Regime de subsídios intra-zona do MERCOSUL (2003, dissertação de mestrado, UFRGS)

July 6, 2017 | Autor: Henrique Moraes | Categoria: Mercosur/Mercosul, Direito Internacional, Direito Do Comercio Internacional
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

O regime dos subsídios intrazona no Mercosul

Henrique Choer Moraes

Porto Alegre, julho de 2003

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

O regime dos subsídios intrazona no Mercosul

Henrique Choer Moraes

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre, sob orientação da Professora Doutora Martha Lucia Olivar Jimenez.

Porto Alegre, julho de 2003

2

RESUMO

O presente trabalho aborda a estrutura do regime de subsídios intrazona no Mercosul, tema que abrange as normas e órgãos encarregados de regular a concessão de subsídios e a imposição de medidas compensatórias para o comércio entre os membros do bloco. Tendo por premissa a constatação de que nenhum instituto do Mercosul pode ser estudado sem antes remeter-se às normas multilaterais pertinentes, o trabalho examina as normas da OMC sobre subsídios (Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, ASMC) e sobre acordos regionais de comércio (GATT, Art. XXIV) com a finalidade de perquirir acerca da necessidade de as regras regionais sobre o assunto serem mais rigorosas do que aquelas que estão no ASMC. Constatada a ampla margem de regulamentação deixada aos blocos, em virtude das lacunas nas normas multilaterais, o trabalho se ocupa de analisar a forma como o Mercosul trata da concessão de subsídios e da aplicação de medidas compensatórias, visando apontar o grau de integração atingido pelos Estados-Membros na matéria.

3

ABSTRACT

The present study tackles the structure of the Mercosur´s intrazone subsidy regime, which comprises the rules and organs that regulate the granting of subsidies and the imposition of countervailing measures that may affect trade within the region. Assuming that no aspect of Mercosur Law can be studied disregarding the multilateral rules that deal with it, an examination of WTO norms related to subsidies (Agreement on Subsidies and Countervailing Measures, ASCM) and regional trade agreements (GATT, Art. XXIV) is thus conducted with the purpose of searching for any sort of multilateral constraints on the regional regulation of subsidies, namely the need for stricter rules than those laid down by the ASCM. Given the wide leeway that multilateral rules leave open for regional regulation, the study proceeds to analyze the manner in which Mercosur has faced the problem posed by subsdies and countervailing measures, which is tantamount to evaluating, from the perspective of this specific issue, the degree of integration the members have managed to establish so far.

4

5

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..............................................................................................................9 I) O REGIME MULTILATERAL DO COMÉRCIO E SUAS NORMAS SOBRE SUBSÍDIOS E ACORDOS REGIONAIS DE COMÉRCIO ....................................23 A) O SUB-REGIME MULTILATERAL DOS SUBSÍDIOS ....................................26 A.1) A multilateralização do conceito de subsídio ............................................30 A.1.1. A margem de atuação dos Estados sobre a atividade econômica: um início de resposta a partir da definição de “subsídio” ...........................................................34 A.1.2. As normas primárias sobre subsídios: as espécies de subsídios e os limites da ação estatal .............................................................................................................37 (a) Subsídios proibidos .................................................................................38 (b) Subsídios acionáveis ...............................................................................45 (c) Subsídios não-acionáveis ........................................................................47 A.2) O aumento da fiscalização multilateral .....................................................49 A.2.1. A multilateralização das medidas compensatórias .....................................50 A.2.2. Os mecanismos multilaterais de controle sobre a concessão de subsídios .68 B) O SUB-REGIME MULTILATERAL DOS BLOCOS DE INTEGRAÇÃO (ART. XXIV, GATT) ................................................................................................................73 B.1) As regras multilaterais para o tema dos subsídios regionais ...................83 B.1.1) As regras sobre a imposição de medidas compensatórias ...........................87 (a) Regulações restritivas de comércio e exceções .......................................88 (b) A eliminação das regulações restritivas ..................................................92 B.1.2) As regras sobre a concessão de subsídios ...................................................93 B.2) A prática dos blocos como elemento de interpretação do alcance do conceito de eliminação das regulações restritivas e da inserção da concessão de subsídios na categoria de regulações restritivas ...............................................99 B.2.1) A prática regional de imposição de medidas compensatórias ....................99 B.2.2) A prática regional de concessão de subsídios que afetem o comércio interno ...............................................................................................................................105

6

II) O REGIME DE SUBSÍDIOS NO MERCOSUL .................................................114 A) A REGULAMENTAÇÃO DA CONCESSÃO DE SUBSÍDIOS E DA IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS COMPENSATÓRIAS NO MERCOSUL ......119 A.1) O Programa de Liberalização Comercial e o Regime de Adequação ....121 A.1.1.As regras para imposição de medidas compensatórias ...............................130 A.1.2. As regras à concessão de subsídios ............................................................136 A.2) O “relançamento do Mercosul”, os “avanços” operados sobre as medidas de defesa comercial com o advento da Decisão 64/00 e as regras atualmente vigentes para o tema ...........................................................................................147 A.2.1. O “relançamento do Mercosul” e a Decisão 64/00 ...................................147 A.2.2.O tratamento atual da matéria: as Decisões 14/02 e 22/02 .........................154 B) O CONTROLE CONTENCIOSO SOBRE SUBSÍDIOS NO MERCOSUL ..............................................................................................................................158 B.1) Procedimentos domésticos e regionais .....................................................160 B.1.1. A intergovernamentabilidade mais visível: a discussão na Comissão de Comércio do Mercosul e no Grupo Mercado Comum ........................................165 B.1.2. A fase judicial ...........................................................................................170 B.2) O procedimento no âmbito multilateral e o problema do paralelismo..180 B.2.1. O Art. 23 do Entendimento de Solução de Controvérsias (ESC): o que significa o “fortalecimento” do sistema multilateral? .........................................181 a) A OMC como instância única ...............................................................185 b) A OMC como instituição de segundo grau: princípio da subsidiariedade no Direito Internacional do Comércio? ..........................................................186 c) A atuação da OMC limitada pelas regras regionais ..............................186 B.2.2. Um exercício especulativo sobre o alcance da regra do Art. 23 a partir do caso Antidumping sobre Frangos Brasileiros na OMC .....................................187 CONCLUSÕES ..........................................................................................................193 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................196 ÍNDICE DE DECISÕES DE TRIBUNAIS INTERNACIONAIS .........................206

7

.

