Reflexões sobre os Direitos Fundamentais no Mandado de Detenção Europeu

Share Embed


Descrição do Produto

Tânia Catarina Paiva Santos | Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Mestrado em Ciências Jurídico Criminais – Unidade Curricular: Direito Processual Penal, lecionada pelo Professor Doutor Pedro Caeiro | Ano letivo 2014/2015

Índice: 1- Introdução………………………………………………………………………………………………….P. 2 2- O princípio do Reconhecimento Mútuo e suas implicações 2-1- Compatibilização com o respeito pelos direitos fundamentais…………P. 3 a 8 3- A decisão-quadro 2002/584/JAI e os direitos fundamentais 3.1- Ausência da cláusula de não discriminação………………………………………P. 8 a 10 3.2- Que direitos fundamentais podem estar mais expostos no Mandado de Detenção Europeu?.......................................................................................P. 11 a 16 4- Caso Melloni………………………………………………………………………………………P. 16 a 20 5- A interpretação do art.º53 CDFUE……………………………………………………..P. 20 a 21 7- Conclusão…………………………………………………………………………………………..P. 21 a 22 Bibliografia……………………………………………………………………………………………P. 23 a 26 Anexos: - Proposta de Diretiva relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em tribunal em processo penal………………………………………………………………............................................P. 27 a 29 - Proposto de Diretiva relativa ao apoio judiciário provisório para suspeitos ou arguidos privados de liberdade e ao apoio judiciário em processos de execução de mandados de detenção europeus…………………………………………………………………………….……………….....P. 30 a 32 - Proposta de Diretiva relativa a garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal…………………………………………………………………P. 33 a 38 - Acórdão do Tribunal de Justiça de 26/02/2013 sobre Stefano Melloni…………………………………………………………………………………………………….P. 39 a 48 - Acórdão do Tribunal de Justiça de 29/01/2013 sobre Ciprian Vasile Radu...............................................................................................................P. 48 a 52

PÁGINA 1

1-

Introdução

Com o mandado de detenção europeu a celeridade e eficácia do processo de extradição, mostram uma inegável evolução, todavia, importa não descurar uma reflexão crítica, designadamente no que concerne à sua compatibilidade com os direitos fundamentais. Cumpre questionar se o reconhecimento mútuo em que se baseia o mandado de detenção europeu é um princípio que respeita a efetividade dos direitos fundamentais. Da decisão-quadro que institui o Mandado de Detenção Europeu constata-se a ausência de uma cláusula expressa de não discriminação, mas será que essa ausência revela alguma consequência ao nível da proteção dos direitos fundamentais? Pretende-se refletir quais os direitos fundamentais que, eventualmente, se podem mostrar mais expostos no regime do Mandado de Detenção Europeu. Configurará o mandado de detenção europeu um verdadeiro obstáculo à efetiva proteção dos direitos fundamentais do visado? Perante as diferentes concretizações da proteção dos direitos fundamentais por parte dos Estados-Membros, como solucionar esta falta de harmonização? Que nível de proteção cabe a estes direitos fundamentais em relação a estas divergências? No desenvolvimento da problemática em apreço mostra-se manifestamente relevante uma particular atenção na análise da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça no caso Melloni.

PÁGINA 2

2-

O princípio do Reconhecimento Mútuo e suas implicações

2.1- Compatibilização com o respeito pelos direitos fundamentais Em conformidade com o disposto no Conselho de Tampere1, o princípio do reconhecimento mútuo constitui a «pedra angular» do MDE. De acordo com o sistema instituído pela decisão-quadro 2002/584/JAI “toda e qualquer autoridade de um Estado-Membro com responsabilidades na área penal deve, em presença de um mandado de detenção europeu, reconhecer e executar o mesmo, sendo-lhe permitido apenas efetuar um controlo mínimo quanto à sua regularidade.”2 Todavia, tal não significa que não devem ser objeto de um devido controlo por parte das autoridades judiciárias dos Estados-Membros.3 A confiança é o núcleo essencial do princípio do reconhecimento mútuo4 no mandado de detenção europeu e implica a execução ipso jure das decisões estrangeiras levando à supressão do procedimento clássico da exequatur que

1

Disponível em http://www.europarl.europa.eu/summits/tam_pt.htm Cfr. Ponto 33 das Conclusões de Tampere. Cfr. Acórdão do STJ de 25-06-2009, processo n.º1087/09.6YRLSB.S1; Acórdão do STJ de 11-12-2008, processo n.º 3981/08; Acórdão do STJ de 23-05-2007, processo n.º1790/07; Acórdão do STJ de 0403-2009, processo n.º 685/09. 2 CABRAL, Pedro, “Bitter Swett Symphony: Em torno da validade da Decisão-Quadro 2002/584/JAI relativa ao mandato de detenção europeu”, 2008, disponível em: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=84043&ida=84107 Cfr. “O MDE rege-se, para além do respeito pelos princípios da confiança, cooperação mútua e celeridade, por um critério de suficiência, ou seja, o Estado da execução não deve precisar de mais informações do que aquelas que figuram no formulário pré-estabelecido, e também por uma eficiência de teor quase automático, na medida em que só em casos taxativamente limitados se possam erguer barreiras de inexecução.” Acórdão do STJ de 20/06/2012, processo n.º 445/12.3YRLSB.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cbbd7be3ef21a11e80257a99004e 6554?OpenDocument&Highlight=0,685%2F09 Cfr. O MDE “… procura garantir que a cooperação seja não apenas mais célere e eficaz como mais frequente, querendo-se em simultâneo reforçar a posição processual da pessoa alvo do mandado (…) proclamando-se ao lado do reconhecimento mútuo [no Preâmbulo da DQ] o respeito pelos direitos fundamentais da União (…)” COSTA, João Pedro Lopes, in “Temas de Extradição e Entrega”, 2015, Almedina Editora, P. 87. 3 GRAÇA, António Pires “O regime jurídico do mandado de detenção europeu”, 2014, Coimbra Editora, P. 9. Cfr. Ponto 42 do Acórdão do Tribunal de Justiça sobre o caso Radu. 4 Cfr. Acórdão do STJ de 27-04-2011, processo n.º 26/11.9YRGMR.S1 “Ainda que um dos EstadosMembros não possa tratar de uma determinada questão de forma igual ou análoga à forma como seria tratada no Estado interessado, os resultados serão equivalentes ás decisões do seu próprio Estado, ou seja, na medida do possível, o objetivo geral do reconhecimento mútuo é dar a uma decisão (final) um efeito pleno e direto em toda a União”

PÁGINA 3

determinava que o estado requerido só desse carácter executório a uma decisão estrangeira depois de indagar se satisfazia uma série de condições por si estabelecidas.5 Na esteira de António Pires da Graça, o reconhecimento mútuo é, portanto, o “denominador comum de confiança, respeito, e eficácia entre EstadosMembros.”6 Conforme se demonstra na interpretação do considerando n.º5 da decisão-quadro 2002/584/JAI a cooperação judiciária deve assentar num sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, segurança e justiça. Cumpre perquirir se as manifestações deste reconhecimento mútuo levam, de alguma forma, ao prejuízo dos direitos e garantias da pessoa alvo de mandado de detenção europeu, em benefício do securitarismo ou se, por outro lado, é perfeitamente compatível com a manutenção e respeito pelos direitos fundamentais. Ora, a confiança que fundamenta o reconhecimento mútuo baseia-se no art.º6 TUE que expressamente consagra que a UE reconhece os direitos e princípios enunciados na CDFUE e na CEDH e neles se firma. Todavia, esta questão não se mostra pacífica, sendo muito criticada pela doutrina. Mário Soltoski Júnior afirma mesmo que “a confiança mútua é que deve decorrer da existência do espaço judicial europeu, e este ainda resta construir, pois a

5

MATOS, Ricardo Jorge Bragança, “Princípio do Reconhecimento mútuo no Mandado de Detenção Europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 14, n.º 1 e 2, Janeiro – Junho, 2004, Coimbra Editora, P.347 e 348. Cfr. “La confianza recíproca, que constituye el fundamento de este principio, descansa en considerar ex ante que los sistemas jurídicos de los países miembros tienen un grado de respeto a los derechos fundamentales similar, por lo que debe renunciarse a cualquier tipo de comprobatión ex post o en el caso concreto.” MARTÍN, Adán Nieto “El concepto de orden público como garantia de los derechos fundamentales en la cooperación penal internacional” in “Los Derechos Fundamentales En El Derecho Penal Europeo”, 2010, Thomson Reuters, P.454. 6 Op. Cit. P.14 Cfr. O STJ tem enumerado três características que constituem o principio do reconhecimento mútuo “(…) o dever de executar as decisões tomadas por autoridades judiciárias estrangeiras; a limitação dos motivos de não execução; e a evolução das regras sobre a dupla incriminação.” CAEIRO, Pedro, FIDALGO, Sónia, in “Temas de Extradição e Entrega”, 2015, Almedina Editora, P. 179.

PÁGINA 4

confiança, no terreno, não se decreta”7, este autor vai mais longe e acrescenta que “é irreal imaginar que as autoridades judiciárias executarão o princípio do reconhecimento mútuo sem uma redução das divergências entre as legislações penais dos Estados-Membros.”8 Com efeito, a falta de harmonização das diversas legislações penais tem sido uma recorrente crítica da doutrina relativamente ao princípio do reconhecimento mútuo, uma vez que se entende correr o perigo de, no resultado dessa ausência de aproximação de legislações penais, se prejudique os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos no âmbito do mandado de detenção europeu.9 Poderá questionar-se se, estando os Estados-membros adstritos ao cumprimento dos direitos e princípios fundamentais enunciados, designadamente, no art.º6 TUE, e subordinados ao controlo jurisdicional do respeito pelos direitos fundamentais qual será a necessidade efetiva de harmonização10. Porém, a realidade prática mostra-nos os Estados-membros concretizam a proteção destes direitos de forma diferente uns dos outros, quiçá por imposição das suas tradições culturais e jurídicas. Tome-se como um dos muitos exemplos o sucedido com a Grécia no caso M.S.S.11 relativamente ao qual foi condenada por violação dos direitos humanos, revelando um dos (muitos)

7

Cfr. ALVES, António Luís dos Santos, “Mandado de detenção europeu: julgamento na ausência e garantia de um novo julgamento”, Revista do Ministério Público, Ano 26, Julho-Setembro, n.º103, P. 68 e seguintes. 8 JÚNIOR, Mário Elias Soltoski, “O controlo da dupla incriminação e o Mandado de Detenção Europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º3, Julho-Setembro 2006, Coimbra Editora. P. 483 e 484. Vide: “A afirmação da confiança mútua entre os Estados-membros ignora, ainda, a questão do alargamento da União Europeia, que introduziu novas diferenças no seu seio. Ou seja, a intensiva relação mantida entre o direito penal e as liberdades fundamentais justifica, em si, a recusa de todo o relaxamento de vigência entre os Estados-membros a título individual”, Op. Cit. P. 484. 9 Cfr. Relatório da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos com base no artigo 34.º da Decisão-quadro do Conselho de 13 de Junho de 2002 relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros de 22.9.2005 V.g. “ (…) subsistem, de facto, grandes diferenças entre os Estados-Membros quanto à severidade da escala das penas aplicáveis, não havendo um mínimo de harmonização. Estas diferenças foram sublinhadas por juristas que se manifestaram preocupados pela sua incidência sobre o funcionamento do MDE e, mais genericamente, sobre a confiança mútua indispensável num espaço judiciário comum.” 10 Cfr. RIVAS, Nicolás García, “La tutela de las garantias penales tras el tratado de Lisboa”, in “Los Derechos Fundamentales En El Derecho Penal Europeo”, 2010, Thomson Reuters, P. 110 e seguintes. 11 CASE OF M.S.S. v. BELGIUM AND GREECE, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-103050#{"itemid":["001-103050"]}

PÁGINA 5

exemplos de que o nível de proteção dos direitos fundamentais é desigual nos diversos Estados-membros. Na esteira de Pedro Caeiro, consideramos existir uma evolução dos esforços de harmonização, evolução visível principalmente até certa altura, todavia, revelando recentemente um certo “abrandamento em favor do princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais”, considerando o autor que o verdadeiro desafio consiste na “lubrificação dos mecanismos normativos e institucionais já existentes”12 Uma das manifestações mais evidentes deste princípio norteador revela-se na abolição parcial da dupla incriminação, sendo a interpretação que se pode retirar do art.º 2 n.º 2 da decisão-quadro 2002/584/JAI que foi transposto, integralmente, para o nosso art.º2 n.º2 da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, de onde consta um elenco de infrações que, por serem consideradas especialmente graves, não existirá controlo da dupla incriminação, desde que se tratem de infrações que sejam puníveis no Estado-Membro de emissão do mandado com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a três anos e, nesse caso, o Estado-membro a quem cabe executar o mandado de detenção europeu deixa de poder impor, como condição para proceder à entrega do visado pelo mandado, que os factos pelos quais o mesmo foi emitido constituam uma infração nos termos do seu próprio direito interno. Estes domínios de criminalidade revelam um certo consenso entre os Estados-Membros quanto à sua repressão por atingirem de forma tão desvaliosa os interesses fundamentais de cada estado.13 Porém, elucida Daniel Flore que esta abolição “não será tanto uma necessária decorrência da vigência do princípio do reconhecimento mútuo mas antes uma mera opção de carácter político e pragmático no sentido quer, por um lado, de facilitar a ação repressiva tida como essencial quer, por outro, de desenvolver determinado modelo de integração política da Europa.”14 Na discussão desta temática intensifica-se na doutrina a ideia de necessidade de

12

CAEIRO, Pedro, “Cooperação Judiciária na União Europeia”, 2009, Coimbra Editora. P.78 e 79. MATOS, Ibidem, Op. Cit. P. 350. 14 FLORE, Daniel apud MATOS, Ibidem, Op. Cit. P. 351 13

PÁGINA 6

harmonização das legislações penais, sendo um exemplo emblemático dado pela doutrina o caso da eutanásia, ora vejamos, se determinado crime couber numa das infrações previstas no elenco do n.º2 do art.º2 DQ podemos, hipoteticamente, considerar que um país que não veja determinado crime contra os seus valores se vai sentir “constrangido” a colaborar na aplicação de um mandado mesmo que não preveja aquela determinada conduta suscetível de aplicação de pena ou medida de segurança. A eutanásia se não tiver sido descriminalizado terá em abstrato cabimento no conceito de homicídio voluntário em conformidade com o disposto no n.º2 do art.º2 da DQ.15 De entre os críticos desta solução encontramos, designadamente, Ricardo Bragança de Matos para quem a existência de reconhecimento mútuo terá de ser precedida de um “esforço de harmonização de alguns aspetos do direito penal e do direito processual penal”, surgindo a harmonização para “atenuar o que de contraste existe nos diferentes sistemas jurídicos a fim de facilitar a implementação do reconhecimento mútuo de decisões proferidas na área penal”.16 Para Manuel Valente a simplificação e celeridade na cooperação quando baseada no reconhecimento mútuo, limita os poderes de controlo do mandado de detenção europeu pelas autoridades do estado de execução e comprime os direitos e garantias individuais que na tradicional extradição se propiciava.17 15

WEYEMBERGH, Anne, apud MATOS, Ibidem, Op. Cit. P.352 Cfr. SOLTOSKI JÚNIOR, Ibidem, Op. Cit. P.490 Cfr. Entre nós na alínea o), n.º 2 art.º 2 Lei 65/2003 de 23 de Agosto 16 MATOS, Ibidem, Op. Cit. P.352 e 353 Vide “A pretensão de harmonização deverá, ela própria, ser antecedida pela assunção de um padrão de critérios definidores do estado de harmonia visado (…) sem um esforço de harmonização legislativa o princípio do reconhecimento mútuo não passará de um instrumento destinado a facilitar o exercício da acção repressiva, sem lograr dar resposta aos problemas que o respeito pelas garantias e direito fundamentais colocam (…)” in MATOS, Ibidem, Op. Cit. P.365 Cfr. ROMERO, Marta Muñoz de Morales, “Deberes de motivación y de argumentación del legislador penal europeo en torno a los derechos fundamentales” in “Los Derechos Fundamentales En El Derecho Penal Europeo”, 2010, Thomson Reuters, P. 490 e seguintes. 17 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, “Do Mandado de Detenção Europeu”, Almedina Editora, 2006, P.121. Cfr. Anabela Miranda RODRIGUES “Na esteira de Anabela Miranda Rodrigues estamos perante “um «salto» na construção do espaço penal europeu que se acentua por inculcar uma marca mais securizante do que uma política criminal da liberdade” apud VALENTE, Op. Cit. P.32 Cfr. João Pedro Lopes COSTA considera que a harmonização, apesar de ser um “caminho louvável” a seguir, argumenta que não parece que estejamos “já num nível tal de proximidade que torne possível estender tais desideratos harmonizadores a áreas particularmente sensíveis do direito

PÁGINA 7

Mas, afinal, como devemos nós encarar este pretendido nivelamento, devemos, com o intuito de harmonizar as legislações penais, operar a um «nivelamento por cima» ou, pelo contrário, um «nivelamento por baixo»? Para Anabela Miranda Rodrigues o «nivelamento por baixo» prejudica os direitos e garantias fundamentais, incitando, a que se contente com um “menor denominador comum”18, insistindo numa orientação repressiva e securitária.19 Porém, é importante que se questione se será viável persistir na ideia de um «nivelamento por cima» no âmbito do mandado de detenção europeu. Importa interrogar se essa será a via mais adequada para um regime que se baseia no reconhecimento mútuo, isto é, se optarmos por defender um «nivelamento por cima» como podemos sustentar um verdadeiro reconhecimento mútuo? Antes de dar resposta a esta marcante questão cumpre fazer uma viagem, ainda que breve, pelo itinerário dos direitos fundamentais que mais se evidenciam no âmbito da efetiva problemática da compatibilidade com o Mandado de Detenção Europeu.

