes e chamativos e unhas bem-feitas. Para mostrar sua decadência devido ao uso de drogas, Raquel/Bruna é vista se prostituindo nas ruas e em casas de encontros paupérrimas, que cobram vinte reais pelo atendimento. Sua pele está sem brilho; possui olheiras que aumentam gradativamente; seu cabelo torna-se novamente descuidado, suas 104

unhas estão pintadas de vermelho e descascadas; seu figurino retorna à grande camiseta que a protegia enquanto adolescente. Quando volta ao seu apartamento e decide dedicar-se ao trabalho com mais seriedade, de “cara limpa”, tanto seu espaço como sua caracterização visual encontram-se coesos: o apartamento está impecável, Raquel/Bruna veste um belo, justo e curto vestido vermelho que realça seu corpo; seu cabelo está solto e bem cuidado e ela está sem olheiras. Bruna Surfistinha é um filme no qual a direção de arte, por meio da verossimilhança dos ambientes e da caracterização dos personagens, e do suporte à narrativa, acompanha a protagonista em suas conquistas e derrotas; sua determinação e seu empenho em ser a melhor, sua busca constante por independência financeira; seu deslumbramento por ter se tornado uma celebridade, conhecida como a mais famosa garota de programa do país. Tatuagem tem roteiro e direção de Hilton Lacerda e traz à tela um sonho de liberdade e a esperança de um futuro melhor. Com universo ambientado no final dos anos 1970 e baseado nas lembranças afetivas do diretor, não há o rigor das reconstituições, a preocupação com reproduções fidedignas. O que importa é colocar na tela a utopia vivida pelos personagens, seu espírito de luta pela liberdade, a esperança de viver em um mundo diferente, sem preconceitos; é transpor questionamentos do passado para os tempos atuais, renovar e manter viva a discussão sobre a liberdade e os sonhos de futuros possíveis. Tendo como pano de fundo a ditadura militar já agonizante, mas ainda viva e presente em 1978, Lacerda apresenta a relação amorosa entre Clécio Wanderley e Arlindo Araújo, conhecido como Fininha. Eles representam duas fatias bem distintas da sociedade da época: Clécio, um ator anarquista, e Fininha, um jovem do interior que está prestando serviço militar como soldado no Exército Nacional em Recife. Conflitos são inerentes a essa relação, pois Clécio lidera o Chão de Estrelas, uma trupe de artistas que desafia os postulados do regime vigente, e Fininha encontra-se inserido na instituição que estabelece e faz cumprir esses postulados. Em Tatuagem, com direção de arte realizada por Renata Pinheiro, esses dois mundos são mostrados e articulados pelo viés do contraste de seus ambientes. Vemos o cabaré-teatro Chão de Estrelas e a casa onde vivem os artistas, simbolizando o desejo de liberdade; o quartel, que representa o regime 105