8

INTRODUÇÃO “Não se trata mais de ser a favor ou contra a mundialização do Direito, porquanto já se cuida de um fato: o direito se tornou mundial”, assenta Mireille DELMAS-MARTY1. A existência de uma estrutura efetivamente global para as relações internacionais é mencionada à exaustão atualmente; a importância que o Direito deve ocupar nesse ambiente não é menos lembrada. Certamente, a globalização – entendida como um complexo de relações que abrangem de forma sistêmica todo o planeta - não é algo novo2: a existência de uma rede de relações que tornam conectados agentes de todo o mundo pode ser apontada no mínimo desde a expansão do capitalismo e, com maior intensidade, sob a égide da Pax Britannica. Entretanto, o que se mostra realmente único da época atual é que as interações internacionais são mais institucionalizadas do que no passado. René-Jean DUPUY traçava um panorama da expansão do papel do Direito Internacional, empregando a metáfora da passagem de uma sociedade internacional relacional para a sociedade internacional institucional3: de um ambiente de dispersão de poder, em que o poder do Estado sobrepujava qualquer margem institucionalizada permitindo a atuação do indivíduo, avançava-se para uma estrutura internacional em que não apenas fica reservado certo espaço de ação para o indivíduo, mas em que,

1

La mondialisation du droit: chances et risques. Recueil Dalloz, 5. cahier, Chronique, 1999, p. 43 (“La question n´est déja plus de savoir si l´on est pour ou contre la mondialisation du droit, car c´est un fait: le droit devient mondial") 2 “A história da economia mundial desde a Revolução Industrial tem sido de acelerado progresso técnico, de contínuo mas irregular crescimento econômico, e de crescente ‘globalização’, ou seja, de uma divisão mundial cada vez mais elaborada e complexa de trabalho; uma rede cada vez maior de fluxos e intercâmbios que ligam todas as partes da economia mundial ao sistema global” (HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos – O Breve Século XX (1914-1991). 2. ed., 10. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, p. 92, 1998) 3 DUPUY, René-Jean. O Direito Internacional. Trad. Maria Cláudia Rocha. Lisboa: Arcádia, 1970, passim.

9

especialmente, o poder estatal perde em dispersão (e “anarquia”) para tornar-se mais centralizado em torno de instituições internacionais. É possível apontar como traço característico da atual sociedade internacional globalizada a existência de um número inédito de instituições internacionais que, em graus variados, condicionam a atuação de agentes internacionais em todo o planeta – agentes estatais e não-estatais. Ao contrário dos cenários globalizados de outrora, a atual globalização institucionalizada ocorre dentro e por força da sociedade internacional globalizada. Com vistas a permitir apontar em que áreas das relações internacionais há maior institucionalização, pode-se sustentar que as relações no ambiente globalizado se desenvolvem em torno de regimes internacionais, que hoje proliferam como nunca antes ocorrera. A idéia de regimes internacionais indica a existência de conjuntos de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão em torno dos quais convergem as expectativas dos atores sobre um determinado assunto4. Em outros termos, os regimes demonstram que o comportamento dos agentes internacionais estruturam-se em padrões que podem criar expectativas legítimas nos demais agentes: os comportamentos institucionalizam-se à medida que são repetidos e geram expectativas. A despeito de o conceito de regimes internacionais ter sido desenvolvido pela teoria institucionalista das relações internacionais, não há equívoco em constatar que eles sejam o mesmo que international law by another name5: se, em alguns casos, os comportamentos são institucionalizados pela simples repetição, na maior parte sucede

4

É a definição que se tornou clássica, de Stephen Krasner (Structural causes and regime consequences: regimes as intervening variables. In: _______ (ed.). International regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1983, p.1)

10

que uma norma jurídica incide para tutelar as expectativas criadas. De fato, se a idéia de regime não indica necessariamente a existência de normas jurídicas sobre o tema para o qual convergem as expectativas, hoje é praticamente impossível que os regimes não contemplem pelo menos normas de soft law. O conceito de regime internacional, portanto, é altamente operacional nos estudos atuais de Direito Internacional porque, ao mesmo tempo em que serve de interface para as análises jurídica e política da sociedade internacional, autoriza uma abordagem organizada dos temas abrangidos pelo Direito Internacional6. Uma primeira constatação em torno do incremento da institucionalização da sociedade globalizada é o aumento na quantidade dos temas, objeto de tratamento internacional – há mais regimes internacionais do que anteriormente, o que equivale a apontar uma diminuição do alcance do domínio interno exclusivo dos Estados. Em segundo lugar, o Direito Internacional ocupa cada vez mais espaço nos regimes internacionais. Disso decorre uma segunda constatação da institucionalização da globalização: os regimes internacionais ganharam em legalização. Partindo da mesma origem que a teoria dos regimes, a idéia de legalização é também fruto das análises da teoria institucionalista das relações internacionais, e refere-se a um conjunto particular de características que as instituições podem (ou não) possuir. Tais características são definidas a partir de três dimensões: obrigação, precisão e delegação. Obrigação significa que os Estados ou outros atores estão vinculados a uma regra ou compromisso ou conjunto de regras ou compromissos. Especificamente, 5

SLAUGHTER BURLEY, Anne-Marie. International Law and International Relations Theory: a dual agenda. American Journal of International Law, v. 87, n.2, p.207, 1993. 6 Aliado ao fato de que o estudo do direito internacional sob uma perspectiva multidisciplinar impede que a análise jurídica peque pela proverbial “ingenuidade” atribuída ao jurista. “Science politique; géographie humaine, physique et politique; structure économique mondiale; la science des relations internationales et celle de son histoire; voilà des parcelles du savoir humain qui sont indispensables pour l´enseignement et pour la recherche du droit international.” (RIDRUEJO, José António Pastor. Cours général de Droit International Public. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 274, p.40, 1998).

