Reformatio in pejus no processo administrativo

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26/03/2015

"Reformatio in pejus" no processo administrativo ­ Artigos | Carta Forense

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THIAGO MARRARA

ADMINISTRATIVO

"Reformatio in pejus" no processo administrativo 0 4/ 11 /2 0 09  po r T hiago  Marr ara

Ao longo do tempo, não só no direito brasileiro, consolidou­se o entendimento de que a reformatio in pejus, ou  melhor,  a  "reforma  de  uma  decisão  para  pior"  seria  ilegal  quando  praticada  no  processo  administrativo.  Ao contrário do que se verifica no âmbito do processo penal, em que o assunto encontra disciplina legal há muito tempo, a reformatio in pejus, no campo do direito administrativo brasileiro, passou a ser rechaçada de modo genérico, sem as devidas  especificações  e,  mais,  sem  as  devidas  diferenciações  perante  outros  institutos,  como  o  da  anulação, revogação,  correção.  Essa  afirmação,  não  muitas  vezes,  carecia  de  detalhamento  principalmente  frente  as  mais diversas formas e finalidades dos processos e procedimentos administrativos que existem não somente no Brasil, mas em diversos ordenamentos jurídicos.  Justamente  por  essa  fumaça  que  se  formou  ao  redor  do  instituto,  a  edição  da  Lei  n.  9.784/99  causou  espanto  para alguns.  Ao  disciplinar  o  processo  administrativo  no  âmbito  da  Administração  Direta  e  Indireta  da  União  e  organizar normativamente  o  sistema  recursal  administrativo,  referida  Lei,  mas  conhecida  como  LPA,  tratou  expressamente  da reformatio  in  pejus  em  dois  dispositivos  legais  contidos  em  seu  capítulo  XV.  No  art.  64,  parágrafo  único  teria permitido  a  reformatio  in  pejus  e  no  art.  65,  parágrafo  único  a  teria  afastado.  Esses  dispositivos  exigem,  portanto, algumas reflexões.  Nos  termos  do  art.  64  da  LPA,  o  órgão  federal  competente  para  decidir  o  recurso  administrativo  poderá  confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida. Além disso, nos termos do parágrafo único, que aqui nos interessa, "se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente,  este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão". Ora, ao falar da possibilidade de gravame em  razão  da  decisão  da  autoridade  superior  frente  ao  recurso  administrativo,  o  Legislador  nada  mais  fez  do  que reconhecer a possibilidade de a decisão recursal piorar a situação do recorrente a despeito de se tratar de uma hipótese de anulação ou revogação. 

Professor de Direito Administrativo da FDRP ­ USP; Doutor pela Universidade de Munique ­ LMU. Autor da Editora Atlas.

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Essa norma, porém, está longe de ser um ataque aos direitos dos administrados, como pode aparecer em um primeiro momento.  De fato, ao mencionar a figura do recorrente, o art. 64, parágrafo único, da LPA abrange não somente os acusados em processos  administrativos  bipartites  ­  envolvendo  apenas  o  Estado  e  o  cidadão  ­  como  também  processos administrativos  tripartites,  em  que  o  Estado  se  coloca  na  posição  de  julgar  de  conflitos  privados  que  apresentem relevância pública ­ o que se vislumbra, por exemplo, no âmbito das agências reguladoras federais. Além disso, ao se referir  ao  recorrente  de  modo  amplo,  o  Legislador  quis  abranger  tanto  o  Estado­recorrente  quanto  o  cidadão­ recorrente. Melhor dizendo: não se fez distinção nenhuma acerca dos destinatários da norma, de modo que ela atinge tanto  o  recurso  voluntário  próprio  interposto  pelo  administrado  ou  por  uma  entidade  estatal,  quanto  o  recurso  de ofício privativo de ente público.  Disso  já  se  retira  uma  importante  conclusão  a  desmitificar  a  reformatio  in  pejus  no  processo  administrativo. Ao contrário do que ocorre no processo penal, em que a vedação da reformatio in pejus prevista no art. 617 do CPP incide  na  hipótese  de  apelação  exclusiva  do  réu­cidadão,  no  processo  administrativo,  o  recorrente  também  pode  ser um  ente  da  Administração  Pública.  Isso  revela  que  reformatio  in  pejus,  no  processo  administrativo,  não  é necessariamente  um  retrocesso,  um  mal  ao  cidadão.  Ao  ser  eventualmente  empregada  contra  o  Estado­recorrente,  a reformatio in pejus pode se revelar, ao mesmo tempo, como uma reformatio in melius para a própria coletividade.  Além  disso,  é  preciso  lembrar  dois  outros  aspectos  que  tornam  incompreensíveis  o  medo  que  o  instituto