3- A decisão-quadro 2002/584/JAI e os direitos fundamentais 3.1- Ausência da cláusula de não discriminação O art.º14 CEDH e o art.º 21 CDFUE estabelecem a proibição de discriminação cuja conexão com o mandado de detenção europeu se pretende analisar. No decurso analítico da decisão-quadro, facilmente nos apercebemos de que a cláusula de não

penal, diretamente decorrentes das idiossincrasias socioculturais de cada Estado-Membro.” Acresce ainda que para este autor não há propriamente um nexo de causalidade entre o “carácter securitário que tem pautado o direito penal europeu emergente e à abolição parcial do controlo da dupla incriminação (…)” in “Temas de Extradição e Entrega, 2015, Almedina Editora, P. 107, 108 e 110. 18 WEYEMBERGH, apud RODRIGUES, Anabela Miranda in “O Mandado de detenção Europeu na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?”, 2009, Coimbra Editora, P.56 Vide “A tarefa a nível processual é tão mais importante quanto se tiver em conta a rápida evolução de novos métodos e técnicas de investigação e de vigilância que as novas tecnologias permitem. As diferenças entre Estados-membros tendem a acentuar-se”, Ibidem, Op. Cit. P.56 19 SOLTOSKI JÚNIOR, Ibidem, Op. Cit. P. 494 Cfr. PAIS, Ana Isabel Rosa, “A ausência de Controlo da Dupla Incriminação no âmbito da DecisãoQuadro relativa ao Mandado de Detenção Europeu.” Separata de ARS IVDICANDI Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume I, Coimbra 2009, P. 813. Cfr. RODRIGUES, Anabela Miranda para quem será de evitar uma ampliação «cega» do princípio do reconhecimento mútuo.

PÁGINA 8

descriminação não consta do articulado, ao contrário do que acontece na Convenção Europeia de Extradição de 1957 onde a referida cláusula está expressa no n.º2 do art.º3.20 Sucede que o parecer do serviço jurídico do Conselho de não consagração da cláusula de não-descriminação no articulado da decisão-quadro por entender que não se justificava vingou na decisão final do Conselho, acabando por gerar manifestações desta cláusula apenas nos pontos 10, 12 e 13 da decisão-quadro.21 Porém, pode questionar-se se a consagração de uma cláusula humanitária ou de não discriminação será efetivamente útil e necessária, desde logo, pela aplicação do art.º6 TUE que vincula os Estados-Membros ao respeito pelos direitos constantes da CEDH e CDFUE, por outro lado, pelo facto deste mecanismo se basear no reconhecimento mútuo. Apesar da ausência desta cláusula poderá recusar-se a execução de um mandado de detenção europeu com fundamento na violação dos elementos da cláusula de não-discriminação? Uma resposta avizinha-se óbvia. Na medida em que os considerandos da decisãoquadro oferecem elementos teleológicos de interpretação de todo o articulado da decisão-quadro, não faria sentido não levar na devida conta os elementos dos considerandos que, expressamente, referem a proibição de discriminação, designadamente, o considerando 12 cujo teor literal corresponde basicamente a uma cláusula de não-descriminação.22 Por outro lado, a decisão-quadro deixou aquilo que a doutrina tem designado de uma cláusula-aberta no n.º3 do art.º1 em que do seu conteúdo se alega poder retirar a informação que cabe aos estados-membros, querendo, a possibilidade de inscreverem nas suas ordens jurídicas internas, isto é, nas leis de transposição da decisão-quadro, como motivo de não execução obrigatória ou facultativa do 20

A cláusula está também prevista na Convenção de Dublin e na Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo. 21 VALENTE, Ibidem, Op. Cit. P. 324. 22 Considerando n.º12 da decisão-quadro 2002/584/JAI consagra claramente a proibição de interpretar as disposições que constam da decisão-quadro no sentido discriminatório, designadamente, em função do sexo, raça, religião, ascendência étnica, nacionalidade, língua, opinião política ou orientação sexual, proibindo expressamente que se mova mandado de detenção europeu para punir, lesar ou mover procedimento criminal contra alguém tendo na base da causa um destes motivos.

PÁGINA 9

mandado de detenção europeu a violação dos direitos fundamentais. Foi o que fez a Itália, cuja cláusula foi prescrita na alínea a) do art.º18 como motivo de não execução do mandado de detenção europeu. Portugal na lei de transposição da decisão-quadro, a Lei 65/2003 de 23 de Agosto fez um uso parcial da cláusula aberta do n.º3 do art.º1 da decisão-quadro 2002/584/JAI, isto é, utilizou-a no que concerne ao fundamento do mandado de detenção europeu por motivos políticos, uma vez que se traduzem em causas de recusa obrigatória de execução do mandado de detenção europeu, em conformidade com o disposto no art.º33/6 CRP e art.º11 alíneas d) e e) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto.23 No que diz respeito a este aspeto há, entre nós, até uma maior amplitude de proteção, no sentido em que de uma cláusula de não discriminação costuma encontrar-se a designação “opiniões politicas”, a nossa lei evidencia uma proteção mais ampla ao configurar o termo “motivos políticos”. Esta ideia de cláusula aberta constante do art.º 1 n.º3 da decisão-quadro não deixa de configurar parecer um tanto questionável pela sua dimensão literal, isto é, o facto de referir que a decisão-quadro 2002/584/JAI “não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia” ilustra, em nosso ver, uma posição do legislador pouco feliz. É evidente que nenhuma lei tem por fim limitar os direitos fundamentais. Por outro lado, será que se pode dizer, efetivamente, que esta disposição é ela em si uma “permissão” para os Estados-Membros incluírem nas suas leis internas de transposição como causa de recusa de um mandado de detenção europeu quando este configure violação de direitos fundamentais? Não nos parece que seja por esta disposição que se dá a “aprovação” para tal, se houvesse aqui essa “aprovação” não existiria desde logo aqui uma nascente de falhas para o reconhecimento mútuo? De qualquer forma, ainda que a cláusula de não discriminação não esteja prevista nem nas leis internas nem na decisão-quadro, a cláusula sempre constituirá um 23

De resto não se encontram mais manifestações desta cláusula, contrariamente, ao que sucede na Lei 144/99 de 31 de Agosto cuja cláusula de não descriminação está expressamente prevista na alínea c) do art.º6 como causa absoluta de recusa de extradição. Cfr. Acórdão do STJ de 05/07/2012, processo n.º 48/12.2YREVR.S1

PÁGINA 10

motivo de recusa legítimo do mandado de detenção europeu pois estamos aqui perante uma questão que lhe é anterior.24 Além disso, há que sublinhar a exigência do cumprimento do art.º 6 TUE que por si já exige o cumprimento da não discriminação. 3.2- Que direitos fundamentais podem estar mais expostos no Mandado de Detenção Europeu? A União Europeia reconhece os direitos da CEDH, seus Protocolos e os direitos emergentes da CDFUE25, como resulta de forma evidente no art.º 6 TUE. Pode estar em causa, desde logo, o direito ao respeito pela vida privada e familiar a que se refere o art.º8 CEDH e art.º 7 CDFUE, fundando-se uma eventual violação no facto de se estar a retirar determinada pessoa do seu território, impedindo-a de fixar livre residência e de, eventualmente, manter um vínculo com a sua família ou comunidade. Porém, o próprio artigo coloca reservas à interpretação deste direito, condicionando-o à verificação, por parte do Tribunal, de certos critérios tais como: a verificação de uma vida familiar a ser protegida que é desde logo critério sem o qual não se mostra sequer viável a análise dos seguintes critérios. Segue-se a verificação da existência de arbitrariedade na decisão, a necessidade e a proporcionalidade da medida, e ainda que estejam cumpridos todos estes requisitos deve ter-se também como condição a não verificação de descriminação do visado pelo Mandado de Detenção Europeu.26 O caso de El-Masri e o caso Cruz

24

É anterior porque “a garantia concreta do respeito pelos direitos fundamentais, enquanto base irrefutável da construção do espaço penal europeu, é pressuposto da confiança recíproca em que tal princípio se ancora.” In MATOS, Ibidem, Op. Cit. P.362. 25 O art.º 52 n.º3 CDFUE “visa garantir a coerência necessária entre a Carta e a CEDH (…) incluindo as restrições admitidas, são iguais aos previstos pela CEDH. Daí resulta, (…) que, ao impor restrições a esses direitos, o legislador deve respeitar exatamente as normas estabelecidas pelo regime de restrições previsto pela CEDH, que passam assim a ser aplicáveis aos direitos a que este número diz respeito, sem que tal atente a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia.” RAMOS, Rui Manuel Gens de Moura, In “Anotações à Carta dos Direitos Fundamentais”, Coimbra Editora, 2011, P.283. 26 Cfr. “ (…) o princípio da proporcionalidade, em matéria de limitação dos direitos fundamentais, pressupõe a estruturação de uma relação meio-fim, na qual o fim é o objetivo ou finalidade perseguida pela limitação e o meio é a própria decisão normativa, legislativa ou judicial, limitadora que deve ser proporcional, racional, não excessiva, não arbitrária. Isso significa que entre meio e fim deve haver uma relação adequada, necessária e racional ou proporcional.” STEINMETZ, Wilson Antônio, in “Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade”, 2001, Livraria do Advogado Editora, P.149.

PÁGINA 11

Varas são casos emblemáticos de decisões em que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou existir a violação deste direito.27 Talvez derivado da exigência cumulativa destes requisitos não se verifica com frequência Jurisprudência de onde conste a violação a este direito, além disso é de sublinhar que este direito admite reservas.28 O art.º5 CEDH e art.º 6 CDFUE trata do direito à liberdade e à segurança, sendo certo que temos de dar atenção às especificidades da alínea f), este direito evidencia a responsabilização do estado quanto aos métodos de entrega da pessoa que é procurada. Aqui, mais uma vez, revela-se de enorme importância a ponderação a fazer sobre a arbitrariedade da medida, neste caso, da detenção.29 Importa ainda realçar que estes direitos só podem ser restringidos nas situações a que se refere o art.º 15 CEDH, como é o caso por exemplo de “guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação” na estrita medida do necessário, conforme a conjugação das disposições em apreço. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já considerou existir violação deste direito, nomeadamente, nos casos Iskandarov e El-Masri.30 Numa atenção cuidada da CEDH e dos seus Protocolos, assume-se controverso delimitar a amplitude do direito consagrado no art.º3 CEDH e art.º 19 n.º 2 CDFUE relativo à proibição de tortura, tratamentos desumanos ou degradantes, designadamente no que diz respeito à amplitude de interpretação possível ao

Cfr. “ (…) corolário del principio de proporcionalidade significa que los médios no pueden estar fuera de toda relación a la vista del fin perseguido, incluso si non adecuados para su consecución (idoneidad) o no existe un medio alternativo menos gravoso (necessidade).” HERNARES, Manuel Portero “Principio de efectiva protección de bienes jurídicos: derecho penal europeo y principio de proporcionalidad” in “Los Derechos Fundamentales En El Derecho Penal Europeo”, 2010, Thomson Reuters, P.322. 27 Disponível, respetivamente, em http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001115621#{"itemid":["001-115621"]} e http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=00157674#{"itemid":["001-57674"]} 28 Cfr. ALVES, Jorge de Jesus Ferreira, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada e Protocolos Adicionais anotados”, Legis Editora, 2008, P. 180 e seguintes. 29 Cfr. ALVES, Ibidem, Op. Cit. P.45. O autor especifica claramente que relativamente às condições de detenção esta não pode ser arbitrária, não bastando para isso que seja legal, deve ainda ser necessária, sendo certo que “as autoridades não podem utilizar estratagemas para deter ninguém.” 30 Consulta do texto integral disponível, respetivamente, em http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-100485#{"itemid":["001-100485"]} e http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-139035#{"itemid":["001-139035"]}

PÁGINA 12

conceito “tratamentos desumanos ou degradantes”. Desde logo convém sublinhar que estamos perante um direito absoluto e por isso não podem ser derrogados, conforme se evidencia pela interpretação do art.º 15 n.º 2 CEDH. Tomemos como exemplo o Caso Soering31, em que o TEDH considera existir violação do art.º3 não pela pena de morte em si (uma vez que o Reino Unido não ratificou o protocolo n.º6) mas por considerar derivar daquilo que tem vindo a ser designado por «síndrome do corredor da morte» um tratamento que viola a disposição do art.º3 CEDH, sendo considerado um tratamento incompatível com este direito. Deste caso podemos retirar importantes conclusões para a delimitação da amplitude do que é considerado “tratamentos desumanos ou degradantes”. Repare-se na ideia de «proteção ricochete»32 dos direitos e garantias fundamentais, em que por inerência à extensão deste direito se protegem outros direitos ainda que não escritos, ou seja, por «ricochete».

31

Disponível em http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=00157619#{"itemid":["001-57619"]} Em 1986 os EUA pediram a extradição ao Reino Unido de Soering, alemão, para ser julgado na Virgínia pelo crime de homicídio. Soering foi detido e posteriormente acusado de assassinato, punido com pena de morte. Antes da entrega o Reino Unido solicitou aos EUA a prestação de garantias de que a pena capital não seria aplicada ao caso concreto. Todavia, em 1987 o Estado Alemão fez igualmente um pedido de extradição de Soering, ao qual os britânicos responderam dizendo que já existia um pedido a ser processado. Entretanto, em 1988, os EUA prestaram a garantia pedida de não aplicar a pena capital e a entrega ocorreu em 1989. Mas, antes da entrega a questão foi suscitada ao TEDH que decidiu, unanimemente, que a decisão de extradição violava o art.º3 CEDH baseado nos seguintes fundamentos: 1Apesar do Reino Unido não ter ratificado o protocolo n.º6 que prevê a abolição da pena de morte, o TEDH argumentou que um estado parte da convenção não pode entregar a pessoa reclamada ao estado requerente quando a decisão de extradição comporte risco para os direitos garantidos pela convenção, ora, no caso concreto Soering uma vez que podia ser condenado a pena de morte corria o risco de ser sujeito ao sofrimento profundo e prolongado próprio do «síndrome do corredor da morte» agravado pela idade e estado mental mostrando-se assim um tratamento contrario ao art.º3 CEDH. 2Por outro lado, uma vez que havia a possibilidade de extradição para a Alemanha onde não há pena de morte, mostrava-se um meio mais viável para atingir o fim legítimo da extradição, evitando o risco do tratamento desumano, impedindo, além do mais, a situação de impunibilidade. Cfr. ALVES, Ibidem, Op. Cit. P. 30, V.g. “O sofrimento pode ser físico ou psicológico”. Neste sentido também o Acórdão Cruz Varas c. Suécia de 20/03/1991. Cfr. MARTÍN, Ibidem, Op. Cit. P.461 e seguintes. 32 Expressão de SUDRE, Frédéric apud VALENTE, Ibidem, Op. Cit. P.333.