11

significa que eles se encontram legalmente vinculados a uma regra ou compromisso no sentido de que seu comportamento é sujeito ao escrutínio de regras gerais, dos procedimentos e do discurso do direito internacional, e freqüentemente do direito doméstico também. Precisão significa que as regras inequivocamente definem a conduta que elas prescrevem, autorizam ou proscrevem. Delegação implica que terceiras partes receberam autoridade de implementar, interpretar e aplicar as regras; de resolver disputas e (possivelmente) de fazer regras adicionais. Cada uma dessas dimensões é objeto de graus e de graduação – e não uma rígida dicotomia, e cada uma pode variar independetemente7

(grifado no original) Apontar uma maior legalização das relações internacionais (o que implica um grau maior de institucionalização da sociedade internacional) significa mostrar que o Direito Internacional exerce atualmente papel de maior relevância e que, portanto, produz efeitos sentidos não apenas nas chancelarias dos Estados. Isso traduz-se não apenas no maior número de normas que regem as relações entre os Estados mas também e sobretudo em uma crescente incidência das normas internacionais sobre as relações que se travam dentro dos Estados. Nesse sentido, a legalização reflete a idéia de que o Direito Internacional tanto preenche lacunas legais antes existentes nas relações internacionais quanto passa a abranger setores que anteriormente eram alvo de regulamentação doméstica8: os Estados são confrontados com 7

ABBOTT, Kenneth W.; KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; SLAUGHTER, Anne-Marie; SNIDAL, Duncan. The concept of legalization. International Organization, v. 54, n.3, p.17, 2000 (“(...) refers to a particular set of characteristics that institutions may (or may not) possess. These characteristics are defined along three dimensions: obligation, precision and delegation. Obligation means that states or other actors are bound by a rule or commitment or by a set of rules or commitments. Specifically, it means that they are legally bound by a rule or commitment in a sense that their behavior thereunder is subject to scrutiny under the general rules, procedures and discourse of international law, and often domestic law as well. Precision means that rules unambiguously define the conduct they require, authorize, or proscribe. Delegation means that third parties have been granted authority to implement, interpret, and apply the rules; to resolve disputes; and (possibly) to make further rules. Each of these dimensions is a matter of degree and gradation, not a rigid dichotomy, and each can vary independently.”. 8 Uma tal ampliação do alcance da norma internacional é o que Vaughan Lowe denominou de secularização do direito internacional: “It is the concepts and norms of international law as they permeate the world outside the classical, State-centred world of international law that are likely to be of increasing significance to most people, most of the time, in the future. The conceptual framework of international law is likely to become diffused throughout the vast web of non-State international dealings. This simple process, the mirrors the similar process through which originally religious norms and concepts were

12

a realidade de que a regulação eficaz de um sem-número de matérias passa pela cooperação com outros Estados. Uma razão da necessidade de cooperar na regulamentação é a clara constatação de que “an obvious effect of globalization (...) is the growing recognition that there are certain areas that governments simply cannot regulate alone.”9. Desse modo, o movimento de “internacionalização” da regulamentação jurídica de temas afeitos a matérias que têm relevância internacional (que é a marca da “legalização”) não apenas caracteriza a atual sociedade globalizada institucional como, em parte, são causados por ela própria. O papel desempenhado pelos Estados na regulamentação da globalização, entretanto, não ofusca a plena atividade de atores não-estatais no âmbito das relações internacionais – algo que também é empregado para definir a atual sociedade globalizada. Contudo, ao contrário do que poderia parecer, a globalização não reclama uma diminuição das funções estatais; antes, as reforça, pois o aumento das relações e de sua complexidade demanda exatamente maior regulamentação e esta decorre, na melhor forma, da atividade dos Estados10. Desse modo, a despeito da globalização - que fornece a infra-estrutura relacional para a profusão de interações entre atores não-estatais -, a institucionalização que caracteriza a sociedade globalizada mantém certos padrões típicos do Direito Internacional clássico. Em outros termos, se, por um lado, os agentes privados encontram hoje melhores condições de atuar internacionalmente, por outro, não se pode negar que a

diffused throughout the secula sphere, is all that I mean by secularization.”(The politics of law-making: are the method and character of norm creation changing? In: BYERS, Michael (ed.). The role of law in international politics. Oxford: Oxford University Press, 2000, p.225).

13

base que permite um tal incremento nas relações no âmbito externo é fornecida pelos Estados. Prova disso é que a definição da política externa11 nacional ainda se mantém nos gabinetes governamentais. A legalização das relações internacionais, sem embargo, não deve servir para concluir que todos os espaços de interação de Estados e agentes não-estatais esteja coberto por normas jurídicas. Evidentemente, há campos com maior ou menor legalização ou - o que é dizer o mesmo - com variados graus de institucionalização12. Um dos mais ilustrativos exemplos de área “globalizada” - na qual houve incremento de legalização - é o campo das relações econômicas internacionais, designadamente o campo do comércio internacional. Com efeito, o fim da Guerra Fria descortina um cenário em que a crescente interdependência comercial13 demanda tanto a “internacionalização” do tratamento de certos temas – antes resguardados pelos Estados para regulamentação doméstica – quanto o incremento da “legalização” de temas cujo tratamento já pertencia ao plano internacional14.