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poderia causar quando aplicado no processo administrativo em específico.  A  uma,  a  norma  contida  no  art.  64,  parágrafo  único  da  LPA,  reconhece  a  obrigatoriedade  de  manifestação daquele que possa ter sua situação agravada com o julgamento do recurso administrativo. Desse modo, qualquer tipo de decisão recursal que possa gerar gravame para o recorrente exigirá sua prévia manifestação sob pena de nulidade. A  duas,  mais  importante  que  todos  os  outros  aspectos,  a  norma  contida  no  dispositivo  se  aplica  apenas

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subsidiariamente  para  os  mais  diversos  tipos  de  processos  e  procedimentos  administrativos  federais.  De  fato,  nos

MODELOS DE PEÇAS E CONTRATOS

termos  do  art.  69  da  LPA,  as  normas  gerais  ali  contidas  entrarão  em  jogo  somente  se  o  Legislador  considerar  que certos  tipos  de  processos  e  procedimentos  administrativos  não  mereçam  um  tratamento  específico.  A  vedação  da reformatio  in  pejus  dependerá,  portanto,  de  um  juízo  do  Legislador  a  respeito  de  suas  conveniências  dentro  de  um determinado  formato  procedimental  (ex.:  procedimento  de  licenciamento,  processos  concorrenciais,  processos condenatórios  em  matéria  de  direito  do  consumidor,  processos  condenatórios  no  âmbito  de  agências  reguladoras, procedimentos  fiscalizatórios  etc.).    Assim,  apenas  quando  não  houver  norma  especial,  poderá  o  art.  64,  parágrafo único da LPA ser utilizado. Justamente por essa aplicação subsidiária do dispositivo para os mais diversos setores da Administração Pública, sua redação foi corretamente elaborada de modo amplo e flexível.  A  LPA,  porém,  não  parou  por  aí.  O  art.  65  também  abordou  reformatio  in  pejus  em  casos  de  revisão  da decisão  administrativa  condenatória.  Contudo,  ao  contrário  do  dispositivo  anterior,  a  vedação  da  reformatio  in  pejus foi  diretamente  consagrada  nesse  caso.  A  razão  dessa  vedação  torna­se  evidente  quando  considerado  o  contexto  do artigo  em  questão.  Diferentemente  do  art.  64,  o  65  trata  da  revisão,  ou  seja,  da  alteração  para  melhor  da  decisão administrativa condenatória em razão de fato novo ou circunstância relevante. Esse ato revisional, praticado de ofício ou  por  provação  da  parte,  é  uma  forma  específica  de  recurso  em  sentido  amplo  e  se  destina  apenas  para  reabrir  a inadequação de sanções aplicadas em processos já concluídos. Nesse caso, não haveria razão lógica, portanto, para que aquele  que  se  vale  da  revisão  ­  a  saber,  pessoa  jurídica  de  direito  público  ou  privado  ou  o  cidadão  ­  pudesse  ser prejudicado pela nova decisão.   Em  síntese,  essas  breves  linhas  buscam  apenas  demonstrar  que  o  tópico  da  reformatio  in  pejus  no  processo administrativo,  principalmente  após  a  edição  da  Lei  9.784/99,  deve  ser  analisado  com  calma  e  cautela,  evitando­se generalizações.  Para  entender  a  nova  realidade  do  processo  administrativo  brasileiro  é  preciso  mais  que  importar soluções doutrinárias baseadas em outros ordenamentos jurídicos; é preciso mais que comparar, de modo genérico, a sistemática  do  processo  judicial  com  a  do  processo  administrativo.  Nesse  sistema  processual  particular,  as  novas normas  que  regem  a  matéria  não  são  necessariamente  contrárias  aos  interesses  dos  cidadãos.  A  possibilidade  da reformatio  in  pejus  em  alguns  casos  específicos  pode  gerar  benefícios  para  interesses  individuais  e  difusos  dos  mais diversos desde que praticada ­ como sempre se impõe ­ à luz do princípio da moralidade e da finalidade pública.

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Emília 25/04/2014 18:20:37 Muito esclarecedor ! Estou estudando para concursos e sou fisioterapeuta, estava bem "embolada" nesses artigos, lendo somente minha apostila. Dúvidas resolvidas !!!

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