PÁGINA 13

Outro aspeto a considerar é o facto de também caber ao estado de execução 33 a proteção dos direitos e garantias fundamentais, ser alvo de responsabilização dos Estados, mostrando-se assim que o respeito pelos direitos fundamentais não se efetua apenas e só na medida em que contra eles não se atentam, mas sim também na medida em que não se adotam atitudes e atitudes corretas para a efetiva proteção dos direitos fundamentais. Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira34 compete ao Estado não apenas uma “postura abstencionista de não ingerência” mas também faz parte do dever de cada Estado o cumprimento de “tarefas positivas na garantia dos direitos fundamentais”, ou seja, “não basta uma atitude passiva de sujeição, é necessária uma postura ativa para os fazer valer”. Atente-se ainda à atuação do TEDH antes da concreta violação, o que se mostra, obviamente, a via mais benéfica para a proteção dos direitos fundamentais. Na esteira de Serge de Biolley35 não é aceitável que um processo que assenta no reconhecimento mútuo faça um controlo à posteriori pelo TEDH sobre o respeito dos direitos fundamentais. O último aspeto a salientar, mas não menos importante, prende-se com a verificação do princípio da proporcionalidade na decisão de extraditar tendo em vista a melhor proteção dos direitos fundamentais, o juízo da possibilidade de extradição para a Alemanha onde não há pena de morte, mostrava-se no caso Soering, um meio mais viável para atingir o fim legítimo da extradição, evitando o risco do tratamento desumano, impedindo, proporcionalmente, que o crime não ficasse impune. Neste âmbito de entendimento, Garcia de Enterria vê na agressão do princípio da proporcionalidade um motivo de não extradição, para este autor é possível recusar a extradição “com fundamento na desproporção entre a extradição para determinado país em certas circunstâncias e a existência efetiva

33

Não obstante o caso Soering não dizer respeito ao mandado de detenção europeu, diz respeito à extradição e sua compatibilização com os direitos fundamentais em si, interpretada pelo TEDH, é Jurisprudência que releva nas reflexões que temos vindo a tecer. 34 CANOTILHO, J. J. Gomes, MOREIRA, Vital, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, P.277 Cfr. ALVES, Ibidem, Op. Cit. P. 30 a 42. Neste sentido Acórdão Marckx c. Bélgica de 13/06/1979. 35 BIOLLEY, Serge apud VALENTE, Ibidem, Op. Cit. P.329

PÁGINA 14

de outro meio de atender ao fim legítimo do pedido de extradição”36. Posição defendida precisamente no âmbito do caso Soering. O Direito a um processo justo e equitativo previsto no art.º6 CEDH37 e art.º 47 e 48 n.º 1 e n.º2 CDFUE é outro farol que deve orientar o mandado de detenção europeu. Será de reconhecer, contudo, os crescentes esforços na evolução de concretizações legislativas europeias no sentido de proteger estes direitos, por exemplo, a Directiva 2010/64/UE relativa aos direitos de interpretação e à tradução no âmbito do processo penal e do processo de execução de um mandado de detenção europeu; Directiva 2012/13/UE relativa ao direito à informação; Directiva 2013/48/UE relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com autoridades consulares. E ainda os projetos de Diretivas já em curso quanto à presunção de inocência, quanto as garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal e ainda a proposta de Diretiva relativa ao apoio judiciário provisório para suspeitos ou arguidos privados de liberdade e em processo de execução de mandados de detenção europeus.38 É relativamente aos direitos processuais que o reconhecimento mútuo pode assumir mais controvérsias, aqui se impõe uma reflexão ainda maior. Os contornos relativos a este direito no mandado de detenção europeu, é um dos aspetos que mais tem merecido a atenção de críticas no seio da doutrina, designadamente, Anabela Rodrigues para quem “é preciso equacionar a proteção

36

ENTERRIA, Eduardo Garcia apud SERRANO, Mário Mendes in “Cooperação Internacional Penal”, Volume I, Centro de Estudos Judiciários, 2000, P.42 37 O direito a um processo justo e equitativo consagrado pelo art.º6 CEDH, em linhas breves, estabelece o direito de qualquer pessoa a uma decisão num prazo razoável, o direito a ser informado em língua que entenda sobre a acusação que contra si se move e sobre os demais aspetos, à presunção de inocência, a um defensor, a um intérprete se não compreender ou não falar a língua usada no processo, entre outros direitos que influam na base de um verdadeiro processo justo e equitativo. Cfr. ALVES, Ibidem, Op. Cit. P.72 e seguintes. Cfr. Acórdão do STJ de 10/11/2011, processo n.º 763/11.8YRLSB.S1. 38 Consulta integral disponível em http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoesinternacionais/eventos/consultas-publicas/uniao-europeia-proposta_2/

PÁGINA 15

dos direitos fundamentais ao nível das garantias processuais e do seu controlo jurisdicional. Défice que o mandado de detenção europeu (…) põe a descoberto.”39 Os direitos emergentes do art.º6 CEDH são direitos que em via de regra não podem ser derrogados, à exceção do necessário se estivermos perante caso a que o art.º 15 CEDH se reporta. Veja-se, por exemplo, o caso Radu em que o Tribunal de Justiça conclui pela não violação dos direitos de defesa, indo inclusive mais longe, defendendo que no âmbito do Mandado de Detenção Europeu se deve até restringir estes direitos em via da maior eficácia do regime.40 O caso Melloni veio a ser um poderoso contributo nas reflexões em apreço pelo que se justifica uma especial atenção ao caso.

4- O Caso Melloni O caso Melloni coloca holofotes na questão de saber se as disposições relativas à decisão-quadro 2002/584/JAI se encontram em plena conformidade e compatibilidade com os direitos fundamentais assegurados pela CEDH e pela CDFUE, centrando a sua atenção, essencialmente, na averiguação da amplitude do direito a um processo efetivo e equitativo nas disposições desenhadas pela decisão-quadro. Convém relembrar que a decisão-quadro 2002/584/JAI antes da alteração produzida pela decisão-quadro 2009/299/JAI, continha uma certa imprecisão relativamente ao seu art.º5 n.º1, que deixava a descoberto uma certa falta de 39

RODRIGUES, Anabela Miranda, “O mandado de detenção europeu – na via da construção de um sistema penal europeu”, Coimbra Editora,2009, P. 47. 40 Ciprian Vasile Radu alegou, entre outros, a violação do direito de ação e à presunção de inocência, inerente a um processo equitativo, defendendo que os mandados de detenção europeus foram emitidos sem ter sido dada a possibilidade a Radu de ser ouvido antes da emissão pelas autoridades judiciárias de emissão, em violação dos artigos 47.° e 48.° da Carta e do artigo 6.° da CEDH. Todavia, o tribunal concluiu que a circunstância de o mandado de detenção europeu ter sido emitido sem que a pessoa procurada tenha sido ouvida pelas autoridades judiciárias de emissão não figura entre os motivos de não execução do mandado. O tribunal vai mais longe e defende que se deve reconhecer que impor às autoridades judiciárias de emissão a obrigação de ouvirem a pessoa antes de se emitir o mandado colocaria em risco o próprio sistema de entrega previsto pela Decisão‑Quadro 2002/584. O Tribunal de Justiça defende, inclusive, que deve existir um certo efeito surpresa, designadamente, para evitar os riscos de fuga da pessoa visada e com isso comprometer a eficácia do mandado de detenção europeu. Documento integral disponível em Disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=132981&doclang=PT

PÁGINA 16

harmonização o que influía na decisão de executar um Mandado de Detenção Europeu.41 Porém, com as alterações introduzidas pela decisão-quadro 2009/299/JAI veio a se clarificar os casos em que, não obstante a ausência do arguido no julgamento, não é permitido, por parte do Estado-Membro de execução a sujeição a garantias de um novo julgamento no estado de emissão ou de um recurso como condição de execução de um mandado de detenção europeu. Essa alteração afigura-se no novo art.º 4 –A, introduzido pela decisão-quadro 2009/299/JAI, tendo por objetivo precisar os motivos comuns que permitem à autoridade de execução executar a decisão apesar da não comparência da pessoa no julgamento, no pleno respeito dos direitos de defesa.42 Com a supressão do art.º5/1, e com a introdução deste novo art.º4 –A pretendeuse facilitar a cooperação judiciária, ao melhorar o reconhecimento mútuo das decisões judiciárias entre os estados, através de uma harmonização de quatro exceções que privam a autoridade judiciária de execução da possibilidade de recusar a execução do mandado de detenção europeu em causa, mesmo que o arguido tenha estado ausente.43 Esses motivos, constantes do art.º 4-A prendemse, essencialmente, com o facto de a pessoa ter sido atempadamente notificada de forma a deixar inequivocamente claro que tinha conhecimento do julgamento e de que a decisão podia ser proferida ainda que não estivesse presente ou no caso de ter conferido mandado a um defensor e tenha efetivamente sido representado por esse defensor no julgamento.

41

Este estabelecia a possibilidade de um Estado-Membro de execução condicionar a execução de um mandado de detenção europeu perante a existência de garantias consideradas suficientes, por parte do estado de emissão, de que nos casos em que a decisão de cumprimento de uma pena ou medida de segurança tivesse sido emitida na ausência do arguido e a pessoa não tivesse sido regularmente notificada da data da audiência que estabeleceu a decisão proferida na ausência, seria assegurada a essa pessoa a possibilidade de requerer um novo julgamento no Estado-Membro de emissão ou de interpor um recurso. Cfr. ALVES, António Luís dos Santos, “Mandado de detenção europeu: julgamento na ausência e garantia de um novo julgamento”, Revista do Ministério Público, Ano 26, Julho-Setembro, n.º103, P. 65 e seguintes. 42 Ponto 4 do Acórdão Melloni. Disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=134203&doclang=PT 43 Ponto 40 e 43 Acórdão Melloni Cfr. Considerandos 2 a 4 da decisão-quadro 2009/299/JAI e art.º4 –A.

PÁGINA 17

O interessante caso de Stefano Melloni44 dá-nos conta, pelo Tribunal de Justiça, de três respostas que se mostram manifestamente relevantes no âmbito do desenvolvimento da presente problemática: 1.ª – O art.º 4 –A impede as autoridades judiciárias de sujeitarem a execução do Mandado de Detenção Europeu à condição de um novo julgamento ou recurso? 2.ª – Se impede, o art.º 4 –A é compatível com o direito de ação e com o direito a um processo equitativo ? (em conformidade com os arts.º 6 CEDH, 47 e 48 CDFUE) 3.ª – Mesmo sendo compatível, poderá um Estado-Membro afastar o direito da União e aplicar o seu direito interno entendendo que é o menos lesivo e restritivo dos direitos fundamentais em conformidade com a interpretação do art.º 53 CDFUE?

44

A Itália emitiu um mandado de detenção europeu contra Melloni que se encontrava em Espanha, em 1996 a Espanha declarou que se justificava a extradição de Melloni para Itália. Todavia, depois de ter pago caução Melloni fugiu e não chegou a ser entregue as autoridades italianas. Em 1997 Melloni não compareceu no julgamento e, por isso, o tribunal italiano ordenou que as notificações passassem a ser feitas aos advogados designados por Melloni. Em 2000 Melloni foi condenado à pena de dez anos de prisão, sem ter estado presente no julgamento, por crime de falência fraudulenta. Em 2004 foi negado recurso e posteriormente emitido o mandado de detenção europeu para a execução da pena proferida pelo tribunal italiano e Melloni foi detido em 2008 pela polícia espanhola. Melloni opôs-se à sua entrega, defendendo que, na fase de recurso tinha designado outro advogado e revogado o mandado dos anteriores advogados por si designados mas que estes continuaram a ser notificados dos atos relativos ao caso. Argumentou ainda que a lei processual italiana não prevê a possibilidade de se interpor recurso das condenações proferidas na ausência do arguido no julgamento e, em consequência disso, a execução do mandado devia estar subordinada à condição de Itália garantir a possibilidade de se interpor recurso do acórdão que o condenou. Melloni interpôs recurso para o Tribunal Constitucional Espanhol alegando a violação do conteúdo essencial do seu direito a um processo equitativo consagrado no art.º24 n.º2 da Constituição Espanhola, por ter sido permitida a extradição para um estado que, em caso de crime muito grave, valida as condenações proferidas na ausência do arguido, sem subordinar a entrega da pessoa condenada à condição de ela poder impugnar essa condenação a fim de salvaguardar os seus direitos de defesa. O Tribunal Constitucional Espanhol decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia as seguintes questões prejudiciais: - O art.º4 – A deve ser interpretado no sentido de impedir as autoridades judiciais nacionais de sujeitar a execução do mandado à condição de a condenação poder ser objeto de novo julgamento ou de recurso a fim de garantir os direitos de defesa da pessoa alvo do mandado? - O art.º4 –A é compatível com o direito a um processo equitativo previsto no art.º47 e 48/2 da CDFUE? - O art.º53 da CDFUE permite conferir um nível de proteção mais elevado do que aquele que decorre do direito da União Europeia a fim de impedir uma interpretação que limite ou lese um direito fundamental reconhecido pela Constituição Espanhola? Acórdão integral disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=134203&doclang=PT

PÁGINA 18

Quanto à primeira pergunta o Tribunal Judicial entendeu que o art.º4 -A da decisão-quadro 2002/584/JAI deve ser interpretado no sentido de que não permite que a autoridade judiciária de execução, nos casos indicados nessa disposição, condicionar a efetiva execução do mandado de detenção europeu emitido com a finalidade de cumprimento de uma pena à condição de a condenação que foi proferida na ausência do arguido no julgamento poder ser revista no EstadoMembro de emissão.45 Quanto à segunda questão o tribunal concluiu que o art.º4 –A é perfeitamente compatível com as exigências que resultam dos art.º47 e 48 n.º2 da CDFUE, sendo certo que o direito a que estas disposições se reportam não é absoluto e o arguido pode renunciar a esse direito expressa ou tacitamente. Ora, no caso, Melloni, não obstante a sua ausência do julgamento, as notificações foram feitas aos seus advogados pelo próprio Melloni designados, consubstanciando desta forma o preenchimento do disposto no art.º4 –A quanto às exceções que retiram ao Estado-Membro de execução a viabilidade de sujeitar a execução do mandado á condição de admissão de recurso ou novo julgamento, conforme consta da disposição. A interpretação feita pelo Tribunal de Justiça é congruente com a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem46, sendo perfeitamente, compatível com as exigências que derivam de um direito de ação efetivo e o direito a um processo equitativo. Além do mais, atente-se ao facto de que não é linear que um julgamento na ausência do arguido esteja sempre violar os dos direitos de defesa, este é um direito que admite reservas, neste caso, Melloni claramente não tinha o seu direito violado. Quanto à terceira questão prejudicial, o Tribunal entende que deve ser evitada a interpretação de que o art.º 53CDFUE permite sempre a aplicação do nível de proteção mais elevado, sendo certo que decidiu rejeitar a aplicação do direito

45

Ponto 35 a 46 do Acórdão Melloni. Cfr. Ponto n.º 34, 35 e 36 do Acórdão Radu, disponível http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=132981&doclang=PT 46 V.g. Ponto 50 Acórdão Melloni.

em

PÁGINA 19

interno Espanhol, ainda que direito Constitucional por considerar que com isso se estaria a violar o princípio do primado do direito da União.47 5- A interpretação do art.º53 CDFUE A interpretação deste artigo é alvo de particulares divergências doutrinais, há autores48 que consideram que o art.º53 CDFUE expressamente prevê o nível de proteção mais elevado, defendendo que este artigo permite afastar todo o direito que se mostre lesivo ou restritivo dos direitos fundamentais aplicando o que em cada caso concreto se mostrar mais protetor, consagrando assim, o nível de proteção mais elevado. Outros autores49, defendem que o que está subjacente ao art.º 53 CDFUE é o princípio do primado do direito, sendo certo que este princípio não impede que se possa aplicar os níveis de proteção consagrado no direito interno dos Estados-Membros, esse pode ser aplicado na medida em que não comprometer o princípio do primado do direito da União e a sua interpretação dada à Carta. Se fosse sempre permitido, em qualquer circunstância, aos EstadosMembros a aplicação do seu direito interno, segundo o Tribunal de Justiça, estaríamos a comprometer a eficácia do direito da União naquele território.50

47

Cfr. RIVAS, Ibidem, Op. Cit. P. 107 a 110. Como é o caso de Leonard Besselink, Maria Luísa Duarte e Fausto Quadros. CORREIA, Pedro Miguel Alves Ribeiro; Jesus, Inês Oliveira Andrade, “O princípio do nível de proteção mais elevado: análise do artigo 53 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à luz do acórdão Melloni”, 2014, Estudios Constitucionales, año 12, n.º2, P.288 e seguintes. Segundo os defensores deste princípio, no caso de colisão de direitos o art.º53 atua como uma “verdadeira norma de conflitos” e manda aplicar os preceitos que forem mais protetores no caso concreto, e deste modo é assegurada uma proteção mais elevada, garantindo a tutela mais favorável dos direitos fundamentais, sendo certo que a carta só seria aplicada quando garantisse uma maior proteção dos direitos fundamentais. Correia, Ibidem, Op. Cit. P. 288 49 Designadamente Ingolf Pernice, Jonas Liisberg, Erich Vranes e Joseph Weiler. Defende-se que os princípios do primado, integridade, uniformidade, unidade, e eficácia da UE não podem ser submetidos para segundo plano com vista a favorecer o nível de proteção mais elevado. Correia, Ibidem, Op. Cit. P.288. Cfr. A UE representa “uma mais-valia constitucional e democrática face ao constitucionalismo nacional, revelando um superavit democrático ou um valor democrático acrescentado” Miguel Poiares MADURO apud Correia, Ibidem, Op. Cit. P.277. Cfr. “O facto de os três instrumentos jurídicos por que se dispersa o estatuto jurídico-político fundamental da UE (TUE, TFUE, CDFUE) também regularem as mesmas questões que qualquer constituição estadual regula, longe de induzirem a sua natureza constitucional, refletem-na.” Nuno PIÇARRA apud Correia, Ibidem, Op. Cit. P.279. 50 V.g. Pontos 55 a 64 do Acórdão Melloni. 48

PÁGINA 20

Ou seja, podem, todavia, ser aplicados os níveis de proteção dos direitos fundamentais por parte dos Estados-Membros “desde que essa aplicação não comprometa o nível de proteção previsto na Carta, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União”.51 É evidente que o princípio do primado do direito da União busca uma harmonização entre os Estados-Membros, e sendo certo que a base do mandado de detenção europeu é o princípio do reconhecimento mútuo, o princípio do primado do direito da União é, em nosso entendimento, a via mais promissora a ser seguida.