9

KWAKWA, Edward. Regulating the international economy: what role for the State? In: BYERS, op. cit.,p. 230. 10 STERN, Brigitte. How to regulate globalization? In: BYERS, op. cit., p.247-268. 11 Algo que fica claro quando se percebe que, nos regimes de comércio internacional, ainda são os Estados aqueles que agem externamente em nome do benefício que incidirá sobre sua indústria. Assim, a despeito de serem sobretudo particulares os beneficiários do comércio internacional, é o Estado que ainda mantém as rédeas da condução do processo de decisões sobre política comercial externa. 12 “(...) deux types de sociétés internationales et de droit international – les modèles traditionnel et institutionnel – coexistent aujourd´hui en interaction sans que, pour autant, nous puissons croire qu´il s´agisse d´étapes historiques successives dont la dernière représente un dépassement ou un déplacement de la précédente.” (CARRILLO-SALCEDO, Juan António. Droit International et souveraineté des Etats. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 257, p.215, 1996). 13 “A natural outgrowth of rising interdependence is the proliferation of trade pacts.” (NYE., Jr., Joseph S. Understanding international conflicts. 2. ed. Nova Iorque: Longman, 1997, p.168). 14 “(...) no atual cenário de policentrismo mundial, de relativização do princípio da soberania, de dispersão do poder normativo entre governos, organismos multilaterais, instituições financeiras internacionais e conglomerados transnacionais e de interpenetração crescente entre os domínios público e privado, o direito positivo do Estado-nação já não dispõe mais de condições para se organizar quase exclusivamente sob a forma de atos unilaterais, transmitindo de modo ‘imperativo’ as diretrizes e os comandos do legislador. Com o advento do fenômeno da globalização, cada vez mais esse direito tem sido obrigado a assumir as feições de um ato multilateral cujo conteúdo [exprime] vontades concordantes em

14

Tal movimento dirigido à institucionalização decorre do fato de que uma estrutura de interdependência é o principal pivô da cooperação internacional: não apenas a legalização de regimes internacionais é desejada em ambiente de interdependência como também a própria norma jurídica ganha eficácia nesses cenários15, uma vez que o descumprimento de uma norma por um Estado pode causar-lhe prejuízo quando os demais resolvem “puni-lo” com o cancelamento de certos benefícios adquiridos através de acordos firmados em outras áreas. Portanto, o aumento na legalização do regime de comércio internacional deriva de uma alteração na estrutura do comércio operada com a globalização – designadamente a intensificação da interdependência entre os Estados (e todos os demais atores não-estatais envolvidos nessa área das relações internacionais) - que tornou necessária uma rede de compromissos (sobretudo jurídicos) que desse sustentação às expectativas geradas com o aumento dos fluxos. O regime do comércio internacional abarca todas as expectativas formadas legitimamente no curso das relações comerciais cujos efeitos transcendam as fronteiras de um Estado. Por regime do Direito Internacional do Comércio (International Trade Law), mais especificamente, deve ser entendido o conjunto de normas jurídicas sobre a matéria bem como os órgãos que existem para aplicá-las. Atualmente, o eixo institucional do regime de Direito Internacional do Comércio é a Organização Mundial do Comércio (OMC) – entidade que epitomiza a globalização institucionalizada – em torno da qual orbitam outros órgãos e normas sobre

torno de objetivos comuns (...)”. (FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 1999, p.154).

15

comércio internacional, os quais formam sub-regimes de Direito Internacional do Comércio. Dotada de um aparato legally oriented (em oposição aos mecanismos improvisados da época do GATT, que eram power oriented), a OMC assegura ao regime de Direito Internacional do Comércio um ambiente institucional de maior segurança, o que permite manter as expectativas formadas sobre os comportamentos prescritos pelas normas dos acordos que a Organização administra. A maior segurança decorrente do advento da OMC pode ser atribuída a duas razões, basicamente: a) a existência de mecanismo técnico para solução de controvérsias, principal vetor da legalização do regime – de onde segue que o peso político dos membros envolvidos nas controvérsias é bastante amortecido16; b) a lógica do single undertaking (empreendimento único), que obriga os membros a aderirem a um “pacote” de normas que cobrem desde compromissos como o melhor acesso para mercadorias até a proteção da propriedade intelectual; isso imprime maior efetividade ao regime por possibilitar sanções cruzadas, que aumentam o custo de uma eventual violação17. O regime persegue sobretudo uma finalidade: opor-se ao sistema internacional de Estados intervencionistas e autárquicos para, desse modo, avançar no

15

“(...) in large measure, laws or obligations that operate symmetrically between nations – and as long as they continue so to operate – are rarely violated” (HENKIN, Louis. How nations behave – Law and foreign policy. 2a ed. Nova Iorque: Columbia University Press, 1979, p.54). 16 O que permite adjetivar o mecanismo de plus contraignant em relação ao anterior, como faz Yves Renouf (Le règlement des litiges. In: FLORY, Thiebaut (dir.). La Communauté Européene et le GATT. Rennes: Editions Apogée, 1995, p. 41-62). 17 É a idéia de que as vinculações entre matérias (linkages among issues) dentro de um mesmo regime contribuem para torná-lo mais efetivo: “As the principles and rules of a regime reduce the range of expected behaviour, uncertainty declines, and as information becomes more widely available, the assymetry of its distribution is likely to lessen. Arrangements within regimes to monitor actors´ behaviour (...) mitigate problems of moral hazard. Linkages among particular issues within the context of regimes raise the costs of deception and irresponsibility, since the consequences of such behaviour are likely to extend beyond the issue on which they are manifested.” (KEOHANE, Robert. After hegemony. Princeton: Princeton University Press, 1984, p. 97).

16

caminho da cooperação econômica internacional, ao invés de manter os Estados economicamente isolados entre si 18. Para tanto, as normas sobre comércio internacional abrangem matérias que restringem a margem de escolha estatal sobre certas decisões, o que equivale a dizer que um Estado, ao pertencer ao regime de Direito Internacional do Comércio, diminui o espaço de decisão unilateral sobre políticas públicas voltadas para a economia como um todo - e para o tratamento do comércio, em especial19. Eis um significado do deslocamento para o plano internacional das competências governamentais: para poder fazer face a ameaças advindas com a globalização das relações econômicas, os Estados são levados a abrir mão da unilateralidade no emprego de certos mecanismos de política econômica que até então dispunham, para submeter-se, em variados graus, a um procedimento internacional de co-decisão20.