opressor; e a casa da mãe de Fininha, lugar marcado pela religiosidade e pelos valores morais conservadores. Para constituir esses espaços fílmicos, Pinheiro utiliza a articulação entre textura, cor, objetos – tanto simbólicos como dramáticos –, arquitetura e a caracterização visual dos personagens. Como resultado, cada lugar tem suas próprias características, indicando claramente ao espectador quem ali vive, quais são os seus valores, os seus anseios, as suas condutas e sentimentos perante a vida. No ambiente do quartel, temos a conjunção arquitetura, textura, cor, figurino, cabelo e perspectiva trabalhada para que o espectador perceba a uniformidade exigida pelo militarismo – seja pelo figurino, pelo cabelo, pelos movimentos das corridas em pelotão, pelos beliches rigorosamente alinhados. Existe a exigência de comportamento padrão: todos dormem no mesmo horário, todos tomam banho juntos. Há a indicação de falta de individualidade, o rigor de seguir as regras. Trata-se de prédio antigo, bem cuidado e organizado, com pé direito alto, com espaços amplos, nas cores branco, verde e preto. Na primeira cena em que vemos o dormitório, o enquadramento faz com que as linhas verticais formadas pelo alinhamento dos beliches “desenhem” grades, indicando a sensação de aprisionamento do personagem Fininha. Quanto à casa da mãe de Fininha, a direção de arte articula arquitetura, textura, cor e objetos com o movimento de câmera e o cenário sonoro, apresentando ao espectador uma residência humilde do interior. Vemos quatro mulheres – mãe, irmã e duas tias – ouvindo a Ave Maria pelo rádio enquanto fazem suas orações. A câmera passeia pela pequena sala mostrando fotos antigas da família, e ao fundo, na copa, há um quadro da Santa Ceia. As paredes, em amarelo claro, têm rachaduras e estão com a pintura descascada em alguns pontos. As mulheres se mostram conservadoras, regidas pela religiosidade e pelos valores tradicionais da família. Percebe-se um ambiente sem vida, monótono, sem autonomia; levam a vida seguindo a vontade de Deus. As cores do lugar são em tons pastéis, o que reforça sua atmosfera de apatia. A casa de espetáculos do Chão de Estrelas é um lugar pobre, localizado na periferia de Recife. É mostrado como um ponto de cor em meio ao cinza; está rodeado por entulhos e escombros de fábricas com suas longas chaminés carcomidas pelo tempo, representando a vida que resiste ao sistema decadente, a resistência frente ao regime militar que já foi poderoso e que agora está próximo do fim. Em seu texto de abertura do espetáculo, Clécio anuncia que é ali que acontece “a noite que faz tremer toda a forma de autoridade”. 106

Em seu interior a arquitetura, aliada à textura e à cor, reforça ainda mais a ideia de resistência, pois se percebe que o teatro é construído de forma a aproveitar a estrutura das grossas paredes. A trupe realça algumas partes corroídas da antiga construção, feita com grandes tijolos, com tinta vermelha e purpurina; estrelas coloridas e brilhantes estão espalhadas pelas paredes, que ainda contêm resquícios de reboco; vigas de madeira dão suporte ao telhado. Os móveis, mesas e cadeiras, são em cor pura; luminárias têm a cor improvisada pelo papel celofane; as barras da janela são embrulhadas por papel metálico vermelho. Esse ambiente materializa a ânsia pela construção da liberdade – sobre a estrutura alquebrada da ditadura, vêm a cor e o brilho da arte; vêm a alegria, a ironia e a irreverência representadas pelo Chão de Estrelas. O casarão, uma espécie de república onde moram os artistas, homens e mulheres vivem em liberdade de pensamento e de atitudes, em um local também rico visualmente, que reflete a ebulição criativa dos atores. É onde confeccionam, a partir de sucata, os figurinos, os objetos e os adereços a serem utilizados nos espetáculos. A direção de arte usa e abusa dos elementos plásticos, buscando mostrar um universo extremamente colorido e cheio de texturas para representar o estado de espírito, a riqueza do pensamento, a criatividade e o posicionamento dessa trupe de artistas de periferia. A utopia da liberdade total, seja ela intelectual, sexual, política, artística, move o Chão de Estrelas, que em seu dia a dia desafia “os bons costumes” em um momento em que o Brasil ainda está sob um regime que reprime manifestações críticas e questionadoras. Ainda há censura, repressão violenta, valores morais rígidos, que também estão simbolizados pela frieza das cores no quartel; ainda há a alienação religiosa indicada na casa da mãe de Fininha, que observa a vida passar rezando ou olhando o movimento da rua sem esboçar reações. Amor, plástico e barulho tem roteiro e direção de Renata Pinheiro e apresenta os conflitos provocados pela efemeridade do sucesso, pelo caráter descartável de coisas e pessoas. Para falar sobre isso, a diretora desenvolve sua narrativa nos bastidores da música brega da periferia de Recife, mostrando a decadência da cantora Jaqueline e a tentativa de ascensão da dançarina Shelly, integrantes da banda Amor com Veneno. Passando pelo experimental, pelo dramático e pelo musical, mescla imagens extraídas da internet, trechos de animações, utilização de efeitos especiais, imagens capturadas nas ruas da cidade que, em alguns momentos, dão um tom documental ao filme. A inserção intencional de vídeos e imagens de 107

