Reformar a democracia e o aprofundamento da cidadania

June 2, 2017 | Autor: Micael Sousa | Categoria: Democracy, Democracia Participativa, Democracia, Ciberdemocracia, Democracias Representativas
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REFORMAR A DEMOCRACIA E O APROFUNDAMENTO DA CIDADANIA

CONCURSO DE ENSAIO: A SOCIEDADE CIVIL E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA

VENCEDOR DO 3.º LUGAR NOS CONCURSOS MONTEPIO 2014

INTRODUÇÃO Nas sociedades heterogéneas e cosmopolitas ocidentais, ditas democráticas, assenta a era da informação e comunicação. Nesta era revolucionária de comunicação a velocidades sem precedentes, de democratização do acesso à informação em tempo real e em sistema biunívocos e de múltiplas interacções, a Internet é um dos palcos principais. Se enveredarmos pela história virtual podemos especular imenso sobre o desenvolvimento futuro dessa maravilha dos tempos modernos, pois as possibilidades são imensas, ainda que não desprovidas de conotações potencialmente negativas. Partindo do princípio que será positivo continuar a desenvolver as democracias, pois as sociedades mais desenvolvidas são as mais democráticas, e vice-versa (Acemoglu & Robinson, 2013), este ensaio procura ligar o reforço da cidadania ao aprofundamento da democracia, envolvendo cada vez mais os seus cidadãos nos processos democráticos, recorrendo crescentemente às novas formas de tecnologias de informação e comunicação (TIC), especialmente com as novas possibilidades da Internet.

SOCIEDADE E INDIVIDUALISMO As sociedades ocidentais, berços de democracias, mudaram bastante desde os dois últimos séculos. Foram imensas as conquistas sociais rumo ao Estado de Direito e às liberdades individuais e coletivas. Estas mudanças foram acompanhadas pela liberalização dos sistemas de governo, ainda que de forma não linear. A tendência, no geral, foi a democratização dos regimes e das 1

sociedades. Foi grande o florescimento cultural e a educação e escolarização massificaram-se. Sabemos que o acesso à informação, que passa também pela escolarização, é essencial para o exercício pleno da cidadania e da democracia. A sociedade civil é constituída por todos cidadãos e reforçada quanto mais educados e instruídos forem, conhecedores dos seus deveres e direitos, com diversidade e pluralidade de opinião e ação. Mas o reforço da participação cívica política nas democracias não acompanhou, como seria de esperar, a evolução educativa, ainda que os cidadãos mais educados sejam os mais propensos a participar politicamente, mas também os que mais facilmente se desiludem quando vêm as suas espectativas goradas (Levine, 2002). Poderíamos dizer que tal se deveu ao crescente individualismo das nossas sociedades. Mas o individualismo é uma daquelas características essenciais para garantir a liberdade e a democracia. Sem cidadãos que se constituam como indivíduos independentes, pensantes e atuantes por si ou em grupo, não existe liberdade plena nem o pluralismo e diversidade essenciais para implantar uma sólida e durável democracia, verdadeiramente inclusiva e participada. Talvez o problema não seja o individualismo. Talvez o problema seja a sua desarticulação com as dimensões e dinâmicas de grupo ativas necessárias para estruturar as democracias. Ou seja, o problema pode bem ser a inconsequência do individualismo na política, a falta de espaço e resultados da participação diretas dos cidadãos nas democracias. Nas democracias mais maduras tem-se notado um contínuo afastamento dos cidadãos face ao exercício da política. As taxas de abstenção são crescentes e aproximam-se de níveis realmente preocupantes. Existe desconfiança perante a classe política, que muitas vezes, contra o próprio princípio democrático, se 2