18

O Estado intervencionista produziu, sob a ótica do Direito Internacional, dois efeitos: a) o de fomentar maior cooperação entre os Estados no tratamento de matérias então percebidas como comuns – o que autorizará Fausto de Quadros indiciar a existência de um “DIP activo”, caracterizador do Direito Internacional Público novo (Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público. 2. reimp. Lisboa: Almedina, 1991, p. 387-91); b) por outro lado, no campo econômico, produziu um isolacionismo que impediu a formação de qualquer regime com maior grau de institucionalização: “No plano internacional, a conseqüência do Estado Intervencionista foi a elaboração, por parte de cada país, de um complexo regime geral de importações e de exportações, subordinado aos objetivos internacionais do Direito Público Econômico (...). Tal conjunto de fatores, somados à ausência de condições políticas da Sociedade das Nações, impediram que seus estudos e esforços em matéria econômica se convertessem em realidade, e levaram, pela falta de mecanismos de cooperação no plano internacional, ao protecionismo e à autarquia. Estes impossibilitaram, nesse período, a criação de um significativo Direito Internacional Público Econômico.” (LAFER, Celso. O Convênio do Café de 1976. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 101). Descrevendo o mesmo ambiente, B.V.A.Röling contrapõe um international law of liberty a um international law of welfare. Este último “reflects the extension of the state´s intervention in economic life, as well as the impact on international society of the majority of states that are neither prosperous nor European, and are concerned to challenge the law of liberty in an international eauivalent of the class struggle.”, conforme o cita Hedley Bull (The anarchical society. 2. ed. Nova Iorque: Columbia University Press, 1995, p. 141). 19 O atual debate sobre a matéria, contudo, é de especificar até onde deve ir o alcance das normas do regime de Direito Internacional do Comércio. Nesse sentido, é relevante o volume 96 (2002), nº1, do American Journal of International Law, que é dedicado quase que exclusivamente à discussão sobre as boundaries of the WTO. Ver também WEINSTEIN, Michael M.; CHARNOVITZ, Steve. The greening of the WTO. Foreign Affairs, v.80, n.6, p. 147-157, 2001. 20 “O conteúdo temático e o alcance das negociações, finalmente, se ampliaram dramaticamente para setores regulatórios cada vez mais extensos e substantivos, fazendo com que a normatividade internacional

17

Um dos exemplos da “internacionalização” do tratamento das relações comerciais está na atual regulamentação dos subsídios, que repousa sobre a rationale de que a participação dos Estados no comércio internacional implica por vezes uma prática de concorrência desleal e que, portanto, deve ser combatida. Como conseqüência disso, o âmbito de autonomia estatal na determinação de políticas de incentivo fica condicionada e restrita a parâmetros que hoje são internacionalizados – ao lado dos custos domésticos das políticas adotadas, os Estados devem computar os custos impostos pelas regulações internacionais21. Considerando que sua margem de ação fica, inegavelmente, reduzida, muitos Estados adotaram políticas de associação econômica com outros Estados para poder enfrentar os desafios propostos por esse cenário de globalização, e inseram-se em bloco no ambiente de concorrência globalizada: eis a razão do movimento para o regionalismo econômico. O regionalismo, tendência nada exclusiva da década de 90, adota, nessa época, entretanto, uma feição particular: a do regionalismo aberto. Da mesma forma que o tema dos subsídios, o regionalismo é objeto de um sub-regime do regime do Direito Internacional do Comércio na medida em que as normas que regem a matéria encontram-se em acordos administrados pela OMC. Desse modo, a relação entre multilateralismo e regionalismo deve ser posta, pelo jurista, principalmente para demonstrar a subordinação do segundo ao primeiro.

penetrasse em campos de intervenção econômica antes restritos à soberania exclusiva dos Estados”. ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o multilateralismo econômico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.28. 21 A internacionalização da economia nacional, dessa forma, incide produzindo os seguintes efeitos, segundo Keohane e Milner: “by affecting actors´ policy preferences and the resulting political coalitions; by creating crises; and by undermining governmental authority and policy efficacy.” (Internationalization and domestic politics: a conclusion. In: _______ (eds.). Internationalization and domestic politics. 1. reimp. Nova Iorque: Cambridge University Press. p. 243-4).

18

A rationale do regionalismo é permitir que os Estados que formam um bloco de integração econômica atinjam um padrão de comércio (e interdependência) mais aprofundado do que aquele vigente no âmbito multilateral22. Para isso, as regras de Direito Internacional do Comércio estabelecem requisitos que os blocos de integração devem satisfazer para serem considerados compatíveis com o regime geral. É nesse quadro que se insere a experiência do Mercosul: visando proporcionar economias de escala às empresas situadas nos países que compõem o bloco do Cone Sul, os quatro países comprometeram-se a um processo no qual o grau de unilateralidade na escolha das políticas públicas tende a diminuir. Em outros termos, para o fortalecimento da competitividade das empresas instaladas nos Estados que formam o bloco, é necessário que exista uma “infra-estrutura” de integração governamental que passa pela cooperação decisória. Na medida em que a meta estabelecida entre os países do bloco é a de constituir uma união aduaneira23, é imprescindível que, entre outros temas, exista algum nível de cooperação na condução das políticas de subsídios que possam produzir efeitos

22

“The regional option has become an attractive tool for virtually all WTO Members for managing their trade policies alongside multilateral trade negotiations, seemingly confirming some of those arguments advanced in favour of RTAs. Thus, for instance, such agreements are deemed to accelerate and deepen trade liberalization on a bilateral or plurilateral basis. There is also a general feeling that complex policy issues of commercial significance in economic relations (...) can be better managed amongst a limited circle of ‘friends’. These motivations act as an incentive to regulate on such issues through RTAs, even if it is generally recognized that RTAs are a second-best option to MFN trade liberalization. (...) The GATT founders, and now the WTO, acknowledged that well-structured regional initiatives can contribute to the development of the multilateral trading system. Thus, from the start, Members have been allowed to further the market access they have bound in the GATT/WTO by concluding RTAs, albeit subject to a certain number of criteria contained in GATT Article XXIV, for agreements in trade in goods, and in GATS Article V, for agreements in the area of trade in services.” (Regional trade integration under transformation preliminary draft prepared for the Seminar on Regionalism and the WTO. Genebra: WTO Secretariat, Regional Trade Agreements Section, Trade Policies Division, 26 April 2002, §§38-9, disponível no site ) 23 Porquanto a meta de atingir um mercado comum foi deixada em suspenso.