baixa resolução, nada sofisticadas e elegantes, sem preciosismo técnico algum, pode causar no espectador desconforto sensorial. Entretanto, essa é a quebra proposta pela direção; esse é o contraste entre os brilhos, as cores, o glamour da noite e a realidade cinzenta, como o cimento das novas construções. Dani Vilela assina a direção de arte de Amor, plástico e barulho, cuja narrativa é extremamente visual. Ambientes, paisagens, arquitetura, objetos, figurino, maquiagem, cabelos, cor, textura, traduzem visualmente o percurso e as transformações de Jaqueline e Shelly. Acompanhando o trabalho da direção de arte realizado junto às personagens, vemos como a cor do cabelo pode mudar a vida de alguém, como um lápis de maquiagem pode indicar uma decisão e como a acetona pode retirar algo além do esmalte. Jaqueline e Shelly são interpretadas por atrizes fisicamente diferentes, e a direção de arte explora isso para acentuar o contraste existente entre a personalidade de ambas quando estabelece a caracterização visual das personagens. Jaqueline é uma mulher madura, sensual, que vivencia o declínio de sua carreira. Percebe-se que suas roupas acentuam sua sensualidade, sua feminilidade sem, no entanto, torná-la vulgar. Shelly é mais jovem, com o corpo mais delgado, ingênua, sonhadora e ambiciona tornar-se cantora. Em suas primeiras aparições, tem seus aspectos mais infantis ressaltados pelo figurino em tons pastéis, com o predomínio da cor rosa. Para as cenas diurnas, o figurino traz descontração e simplicidade, mas persiste pontuando os status diferenciados de Jaqueline e Shelly dentro da banda. A veterana usa roupas coloridas, com tecidos de melhor qualidade, cortes mais elaborados, não dispensando o salto alto e as bijuterias coloridas e douradas. Quanto à novata, apresenta roupas mais baratas e sem muitos recortes, chinelos ou sandálias baixas e bijuterias discretas e prateadas. À noite, o figurino ganha outra dimensão. Composto por roupas com cor, brilho e texturas chamativas, além de indicar diferenças de personalidade e reafirmar o status de cada uma, modela seus corpos, deixando-os à mostra, acentuando a sensualidade, com claro apelo à sedução e ao erotismo. Ambas buscam chamar a atenção sobre si, utilizando o corpo como objeto de sedução.

As diferenças entre as personagens também são assinaladas por seus ambientes. Ambas vivem em uma espécie de cortiço de propriedade de Amadeo, empresário da banda, e cada uma tem seu quarto. Para o ambiente de Jaqueline, a direção de arte coloca móveis de melhor qualidade, dentre os quais se sobressai uma penteadeira com espelho e, sobre ela, um amuleto japonês da prosperidade. Já no quarto de Shelly, há menos móveis, um espelho improvisado sobre uma cadeira, e, na mesinha lateral que está junto à sua cama, há um boneco do personagem Pica-Pau. Com esta breve descrição, percebe-se a preocupação de Jaqueline com o retorno financeiro proporcionado por sua carreira, uma vez que precisa sustentar a filha. Shelly, por sua vez, tem seu lado infantil e sonhador pontuado pelo boneco do personagem de animação. Buscando mostrar a crueza e a crueldade da realidade nos ambientes pelos quais as personagens circulam e o brilho dos plásticos descartáveis, a direção de arte encontra na textura uma função importante. É a textura que indica a precariedade dos lugares: do local onde as jovens moram, das casas de shows, dos programas televisivos nos quais se apresentam, do pavilhão onde passam o som. Nesse pavilhão velho, desgastado, com as paredes marcadas pelo tempo vemos Jaqueline cantando sozinha no palco. O ambiente reflete o estado de espírito da personagem, que nesse momento percebe sua situação, reconhecendo a efemeridade de sua carreira em decadência. Na cena seguinte, em um pequeno quarto de hotel, pobre e com o ar condicionado quebrado, essa decadência é materializada e reforçada. Jaqueline então afirma que não adianta sonhar, pois a carreira das cantoras “é como um copo plástico, que bebem até a última gota, amassam e jogam fora”. A carreira, a fama e o sucesso são tão descartáveis quanto o plástico colorido do fundo do palco da casa de shows, quanto a capa plástica que Shelly usa em seu sonho de romance na praia, quanto os sacos plásticos utilizados no figurino do programa de TV. O brilho dos plásticos é tão passageiro quanto o brilho da purpurina que vemos em todos os cantos e no rosto de Shelly durante o filme ou em seu sonho no ônibus, na cena final. O olhar do espectador é conduzido por um mundo onde as coisas e as pessoas brilham, são coloridas e descartáveis, tecendo uma linha tênue entre a realidade e o sonho.