constitui como uma classe social à parte, em vez de brotar diretamente da sociedade civil. No entanto, esse afastamento e desinteresse não são absolutos. Quando estão em causa temas e assuntos específicos existem níveis de mobilização consideráveis1. Então, quando os assuntos tocam os cidadãos, quer seja diretamente ou porque são mediatizados, existe a vontade e disponibilidade de envolvimento. Também as instituições políticas, religiosas, corporativas e cívicas têm perdido o seu peso nas sociedades democráticas, enfraquecendo a diversidade que deve caracterizar as suas sociedades civis (Levine, 2002). De notar a perda de poder de certos grupos de pressão, especialmente dos defendiam os mais desfavorecidos e impotentes2. A liberdade, escolarização e acesso à informação, aliados ao individualismo, vieram abalar de muitos desses poderes (os positivos e os negativos). A internet tem tido um papel essencial nesse minar, mas tem também ajudado à mobilização para algumas causas cívicas e políticas3. No entanto, esse derrubar institucional não tem sido substituído por mais envolvimento democrático permanente dos cidadãos. Nesta derrocada os poderes menos afectados serão os económicos, aqueles que se ligam aos grandes grupos económicos e empresariais. Nas sociedades contemporâneas de consumo essas entidades têm prosperado, usando dos seus amplos poderes para reforçar o consumismo e o individualismo. Isso acontece também na cultura e valores de massas, com enraizamento na vida familiar. Os meios

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De notar, por exemplo: o casamento homossexual, a despenalização/legalização da interrupção voluntaria da gravidez, legalização das drogas leves, entre outros. 2 Associações cívicas, associações de solidariedade social, partidos políticos, sindicatos, religiões, etc. 3 Algumas delas referidas já na nota anterior. Outros casos muito relevantes foram as mobilizações através das ferramentas da Internet que permitiram concretizar as revoluções no mundo árabe, a chamada “Primavera Árabe”, que sem as novas tenologias dificilmente teriam acontecido.

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de comunicação, quase sempre controlados pelos grandes grupos económicos, interessam-se mais em formar consumidores que cidadãos, em constantes guerras de audiência. O objetivo principal de muitos dos meios de comunicação é entreter e não formar e informar, que são aspectos essenciais para a formação de cidadãos e da consciência política cívica e democrática. A televisão é o principal instrumento cultural e meio de acesso à informação, o mais consumido familiarmente. Assim, facilmente se percebe o porquê do afastamento da vida familiar face à política e participação democrática. No entanto, a Internet está a quebrar a hegemonia dos meios de comunicação de massa. Não sendo controlada por nenhuma entidade particular e podendo cada utilizador escolher o que acede online4, o desenvolvimento cívico pode passar pela Internet, que possibilita a conjugação da flexibilidade entre liberdade e acesso à informação. Mas existem perigos. Para que a Internet possa ser um apoio à democracia ela tem de continuar livre e incontrolável. Nem o poder político nem o económico, ou outro, a devem controlar5. A Internet e todas as tecnologias de detecção e localização remota, associadas aos equipamentos que transportamos diariamente, quando usadas de forma despótica, podem criar uma sociedade vigiada e controlada, com graves constrangimentos às liberdades6. A Internet pode também desvirtuar e modificar as relações humanas, isolando quem a utiliza como único meio de sociabilização. A saudável vida social em

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A maior parte da informação está disponível online, tal como ferramentas de interacção, discussão, debate e partilha, concretizando uma sociabilização e disseminação de conhecimento virtual. 5 A manipulação perniciosa da Internet pode concretizar o controlo distópico imaginado por George Orwell no seu 1984. 6 Relembrar a frase/slogan simbólico de George Orwell no seu 1984:“Big Brother is Watching You”.