7- Conclusão É evidente que pode existir recusa de execução do mandado com fundamento na violação dos direitos fundamentais do visado pelo mandado, uma vez que se trata de uma proteção que faz parte integrante da própria União conforme estabelece nas suas disposições, designadamente no art.º6 TUE. Porém, nem todos os direitos são absolutos e permitem restrições na medida em que se mostrarem proporcionais, necessárias, adequadas e respeitem o núcleo duro de cada direito fundamental. Portanto, a viabilidade de rejeição de um mandado de detenção europeu terá de se encontrar na análise do caso concreto, mediante a ponderação específica que os interesses assumirem e perante a prova concreta dos direitos violados. A Jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tem revelado um forte contributo no fornecimento de elementos interpretativos na busca de uma concretização caso a caso do que mais se revela paradigmático na doutrina. Havendo conflitos derivado de diferentes amplitudes de proteção dos direitos fundamentais, no que ao Mandado de Detenção diz respeito devemos optar pela via do primado do direito da União sendo um elemento essencial e imprescindível na aproximação de legislações penais. O primado do direito da União não só nos 51

Ponto 60 do Acórdão Melloni.

PÁGINA 21

conduz à harmonização como configura um elemento essencial para a proteção da base em que assenta o mandado de detenção europeu, um ativo e necessário princípio do reconhecimento mútuo. Na busca de uma proteção sólida e uniforme dos direitos fundamentais, esta interpretação que reconhece e protege os direitos fundamentais, fortalece o reconhecimento mútuo e por isso melhora o próprio regime do Mandado de Detenção Europeu.

“A eficácia da justiça é também um valor que deve ser perseguido mas, porque numa sociedade livre e democrática os fins nunca justificam os meios, só será louvável quando alcançada pelo engenho e arte, nunca pela força bruta, pelo artifício ou pela mentira, que degradam quem as sofre, mas não menos quem as usa” (Germano Marques da Silva)

PÁGINA 22

Bibliografia - Alves, António Luís dos Santos, “Mandado de detenção europeu: julgamento na ausência e garantia de um novo julgamento”, Revista do Ministério Público, Ano 26, Julho-Setembro, n.º103. - Alves, Jorge de Jesus Ferreira, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada e Protocolos Adicionais Anotados – Doutrina e Jurisprudência”, 2008, Legis Editora; - Bucho, José Manuel da Cruz; Serrano, Mário Mendes; Pereira, Luís Silva; Azevedo, Maria da Graça Vicente. “Cooperação Internacional Penal”, 2000, Volume I, Centro de Estudos Judiciários; - Caeiro, Pedro, “A cooperação Judiciária na União Europeia”, 2009, Coimbra Editora; - Caeiro, Pedro; Souza, Eduardo Emanoel Dall’Agnol de Sousa; Costa, João Pedro Lopes; Figueiredo, José Miguel; Costa, Miguel João; Oliveira, Rafael Serra; Fidalgo, Sónia; “Temas de Extradição e Entrega”, 2015, Almedina Editora. - Cabral, Pedro, “Bitter Sweet Symphony: em torno da validade da decisão-quadro 2002/584/JAI relativa ao Mandado de Detenção Europeu”, 2008. Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2009,

Ano 69 - Vol. I/II, disponível em:

http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=8404 3&ida=84107 - Canotilho, J. J. Gomes; Moreira, Vital, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 2007, Coimbra Editora. - Correia, Pedro Miguel Alves Ribeiro; Jesus, Inês Oliveira Andrade, “O princípio do nível de proteção mais elevado: análise do artigo 53 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à luz do acórdão Melloni”, 2014, Estudios Constitucionales, año 12, n.º2. - Graça, António Pires “O Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu”, 2014, Coimbra Editora.

PÁGINA 23

- Matos, Ricardo Jorge Bragança, “O Princípio do Reconhecimento Mútuo e o Mandado de Detenção Europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 14, n.ºs 1 e 2, Janeiro – Junho, 2004, Coimbra Editora. - Matos, Ricardo Jorge Bragança, “O Mandado de Detenção Europeu e a Dupla Incriminação”, 2012, Rei dos Livros; - Pais, Ana Isabel Rosa, “A ausência de controlo da dupla incriminação no âmbito da decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu. Breve anotação ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 2007”, 2009, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora; - Júnior, Mário Elias Soltoski, “O Controlo da Dupla Incriminação e o Mandado de Detenção Europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º3, Julho-Setembro, 2006, Coimbra Editora. - Ramos, Rui Manuel Gens de Moura, “Anotações à Carta dos Direitos Fundamentais”, 2011, Coimbra Editora. - Rivas, Nicolás Garcia; Romero, Marta Muñoz de Morales; Martín Adán Nieto; Hernanes, Manuel Portero; Bailone, Matias; Barletta, Amadeo; Blumenberg, Axel; Crespo, Eduardo Demetrio; Comella, Victor Ferreres; Grandi, Ciro; Yague, Cristina Rodriguez; Scoletta, Marco; Sotis, Carlo; Eceizabarrena, Juan Ignacio Urgartemendia; Heredia, Ana Valero; “Los Derechos Fundamentales En El Derecho Penal Europeo”, 1ª edición, 2010, Thomson Reuters. - Rodrigues, Anabela Miranda Mota; Lopes, José Luís, “Quadro e instrumentos jurídicos da cooperação judiciária em matéria penal no espaço da União Europeia”, 2002, Coimbra Editora. - Steinmetz, Wilson Antônio, “Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade”, 2001, Livraria do Advogado Editora - Valente, Manuel Monteiro Guedes, “Do Mandado de Detenção Europeu”, 2006, Almedina Editora.

PÁGINA 24

Jurisprudência - Acórdão do Tribunal de Justiça de 26/02/2013 (Stefano Melloni) disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=134203&doclang=PT - Acórdão do Tribunal de Justiça de 29/01/2013 (Ciprian Vasile Radu) disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=132981&doclang=PT - Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 07/07/1989 (Caso Soering)

disponível

em

http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=00157619#{"itemid":["001-57619"]} - Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 21/01/2011 (Caso M.S.S.) disponível em http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001103050#{"itemid":["001-103050"]} - Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 13/12/2012 (Caso ElMasri)

disponível

em

http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001139035#{"itemid":["001-139035"]} - Acórdão do STJ de 27-04-2011, processo n.º 26/11.9YRGMR disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3dbe9d424c180 45b802578c40049e309?OpenDocument&Highlight=0,26%2F11.9YRGMR - Acórdão so STJ de 25-06-2009, processo n.º1087/09.6YRLSB.S1 disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cbbd7be3ef21a1 1e80257a99004e6554?OpenDocument&Highlight=0,1087%2F09.6YRLSB.S1 - Acórdão do STJ de 23-05-2007, processo n.º 750/13.1YRLSB.S1 disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c2e1db517896ca 0680257bdd003d2646?OpenDocument&Highlight=0,1790%2F07 - Acórdão do STJ de 04-03-2009, processo n.º 445/12.3YRLSB.S1 disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cbbd7be3ef21a1 1e80257a99004e6554?OpenDocument&Highlight=0,685%2F09

PÁGINA 25

- Acórdão do STJ de 10/11/2011, processo n.º 763/11.8YRLSB.S1 disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2adca75d978ca fe08025794500321ddb?OpenDocument - Acórdão do STJ de 05/07/2012, processo n.º 48/12.2YREVR.S1 disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/727e7cfb94eb21 b080257a45002f6679?OpenDocument&Highlight=0,48%2F12.2YREVR.S1

PÁGINA 26

Anexos

COMISSÃO EUROPEIA Bruxelas, 27.11.2013 COM(2013) 821 final 2013/0407 (COD) Proposta de DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em tribunal em processo penal

Artigo 1.° A presente diretiva estabelece normas mínimas respeitantes: a) A certos aspetos do direito à presunção de inocência em processo penal; b) Ao direito de comparecer em tribunal em processo penal. Artigo 2.° Âmbito de aplicação A presente diretiva aplica-se às pessoas singulares suspeitas ou arguidas em processo penal até à conclusão definitiva do mesmo. Artigo 3.° Presunção de inocência Os Estados-Membros devem assegurar que o suspeito ou arguido se presume inocente enquanto a sua culpabilidade não for legalmente provada. Artigo 4.° Referências em público à culpabilidade antes da condenação Os Estados-Membros devem assegurar que, antes de uma condenação definitiva, nenhuma declaração pública ou decisão oficial emitida pelas autoridades públicas apresenta o suspeito ou arguido como condenado. Os Estados-Membros devem assegurar que são adotadas as medidas necessárias em caso de violação desta obrigação. Artigo 5.° Ónus da prova e nível de prova exigido 1. Os Estados-Membros devem assegurar que recai sobre a acusação o ónus de provar a culpabilidade do suspeito ou arguido, sem prejuízo dos eventuais poderes ex officio do tribunal competente para julgar a causa. 2. Os Estados-Membros devem assegurar que qualquer presunção tendo por efeito a inversão do ónus da prova é suficientemente importante para justificar uma derrogação a tal princípio e que é refutável. Para refutar tal presunção, basta que a defesa produza provas suficientes para suscitar uma dúvida razoável quanto à culpabilidade do suspeito ou arguido. 3. Os Estados-Membros devem assegurar que, no caso de o tribunal competente proceder à apreciação da culpabilidade do suspeito ou arguido e subsistir uma dúvida razoável quanto à culpabilidade da pessoa, esta deve ser absolvida.

PÁGINA 27

Artigo 6.° Direito de não se autoincriminar e de não colaborar 1. Os Estados-Membros devem assegurar que, em qualquer processo penal, o suspeito ou acusado tem o direito de não se autoincriminar e de não colaborar. 2. O direito previsto no n.º 1 não deve ser de tal forma extensível que prejudique a utilização, num processo penal, de elementos de prova que possam ser obtidos do suspeito ou acusado, mediante o exercício legítimo de poderes coercivos, cuja existência é independente da vontade da pessoa. 3. O exercício do direito de não se autoincriminar ou de não colaborar não deve ser utilizado contra o suspeito ou acusado numa fase ulterior do processo, não devendo igualmente ser considerado como uma confirmação dos factos. 4. As provas obtidas em violação do presente artigo são inadmissíveis, salvo se a sua utilização não prejudicar a equidade geral do processo. Artigo 7.° Direito de guardar silêncio 1. Os Estados-Membros devem assegurar que o suspeito ou arguido tem o direito de guardar silêncio quando for interrogado pelas autoridades policiais ou outras autoridades com funções coercivas ou judiciárias, em relação ao crime de que é suspeito de ter cometido ou a título do qual é arguido. 2. Os Estados-Membros informam rapidamente o suspeito ou arguido do seu direito de guardar silêncio e explicam-lhe o conteúdo deste direito e as consequências decorrentes da sua renúncia ou exercício. 3. O exercício do direito de guardar silêncio não deve ser utilizado contra o suspeito ou arguido numa fase ulterior do processo, não devendo igualmente ser considerado como uma confirmação dos factos. 4. As provas obtidas em violação do presente artigo são inadmissíveis, salvo se a sua utilização não prejudicar a equidade geral do processo. Artigo 8.° Direito de comparecer em tribunal 1. Os Estados-Membros devem assegurar que o suspeito ou arguido tem o direito de comparecer no próprio julgamento. 2. Os Estados-Membros podem prever a possibilidade de o tribunal competente decidir sobre a culpabilidade na ausência do suspeito ou arguido, desde que este: a) Tenha sido atempadamente: (i) notificado pessoalmente e desse modo informado da data e do local previstos para o julgamento, ou recebido efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto; e (ii) informado de que uma decisão podia ser proferida mesmo não estando presente no julgamento; ou b) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor, designado por si ou pelo Estado, para a sua defesa em tribunal e foi efetivamente representado por esse defensor no julgamento. 3. Se as condições enunciadas no n.° 2 não estiverem reunidas, um Estado-Membro pode proceder à execução da decisão acima referida se, depois de ter sido notificado da decisão e expressamente informado do direito a novo julgamento ou a recurso e a estar presente nesse julgamento ou recurso, que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, a pessoa em causa: a) Declarar expressamente que não contesta a decisão; ou

PÁGINA 28

b)

Não requerer novo julgamento ou recurso dentro de um prazo razoável. Artigo 9.° Direito a um novo julgamento Os Estados-Membros devem assegurar que, sempre que o suspeito ou arguido não comparecer no julgamento referido no artigo 8.º, n.º 1, e as condições previstas no artigo 8.º, n.os 2 e 3, não estiverem reunidas, a pessoa tem direito a um novo julgamento e a estar presente nesse julgamento, que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial. Artigo 10.° Vias de recurso 1. Os Estados-Membros devem assegurar que o suspeito ou arguido dispõe de uma via de recurso efetiva em caso de violação dos direitos que lhe são conferidos pela presente diretiva. 2. A fim de preservar o direito a um processo equitativo e o direito de defesa, a referida via de recurso deve ter por efeito, na medida do possível, colocar o suspeito ou arguido na mesma situação que teria caso não tivesse ocorrido essa violação. Artigo 11.° Recolha de dados Os Estados-Membros devem comunicar à Comissão, até [...] e posteriormente de três em três anos, os dados disponíveis sobre o exercício dos direitos concedidos ao abrigo da presente diretiva. Artigo 12.° Cláusula de não regressão Nenhuma disposição da presente diretiva pode ser interpretada como limitando ou derrogando os direitos e as garantias processuais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, noutras disposições relevantes do direito internacional ou no direito dos Estados-Membros que preveem um nível de proteção mais elevado. Artigo 13.° Transposição 1. Os Estados-Membros devem pôr em vigor, até [18 meses após a sua publicação], as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva. Os Estados-Membros devem comunicar imediatamente à Comissão o texto dessas disposições. As disposições adotadas pelos Estados-Membros devem fazer referência à presente diretiva ou ser acompanhadas dessa referência aquando da publicação oficial. As modalidades da referência são estabelecidas pelos Estados-Membros. 2. Os Estados-Membros devem comunicar à Comissão o texto das principais disposições de direito interno que adotarem no domínio abrangido pela presente diretiva. Artigo 14.° Entrada em vigor A presente diretiva entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia. Artigo 15.° Destinatários Os destinatários da presente diretiva são os Estados-Membros, em conformidade com os Tratados.