Quanto ao trabalho da maquiagem e do cabelo, Jaqueline é mostrada com a pele maltratada pela vida noturna e pelo álcool; ostenta longas unhas alaranjadas. Durante o dia não usa sequer batom e, à noite, tem sua beleza realçada por uma maquiagem carregada. Shelly também não usa maquiagem durante o dia e, em suas cenas noturnas, encontra-se maquiada discretamente, com a mesma sombra carregada usada por Jaqueline, mas com batom rosa e unhas curtas nas cores rosa ou azul.

A trajetória das personagens é marcada por decisões e mudanças, e a direção de arte acompanha e pontua esses momentos. Shelly, buscando se destacar, torna-se loira, adotando uma postura autoconfiante; muda de atitude e deixa de ser uma menina para se tornar uma mulher sedutora. Passa a apresentar muito brilho em sua maquiagem, usa batom vermelho; suas unhas agora estão longas, com base clara, o que indica que sua transformação ainda está

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acontecendo, ainda não alcançou a fama com a qual tanto sonha. Quando Jaqueline se dá conta de que seu tempo como cantora já passou e opta por viver com a família, é por meio do lápis de maquiagem que simbolicamente ‘passa o bastão’ para Shelly, autorizando-a a tomar o seu lugar na banda e incentivando-a a continuar lutando por seus sonhos. Figurino e maquiagem assinalam a decisão de Jaqueline: veste-se mais à vontade, suas roupas já não têm a cor e a modelagem de antes; vemos ainda, em plano fechado, quando esfrega fortemente o algodão com acetona em suas unhas para retirar o esmalte, que ela já não precisa ou deseja seduzir, querendo apenas abandonar o mundo da música e estar próxima da filha. Imagens de vídeos da internet trazendo o mundo real com seu esgoto a céu aberto, com seus canteiros de obras, com o descarte imposto pelo consumo contrastam diretamente com o universo mostrado pela visualidade estabelecida pela direção de arte para os brilhos, as cores, as luzes das casas de shows nas quais as personagens se apresentam e para os sonhos de Shelly. A fama, o amor, a cidade: tudo é descartável. Visitamos quatro universos completamente diferentes nos quais são claros os também diferentes caminhos percorridos pela direção de arte para participar na sua construção. Para contemplar a diversidade dos universos diegéticos de Trabalhar Cansa, Bruna Surfistinha, Tatuagem e Amor, plástico e barulho, escolhas muito particulares e específicas são realizadas. Os exemplos trazidos possuem, em comum, a busca pela verossimilhança, pela credibilidade, pelo estabelecer emoção, pelo servir de suporte à narrativa, pelo comunicar tempo e espaço, pelo caracterizar visualmente os personagens, indicando seu caráter, suas condições socioeconômicas; pelo cuidado em compor ambientes que também forneçam tais indícios, seja pelo detalhamento, seja pela simplicidade, seja pelo uso de metáforas. Metáforas visuais, caracterização dos personagens, ambientes que se transformam visualmente acompanhando as modificações psicológicas do personagem, ambientes contrastantes entre si; cenografias, texturas e cores exuberantes são algumas das peças do jogo estratégico utilizado pela direção de arte para desempenhar sua função de suporte da narrativa. Mercadinho de bairro, casa de encontros em São Paulo, apartamento de luxo, cabaré-teatro, casa de show de música brega na periferia de Recife e quartel são ambientes que cumprem sua missão: convidam o espectador para neles entrar e sentir os temores de Helena, a determinação e a ambição de Raquel/Bruna, a 110