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democracia exige contacto humano e a tolerância pela diversidade, que em muitos casos gera saudáveis diferendos de opinião. O uso exclusivo de Internet, por permitir o acesso direto a informação e conteúdos específicos e de especialidade, podem levar a uma ignorância geral de tudo o resto, levando ao monopensamento e à monocultura, igualmente opostas ao ideal de diversidade democrática. A facilidade com que um utilizador evita um assunto, um confronto e não toma posição pessoal perante algo, pode corromper os próprios princípios democráticos. Mas, por outro lado, para os mais tímidos, a comunicação assíncrona e não presencial pode ser o único modo de obter o seu contributo positivo para a vida colectiva e política. Uma possibilidade ideal seria a conjugação do modo presencial e do virtual, tirando o melhor partido de cada um deles. Só não podemos esquecer que a utilização da vertente electrónica orientada para os fins cívicos e políticos é muito recente e não ensaiada em grande escala. O uso da internet das TIC para fins cívicos pode criar um novo tipo de sociedade civil, diferente do que habitualmente concebemos, sem muitas das restrições físicas atuais. Será um potencial admirável mundo novo, mas, tal como o livro de Huxley, devemos estar ciente dos perigos da novidade artificial.

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA, DELIBERATIVA, DIRECTA OU ESPECIALIZADA? Partindo do princípio que a democracia será o mesmo que autogoverno do próprio povo e que cada indivíduo desse povo7 deve participar nessa forma de governo, podemos dizer que a democracia nunca foi completamente

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Sendo o povo aqui entendido como toda a população sob essa autoridade governativa.

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concretizada. Por outro lado, se bastar que alguns dos seus membros representem todo o restante povo então tivemos e temos verdadeiras democracias por todo o mundo. Noutro extremo, se o “governo do povo8” significa simplesmente governar o povo, então quase todos os sistemas de governo são democracias. Vamos excluir este último exemplo, tentando fazer a ponte pragmática entre os dois primeiros caso, tendendo sempre para o primeiro como conceito ideal de democracia. A aplicação da democracia tem sido, historicamente, um processo progressivo e progressista. A tendência para o sufrágio universal e da igualdade de direitos e

oportunidade

foram

obtidos

gradualmente,

salvo

alguns

eventos

revolucionários. Nessa tendência encaixa a necessidade de igualdade na participação da possibilidade de decisão política. Assim sendo, a forma mais desenvolvida

de

democracia

seria

aquela

em

que

todos participam

directamente. Todos deliberam, todos participam nos processos de governo, em todas as suas dimensões. O ideal será então aquilo a que se chama de democracia direta. A democracia direta, pela sua natureza, sempre foi difícil de aplicar em sociedades complexas. Até em pequenas comunidades dificilmente se dispensa algum nível de representação e delegação de poderes superiores. Se a mais pura forma democrática, onde efectivamente todo a população tem o seu papel na governação, é difícil de concretizar qual o caminho que devemos seguir? A democracia directa poderá ser considerada aquele ideal inalcançável que pretendemos atingir, para nos nortear e fazer continuamente melhorar o

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Relação com o significado onomástico do termo ‘democracia’.

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sistema político. No entanto, as novas TIC estão a quebrar algumas destas barreiras intransponíveis. A democracia representativa foi o modo pragmático de concretizar a democracia

como

prática

governativa.

Não

tem

o

mesmo

tipo

de

desenvolvimento e abrangência que seria suposto ter um tipo de governo inclusivo em que toda a população realmente participasse directamente em contínuo. O modelo representativo pode ser elitista e tornar certos grupos de cidadãos mais poderosos que outros, mas sem ele não haveria democracia na prática. É importante lembrar Stuart Mill, que considerava ideal o modo de democracia direta, mas percebia perfeitamente todas as limitações que isso acarretava, defendo modelo representativo. A universalidade do voto seria defendido

e

generalizado

somente

depois

nas

democracias

mais

vanguardistas. O processo democrático prosseguiu assim, continuamente, rumo à universalização e participação direta por lentos passos. Curiosamente foi nos casos pontuais revolucionários que surgiram modelos aproximados de democracia direta. Lembremos a Comuna de Paris de 1871 e o caso dos Sovietes russos do início de século XX, onde se construíram assembleias deliberativas capazes de agregar as sociedades locais para deliberar e se autogerirem. Foram casos efémeros, que subitamente se extinguiram ou que degeneraram por vias não democráticas. Assim, a tendência geral no ocidente foi o aprofundamento lento e contínuo do modelo democrático representativo, com tentativas de aproximação dos eleitos e representantes aos votantes e representados. Os cidadãos foram ganhando