19

para o comércio intrazona24. Como o tratamento dos subsídios envolve também sua outra face – a da “punição” aos subsídios embutidos em produtos importados –, o mesmo imperativo de cooperação incide sobre o tema das medidas compensatórias que possam ser aplicadas por um membro do bloco contra produtos originados de outro membro. Enfim, a constituição da uma união aduaneira reclama algum grau de integração sobre as decisões de concessão de subsídios e de aplicação de medidas compensatórias; uma integração que requer implementação tanto no nível das normas como das instituições que regulamentam o assunto para o comércio intrazona. Que grau de integração existe no Mercosul? Eis o objeto do presente trabalho. Considerando que os blocos de integração e os assuntos abrangidos por seus respectivos acordos encontram fundamento jurídico nas normas hoje resguardadas pela OMC, é fundamental reconhecer que um estudo dos subsídios no Mercosul demanda um visita prévia às normas e instituições multilaterais pertinentes. Desse modo, o capítulo I se ocupa de delinear os regimes multilaterais dos subsídios (seção A) e de blocos de integração (seção B), com o objetivo de apontar se há normas multilaterais impondo aos blocos regras específicas sobre subsídios para o comércio intrazona. De uma certa maneira, as normas e instituições multilaterais pertinentes compõem o regime regional de subsídios. Conhecida a regulamentação multilateral para o tema, o capítulo II examina as normas e instituições do Mercosul que cuidam do problema dos subsídios 24

“O Brasil considera que o desmantelamento de sua política de incentivos fiscais e creditícios, como por exemplo os programas promovidos pelo BNDES, vincula-se estreitamente ao correspondente desmantelamento da aplicação unilateral e abusiva de direitos antidumping e medidas compensatórias no comércio intrazona. A consolidação de uma união aduaneira perde sentido se não forem criados mecanismos e disciplinas comuns nessas áreas.” (ALMEIDA, Paulo Roberto de. Mercosul em sua primeira década (1991-2001): uma avaliação política a partir do Brasil. Buenos Aires: INTAL – ITD – STA, Documento de divulgação 14, 2002, p.9).

20

(que abrange a concessão dos auxílios e a imposição de medidas) para tentar medir o grau de integração governamental existente no que toca ao assunto. A

regulamentação

do

Mercosul

para

os

subsídios

e

medidas

compensatórias é o resultado da atuação de negociadores de cada um dos EstadosMembros e, em uma medida não desprezível, dos juízes que foram convocados para compor os Tribunais Arbitrais nos nove laudos até o momento proferidos nos contenciosos regionais. Um exame da evolução dessa regulamentação, destarte, passa por conhecer como cada um desses atores contribuiu à construção do atual formato da normativa regional, matéria da seção I. O estado da integração entre os membros do Mercosul no tema dos subsídios, sem embargo, não difere do grau de cooperação exigido para os demais temas na normativa regional: os procedimentos regionais de co-decisão sobre concessão de subsídios e a aplicação de medidas compensatórias não afastaram a unilateralidade decisória dos Estados; acrescentaram, contudo, a possibilidade de controle contencioso posterior, tópico no qual se insere o procedimento regional de solução de controvérsias, objeto da seção II. Contudo, se é certo que o regime do Mercosul para os subsídios intrazona pode ser melhorado, é inegável que sua forma não é única em relação aos demais acordos regionais de comércio. Examinar o Mercosul a partir do regime de subsídios é saber apontar suas limitações mas, sobretudo, conhecer de onde partirão os eventuais avanços. Por fim, empreender um estudo em torno de institutos do regime de Direito Internacional do Comércio exige incansável atenção para não se deixar fascinar pelo “canto das sereias” do discurso e raciocínio econômico. Com efeito, não são poucos

21

os estudos “jurídicos” de temas como subsídios que desprezam categorias fundamentais da Teoria Geral do Direito e situam o Direito Internacional do Comércio em um vácuo teórico injustificável – tudo em nome da preocupação de demonstrar que os juristas não pecam pela ingenuidade e, portanto, demonstram conhecer os gráficos da economia. Entretanto, pelo menos desde Kelsen podem os juristas escrever com a tranqüilidade de que possuem um estatuto epistemológico próprio. Este argumento indica que há uma divisão do trabalho entre estudos jurídicos e econômicos e que, portanto, deve ser reconhecida a contribuição que cada uma das perspectivas de análise pode aportar para o conhecimento do todo. O presente trabalho adotou esta linha de conduta.

22

I) O REGIME MULTILATERAL DO COMÉRCIO E SUAS NORMAS SOBRE SUBSÍDIOS E ACORDOS REGIONAIS DE COMÉRCIO

O Direito Internacional do Comércio ganhou ímpeto com o término da Rodada Uruguai de negociações. Com efeito, a partir da Ata Final de Marraqueche, que marcou o fim da Rodada, não apenas as normas desse ramo do Direito Internacional alcançavam mais setores do comércio internacional (como os serviços, com o GATS e a propriedade intelectual, com o TRIPS, por exemplo) como também um marco institucional ficou estabelecido com a função principal de fiscalizar o cumprimento dessas normas e de servir de foro para o aprofundamento constante do regime do comércio internacional: a Organização Mundial do Comércio (OMC). Além disso, a maior parte das normas do GATT 1947 ganharam melhor regulamentação em decorrência dos vários acordos interpretativos que foram negociados também no âmbito da Rodada Uruguai. Isso permite dizer que o regime do Direito Internacional do Comércio ampliou sua institucionalização a partir de 1995 para lograr um grau de legalização inédito, na medida em que vários procedimentos decisórios ganharam contornos técnicos, em substituição aos anteriores procedimentos políticos que caracterizaram o regime do GATT que precedeu a Rodada Uruguai – uma inovação que impede as diferenças de poder entre os membros da Organização de afetar a integridade da rule of law25, em certo sentido.

25

“Developing countries had not been particularly enamoured with the GATT. The institutional reforms of the WTO should, in theory, have gone a long way to address their concerns.” (BEHBOODI, Rambod.

