Refugiados: entre a política do medo e a solidariedade

July 3, 2017 | Autor: Carolina Moulin | Categoria: International Refugee Law, Refugees, migration and immigration
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quinta-feira, 03.09.2015

Carolina Moulin Aguiar* Refugiados: entre a política do medo e da solidariedade

A

“crise de refugiados” que hoje atordoa os políticos europeus e choca audiências ao redor do globo representa apenas a faceta mais dramática e espetacular de um mundo que está, para todos os efeitos, em guerra. Iêmen, Mali, Síria, Líbia, Afeganistão, Iraque, Palestina, República Democrática do Congo, Sudão, Mianmar, Somália, Eritreia, Ucrânia, Nigéria, Colômbia: esses são apenas alguns dos territórios assolados por conflitos que parecem nunca acabar, por inércia política, por descaso ético ou por interesses estratégicos. Não é mera coincidência que estejamos testemunhando o maior deslocamento forçado de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial. A situação é dramática, não somente para a Europa, ela própria um projeto à deriva e à crescente mercê de uma lógica que combina austeridade econômica e exclusão social, mas sobretudo para países como Turquia, Líbano, Jordânia, Paquistão e Etiópia, que hoje abrigam a grande maioria dos refugiados do mundo. Segundo dados

do ACNUR, 86% dos refugiados encontram-se nos países em desenvolvimento. Dos 60 milhões de pessoas forçosamente deslocadas, mais da metade permanece nos seus países de origem, movendo-se internamente em busca de alguma forma de proteção. Infelizmente, a mobilidade para países ricos ou emergentes é restrita a um pequeno grupo de pessoas que, a despeito dos riscos e da sombra constante da morte iminente nos seus inóspitos trajetos e travessias, quando da chegada, ainda não encontra qualquer garantia de proteção. Dois problemas centrais parecem informar a inércia política do atual cenário migratório. O primeiro diz respeito à inserção da questão dos refugiados em uma política do medo. A construção dos deslocados como potenciais ameaças à estabilidade demográfica e econômica e à segurança física e identitária das sociedades de acolhida simplifica, a partir de recortes sectários e racistas, os problemas atinentes à integração local e à dinâmica globalizada dos fluxos contemporâneos. Esse discurso esconde, de forma quase amoral, a presença dos países de recepção, no Norte e no Sul, nas lógicas dos conflitos que estão na origem da fuga de milhões de pessoas. O segundo problema diz respeito à incapacidade de efetivação, no plano internacional, dos mecanismos existentes para cooperação e aquiescência às normas internacionais de proteção a refugiados. Note-se que o direito ao refúgio foi ele próprio criado para proteger os cidadãos europeus de

quinta-feira, 03.09.2015

situações de generalizada violação de direitos básicos. E é esse um direito consagrado e aceito por mais de 140 países do mundo, mas cada vez menos efetivado. São muitos os empecilhos e manobras criados, em diversos países, para tornar menos acessíveis as prerrogativas atribuídas aos refugiados. Dentre eles encontram-se barreiras físicas, como os muros e cercas erguidas para conter a mobilidade (estima-se que sejam hoje mais de 60 países com alguma forma de infraestrutura de contenção construída ou em construção, vide o caso da Hungria), e obstáculos institucionais, como a exigência de provas documentais, a criação de categorias legais ad hoc e a imposição de regras de acesso (que instituem, por exemplo, que o solicitante de refúgio deve demandar a proteção no primeiro país de entrada). A distensão e a espetacularização da “crise”, contudo, também produz um espaço de novas oportunidades, de realinhamentos solidários e de experimentos de empatia. Enquanto a chanceler alemã e o presidente francês discutem quotas (e o restante dos líderes europeus e alhures parecem ter pouco a dizer ou contribuir - os EUA

têm uma quota de 70 mil reassentados por ano e o Brasil acolhe apenas 8 mil refugiados no total), em tentativas tardias de minimizar os impactos humanos e prover uma ‘solução emergencial’, comunidades locais atuam criativamente para garantir uma acolhida e permanência digna aos solicitantes e refugiados em suas cidades e vilarejos. Iniciativas como a oferta online de quartos e residências para os recém-chegados na Alemanha, a expansão dos espaços de santuário no Reino Unido e uma avalanche de voluntários e doações que começam a ocupar as mais diversas cidades europeias indicam contornos provisórios, temporários e precários de que uma outra relação para com os refugiados é possível. Resta torcer para que essas pulsantes experiências possam ecoar minimamente no deserto político dos espaços institucionais, cada vez mais desgastados, e que os abraços de vida se sobreponham aos corpos amontoados nas fronteiras e nos furgões.

Carolina Moulin Aguiar é professora do instituto de relações internacionais da puc Rio

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