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o direito ao voto e a serem eleitos para os cargos governativos. Atingiram-se os sufrágios e a possibilidade de candidaturas universais. Mais que nunca é necessário continuar a aproximar a democracia dos cidadãos. Os modelos representativos precisam de mudanças e reformas, embora isso seja mais evidente numas democracias que em outras. No caso português

a

necessidade

é

urgente,

pois

crescem

as

vozes

de

descontentamento e aumenta paulatinamente a abstenção. Sendo muitas as razões, uma delas será devida ao afastamento entre eleitos e eleitores, sentindo os últimos que não são devidamente representados nem envolvidos nos processos governativos. São várias as mudanças que se vão propondo, tais como: mudanças dos círculos eleitorais; recurso a eleições primárias para todos os sufrágios; ordenação pelos eleitores das listas propostas pelos vários partidos; possibilidade de candidaturas de independentes por círculos eleitorais mais ligados às comunidades locais; criação de dois tipos de círculos (nacionais e locais) e duas câmaras representativas; alargamento dos processos de referendo; recurso aos modelos da democracia electrónica ou da democracia direta. São imensas as possibilidades. É nestas possibilidades, e noutras ainda por identificar e descobrir, que interessa apostar para o desenvolvimento e aprofundamento da democracia antes que esta se torne só mais uma forma de governo arcaico e inadaptada à realidade. A democracia não se pode cristalizar e salvaguardar como peça de museu intocável e inalterável, até porque não se vislumbra qualquer outro sistema político que garanta os direitos individuais, colectivos, liberdade, justiça e igualdade de oportunidades.

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A democracia electrónica começa a ter as ferramentas para se concretizar. Pode ser perfeitamente ser conjugada com os modelos representativos e diretos presenciais9. A Internet e as novas TIC com os seus dispositivos móveis e infra-estruturas capazes de colocar qualquer informação à distância de um clique ou de um toque no ecrã estão a mudar o mundo. É muito provável que a democracia mude também com isso, especialmente porque possibilita suprimir obstáculos físicos insuperáveis no passado. Essas ferramentas podem efetivamente aproximar os cidadãos da democracia, facilitando o acesso à informação e à participação em modos deliberativos diretos10. O Hardware e o software, devidamente conjugados, podem auxiliar o que até agora tinha sido impossível. As distâncias encolhem, os custos operacionais reduzidos e o tempo de acesso incrivelmente diminuído. A democracia electrónica é muito mais que o voto eletrónico. Ela pode permitir uma participação direita contínua e continuada, muito para além do mero sufrágio pontual. Facilmente se podem criar referendos, fóruns de debate, concursos e debates de ideias, acesso à informação de especialidade. Para além de tudo isso, até conceitos ainda em construção como os da democracia especializada (Lacerda Fonseca, 2010) podem

ser

ensaiados,

inspirados

nos

modelos

diretos

conceptuais

devidamente adaptados às novas TIC. Essa conceção faz lembrar, em parte, a Comuna de Paris, quando se adoptou um modelo de representação com possibilidade dos representados removerem, a qualquer momento, o apoio político aos representantes. Nos fóruns da democracia especializada poderiam nascer sistemas de delegação de voto por representação, havendo cidadãos a

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O caso Suíço demonstra ser possível e funcional com os seus imensos referendos de modelo semidirecto, tal como o processo alternativo Islandês e o exemplo inovador e alargado da cidade de Porto Alegre no Brasil. 10 Por exemplo, recorrendo smartphones e outros dispositivos correntes de acesso à Internet

