Refugiado, imigrante ou pessoa…? O poder de nomear

June 28, 2017 | Autor: Lúcio Sousa | Categoria: Refugee Studies, Forced Migration, Refugees, Refugiados
Share Embed


Descrição do Produto

09/10/2015

Refugiado, imigrante ou pessoa…? O poder de nomear | Plataforma Barómetro Social

Refugiado, imigrante ou pessoa…? O poder de nomear Publicado em 9 de Outubro de 2015 por Conselho de Coordenação

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social Título do artigo: Refugiado, imigrante ou pessoa…? O poder de nomear Autor: Lúcio Sousa e Paulo Manuel Costa Filiação institucional: Universidade Aberta / CEMRI E­mail: [email protected]; [email protected] Palavras­chave: refugiados, asilo, Europa. A crise humanitária no Mediterrâneo, ela mesma o resultado da acumulação de outras crises (guerras, pobreza, sub­desenvolvimento), evidencia os limites da solidariedade internacional e humanitária, em particular daqueles que  tendo  um  nível  de  vida  mais  elevado  têm,  pelo  menos,  a  obrigação  moral  de  ajudar  os  que  passam  por momentos difíceis. Um  dos  paradoxos  destes  limites  observa­se  na  forma  como  são  nomeadas  as  pessoas  em  fuga.  A  panóplia  de termos empregues: (e/i)migrantes, refugiados ou ilegais, varia de acordo com os interesses dos atores­recetores, revelando  tanto  a  perplexidade  perante  o  processo,  que  não  sendo  novo,  recrudesceu,  como  a  intenção inclusiva/exclusiva que subjaz, pela forma como são categorizadas as pessoas envolvidas, os interesses políticos e securitários [1]. A  Agenda  Europeia  da  Migração,  proposta  pela  Comissão  Europeia  [2],  evidencia  esses  limites:  prevalecendo  a vontade  e  o  interesse  em  impedir  que  os  nacionais  de  países  terceiros  cheguem  às  fronteiras  europeias, nomeadamente concedendo apoios financeiros a países que têm acolhido um elevado número de refugiados, como a  Turquia  (p.  9),  com  a  intenção  de  os  fixar  nesses  países,  ou  pretendendo  ajudar  os  Estados­Membros  a construírem «fronteiras externas sólidas e coerentes» e os Estados terceiros a «gerirem melhor as suas fronteiras» (p. 13). No que respeita à migração legal, a Agenda revela a necessidade da Europa adotar uma política competitiva que permita  atrair  migrantes  altamente  qualificados  para  suprir  as  suas  necessidades  do  mercado  de  trabalho  e interesses (pp. 16­17). Esta política faz com que os países em vias de desenvolvimento fiquem privados dos seus recursos humanos mais qualificados, facto que não pode deixar de afetar o respetivo processo de desenvolvimento económico. Sem condições para fixar os seus nacionais qualificados, a pressão migratória cresce, incluindo entre aqueles  que  não  têm  qualificações  elevadas  e  que  são  obrigados  a  emigrar  em  busca  de  condições  de  vida condignas; no entanto, como as fronteiras europeias estão fechadas a estes últimos, a entrada só pode ser feita por via irregular, alimentando uma economia paralela e criminosa. A  associação  entre  refugiados  e  migrantes  não  é  completamente  inocente.  Não  se  ignorando  que  os  fluxos  de pessoas  junto  das  fronteiras  europeias  incluem,  naturalmente,  migrantes,  a  junção  dos  dois  grupos  tem  sido utilizada  para  atenuar  ou  afastar  as  obrigações  que  recaem  sobre  os  Estados  em  matéria  de  refugiados  e  que representam  uma  exceção  ao  poder  soberano  tradicionalmente  reconhecido  aos  Estados  de  controlarem  e impedirem a entrada de estrangeiros nos seus territórios. http://barometro.com.pt/archives/1830