irreverência e a ironia do grupo Chão de Estrelas, a felicidade de Shelly em seus sonhos e a decepção de Jaqueline em seu canto a capella. Sensações de estranhamento, de asco, de alegria, de tristeza e decepção, de desconforto são provocadas pelo resultado do trabalho da direção de arte articulando-se com a direção e a direção de fotografia. Esse tripé da visualidade, em conjunto com o desenho de som e com a montagem, constrói momentos que são detalhadamente planejados de modo a fazer com que o espectador se emocione, sinta medo, alegria, compaixão. Movimentos lentos acompanhando Helena com a marreta, mostrando seu caminhar enquadrando apenas os pés e parte do objeto em um ambiente de cor fria, com a luz rebaixada, são um exemplo de como esse trabalho conjunto pode estabelecer uma atmosfera de suspense e despertar diferentes sensações em diferentes espectadores. A câmera entra lentamente em um ambiente pobre, mostra em detalhe um pedaço de papelão no qual se lê “R$ 20,00” e segue por um corredor estreito onde há uma fila formada por onze homens à espera de Raquel/Bruna, que abre a porta do quarto e diz “o próximo”; a montagem que mostra como a jovem se droga antes de atender a cada um deles e a maquiagem que acentua seu esgotamento físico desencadeiam diferentes emoções no espectador. A câmera solta, inserida no espetáculo final do Chão de Estrelas conduz o espectador para dentro da cena em meio a toda a cor, brilho e luzes do lugar, tornando-se mais um membro do público, que canta e dança. Da mesma forma, a câmera com seus enquadramentos, as luzes, os brilhos, a trilha, o ritmo impresso pela montagem, convidam o espectador a participar do sonho de Shelly no interior do ônibus. Estratégias, jogos e articulações são estabelecidos; épocas passadas são mostradas carregadas de significado; é clara a integração do trabalho do tripé da visualidade; há uma cuidadosa preocupação com a verossimilhança. Aspectos como esses indicam que o trabalho da direção de arte nesses filmes demonstra um melhor entendimento da função e, consequentemente, uma melhor utilização do seu potencial narrativo, dramático, simbólico e estético. REFERÊNCIAS BUTRUCE, Débora Lúcia Vieira. A direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação em Comunicação, Imagem e Informação, UFF, Niterói, 2005. ETTEDGUI, Peter. Diseño de Producción y Dirección Artística. Barcelona: Océano, 2001.

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JACOB, Elizabeth M. Um lugar para ser visto: a direção de arte e a construção da paisagem no cinema. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação em Comunicação, Imagem e Informação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006. LO BRUTTO, Vincent. The Filmmaker’s Guide to Production Design. Nova York: Allworth Press, 2002. VARGAS, Gilka Padilha de. Direção de arte: um estudo sobre sua contribuição na construção dos personagens Lígia, Kika e Wellington do filme Amarelo manga. Dissertação de Mestrado, Pósgraduação em Comunicação Social, PUC-RS, Porto Alegre, 2014.

GILKA VARGAS é bacharel em Psicologia (PUC-RS) e Artes Plásticas (UFRGS), mestre em Comunicação Social (PUC-RS), além de licenciada em Artes Visuais (UFRGS). Também atua como diretora de arte, pesquisadora e educadora.

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Amor, plástico e barulho (Renata Pinheiro, 2015), direção de arte de Dani Vilela

Bruna Surfistinha (Marcus Baldini, 2011), direção de arte de Luiz Roque

Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013), direção de arte de Renata Pinheiro

Trabalhar cansa ( Juliana Rojas e Marco Dutra, 2011), direção de arte de Fernando Zuccolotto

Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013), direção de arte de Renata Pinheiro

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VARGAS, Gilka. Reflexões sobre o trabalho da direção de arte: Trabalhar cansa, Bruna Surfistinha, Tatuagem e Amor, plástico e barulho. In: BUTRUCE, Débora e BOUILLET, Rodrigo (orgs.) CAIXA Cultural RJ. A direção de arte no cinema brasileiro. RJ. Catálogo. fev. 2017. p. 96-115.

ISBN: 978-85-93535-00-0

LINK PARA O CATÁLOGO NA INTEGRA: http://mostradirecaodearte.com.br/index.html

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