PÁGINA 29

Bruxelas, 27.11.2013 COM(2013) 824 final 2013/0409 (COD) Proposta de DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO relativa ao apoio judiciário provisório para suspeitos ou arguidos privados de liberdade e ao apoio judiciário em processos de execução de mandados de detenção europeus. Artigo 1.º Objeto 1. A presente diretiva estabelece normas mínimas relativas: a) Ao direito dos suspeitos ou arguidos privados de liberdade a apoio judiciário provisório em processo penal; e b) Ao direito das pessoas procuradas no âmbito de processos de execução de mandados de detenção europeus a apoio judiciário, provisório ou não. 2. A presente diretiva completa a Diretiva 2013/48/UE. Nenhuma disposição da presente diretiva pode ser interpretada como limitativa dos direitos previstos naquela diretiva. Artigo 2.º Âmbito de aplicação A presente diretiva é aplicável: a) Aos suspeitos ou arguidos em processo penal que se encontrem privados de liberdade e tenham direito de acesso a um advogado em conformidade com a Diretiva 2013/48/UE; b) Às pessoas procuradas. Artigo 3.º Definições Para efeitos da presente diretiva, são aplicáveis as seguintes definições: a) Por «apoio judiciário» entende-se o financiamento e a assistência do EstadoMembro, assegurando o exercício efetivo do direito de acesso a um advogado; b) Por «apoio judiciário provisório» entende-se o apoio prestado às pessoas privadas de liberdade até ser tomada uma decisão quanto à eventual concessão de apoio judiciário; c) Por «pessoa procurada» entende-se a pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu; d) Por «advogado» entende-se qualquer pessoa que, nos termos do direito nacional, seja qualificada e habilitada, nomeadamente mediante acreditação por uma entidade autorizada, a prestar aconselhamento e apoio jurídico a suspeitos ou arguidos. Artigo 4.º Acesso a apoio judiciário provisório 1. Os Estados-Membros devem assegurar que as seguintes pessoas, se o desejarem, têm direito a apoio judiciário provisório: a) Suspeitos ou arguidos em processo penal que se encontrem privados de liberdade; b) Pessoas procuradas que se encontrem privadas de liberdade no Estado-Membro de execução. 2. Deve ser concedido apoio judiciário provisório sem demora injustificada após a privação de liberdade e, em qualquer caso, antes do interrogatório. 3. O apoio judiciário provisório deve ser assegurado até que a decisão final de concessão de apoio judiciário seja tomada ou entre em vigor, ou, se for concedido apoio judiciário aos suspeitos ou arguidos, até que a nomeação de advogado produza efeitos.

PÁGINA 30

4. Os Estados-Membros devem assegurar que o apoio judiciário provisório é prestado na medida necessária ao exercício efetivo do direito de acesso a um advogado previsto na Diretiva 2013/48/UE, em particular no artigo 3.º, n.º 3. 5. Os Estados-Membros devem dispor da faculdade de prever que os custos relativos a apoio judiciário provisório sejam reembolsados pelos suspeitos ou arguidos e pelas pessoas procuradas que não preenchem os critérios de elegibilidade para apoio judiciário fixados na legislação nacional. Artigo 5.º Apoio judiciário para as pessoas procuradas 1. Os Estados-Membros de execução devem assegurar que as pessoas procuradas têm direito a obter apoio judiciário após a detenção em consequência de um mandado europeu, até à entrega, ou, se não houver entrega, até que a decisão nesta matéria se torne definitiva. 2. O Estado-Membro de emissão deve assegurar que as pessoas procuradas que exercem o direito de constituir advogado no Estado-Membro de emissão para auxiliar o advogado do Estado-Membro de execução, em conformidade com o artigo 10.º da Diretiva 2013/48/UE, têm direito a apoio judiciário nesse Estado-Membro, para efeitos dos processos de execução de mandados de detenção europeu no EstadoMembro de execução. 3. O direito a apoio judiciário previsto nos n.os 1 e 2 pode ser sujeito a uma avaliação dos meios económicos da pessoa procurada e/ou da existência de um interesse da justiça que justifique a concessão de apoio judiciário, segundo os critérios de elegibilidade aplicáveis no Estado-Membro de execução em causa. Artigo 6.º Comunicação de dados 1. Os Estados-Membros devem recolher dados relativos à forma como são exercidos os direitos previstos nos artigos 4.º e 5.º. 2. Os Estados-Membros devem, até [36 meses após a publicação da presente diretiva] e, seguidamente, de dois em dois anos, comunicar esses dados à Comissão. Artigo 7.º Cláusula de não regressão Nenhuma disposição da presente diretiva pode ser interpretada como uma limitação ou derrogação dos direitos e garantias processuais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ou outras disposições aplicáveis do direito internacional ou da legislação de qualquer Estado-Membro que prevejam um nível de proteção mais elevado. Artigo 8.º Transposição 1. Os Estados-Membros devem pôr em vigor até [18 meses após a publicação da presente diretiva] as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva. Os Estados-Membros devem comunicar imediatamente a Comissão o texto dessas disposições. 2. As disposições adotadas pelos Estados-Membros devem fazer referência à presente diretiva ou ser acompanhadas dessa referência aquando da publicação oficial. As modalidades da referência são estabelecidas pelos Estados-Membros. 3. Os Estados-Membros devem comunicar à Comissão o texto das principais disposições de direito interno que adotarem no domínio abrangido pela presente diretiva.

PÁGINA 31

Artigo 9.º Entrada em vigor A presente diretiva entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia. Artigo 10.º Destinatários Os destinatários da presente diretiva são os Estados-Membros, em conformidade com os Tratados.

PÁGINA 32

Bruxelas, 27.11.2013 COM (2013) 822 final 2013/0408 (COD) Proposta de DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO relativa a garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal Artigo 1.º Objeto A presente diretiva estabelece normas mínimas relativas a determinados direitos dos menores suspeitos ou arguidos num processo penal e dos menores que são objeto de um processo de entrega nos termos da Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho ("processos de execução de um mandado de detenção europeu"). Artigo 2.º Âmbito de aplicação 1. A presente diretiva é aplicável aos menores que sejam objeto de um processo penal a partir do momento em que se tornem suspeitos de ter cometido uma infração penal ou arguidos a esse título, até à conclusão desse processo. 2. A presente diretiva é aplicável aos menores objeto de um processo de execução de um mandado de detenção europeu a partir do momento em que sejam detidos no EstadoMembro de execução. 3. A presente diretiva é aplicável aos suspeitos ou arguidos objeto de um processo penal, a que se refere o n.º 1, assim como às pessoas objeto de um processo de execução de um mandado de detenção europeu, a que se refere o n.º 2, que deixem de ser menores no decurso de um processo que foi iniciado quando ainda tinham essa qualidade. 4. A presente diretiva é igualmente aplicável aos menores que não sejam suspeitos ou arguidos e que, no decurso de um interrogatório pela polícia ou outra autoridade com funções coercivas, passem a ser considerados suspeitos ou sejam constituídos arguidos. 5. A presente diretiva não afeta as normas nacionais que estabelecem a idade de responsabilidade penal. Artigo 3.º Definição Para efeitos da presente diretiva, entende-se por "menor" qualquer pessoa com menos de 18 anos. Artigo 4.º Direito do menor a ser informado -Membros devem assegurar que os menores sejam prontamente informados dos seus direitos, de acordo com a Diretiva 2012/13/UE. Devem também ser informados dos seguintes direitos, que têm alcance idêntico aos direitos previstos pela Diretiva 2012/13/UE: (1) direito a que os titulares da responsabilidade parental sejam informados, como previsto no artigo 5.º; (2) direito de acesso a um advogado, como previsto no artigo 6.º; (3) direito a uma avaliação individual, como previsto no artigo 7.º; (4) direito a um serem examinados por um médico, como previsto no artigo 8.º; (5) direito à liberdade e a um tratamento específico quando estejam detidos, como previsto nos artigos 10.º e 12.º;

PÁGINA 33

(6) direito à proteção da vida privada, como previsto no artigo 14.º; (7) direito a que os titulares da responsabilidade parental estejam presentes nas audiências judiciais, como previsto no artigo 15.º; (8) direito a comparecer no próprio julgamento, como previsto no artigo 16.º; (9) direito a beneficiar de apoio judiciário, como previsto no artigo 18.º; 2. Os Estados-Membros devem assegurar que a Carta de Direitos que for transmitida a um menor privado de liberdade, por força da Diretiva 2012/13/UE, contempla os direitos que lhe confere a presente diretiva. Artigo 5.º Direito do titular da responsabilidade parental a ser informado Os Estados-Membros devem assegurar que o titular da responsabilidade parental sobre o menor ou, se tal for contrário ao interesse superior do menor, outro adulto habilitado, recebe todas as informações comunicadas ao menor nos termos do artigo 4.º. Artigo 6.º Direito de acesso obrigatório a um advogado 1. Os Estados-Membros devem assegurar que os menores são prontamente informados dos respetivos direitos, em conformidade com a Diretiva 2013/48/UE. Um menor não pode renunciar ao direito de acesso a um advogado. 2. O direito de acesso a um advogado é igualmente aplicável aos processos penais que suscetíveis de conduzir ao arquivamento definitivo do processo pelo procurador na sequência do cumprimento de determinadas condições por parte do menor. Artigo 7.º Direito a uma avaliação individual -Membros devem assegurar que as necessidades específicas do menor em matéria de proteção, de ensino, de formação e de integração social são tidas em conta. 2. Para o efeito, o menor deve ser objeto de uma avaliação individual. Essa avaliação deve ter especialmente em conta a personalidade e a maturidade do menor, assim como as suas origens socioeconómicas. 3. A avaliação individual deve ser sempre realizada numa fase adequada do processo e, em qualquer caso, antes de deduzida a acusação. 4. O âmbito e a profundidade da avaliação individual podem variar consoante as circunstâncias do caso concreto, a gravidade da alegada infração e a pena a aplicar se o menor for considerado culpado, independentemente de já ter estado ou não em contacto com as autoridades competentes no âmbito de um processo penal. 5. O menor deve ser estreitamente associado à realização da sua avaliação individual. 6. Se os elementos que estão na base da avaliação individual sofrerem alterações significativas, os Estados-Membros devem garantir a atualização da avaliação ao longo do processo penal. 7. Os Estados-Membros podem estabelecer uma derrogação à obrigação imposta pelo n.º 1 quando, dadas as circunstâncias do caso, seja desproporcionado proceder a uma avaliação individual, independentemente de o menor já ter estado ou não em contacto com as autoridades competentes do Estado-Membro no âmbito de um processo penal. Artigo 8.º Direito a ser examinado por um médico 1. Se for aplicada uma pena privativa de liberdade ao menor, os Estados-Membros devem assegurar que este é examinado por um médico visando avaliar a sua condição física e psicológica, a fim de determinar a sua capacidade para responder a um interrogatório ou a outros atos de investigação ou de recolha de provas ou a quaisquer outras medidas adotadas ou previstas contra o menor.

PÁGINA 34

2. As seguintes pessoas devem ter o direito de requerer um exame médico: (a) O menor, (b) O titular da responsabilidade parental ou o adulto devidamente habilitado referido no artigo 5.º; (c) O advogado do menor. 3. As conclusões do exame médico devem ser registadas por escrito. 4. Se as circunstâncias o exigirem, os Estados-Membros devem garantir a repetição do exame médico. Artigo 9.º Interrogatório do menor -Membros devem assegurar que o interrogatório do menor pela polícia ou outra autoridade com funções coercivas ou judiciais, levado a cabo antes de deduzida a acusação, seja gravado por meios audiovisuais, a menos que tal seja desproporcionado dada a complexidade do caso, a gravidade da alegada infração e a sanção que dela possa resultar. 2. O interrogatório de um menor privado de liberdade deve ser sempre gravado por meios audiovisuais, qualquer que seja a fase do processo penal. 3. O disposto no n.º 1 não impede que sejam formuladas perguntas ao menor para efeitos da sua identificação, sem se proceder a uma gravação por meios audiovisuais. Artigo 10.º Direito à liberdade 1. Os Estados-Membros devem assegurar que os menores só podem ser privados de liberdade antes da sua condenação a título de medida de último recurso e pelo período de tempo mais curto possível. Devem ser devidamente tidas em conta a idade e a situação pessoal do menor. 2. Os Estados-Membros devem assegurar que qualquer privação de liberdade de um menor que ainda não tenha sido condenado é objeto de reapreciação periódica pelo tribunal. Artigo 11.º Medidas alternativas 1. Os Estados-Membros devem assegurar que, se estiverem reunidas as condições para se aplicar uma pena privativa de liberdade, as autoridades competentes recorrem, sempre que possível, à aplicação de medidas alternativas. 2. Essas medidas alternativas podem incluir: (a) A obrigação de o menor residir num determinado local, (b) A imposição de restrições de contactar determinadas pessoas, (c) A obrigação de informar as autoridades competentes, (d) A sujeição ao um tratamento médico ou a uma cura de desintoxicação, (e) A participação em medidas de reeducação. Artigo 12.º Direito a um tratamento específico em caso de privação de liberdade 1. Os Estados-Membros devem assegurar que os menores são detidos separadamente dos adultos, salvo se for considerado do interesse superior do menor não o fazer. Os Estados-Membros devem proporcionar aos menores que atinjam 18 anos a possibilidade de continuarem detidos separados dos adultos, tendo em conta as suas circunstâncias pessoais. 2. Os Estados-Membros devem, durante o período de privação de liberdade, tomar as medidas adequadas para: (a) Garantir e preservar a saúde e o desenvolvimento físico do menor,

PÁGINA 35

(b) Garantir o direito à educação e à formação do menor, (c) Garantir o exercício efetivo e regular do direito à vida familiar, incluindo a manutenção dos laços familiares, (d) Promover o desenvolvimento do menor e a sua futura integração na sociedade. Artigo 13.º Tratamento atempado e diligente dos processos 1. Os Estados-Membros devem assegurar que os processos penais em que estejam envolvidos menores são tratados com urgência e a devida diligência. 2. Os Estados-Membros devem assegurar que os menores são tratados de forma adequada à sua idade, às suas necessidades especiais, à sua maturidade e ao seu nível de compreensão, devendo ser tidas em conta as suas eventuais dificuldades de comunicação. Artigo 14.º Direito à proteção da vida privada 1. Os Estados-Membros devem assegurar que qualquer processo penal em que esteja envolvido um menor é realizado sem a presença de público, salvo se, após ter sido devidamente apreciado o interesse superior do menor, circunstâncias excecionais justificarem uma derrogação. 2. Os Estados-Membros devem assegurar que as autoridades competentes tomam as medidas adequadas no âmbito do processo penal para proteger a privacidade do menor e dos seus familiares, incluindo os respetivos nomes e imagem. Os Estados-Membros devem ainda assegurar que as autoridades competentes não divulgam publicamente quaisquer informações que possam levar à identificação do menor. 3. Os Estados-Membros devem assegurar que as gravações referidas no artigo 9.º, n.º 1, não são tornadas públicas. Artigo 15.º Direito do titular da responsabilidade parental de assistir às audiências Os Estados-Membros devem assegurar que o titular da responsabilidade parental ou o outro adulto habilitado a que se refere o artigo 5.º têm acesso às audiências respeitantes ao menor. Artigo 16.º Direito do menor a comparecer no julgamento destinado a apurar a sua culpabilidade 1. Os Estados-Membros devem assegurar que os menores estão presentes no seu julgamento. 2. Os Estados-Membros devem assegurar que se o menor não puder comparecer no julgamento em que se decida sobre a sua culpabilidade, tem direito a um processo em que possa participar e que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, e que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial. Artigo 17.º Processos de execução de mandados de detenção europeus 1. Os Estados-Membros devem assegurar que o menor objeto do mandado de detenção europeu beneficiam, desde a sua detenção por força desse mandado, dos direitos previstos nos artigos 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º e 18.º no Estado-Membro de execução. 2. Sem prejuízo do disposto no artigo 12.º da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, a autoridade de execução deve tomar todas as medidas para limitar a duração da privação de liberdade do menor objeto de um processo de execução de um mandado de detenção europeu.