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delegar o seu voto noutros cidadãos para os usarem como seus, sendo que quem delegava poderia mudar o seu apoio de acordo com a avaliação da prestação que fazia do seu representante, podendo depois assumir ele mesmo esse papel e tentar recolher votos de outros cidadãos. O voto individual de cada cidadão poderia ser reforçado por outros que nele delegassem os seus votos para certos fóruns temáticos consultivos ou deliberativos. Poderia haver ponderações e limites para impedir excessos. Mas esse peso seria sempre dependente da confiança de quem nele tinha depositado o seu voto, garantindo que não veriam desfraldadas as suas espetativas. Este modelo pode parecer estranho e difícil de implementar, mas já não são as dificuldades técnicas e tecnológicas que o impedem. Seria uma mudança grande no modo como se faz política. Estas ideias e princípios poderiam ser integrados com os modelos representativos. Poderia ser testado apenas para alguns assuntos específicos ou para projetos particulares. Poderia articular a parte virtual com a presença e desenvolvimento de iniciativas presenciais. São muitas as possibilidades.

INTERNET E A DEMOCRACIA O futuro da democracia é uma página em aberto, resta saber se será uma página de Internet. Muitos autores, pensadores e correntes depositam esperanças nas novas TIC para revolucionar o modo como se faz política. Há quem veja na Internet a esperança para o futuro da democracia, sendo a tecnologia que faltava para finalmente implementar modelos de democracia mais diretos e deliberativos. As TIC podem ser também as ferramentas adequadas para aproximar os jovens do exercício cívico da democracia, uma

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vez que dominam a tecnologia. Esta aproximação é imperativa pois tendem ao desinteresse pelos assuntos políticos. Garantir o seu envolvimento cívico e democrático é garantir o futuro da democracia. É difícil saber como será o futuro, mas as TIC apresentam potenciais imensos de aprofundar os modelos democráticos e mesclar a democracia representativa com novos métodos e sistemas que tendem para a vertente mais direta. Nos sistemas representativos os políticos eleitos representam vários cidadãos, mas será sempre difícil saberem se, depois dos atos eleitorais, a sua prática política mantém o mesmo apoio. Qual a garantia dada ao cidadão de que não é ignorado e de que o político não atua somente de acordo com os seus interesses individuais, com o partido ou grupo político a que se associou ou ainda outro qualquer interesse oculto estranho à esfera pública? As TIC podem servir como ferramenta de aferição e avaliação do eleitorado e dos eleitos, com possibilidade de interação e comunicação biunívocas. As redes sociais, mailinglists, blogues, páginas de internet, fóruns e outros já permitem fazer isto. Ferramentas desenvolvidas para o efeito seriam, seguramente, um modo de aproximar eleitores dos eleitos. Passando para os modelos mais diretos e práticos, poderiam ser criadas ferramentas de adesão voluntária, associadas aos vários organismos políticos e administrativos11 em que os cidadãos pudessem votar em referendos constantes. Por ai podiam, entre si, organizar forças de grupo e lóbi positivo em torno de causas que estivessem em debate ou outras novas por eles sugeridas. Estas possibilidades poderiam ser apenas consultivas, ou deliberativas com ponderações ou percentagens a conjugar com o poder de 11

Ministérios, municípios, freguesias, etc.