1/3

09/10/2015

Refugiado, imigrante ou pessoa…? O poder de nomear | Plataforma Barómetro Social

Efetivamente, o direito a asilo é um direito humano fundamental e encontra sustentação no direito internacional positivo. Os Estados têm a obrigação de conceder o estatuto de refugiado e garantir proteção a todos aqueles que cumpram os requisitos previstos para obter asilo. Aquele direito e esta obrigação não existem apenas no interior das  fronteiras  do  Estado,  mas  também  à  entrada  das  fronteiras,  ou  seja,  existe  um  direito  de  entrada  para apresentação de um pedido de asilo. O  conceito  legal  de  refugiado  decorre  da  Convenção  relativa  ao  Estatuto  de  Refugiado  (1951)  [3]  e  Protocolo relativo  ao  Estatuto  dos  Refugiados  de  1967  [4].  Para  o  efeito,  é  considerado  refugiado  todo  aquele  que  tenha fundados receios de ser perseguido «em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas» (artigo 1.º, §A.2) e sempre que não tenha possibilidade ou não queira, por causa desse perseguição, pedir a proteção do Estado de que é nacional. Esta formulação deixa de fora muitas situações merecedoras de proteção. Não admira que, a nível regional, outras definições  tenham  emergido,  atente  aos  tempos  e  contextos  específicos.  Em  1969  a  Organização  de  Unidade Africana  passou  a  incluir  as  situações  de  refúgio  fora  do  país  da  residência  devido  «a  uma  agressão,  ocupação externa, dominação estrangeira ou a acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública numa parte ou na totalidade do seu país de origem ou do país de que tem a nacionalidade» (artigo I, n.º 2, da Convenção que rege os Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados em África [5]). Em 1984, a Declaração de Cartagena sobre os Refugiados [6], pretende desencadear o mesmo processo na América Latina. Em contexto académico e humanitário observa­se um debate crescente sobre o conceito de refugiado, sugerindo­ se  a  inclusão  de  novas  situações  passíveis  de  proteção  humanitária,  como  os  fluxos  de  pessoas  resultantes  de catástrofes naturais, alterações climáticas, fome ou violação maciça de direitos humanos, sejam estas deslocadas internas ou atravessem as fronteiras internacionais. Todavia, este alargamento não tem sido acompanhado por uma expansão política e legal da proteção conferida, apesar da multiplicação de formas de proteção subsidiária, dita “ humanitária”. Os Estados nacionais, em contexto europeu,  têm  ainda  procurado  limitar  o  reconhecimento  do  estatuto  de  refugiado,  recorrendo  a  figuras  como «país  seguro»,  «país  de  trânsito»  ou  «país  terceiro  de  acolhimento»,  impondo  na  prática  um  muro  legal  que impede a admissão de pedidos de asilo e a sua transferência para Estados terceiros, criando assim a ficção de que não estão a violar as obrigações internacionais a que estão sujeitos. A  inclusão  dos  migrantes  económicos  na  discussão,  a  confusão  entre  estes  e  os  refugiados  e  a  utilização  de expressões como «vaga», «invasão», etc., dificultam a perceção pública do problema específico dos refugiados e facilitam a adesão a discursos de encerramento de fronteiras e a negação de proteção humanitária, os quais, em última análise, só agravam o problema. A  União  Europeia  tem  o  desafio  de  deslindar  a  intrincada  teia  de  interesses  dos  seus  Estados  membros  num momento  em  que  o  seu  território  se  assume  como  palco  deste  debate  renovado  entre  a  necessidade  de  aliar  os interesses securitários, políticos e económicos com o imperativo humanitário. Nomear,  nas  suas  várias  aceções,  implica  designar  pelo  nome  mas  igualmente  instituir,  colocando  alguém  em determinada condição que se reconhece como sua. A capacidade de nomear e o poder de instituir uma condição são  dimensões  que  não  podem  ser  ignoradas  numa  política  europeia  de  refugiados  que  tenha  por  base  valores humanitários. Este é o desafio que se coloca à União Europeia e aos seus Estados, signatários da maior parte dos instrumentos  internacionais  de  salvaguarda  dos  Direitos  Humanos:  nomear  as  pessoas  atualmente  em  fuga.  A rejeição e a recusa da qualidade de refugiados a todos aqueles que, efetivamente, precisam de asilo é equivalente à perseguição e aos acontecimentos que motivaram a sua fuga. Notas http://barometro.com.pt/archives/1830

2/3

09/10/2015

Refugiado, imigrante ou pessoa…? O poder de nomear | Plataforma Barómetro Social

[1]  Os  governos  europeus  com  políticas  de  entrada  mais  restritivas  insistem  em  designar  os  refugiados  como migrantes  ou  imigrantes  económicos  e  apresentam­nos  como  uma  ameaça:  Público  Online,  “Exército  impede centenas de refugiados de entrarem na Macedónia”, 22/08/2015, http://www.publico.pt/n1705737, consultado a 25/08/2015;  Fox  News,  “Czech  finance  minister:  NATO  should  be  engaged  in  guarding  EU  against  migrants”, 25/08/2015, http://tinyurl.com/pgqxu7y, consultado a 25/08/2015. No espaço público aparecem sugestões sobre a  hipótese  dos  refugiados  serem  terroristas  ou  terem  a  intenção  exclusiva  de  viver  de  subsídios  sociais:  Público Online,  “Acolher  refugiados:  portugueses  divididos  entre  a  solidariedade  e  o  medo”,  12/09/2015, http://www.publico.pt/n1707616,  consultado  a  12/09/2015.  Por  seu  turno  o  ACNUR  tenta  diferenciar  os conceitos,  como  se  pode  ver  pelo  texto  de  Adrian  Edwards,  ‘Refugee’  or  ‘migrant’  –  Which  is  right?, http://www.unhcr.org/55df0e556.html, consultado a 27/08/2015. [2] COM(2015), 240 final, de 13 de maio de 2015, http://tinyurl.com/pqy9np4, consultado a 25 de agosto de 2015. [3]  A  Convenção  relativa  ao  Estatuto  de  Refugiado  foi  adotada  pelas  Nações  Unidas  a  28  de  julho  de  1951: http://tinyurl.com/qxbsn7a [4]  O  Protocolo  de  Nova  Iorque,  Adicional  à  Convenção  relativa  ao  Estatuto  de  Refugiado,  foi  adotado  pelas Nações Unidas a 31 de janeiro de 1967: http://tinyurl.com/nnsmrb3 [5]  Convenção  que  rege  os  Aspectos  Específicos  dos  Problemas  dos  Refugiados  em  África  foi  adotada  pela Organização 

de 

Unidade 

Africana 



10 

de 

setembro 

de 

1969:

http://refugiados.net/1cpr/www/legislacao/leis/asilo2/2couaapr.html. [6]  A  Declaração  de  Cartagena  sobre  os  Refugiados  foi  aprovada  a  22  de  Novembro  de  1984: http://refugiados.net/1cpr/www/legislacao/leis/asilo2/2dc.html . Esta entrada foi publicada em Cidadania, Desigualdades e Participação Social com as tags asilo, Europa, refugiados. ligação permanente.

Plataforma Barómetro Social Powered by WordPress.

http://barometro.com.pt/archives/1830

3/3

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.