PÁGINA 36

Artigo 18.º Direito a apoio judiciário Os Estados-Membros devem assegurar que a legislação nacional em matéria de apoio judiciário garante o exercício efetivo do direito de acesso a um advogado, tal como previsto no artigo 6.º. Artigo 19.º Formação 1. Os Estados-Membros devem assegurar que as autoridades judiciárias, as autoridades com funções coercivas e o pessoal de estabelecimentos penitenciários que tenham de lidar com menores sejam profissionais especializados no domínio dos processos penais em que estão envolvidos menores. Esses profissionais devem receber formação especial em matéria de direitos específicos dos menores, de técnicas de interrogatório adequadas, de psicologia infantojuvenil, de comunicação adaptada à compreensão de um menor e de competências pedagógicas. 2. Os Estados-Membros devem assegurar que os advogados de defesa dos menores beneficiam igualmente de formação desse tipo. 3. Através dos seus serviços públicos ou mediante o financiamento de organizações de apoio à criança, os Estados-Membros devem fomentar iniciativas destinadas a permitir que as pessoas que prestam serviços de apoio às crianças e os serviços de justiça reparadora recebam a formação necessária, adequada ao contacto com as crianças, e respeitem as normas profissionais em vigor para assegurar que os serviços em causa são prestados com imparcialidade, respeito e profissionalismo. Artigo 20.º Recolha de dados 1. Os Estados-Membros devem, até [...] e, posteriormente, de três em três anos, comunicar à Comissão dados que indiquem as modalidades de aplicação dos direitos previstos na presente diretiva. 2. Esses dados devem incluir, nomeadamente, o número de menores a quem foi facultado acesso a um advogado, o número de avaliações individuais efetuadas, o número de interrogatórios gravados por meios audiovisuais e o número de menores privados de liberdade. Artigo 21.º Custos Os Estados-Membros devem suportar os custos decorrentes da aplicação dos artigos 7.º, 8.º e 9.º, independentemente do resultado do processo. Artigo 22.º Cláusula de não regressão Nenhuma disposição da presente diretiva pode ser interpretada como uma limitação ou derrogação dos direitos e garantias processuais consagrados na Carta, na CEDH ou outras disposições aplicáveis do direito internacional, nomeadamente na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, ou na legislação de qualquer Estado-Membro que preveja um nível de proteção mais elevado. Artigo 23.º Transposição 1. Os Estados-membros devem pôr em vigor [até 24 meses a contar da sua publicação] as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva. Os Estados-Membros devem comunicar imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.

PÁGINA 37

2. As disposições adotadas pelos Estados-Membros devem fazer referência à presente diretiva ou ser acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. As modalidades da referência são estabelecidas pelos Estados-Membros. 3. Os Estados-Membros devem comunicar à Comissão o texto das principais disposições de direito interno que adotarem no domínio abrangido pela presente diretiva. Artigo 24.º Entrada em vigor A presente diretiva entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia. Artigo 25.º Destinatários Os destinatários da presente diretiva são os Estados-Membros, em conformidade com os Tratados.

PÁGINA 38

 Acórdão do Tribunal de Justiça de 26/02/2013 (Stefano Melloni) Processo n.º C‑399/11 O Acórdão tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Tribunal Constitucional (Espanha), por decisão de 9 de junho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 28 de julho de 2011. O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação e, se for caso disso, a validade do artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO L 81, p. 24, a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»). Convida igualmente o Tribunal de Justiça a examinar, caso se justifique, a questão de saber se um Estado‑Membro pode recusar executar um mandado de detenção europeu, com fundamento no artigo 53.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), por violação dos direitos fundamentais da pessoa em causa, garantidos pela Constituição nacional. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe S. Melloni ao Ministério Fiscal, a respeito da execução de um mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades italianas para execução da condenação a uma pena de prisão que lhe foi aplicada sem ter estado presente no julgamento. (…) Litígio no processo principal e questões prejudiciais 13 Por despacho de 1 de outubro de 1996, a Primeira Secção da Câmara Penal da Audiencia Nacional (Espanha) declarou que se justificava a extradição de S. Melloni para Itália, para aí ser julgado pelos factos constantes dos mandados de detenção n.os 554/1993 e 444/1993, emitidos, respetivamente, em 13 de maio e 15 de junho de 1993 pelo Tribunale di Ferrara (Itália). Depois de lhe ter sido concedida liberdade mediante caução de 5 000 000 ESP, que pagou em 30 de abril de 1996, S. Melloni fugiu, pelo que não chegou a ser entregue às autoridades italianas. (14) Por decisão de 27 de março de 1997, o Tribunale di Ferrara declarou que S. Melloni não compareceu no julgamento e ordenou que as notificações passassem a ser feitas aos advogados da sua confiança e por ele designados. Por acórdão de 21 de junho de 2000, proferido pelo Tribunale di Ferrara, seguidamente confirmado por acórdão de 14 de março de 2003 da Corte d’appello di Bologna (Itália), S. Melloni foi condenado sem ter estado presente no julgamento à pena de dez anos de prisão, como autor do crime de falência fraudulenta. Por decisão de 7 de junho de 2004, a Quinta Secção Penal da Corte Suprema di Cassazione (Itália) negou provimento ao recurso interposto pelos advogados de S. Melloni. Em 8 de junho de 2004, o Procurador‑Geral da República na Corte d’appello di Bologna emitiu o mandado de detenção europeu n.° 271/2004, para execução da pena proferida pelo Tribunale di Ferrara. (15) Na sequência da detenção de S. Melloni, em 1 de agosto de 2008, pela polícia espanhola, o Juzgado Central de Instrucción n° 6 (Espanha), por despacho de 2 de agosto de 2008, decidiu remeter o mandado de detenção europeu n.° 271/2004 à Primeira Secção da Câmara Penal da Audiencia Nacional. (16) S. Melloni opôs‑se à sua entrega às autoridades italianas, argumentando, em primeiro lugar, que, na fase de recurso, tinha designado outro advogado e revogado o mandato dos dois advogados que antes o tinham representado, aos quais, apesar disso, continuaram a ser dirigidas as notificações. Em segundo lugar, afirmou que a lei processual italiana não prevê a possibilidade de se interpor recurso das condenações proferidas na ausência do arguido no julgamento e que, consequentemente, a execução do mandado de detenção

PÁGINA 39

europeu deveria, eventualmente, estar subordinada à condição de a República Italiana garantir a possibilidade de ser interposto recurso do acórdão que o condenou. (17) Por despacho de 12 de setembro de 2008, a Primeira Secção da Câmara Penal da Audiência Nacional decidiu entregar S. Melloni às autoridades italianas, para cumprimento da pena a que fora condenado pelo Tribunale di Ferrara, por autoria do crime de falência fraudulenta, considerando, por um lado, que não tinha sido provado que os advogados por ele designados tivessem deixado de o representar a partir de 2001 e, por outro, que os direitos de defesa tinham sido respeitados, uma vez que ele teve conhecimento do processo que ia ser instaurado, que, voluntariamente, não compareceu no julgamento e que designou dois advogados para o representar e defender, os quais, nessa qualidade, intervieram em primeira, segunda e terceira instâncias, esgotando assim as vias de recurso. (18) S. Melloni interpôs no Tribunal Constitucional um «recurso de amparo» (queixa constitucional) contra o referido despacho. Em apoio deste recurso, alegou uma violação indireta das exigências absolutas que decorrem do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 24.°, n.° 2, da Constituição espanhola. Alega, com efeito, que foi violado o conteúdo essencial de um processo equitativo, de um modo que afeta a dignidade humana, por ter sido permitida a extradição para Estados que, em caso de crime muito grave, validam as condenações proferidas na ausência do arguido, sem subordinarem a entrega da pessoa condenada à condição de ela poder impugnar essas condenações a fim de salvaguardar os seus direitos de defesa. (19) Por despacho de 18 de setembro de 2008, a Primeira Secção do Tribunal Constitucional admitiu o «recurso de amparo», suspendendo a execução do despacho de 12 de setembro de 2008, e, por despacho de 1 de março de 2011, o Plenário do Tribunal Constitucional avocou esse recurso. (20) O órgão jurisdicional de reenvio refere que, no seu acórdão 91/2000, de 30 de março de 2000, reconheceu que o conteúdo vinculativo dos direitos fundamentais é mais reduzido quando estes são considerados ad extra e que apenas as exigências mais básicas e mais elementares podem ser associadas ao artigo 24.° da Constituição espanhola e determinar uma inconstitucionalidade indireta. No entanto, no entender deste órgão jurisdicional, constitui uma violação «indireta» das exigências do direito a um processo equitativo, lesando o conteúdo essencial do referido processo, de um modo que afeta a dignidade humana, a decisão dos órgãos jurisdicionais espanhóis de permitirem a extradição para Estados que, em caso de crime muito grave, validam as condenações proferidas na ausência do arguido, sem subordinarem a entrega da pessoa condenada à condição de ela poder impugnar essas condenações a fim de salvaguardar os seus direitos de defesa. (21) O órgão jurisdicional de reenvio recorda ainda que esta jurisprudência nacional é igualmente aplicável no quadro do procedimento de entrega instituído pela Decisão‑Quadro 2002/584, por duas razões. A primeira prende‑se com o facto de a condição imposta à entrega de uma pessoa condenada ser inerente ao conteúdo essencial do direito constitucional a um processo equitativo. A segunda razão assenta na circunstância de o artigo 5.°, n.° 1, dessa decisão‑quadro, na redação então em vigor, prever a possibilidade de a execução de um mandado de detenção europeu emitido para cumprimento de uma condenação proferida na ausência do arguido no julgamento estar, «ao abrigo do direito do Estado‑Membro de execução», subordinada, designadamente, à condição de «a autoridade judicial de emissão dar garantias consideradas suficientes para assegurar à pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu a possibilidade de pedir um novo julgamento que salvaguarde os direitos de defesa no Estado‑Membro

PÁGINA 40

emissor e de ser julgada presencialmente» (acórdão do Tribunal Constitucional 177/2006, de 5 de junho de 2006). (22) Por último, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que, no seu acórdão 199/2009, de 28 de setembro, julgou procedente o «recurso de amparo» interposto de um despacho que ordenou a entrega da pessoa em causa à Roménia, em execução de um mandado de detenção europeu, para cumprimento de uma pena de quatro anos de prisão proferida na ausência do arguido no julgamento, sem indicar a exigência de a condenação em questão poder ser revista. Para o efeito, o referido acórdão rejeitou a argumentação da Audiencia Nacional segundo a qual a condenação não foi verdadeiramente proferida na ausência do arguido, uma vez que o recorrente mandatou um advogado que compareceu em juízo como seu defensor particular. (23) Segundo o Tribunal Constitucional, a dificuldade resulta de a Decisão‑Quadro 2009/299 ter suprimido o artigo 5.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 e inserido um novo artigo 4.°‑A. Ora, o referido artigo 4.°‑A impede «recusar a execução do mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade se a pessoa não tiver estado presente no julgamento que conduziu à decisão», quando esta, «[t]endo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor designado por si ou pelo Estado para a sua defesa em tribunal e foi efetivamente representada por esse defensor no julgamento». No processo que deu origem a esta fiscalização de constitucionalidade, segundo refere o órgão jurisdicional de reenvio, verifica‑se que S. Melloni mandatou dois advogados da sua confiança, aos quais o Tribunale di Ferrara notificou a realização futura do julgamento, pelo que ele tinha conhecimento do mesmo. Verifica‑se, igualmente, segundo o mesmo órgão jurisdicional, que S. Melloni foi efetivamente defendido por esses dois advogados no julgamento em primeira instância e nos posteriores recursos de segunda e terceira instâncias. (24 )Assim, para o órgão jurisdicional de reenvio, coloca‑se a questão de saber se a Decisão‑Quadro 2002/584 se opõe a que os órgãos jurisdicionais espanhóis subordinem a entrega de S. Melloni à possibilidade de a condenação em questão ser revista. (25) A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio rejeita a argumentação do Ministério Fiscal, segundo a qual não é necessário o reenvio prejudicial porque a Decisão‑Quadro 2009/299 é inaplicável ratione temporis ao litígio no processo principal. Com efeito, o objeto do litígio não consiste em determinar se o despacho de 12 de setembro de 2008 infringiu aquela decisão‑quadro, mas sim se violou indiretamente o direito a um processo equitativo protegido pelo artigo 24.°, n.° 2, da Constituição espanhola. Ora, a mesma decisão‑quadro deve ser tomada em consideração para determinar o conteúdo deste direito que produz efeitos ad extra, porque constitui o direito da União aplicável no momento da apreciação da constitucionalidade. A sua tomada em consideração é também imposta pelo princípio da interpretação conforme do direito nacional com as decisões‑quadro (v. acórdão de 16 de junho de 2005, Pupino, C‑105/03, Colet., p. I‑5285, n.° 43). (26) À luz das considerações precedentes, o Tribunal Constitucional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia as seguintes questões prejudiciais: «1) O artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI, na sua redação em vigor dada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI, deve ser interpretado no sentido de que impede as autoridades judiciais nacionais, nos casos indicados nessa mesma disposição, de sujeitar a execução de um mandado de detenção europeu à condição de a condenação em causa poder ser objeto de novo julgamento ou de recurso a fim de garantir os direitos de defesa da pessoa sobre a qual recai o mandado?

PÁGINA 41

2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o n.° 1, do artigo 4.°‑A da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI é compatível com as exigências que resultam do direito de ação efetivo e do direito a um processo equitativo, previsto no artigo 47.° da Carta […] assim como dos direitos de defesa garantidos no artigo 48.°, n.° 2, da mesma Carta? 3) Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, o artigo 53.° da Carta, interpretado de modo sistemático em conjugação com os direitos reconhecidos nos artigos 47.° e 48.° da Carta, permite que um Estado‑Membro sujeite a entrega de uma pessoa que tenha sido condenada [sem ter estado presente no julgamento] à condição de essa condenação poder ser objeto de novo julgamento ou de recurso no Estado requerente, conferindo assim a esses direitos um nível de proteção mais elevado do que aquele que decorre do direito da União Europeia, a fim de evitar uma interpretação que limite ou lese um direito fundamental reconhecido pela Constituição desse Estado‑Membro?» Quanto às questões prejudiciais Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial: (27 ) Algumas das partes interessadas que apresentaram observações no Tribunal de Justiça defendem que o presente reenvio prejudicial deve ser julgado inadmissível, com fundamento em que o artigo 4.°‑A da Decisão‑Quadro 2002/584 é inaplicável ratione temporis ao procedimento de entrega do recorrente no processo principal. Alegam que a data de 12 de setembro de 2008, que é a do despacho pelo qual a Audiência Nacional ordenou a entrega deste último às autoridades italianas, é anterior à data do termo do prazo de transposição da Decisão‑Quadro 2009/299, fixada em 28 de março de 2011 pelo seu artigo 8.°, n.° 1. Referem igualmente que, além do mais e seja como for, a República Italiana usou da possibilidade prevista no n.° 3 do mesmo artigo 8.°, disposição que permite adiar até 1 de janeiro de 2014 a aplicação da Decisão‑Quadro 2009/299 ao reconhecimento e execução das decisões proferidas na ausência do arguido no julgamento pelas autoridades competentes italianas. As condições de entrega de S. Melloni pelas autoridades espanholas às autoridades italianas são, por isso, regidas pelo artigo 5.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584. (28) A este respeito, importa recordar, antes de mais, que, no âmbito do processo instituído no artigo 267.° TFUE, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., designadamente, acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, Colet., p. I‑7611, n.° 30 e jurisprudência referida). (29) A presunção de pertinência inerente às questões submetidas a título prejudicial pelos órgãos jurisdicionais nacionais só pode ser afastada a título excecional, se se afigurar de forma manifesta que a interpretação solicitada das disposições do direito da União visadas nas questões não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, designadamente, acórdão Paint Graphos e o., já referido, n.° 31 e jurisprudência referida). (30) No caso em apreço, não se afigura de forma manifesta que a interpretação do artigo 4.°‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio, não tenha nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, ou que seja um problema hipotético.