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representação democraticamente eleito. As possibilidades são imensas, importa começar a testa-las. Pensando noutros níveis de desenvolvimento da democracia direta, certas decisões podiam ter de passar por assembleias online em que cada cidadão teria o seu assento virtual, podendo exercer esse direito e dever através da Internet ou presencialmente com apoio das instituições políticas locais, tendo de se prever meios para este efeito. Na escala local seria mais fácil implementar estes modelos. Nessas assembleias virtuais e presenciais, definidas por bairros ou localidades, os moradores podiam participar, possibilitando a mobilização simples e direta de grupos com interesses e causas comuns também através da via democrática eletrónica. Já Alexis de Tocqueville demonstrou que é em associações e grupos mais pequenos que se conseguem ensaiar e formar o espírito e a prática democrática nos cidadãos, espaços esses onde se debate, discute e obrigue a defender pela razão posições e propostas. Poderíamos aprofundar os modelos existentes de orçamentos participativos ao caso dos orçamentos de estado. Poderia haver a possibilidade dos cidadãos destituírem diretamente eleitos e governos. Estas possibilidades poderiam ser concretizadas, havendo sempre que garantir uma mobilização expressiva para tal, de modo a garantir a governabilidade e evitar o excesso de populismo. Existem também as possibilidades das wikidemocracias, ideias abordadas por J. Manuel Feliz Teixeira, baseadas no trabalho colaborativo de criação de legislação e regulamentações públicas. Esses princípios podem ser aplicados, com base colaborativa, a outras vertentes da vida cívica e política, reforçando a sua vertente comunitária.

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CONCLUSÃO A democracia viverá enquanto se adaptar e evoluir continuamente. A sociedade civil será igualmente próspera se acompanhar a evolução democrática e se para ela contribuir. Podemos dizer que as democracias, no geral, estão a atravessar algum tipo crise - algumas existencialistas, outras bem mais estruturais. A sociedade civil tende a enfraquecer, atentada pelo consumismo, materialismo e individualismo da sociedade da informação e comunicação a velocidades vertiginosas. Os maus exemplos da classe política e os valores culturais e vivenciais familiares e da vida do dia-a-dia afastam os cidadãos dos princípios democráticos e políticos, tornando o exercício da cidadania casos de exceção. As TIC têm um potencial imenso, podem reforçar as conexões políticas e sociais das democracias contemporâneas. Mas por si só pouco garantem, pois são somente ferramentas conceptuais e tecnológicas. Tem de partir dos poderes políticos o reconhecimento dessa via para revitalizar o próprio sistema em que se inserem, evitando-se a ideia que perdem poder com esta opção. Muito pelo contrário, essa tendência só pode reforçar os seus poderes de representação ao aproxima-los dos eleitores. A sociedade civil deve também fazer o seu papel de pressão com as forças vivas. O envolvimento consequente dos cidadãos será a garantia do sucesso dessa opção. As maisvalias coletivas são imensas. Então teremos de desenvolver as ferramentas para incentivar e incluir os cidadãos no exercício cívico/político e demonstrar que a sua participação tem resultados práticos, nem que seja pela criação de

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empatia e compreensão perante as dificuldades resultantes da gestão esfera pública. Há que insistir na regeneração cívica, caso contrário o único local onde encontraremos a democracia será nos livros de história ou num qualquer museu, impossível de tocar. A solução será começar pelos casos mais simples de democracia direta (apoiada pela vertente tecnológica), devidamente integrados com os modelos representativos. O aprofundamento da democracia eletrónica e dos modelos mais diretos depende depois da eficácia e resultados da implementação das iniciativas em causa. O mais importante será começar.

Referências bibliográficas Acemoglu, Daron; Robinson, James. “Porque Falham as Nações – As origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza”. Temas e Debates – Circulo de Leitores, 2013. Feliz Teixeira, J. Manuel. “The Perfect Time for the Perfect Democracy”. 2012 Disponível em: http://paginas.fe.up.pt/~feliz/e_poster4_wiki-law-government.pdf Freeman, Julie; Quirke, Sharna. “Understanding E-Democracy - GovernmentLed Initiatives for Democratic Reform”. JeDEM - eJournal of eDemocracy and Open Government. Disponível em: http://www.jedem.org/. 2013 Ginsborg, Paul. “A Democracia que Não Há - O que fazer para proteger o bem político mais precioso dos nossos tempos”. Editorial Teorema, 2008. Hyxley, Aldous. “Admirável Mundo Novo”. Antígona, 2013.

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