23

O incremento da legalização do regime de Direito Internacional do Comércio acarretou efeitos não apenas no plano internacional mas sobretudo no âmbito doméstico, considerando que a adoção de políticas governamentais com repercussão sobre o comércio internacional deve ser feita tendo em atenção os limites impostos pelas normas e instituições multilaterais26. Desse modo, a pressão protecionista doméstica sobre os governos nacionais é, atualmente, compensada pela existência de órgãos e procedimentos internacionais que amparam os setores externos lesados com a violação ao livre comércio, consagrado nos acordos da OMC (covered agreements). Se as autoridades domésticas cedem ante ao peso do protecionismo, suas congêneres multilaterais dão a última palavra, no sentido do livre comércio. O número de membros que a Organização Mundial do Comércio possui, acrescido do efeito que a cláusula do “empreendimento único” produziu no grau de adesão às normas de Direito Internacional do Comércio, permite visualizar as normas do regime OMC, às quais se encontram obrigados quase todos os Estados, como o eixo do qual partem vários sub-regimes que regulam pontos específicos do comércio internacional. Para uma análise do regime de subsídios no Mercosul, impõe reconhecer que a formação de blocos de integração é objeto de um desses sub-regimes como também

Legal reasoning and the International Law of Trade – The first steps of the Appellate Body of the WTO. Journal of World Trade, v. 32, n.4, p.70, 1998). 26 O que implica atribuir à OMC a “redução da soberania” dos Estados, algo que, por exemplo, John Mc Ginnis e Mark Movsesian, tentam mostrar que não funciona exatamente assim (The World Trade Constitution. Harvard Law Review, v. 114, n.2, p. 511-605, 2000). O argumento dos autores é de que “structures that reduce information costs to the citizenry (...) reinforce democratic governance”. No entanto, Judith Goldstein e Lisa L. Martin assentam, ao contrário, que uma tal “difusão da informação” sobre os riscos da liberalização do comércio internacional – produzida pela legalização do Direito Internacional do Comércio – acarreta justamente a formação de grupos protecionistas, ou seja antitrade (Legalization, trade liberalization and domestic politics: A cautionary note. International Organization, v. 54, n.3, p. 219-248, 2000).

24

que a regulamentação dos subsídios é, ela própria, objeto de um outro sub-regime. Nesse sentido, o estudo do tratamento dos subsídios no Mercosul demanda previamente uma contextualização necessária no marco dos dois “sub-regimes” multilaterais que se ocupam do tema: o dos subsídios (I) – hoje regulado substancialmente pelo Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias e pelos órgãos multilaterais que o colocam em prática – e o dos acordos regionais do comércio (II) – que engloba o Artigo XXIV do GATT, além do Memorando que interpreta este artigo e dos órgãos que aplicam tais normas. A falta de uma tal contextualização compromete toda pretensão de análise jurídica que se pretenda fazer sobre o tema. Em outros termos, qualquer exame acerca de institutos do “direito regional” não pode prescindir do necessário vínculo com o regime multilateral de comércio. Essa vinculação produz efeitos tanto no âmbito das normas materiais que irão reger as relações entre os membros de um bloco – constrangendo-as aos limites multilaterais – quanto no das normas procedimentais, destacando-se aquelas que se dedicam à solução de controvérsias.

25

A) O SUB-REGIME MULTILATERAL DOS SUBSÍDIOS

A disciplina dos subsídios governamentais retrata a filosofia das normas de Direito Internacional do Comércio: se é certo que a finalidade impressa nessas regras é de tornar o comércio internacional gradativamente mais livre, a preocupação em torná-lo igualmente leal27 justifica a razão para evitar que os agentes econômicos tenham sua eficiência vencida por uma vantagem artificialmente atribuída a outro concorrente. Assim, a idéia vigente de “liberalização” do comércio internacional não apenas se traduz na defesa do free trade mas também do fair trade28. Nesse contexto, a disciplina dos subsídios pode ser lida como um desdobramento da rationale das normas de Direito Internacional do Comércio quanto ao papel do Estado dentro do ambiente do comércio internacional: a intervenção pública, favorecendo a indústria nacional, é vista como prática de concorrência internacional desleal29 quando provocar efeitos prejudiciais sobre os concorrente estrangeiros. Dentro do campo do fair trade, a particularidade das normas sobre subsídios - algo ausente na regulamentação do dumping - repousa em criar restrições sobre as políticas industriais que os Estados pretendam adotar. Disso decorre outra característica das regras sobre subsídios: de forma diversa do que ocorre com as práticas

27

A tônica da racionalidade liberal do Direito Internacional do Comércio é visível no estudo que Donald McRae empreende (The contribution of International Trade Law to the development of International Law. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 260, 1996): "Rather than focusing on the independence of States, international trade law highlights the concept of interdependence." (p.117) ; "International trade law is concerned with removing the impediments that sovereignty places in the way of trading across borders.”(p.123). 28 BALDWIN, Robert E. Imposing multilateral discipline on administered protection. In: KRUEGER, Anne O. (ed.). The WTO as an international organization. Chicago: Chicago University Press, 1998,p. 297. 29 “With the Uruguay Round Subsidies Agreement, the international community has, for the first time, introduced a limited but credible set of competition rules governing a significant area of governments´ domestic activity, with far-reaching international implications.” (p.25) (BEVIGLIA ZAMPETTI, Americo.

26

de dumping, a disciplina dos subsídios é um autêntico capítulo do Direito Internacional da Concorrência, isto é, não encontra similar no direito antitruste interno. Com efeito, os subsídios que afetem apenas setores da economia doméstica não são, em regra, enquadráveis em nenhuma prática anticoncorrencial. A “ingerência” das normas de Direito Internacional do Comércio em relação ao comportamento estatal produz dois efeitos próprios que devem ser destacados: em primeiro lugar, está a constante fricção entre os domínios interno e internacional 30, considerando que se torna necessário demarcar o ponto a partir do qual a ação estatal causa prejuízos externos; em segundo lugar, há o considerável custo político que uma reação externa contra os subsídios suscita31, porquanto as controvérsias nascem de prejuízos provocados por Estados, e não por uma prática empresarial 32. Esses efeitos políticos são mais pronunciados se se toma em consideração que a decisão sobre a produção de dano, atribuível a um subsídio, no mais das vezes,