PÁGINA 42

(31) Quanto à aplicabilidade ratione temporis do artigo 4.°‑A da referida decisão‑quadro, importa observar, em primeiro lugar, que a própria redação do artigo 8.°, n.° 2, da Decisão‑Quadro 2009/299 enuncia que, a partir de 28 de março de 2011, esta «é aplicável […] ao reconhecimento e execução das decisões proferidas na ausência do arguido no julgamento», sem fazer distinção alguma consoante as referidas decisões sejam anteriores ou posteriores a essa data. (32 )A interpretação literal é confirmada pelo facto de que as disposições do artigo 4.°‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, visto deverem ser consideradas regras processuais (v., por analogia, acórdãos de 1 de julho de 2004, Tsapalos e Diamantakis, C‑361/02 e C‑362/02, Colet., p. I‑6405, n.° 20, e de 12 de agosto de 2008, Santesteban Goicoechea, C‑296/08 PPU, Colet., p. I‑6307, n.° 80), são aplicáveis ao procedimento de entrega do recorrente em causa no processo principal, que ainda está pendente. Com efeito, segundo jurisprudência assente, entende‑se geralmente que as regras processuais se aplicam a todos os litígios pendentes à data da sua entrada em vigor, diferentemente do que sucede com as regras substantivas, que, habitualmente, são interpretadas no sentido de que não se aplicam a situações existentes antes da sua entrada em vigor (v., designadamente, acórdãos de 12 de novembro de 1981, Meridionale Industria Salumi e o., 212/80 a 217/80, Recueil, p. 2735, n.° 9; de 28 de junho de 2007, Dell’Orto, C‑467/05, Colet., p. I‑5557, n.° 48; e acórdão Santesteban Goicoechea, já referido, n.° 80) (33) Em segundo lugar, a circunstância de a República Italiana ter declarado que fez uso da possibilidade prevista no artigo 8.°, n.° 3, da Decisão‑Quadro 2009/299, de adiar até 1 de janeiro de 2014, o mais tardar, a aplicação da mesma ao reconhecimento e execução das decisões proferidas na ausência do arguido no julgamento pelas autoridades competentes italianas, não pode implicar a inadmissibilidade do presente reenvio prejudicial. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, a fim de interpretar os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição espanhola em conformidade com os Tratados internacionais ratificados pelo Reino de Espanha, o órgão jurisdicional de reenvio pretende tomar em consideração as disposições pertinentes do direito da União, para determinar o conteúdo essencial do direito a um processo equitativo garantido pelo artigo 24.°, n.° 2, da Constituição. (34) Resulta de todo o exposto que o pedido de decisão prejudicial submetido pelo Tribunal Constitucional é admissível. Quanto ao mérito Quanto à primeira questão (35) Com a primeira questão, o Tribunal Constitucional pergunta, em substância, se o artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade judiciária de execução, nas situações previstas nessa disposição, subordine a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena à condição de que a condenação proferida na ausência do arguido no julgamento possa ser revista no Estado‑Membro de emissão. (36) Importa recordar que a referida decisão‑quadro, como resulta em especial do seu artigo 1.°, n.os 1 e 2, e dos seus considerandos 5 e 7, tem por objetivo substituir o sistema de extradição multilateral entre Estados‑Membros por um sistema de entrega, entre autoridades judiciárias, das pessoas condenadas ou suspeitas, para efeitos da execução de sentenças ou de procedimentos penais, baseando‑se este último sistema no princípio do reconhecimento mútuo (v. acórdão de 29 de janeiro de 2013, Radu, C‑396/11, n.° 33). (37) A referida Decisão‑Quadro 2002/584 pretende, assim, ao instituir um novo sistema simplificado e mais eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de ter infringido a lei penal, facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir

PÁGINA 43

para realizar o objetivo, atribuído à União, de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, baseando‑se no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros (acórdão Radu, já referido, n.° 34). (38) Por força do artigo 1.°, n.° 2, da referida Decisão‑Quadro 2002/584, os Estados‑Membros são, em princípio, obrigados a executar um mandado de detenção europeu. Com efeito, segundo as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584, os Estados‑Membros apenas podem recusar dar execução a tal mandado nos casos de não execução obrigatória previstos pelo seu artigo 3.° e nos casos de não execução facultativa previstos nos seus artigos 4.° e 4.°‑A. Além disso, a autoridade judiciária de execução apenas pode subordinar a execução de um mandado de detenção europeu às condições definidas no artigo 5.° da referida decisão‑quadro (acórdão Radu, já referido, n.os 35 e 36). (39) Para efeitos de determinar o alcance do artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, que é objeto da presente questão, importa examinar a sua redação, a sua economia e a sua finalidade. (40) Resulta da redação do artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 que esta disposição prevê um motivo facultativo de não execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena ou de uma medida de segurança privativas de liberdade, se o interessado não tiver estado presente no julgamento que conduziu à condenação. Esta faculdade prevê, contudo, quatro exceções que privam a autoridade judiciária de execução da possibilidade de recusar a execução do mandado de detenção europeu em causa. Daqui decorre que o artigo 4.°‑A, n.° 1, se opõe, nesses quatro casos previstos, a que a autoridade judiciária de execução subordine a entrega de uma pessoa condenada sem ter estado presente no julgamento à possibilidade de uma revisão do julgamento, na presença dessa pessoa. (41 )Esta interpretação literal do artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 é confirmada pela análise da economia desta disposição. O objeto da Decisão‑Quadro 2009/299 é, por um lado, revogar o artigo 5.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, que permitia, sob determinadas condições, subordinar a execução de um mandado de detenção europeu para efeitos da execução de uma pena aplicada na ausência do arguido no julgamento à condição de ser garantido um novo julgamento no Estado‑Membro de emissão, na presença do interessado, e, por outro, substituir essa disposição pelo artigo 4.°‑A. Doravante, este limita a possibilidade de recusar executar esse mandado, ao enunciar, como indicado no considerando 6 da Decisão‑Quadro 2009/299, «as condições em que não devem ser recusados o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida na sequência de um julgamento no qual a pessoa não tenha estado presente». (42) Em especial, o artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê, em substância, nas alíneas a) e b), que, quando a pessoa que foi condenada sem ter comparecido no julgamento tenha tido conhecimento, atempadamente, do processo previsto e tenha sido informada de que podia ser proferida uma decisão em caso de não comparência, ou quando, tendo tido conhecimento do processo previsto, constituiu advogado para a defender, a autoridade judiciária de execução é obrigada a proceder à entrega dessa pessoa, de modo que não pode subordinar essa entrega à possibilidade de novo julgamento, com a presença do interessado, no Estado‑Membro de emissão. (43) Esta interpretação do dito artigo 4.°‑A, n.° 1, da decisão‑quadro é igualmente confirmada pelos objetivos prosseguidos pelo legislador da União. Resulta tanto dos considerandos 2 a 4 como do artigo 1.°‑A da Decisão‑Quadro 2009/299 que o legislador da União, ao adotá‑la, pretendeu facilitar a cooperação judiciária em matéria penal, melhorando o reconhecimento mútuo das decisões judiciárias entre os Estados‑Membros através de uma harmonização dos motivos de não reconhecimento das decisões proferidas na sequência de um julgamento em que a pessoa em causa não compareceu

PÁGINA 44

pessoalmente. Como sublinha, em especial, o considerando 4, o legislador da União quis, pela definição desses motivos comuns, permitir «à autoridade de execução executar a decisão não obstante a não comparência da pessoa no julgamento, no pleno respeito dos direitos de defesa». (44) Como o advogado‑geral observou nos n.os 65 e 70 das conclusões, a solução que o legislador da União escolheu, que consiste em prever exaustivamente os casos em que se deve considerar que a execução de um mandado de detenção europeu emitido tendo em vista a execução de uma decisão proferida na ausência do arguido não infringe os direitos da defesa, é incompatível com a manutenção da possibilidade de a autoridade judiciária de execução subordinar essa execução à condição de a condenação em causa poder ser revista com o objetivo de garantir os direitos de defesa do interessado. (45) Quanto ao argumento invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo o qual o dever de respeitar os direitos fundamentais, como consagrados no artigo 6.° TUE, autoriza as autoridades judiciárias de execução a recusar executar o mandado de detenção europeu, incluindo nos casos referidos no artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, quando a pessoa em causa não puder ser novamente julgada, importa sublinhar que esse argumento conduz, na realidade, a questionar a compatibilidade do artigo 4.°‑A da Decisão‑Quadro 2002/584 com os direitos fundamentais protegidos na ordem jurídica da União, que são objeto da segunda questão colocada. (46) Resulta de todas as considerações anteriores que o artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade judiciária de execução, nos casos indicados nessa disposição, subordine a execução de um mandado de detenção europeu emitido para fins da execução de uma pena à condição de a condenação proferida na ausência do arguido no julgamento poder ser revista no Estado‑Membro de emissão. Quanto à segunda questão (47) Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga, em substância, o Tribunal de Justiça acerca da compatibilidade do artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 com as exigências que decorrem do direito que têm as pessoas a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, previsto no artigo 47.° da Carta, bem como dos direitos de defesa garantidos pelo artigo 48.°, n.° 2, desta. (48) Deve recordar‑se que, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, TUE, a União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta, «que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados». (49) No que respeita ao alcance do direito que têm as pessoas a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, previsto no artigo 47.° da Carta, bem como dos direitos de defesa garantidos pelo seu artigo 48.°, n.° 2, importa precisar que, embora o direito do arguido de comparecer pessoalmente no julgamento constitua um elemento essencial do direito a um processo equitativo, esse direito não é absoluto (v., designadamente, acórdão de 6 de setembro de 2012, Trade Agency, C‑619/10, n.os 52 e 55). O arguido pode renunciar a esse direito, por sua livre vontade, de forma expressa ou tácita, desde que a renúncia seja demonstrada de maneira inequívoca, acompanhada de um mínimo de garantias correspondentes à sua gravidade, e não colida com nenhum interesse público importante. Em especial, a violação do direito a um processo equitativo não está demonstrada, desde que o arguido, apesar de não ter comparecido pessoalmente, tenha sido informado da data e do local onde foi defendido por um advogado, a quem conferiu mandato para tal. (50) Esta interpretação dos artigos 47.° e 48.°, n.° 2, da Carta está em harmonia com o alcance reconhecido aos direitos garantidos pelo artigo 6.°, n.os 1 e 3, da CEDH pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (v., designadamente, TEDH, acórdãos Medenica c. Suíça de 14 de junho de 2001, petição n.° 20491/92, §§ 56 a 59;

PÁGINA 45

Sejdovic c. Itália de 1 de março de 2006, petição n.° 56581/00, Recueil des arrêts et décisions 2006‑II, §§ 84, 86 e 98; e Haralampiev c. Bulgária de 24 de abril de 2012, petição n.° 29648/03, §§ 32 e 33). (51) Cumpre referir, além disso, que a harmonização das condições de execução dos mandados de detenção europeus emitidos para efeitos de execução das decisões proferidas na sequência de um julgamento em que o interessado não esteve presente, realizada pela Decisão‑Quadro 2009/299, tende, como indica o seu artigo 1.°, a reforçar os direitos processuais das pessoas que são arguidos num processo penal, melhorando o reconhecimento mútuo das decisões judiciárias entre os Estados‑Membros. (52) Assim, o artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 estabelece, nas alíneas a) e b), as condições em que deve ser considerado que o interessado renunciou voluntariamente e de forma inequívoca a estar presente no seu julgamento, pelo que a execução do mandado de detenção europeu para efeitos da execução da pena pela pessoa que foi condenada sem ter estado presente no julgamento não pode estar subordinada à condição de ela poder beneficiar de um novo julgamento, onde esteja presente, no Estado‑Membro de emissão. Assim é, como menciona o artigo n.° 1, alínea a), quer quando o interessado não tenha estado presente no julgamento, ainda que tenha sido regularmente citado ou oficialmente informado da data e do local fixados para o efeito, quer, como prevê o mesmo número, alínea b), quando, tendo tido conhecimento do processo previsto, optou por ser representado por um advogado, em vez de comparecer pessoalmente. Esse mesmo n.° 1, alíneas c) e d), enuncia os casos em que a autoridade judiciária de execução é obrigada a executar o mandado de detenção europeu, embora o interessado tenha direito a beneficiar de novo julgamento, desde que o dito mandado de detenção refira que o interessado não pediu para beneficiar de novo julgamento ou que será expressamente informado do seu direito a novo julgamento. (53) Face ao exposto, há que concluir que o artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 não viola o direito que têm as pessoas a que a sua causa seja julgada de forma equitativa nem os direitos de defesa garantidos, respetivamente, pelos artigos 47.° e 48.°, n.° 2, da Carta. (54) Resulta das considerações anteriores que importa responder à segunda questão que o artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 é compatível com as exigências que decorrem dos artigos 47.° e 48.°, n.° 2, da Carta. Quanto à terceira questão (55) Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 53.° da Carta deve ser interpretado no sentido de que permite ao Estado‑Membro de execução subordinar a entrega de uma pessoa condenada sem ter estado presente no julgamento à condição de a condenação poder ser revista no Estado‑Membro de emissão, a fim de evitar uma violação do direito a um processo equitativo e dos direitos de defesa garantidos pela sua Constituição. (56) A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio preconiza, à partida, a interpretação segundo a qual o artigo 53.° da Carta autoriza, em geral, um Estado‑Membro a aplicar o padrão de proteção dos direitos fundamentais garantido pela sua Constituição, quando este é mais elevado do que o que decorre da Carta, e a opô‑lo, se for caso disso, à aplicação de disposições do direito da União. Esta interpretação permite, em especial, a um Estado‑Membro subordinar a execução de um mandado de detenção europeu emitido tendo em vista executar uma decisão proferida na ausência do arguido no julgamento a condições que tenham por objeto evitar uma interpretação que limite os direitos fundamentais reconhecidos pela sua Constituição ou que os viole, ainda que a aplicação de tais condições não seja autorizada pelo artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584. (57 ) Tal interpretação do artigo 53.° da Carta não pode proceder.

PÁGINA 46

(58) Com efeito, essa interpretação do artigo 53.° da Carta viola o princípio do primado do direito da União, na medida em que permite a um Estado‑Membro obstar à aplicação de atos do direito da União plenamente conformes à Carta, se não respeitarem os direitos fundamentais garantidos pela Constituição desse Estado. (59) Com efeito, é jurisprudência assente que, por força do princípio do primado do direito da União, que é uma característica essencial da ordem jurídica da União (v. pareceres 1/91, de 14 de dezembro de 1991, Colet., p. I‑6079, n.° 21, e 1/09, de 8 de março de 2011, Colet., p. I‑1137 n.° 65), a invocação, por um Estado‑Membro, de disposições de direito nacional, ainda que de natureza constitucional, não pode afetar o efeito do direito da União no território deste Estado (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 17 de dezembro de 1970, Internationale Handelsgesellschaft, 11/70, Colet. 1969‑1970, p. 625, n.° 3, e de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten, C‑409/06, Colet., p. I‑8015, n.° 61). (60) É certo que o artigo 53.° da Carta confirma que, quando um ato do direito da União exige medidas nacionais de execução, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais podem aplicar os padrões nacionais de proteção dos direitos fundamentais, desde que essa aplicação não comprometa o nível de proteção previsto pela Carta, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União. (61) Todavia, como resulta do n.° 40 do presente acórdão, o artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 não concede aos Estados‑Membros a faculdade de recusar a execução de um mandado de detenção europeu, quando o interessado for abrangido por um dos quatro casos previstos nessa disposição. (62) Importa recordar, além disso, que a adoção da Decisão‑Quadro 2009/299, que inseriu a referida disposição na Decisão‑Quadro 2002/584, visa remediar as dificuldades do reconhecimento mútuo das decisões proferidas na ausência da pessoa em causa do seu julgamento, que resultam da existência, nos Estados‑Membros, de diferenças na proteção dos direitos fundamentais. Para esse efeito, a decisão‑quadro procede a uma harmonização das condições de execução de um mandado de detenção europeu em caso de condenação na ausência do arguido, que reflete o consenso a que chegaram todos os Estados‑Membros a respeito do alcance que importa dar, nos termos do direito da União, aos direitos processuais de que beneficiam as pessoas condenadas sem estarem presentes no julgamento, contra as quais é emitido um mandado de detenção europeu. (63) Por conseguinte, permitir a um Estado‑Membro invocar o artigo 53.° da Carta, para subordinar a entrega de uma pessoa condenada sem ter estado presente no julgamento à condição, não prevista pela Decisão‑Quadro 2009/299, de a condenação poder ser revista no Estado‑Membro de emissão, a fim de evitar que seja violado o direito a um processo equitativo e os direitos de defesa garantidos pela Constituição do Estado‑Membro de execução, levaria, ao pôr em causa a uniformidade do padrão de proteção dos direitos fundamentais definidos por esta decisão‑quadro, a violar os princípios da confiança e do reconhecimento mútuo que esta pretende reforçar e, assim, a comprometer a eficácia da referida decisão‑quadro. (64) Face às considerações anteriores, cumpre responder à terceira questão que o artigo 53.° da Carta deve ser interpretado no sentido de que não permite a um Estado‑Membro subordinar a entrega de uma pessoa condenada sem ter estado presente no julgamento à condição de a condenação poder ser revista no Estado‑Membro de emissão, a fim de evitar uma violação do direito a um processo equitativo e dos direitos de defesa garantidos pela sua Constituição. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara: 1) O artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os

PÁGINA 47

Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade judiciária de execução, nos casos indicados nessa disposição, subordine a execução de um mandado de detenção europeu emitido para fins da execução de uma pena à condição de a condenação proferida na ausência do arguido no julgamento poder ser revista no Estado‑Membro de emissão. 2) O artigo 4.°‑A, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299, é compatível com as exigências que decorrem dos artigos 47.° e 48.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 3) O artigo 53.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não permite a um Estado‑Membro subordinar a entrega de uma pessoa condenada sem ter estado presente no julgamento à condição de a condenação poder ser revista no Estado‑Membro de emissão, a fim de evitar uma violação do direito a um processo equitativo e dos direitos de defesa garantidos pela sua Constituição.  Acórdão do Tribunal de Justiça de 29/01/2013 (Ciprian Vasile Radu) N.º processo C‑396/11 Tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Curtea de Apel Constanţa (Roménia), por decisão de 18 de maio de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 27 de julho de 2011, no processo relativo à execução de mandados de detenção europeus emitidos contra Ciprian Vasile Radu. O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Decisão‑Quadro 2005/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 lida em conjugação com os artigos 6.°, 48.° e 52.° de Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como com os artigos 5.° e 6.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo relativo à execução na Roménia de quatro mandados de detenção europeus emitidos pelas autoridades alemãs contra C. V. Radu, de nacionalidade romena, para efeitos de um procedimento penal por roubo com violência. O direito romeno na Lei n.° 302/2004, relativa à cooperação judiciária internacional em matéria penal (Legea nr. 302/2004 privind cooperarea judiciară internaţională în materie penală, Monitorul Oficial al României, parte I, n.° 377, de 31 de maio de 2011, a seguir «Lei n.° 302/2004»), contém o título III «Disposições relativas à cooperação com os Estados‑Membros da União Europeia em aplicação da [decisão‑quadro]», cujo capítulo III, intitulado «Execução de um mandado de detenção europeu pelas autoridades romenas», inclui a seguinte disposição: «Artigo 98.° — Motivos de recusa da execução: (…) b) quando a pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu é perseguida na Roménia pelo mesmo facto que está na base do mandado de detenção europeu.» Em 25 de maio e 3 de junho de 2009, foram apresentados na Curtea de Apel Constanţa (Tribunal de Recurso de Constanza) (Roménia), enquanto autoridade judiciária de execução, pedidos formulados pelas autoridades judiciárias alemãs relativos à entrega de C. V. Radu, pessoa procurada no âmbito de quatro mandados de detenção europeus emitidos para efeitos de procedimento penal pelo Ministério Público de Münster, Cobourg, Bielefeld e Verden (Alemanha), respetivamente, em 14 de março de 2007, 16 de março de 2007, 8 de agosto de 2007 e 26 de fevereiro de 2008, por factos que

PÁGINA 48

correspondem à infração de roubo com violência na aceção do artigo 211.° do Código Penal romeno. C. V. Radu não manifestou o seu consentimento na entrega. Por decisão de 5 de junho de 2009, a Curtea de Apel Constanţa ordenou a execução de três dos mandados de detenção europeus, a saber, os emitidos pelos Ministérios Públicos de Münster, de Cobourg e de Verden. Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio recusou, por força do artigo 98.°, n.° 2, alínea b), da Lei n.° 302/2004, a execução do mandado de detenção europeu emitido em 8 de agosto de 2007 pelo Ministério Público de Bielefeld, pelo facto de C. V. Radu ser perseguido na Roménia no Tribunalul Bacău (Tribunal de Bacău) pelo mesmo facto que está na base do referido mandado. Por conseguinte, suspendeu a entrega de C. V. Radu até ao termo do processo nos tribunais romenos, mantendo a medida de detenção preventiva tomada contra C. V. Radu por um período de trinta dias. Por acórdão de 18 de junho de 2009, a Înalta Curte de Casație și Justiție a României (Tribunal Supremo de Cassação e de Justiça da Roménia) cassou essa decisão e remeteu o processo à Curtea de Apel de Constanța. Além disso, ordenou que C. V. Radu fosse libertado, sujeitando‑o a uma medida preventiva de limitação do seu direito de circular livremente, isto é, à proibição de deixar a sua comuna de residência, a cidade de Bacău, sem avisar o juiz, impondo‑lhe várias obrigações. Na audiência de 22 de fevereiro de 2012 da Curtea de Apel de Constanța, C. V. Radu opôs‑se à execução dos mandados de detenção europeus contra si emitidos. Alegou, a este respeito, em primeiro lugar, que, na data da adoção da Decisão‑Quadro 2002/584, nem os direitos fundamentais consagrados pela CEDH nem os que figuram na Carta estavam expressamente incorporados nos Tratados que instituem a União. Ora, por força do artigo 6.° TUE, as disposições tanto da Carta como da CEDH passaram a disposições de direito primário da União e, portanto, a Decisão‑Quadro 2002/584 deve passar a ser interpretada e aplicada de maneira conforme com a Carta e com a CEDH. Em seguida, C. V. Radu sublinhou que não foi dada a esta decisão‑quadro execução coerente pelos Estados‑Membros. Em especial, a legislação alemã que transpôs a referida decisão‑quadro foi declarada inconstitucional e nula pelo Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional federal) (Alemanha) no seu acórdão de 18 de julho de 2005, antes de uma nova lei ser adotada. Ora, a execução de um mandado de detenção está sujeita a uma condição de reciprocidade. Por último, C. V. Radu sustentou que as autoridades judiciárias do Estado‑Membro de execução deviam verificar se os direitos fundamentais garantidos pela Carta e pela CEDH são respeitados no Estado‑Membro de emissão. Não sendo esse o caso, essas autoridades podem recusar a execução do mandado de detenção europeu em questão, mesmo que esse motivo de não execução não esteja expressamente previsto pela Decisão‑Quadro 2002/584. Nestas condições, a Curtea de Apel Constanţa decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais: «1) As disposições do artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH] e do artigo 6.° [da Carta] em conjugação com os artigos 48.° e 52.°, [desta], com referência também aos artigos 5.°, n.os 3 e 4, e 6.°, n.os 2 e 3, da referida [CEDH], são normas de direito [da União] primário, compreendidas nos Tratados constitutivos? 2) A ação da autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu que consiste na privação da liberdade e na entrega coerciva, sem o consentimento da pessoa contra a qual foi emitido o mandado de detenção europeu (a pessoa cuja detenção e entrega são solicitadas), constitui uma ingerência, por parte do Estado de execução do mandado, no direito à liberdade individual da pessoa cuja detenção e entrega são solicitadas, consagrado no direito da União, por força do artigo 6.° TUE, em conjugação com o artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH], e por força do artigo 6.° [da Carta], em conjugação com o artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH], e por força do artigo 6.° [da

PÁGINA 49

Carta], em conjugação com os artigos 48.° e 52.° [desta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.os 2 e 3, da [CEDH]? 3) A ingerência do Estado de execução de um mandado de detenção europeu nos direitos e garantias previstos no artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH] e no artigo 6.°, em conjugação com os artigos 48.° e 52.°, da [Carta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.os 2 e 3, da [CEDH], deve satisfazer as condições da necessidade numa sociedade democrática e da proporcionalidade em relação ao objetivo concretamente prosseguido? 4) A autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu pode indeferir o pedido de entrega, sem violar as obrigações impostas pelos Tratados constitutivos e pelas outras normas de direito [da União], pelo facto de não estarem satisfeitas cumulativamente as condições necessárias, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH] e do artigo 6.°, em conjugação com os artigos 48.° e 52.°, da [Carta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.os 2 e 3, da [CEDH]? 5) A autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu pode indeferir o pedido de entrega, sem violar as obrigações impostas pelos Tratados constitutivos e pelas outras normas de direito [da União], [com o fundamento de que o Estado‑Membro de emissão do mandado não transpôs total ou parcialmente a Decisão‑Quadro 2002/584 ou de que não a transpôs corretamente (no sentido da inobservância das condições de reciprocidade)]? 6) As disposições do artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH] e do artigo 6.° [da Carta], em conjugação com os artigos 48.° e 52.° [desta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.° 2 e 3, da [CEDH], a que se refere o artigo 6.° TUE, opõem‑se ao direito nacional do Estado‑Membro da União Europeia — a Roménia —, em particular ao título III da Lei […] n.° 302/2004, e a [Decisão‑Quadro 2002/584] foi corretamente transposta [por esta lei]?» Quanto às questões prejudiciais o Tribunal de Justiça, designadamente, o seguinte: (…) (24) Importa começar por assinalar que a quinta questão é hipotética. Com efeito, a própria emissão dos mandados de detenção europeus controvertidos basta para demonstrar que, como o Governo alemão confirmou na audiência, a Decisão‑Quadro 2002/584 foi efetivamente transposta pela República Federal da Alemanha no momento da emissão desses mandados de detenção. Esta questão é portanto inadmissível. (26) (…) quanto à pretensa violação dos direitos fundamentais de C. V. Radu, este sustenta, no quadro do processo penal principal, para se opor à sua entrega, que as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584 privam as autoridades romenas de execução da possibilidade de verificar se os direitos a um processo equitativo, à presunção de inocência e à liberdade dos quais considera beneficiar ao abrigo da Carta e da CEDH foram respeitados, atendendo a que os mandados de detenção europeus controvertidos foram emitidos sem que tenha sido citado nem tido a possibilidade de contratar um advogado ou de apresentar a sua defesa. C. V. Radu reiterou, no essencial, estas mesmas alegações na audiência no Tribunal de Justiça no quadro do presente processo. (27 ) Nestas condições, deve considerar‑se que as quatro primeiras questões, bem como a sexta questão, são admissíveis. Quanto ao mérito (…) 29 Segundo os elementos fornecidos ao Tribunal, conforme descritos no n.° 26 do presente acórdão, no litígio no processo principal, a pessoa procurada, C. V. Radu, alega, a fim de se opor à sua entrega, que os mandados de detenção europeus controvertidos foram emitidos sem lhe ter sido dada a possibilidade de ser ouvido antes da emissão

PÁGINA 50

desses mandados de detenção pelas autoridades judiciárias de emissão, em violação dos artigos 47.° e 48.° da Carta e do artigo 6.° da CEDH. (30) Na verdade, nas suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se também ao artigo 6.° da Carta e ao artigo 5.° da CEDH. A decisão de reenvio não contém, porém, nenhuma explicação a este respeito. Quando muito, resulta de documentos em anexo à decisão de reenvio que, perante o órgão jurisdicional de reenvio, C. V. Radu sustentou que esse órgão jurisdicional deveria recusar executar os mandados de detenção europeus «através dos quais foi privado de liberdade», uma vez que foram emitidos em violação dos seus direitos de defesa. Esta argumentação de C. V. Radu no que respeita à pretensa violação do artigo 6.° da Carta e do artigo 5.° da CEDH no Estado‑Membro de emissão confunde‑se assim com a sua argumentação relativa à violação dos seus direitos de defesa nesse Estado‑Membro. (31) Assim, há que considerar que, através das suas quatro primeiras questões, bem como da sua sexta questão, que há que examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Decisão‑Quadro 2002/584, lida à luz dos artigos 47.° e 48.° da Carta assim como do artigo 6.° da CEDH, deve ser interpretada no sentido de que as autoridades judiciárias de execução podem recusar executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal com o fundamento de que as autoridades judiciárias de emissão não ouviram a pessoa procurada antes de emitirem esse mandado de detenção. (32) A este respeito, importa começar por assinalar que o direito de ser ouvido, garantido pelo artigo 6.° da CEDH e mencionado pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões, está hoje consagrado nos artigos 47.° e 48.° da Carta. Por conseguinte, há que se referir a estas disposições da Carta (v., neste sentido, acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, n.os 46, 47 e jurisprudência referida). (…) (35) Por força do artigo 1.°, n.° 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, os Estados‑Membros são, em princípio, obrigados a executar o mandado de detenção europeu. (36) Com efeito, como o Tribunal já declarou, segundo as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584, os Estados‑Membros apenas podem recusar dar execução a tal mandado nos casos de não execução obrigatória previstos pelo artigo 3.° desta assim como nos casos de não execução facultativa enumerados nos seus artigos 4.° e 4.°‑A (v., neste sentido, acórdãos de 1 de dezembro de 2008, Leymann e Pustovarov, C‑388/08 PPU, Colet., p. I‑8983, n.° 51, e de 16 de novembro de 2010, Mantello, C‑261/09, Colet., p. I‑11477, n.° 37). Além disso, a autoridade judiciária de execução apenas pode subordinar a execução de um mandado de detenção europeu às condições definidas no artigo 5.° da referida decisão‑quadro. (37) Na verdade, por força do artigo 4.°‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, a violação dos direitos de defesa no decurso do processo que conduziu a uma condenação penal se a pessoa não tiver estado presente no julgamento pode, em certas condições, constituir um motivo de não execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade. (38) Em contrapartida, a circunstância de o mandado de detenção europeu ter sido emitido para efeitos de procedimentos penais sem que a pessoa procurada tenha sido ouvida pelas autoridades judiciárias de emissão não figura entre os motivos de não execução de tal mandado, tal como previstos pelas disposições da Decisão‑Quadro 2002/584. (39) Contrariamente ao que sustenta C. V. Radu, a observância dos artigos 47.° e 48.° da Carta não exige que uma autoridade judiciária de um Estado‑Membro possa recusar a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimentos

PÁGINA 51

penais com o fundamento de que a pessoa procurada não foi ouvida pelas autoridades judiciárias de emissão antes de o mandado de detenção ter sido emitido. (40) Há que reconhecer que impor às autoridades judiciárias de emissão a obrigação de ouvirem a pessoa procurada antes de emitirem o mandado de detenção europeu colocaria inevitavelmente em risco o próprio sistema de entrega previsto pela Decisão‑Quadro 2002/584 e, portanto, a realização do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, uma vez que, a fim de, designadamente, evitar a fuga da pessoa em causa, tal mandado de detenção deve beneficiar de um certo efeito de surpresa. (41) Em qualquer caso, o legislador europeu garantiu o respeito do direito de ser ouvido no Estado‑Membro de execução de modo a não comprometer a eficácia do mecanismo do mandado de detenção europeu. (42) Assim, resulta dos artigos 8.° e 15.° da Decisão‑Quadro 2002/584 que, antes de decidir entregar a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal, a autoridade judiciária de execução deve exercer uma certa fiscalização no que respeita ao mandado de detenção europeu. Além disso, o artigo 13.° desta decisão‑quadro prevê que a pessoa procurada tem o direito de ser assistida por um defensor quando consente na sua entrega e, eventualmente, renuncia à regra da especialidade. Por outro lado, por força dos artigos 14.° e 19.° da Decisão‑Quadro 2002/584, a pessoa procurada, se não consentir na sua entrega e é objeto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de um procedimento penal, dispõe do direito de ser ouvida pela autoridade judiciária de execução nas condições determinadas de comum acordo com a autoridade judiciária de emissão. (43) Tendo em conta o exposto, há que responder às quatro primeiras questões, bem como à sexta questão, que a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada no sentido de que as autoridades judiciárias de execução não podem recusar executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de um procedimento penal com o fundamento de que a pessoa procurada não foi ouvida no Estado‑Membro de emissão antes de esse mandado de detenção ter sido emitido. (…) Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara: A Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretada no sentido de que as autoridades judiciárias de execução não podem recusar executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de um procedimento penal com o fundamento de que a pessoa procurada não foi ouvida no Estado‑Membro de emissão antes de esse mandado de detenção ter sido emitido.

PÁGINA 52

REALIZADO POR Tânia Catarina Paiva Santos Ano letivo 2014/2015 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Mestrado em Ciências Jurídico Criminais Unidade Curricular: Direito Processual Penal Lecionada pelo Professor Doutor Pedro Caeiro

PÁGINA 53

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.