The Uruguay Round Agreement on Subsidies. A forward-looking assessment. Journal of World Trade, v. 29, n.6, p. 5-29, 1995). 30 “The use of government subsidies presents one of the most difficult conundrums in international rulemaking. There is always a delicate balance to be struck domestically in deciding whether to use a subsidy in the first place.(...) Having worked through this policy-making minefield, the international dimension presents itself to decision-makers.(...) The subsidies realm (...) provides perhaps the clearest example of the basic tension in international trade negotiations: the exercise of national sovereignty over politically charged decisions of domestic economic policy-making coming into conflict with the maintenance of economically optimal conditions for the conduct of international trade.” (COLLINS-WILLIAMS, Terry; SALEMBIER, Gerry. International disciplines on subsidies. The GATT, the WTO and the future agenda. Journal of World Trade, v. 30, n.1, p. 5, 1996). 31 O chamado glass-house effect (HOEKMAN, Bernard; KOSTECKI, Michel. The Political Economy of the World Trading System. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001, p.331), decorrente da prática difundida por todos os Estados de subsidiar ao menos alguns setores de sua indústria. 32 “Disputes over subsidies are, first and foremost disputes between governments. (...) [I]t is the collective interest of governments in avoiding adverse trade effects that provides the basic motivation for accepting international rules to reduce the incidence of subsidies disputes. There is, thus, a clear basis in logic for arguing that subsidy disputes ought first to be brought to a government-to-government forum, rather than being launched through an internal process under the domestic laws of one country, and that forum ought to be a multilateral one.” (COLLINS-WILLIAMS, Terry; SALEMBIER, Gerry, op. cit., p. 17) ; "It should be noted that by way of contrast with dumping matters, in the case of subsidies, we are almost always thinking about government action, rather than individual enterprise action. Thus, issues of subsidies and countervailing duties are often significantly more visible and involve a higher level of government-to-

27

compete às autoridades do Estado que se julga lesado, aplicando suas normas internas; simetricamente, é correto dizer que os custos políticos de uma controvérsia suscitada, seja pela concessão de subsídios, seja pela imposição de medidas compensatórias, é mais alto quando faltam instâncias internacionais para resolvê-las e, igualmente, quanto menos técnico o caráter do procedimento de solução. Os problemas nascidos desse ambiente institucional conduziram o tratamento dos subsídios gradativamente do plano doméstico para o plano multilateral. Uma multilateralização do tema implicaria, no limite, submeter completamente a normas internacionais o comportamento dos Estados no que toca ao tema; essas normas seriam aplicadas, em última instância, por órgãos internacionais. Contudo, ainda que o Direito Internacional do Comércio não tenha alcançado tal estágio, já é possível falar de um aumento da multilateralização do tema, tanto nos aspectos material quanto procedimental. Tradicionalmente, os subsídios foram objeto da proverbial solução unilateral que ainda caracteriza vários regimes internacionais. Projetado para o tema que aqui interessa, isso explica o abundante emprego das medidas compensatórias pelos Estados que são alvo de importações de produtos subsidiados; a unilateralidade, presente na decisão de aplicar as medidas, faz do Estado lesado juiz de sua própria causa e, com isso, alia-se ao problema causado pela concessão dos subsídios aquele decorrente do emprego abusivo das medidas compensatórias. O advento da OMC, aliado aos demais resultados da Rodada Uruguai, alteraram em parte esse panorama, de modo que atualmente é possível apontar um ligeiro

government diplomacy than do many other trade policy matters." (JACKSON, John H. The World Trading System, 2. ed., 3. reimp. Cambridge: MIT Press, 1999, p.280).

28

movimento no sentido da multilateralização do tratamento do problema, o que equivale a reconhecer ao menos um procedimento de co-decisão no que tange ao tema. O Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC) negociado durante a Rodada Uruguai compreende a maior parte da regulamentação sobre o assunto33. O texto abrange a disciplina das duas principais questões suscitadas no que concerne à matéria: a concessão de subsídios e os remédios contra esta prática, que incluem, entre outros, a imposição de medidas compensatórias. Ressalvados os espaços que continuam abertos à discricionariedade estatal, uma diminuição da margem deixada ao unilateralismo pode ser apontada ao examinar a regulamentação sobre a concessão dos subsídios (A.1). Da mesma forma, a competência atribuída aos órgãos da OMC para atuar como últimas instâncias decisórias quanto à aplicação das regras multilaterais permite acusar um incremento do controle sobre o emprego que os Estados fazem dessas normas (A.2). Uma provável tendência à multilateralização não seria, aliás, despida de fundamentos. Tratando-se, como foi assinalado, de problema que envolve discussão sobre as conseqüências internacionais do comportamento estatal, o foro para solucionar as controvérsias deveria ser originariamente um órgão internacional, ao invés das instâncias administrativas do Estado lesado, como sucede com as hipóteses de imposição de medidas compensatórias. Além disso, nem todo subsídio é passível de punição por

33

E, portanto, conduzirá a presente análise do regime multilateral de subsídios, o que significa deixar de examinar as disposições do Art. XVI do GATT 1994, cujas regras são menos específicas que as do ASMC. “It is clear from even a cursory examination of Article XVI:4 of the GATT 1994 that it differs very substantially from the subsidy provisions of the SCM Agreement, and, in particular, from the export subsidy provisions of both the SCM Agreement and the Agreement on Agriculture." (United States - Tax treatment for "Foreign Sales Corporations". Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS108/AB/R, 24.02.2000, §117).

29

medida compensatória; para esses casos, a solução encontrada deve ser inevitavelmente internacional34. Seja como for, nem toda intervenção estatal em benefício da indústria doméstica é alvo das restrições decorrentes das normas internacionais35, já que o principal motivo da “deslealdade” desta prática estatal é o prejuízo provocado no plano internacional36. Assim, ao deparar-se com a menção ao problema dos subsídios, convém perguntar: pela atual regulamentação, quem decide os limites da ação estatal? Quais são esses limites?

A.1) A multilateralização do conceito de subsídio

Considerando que um subsídio pode provocar prejuízos sobre os direitos de outros Estados ou sobre as expectativas nutridas pela indústria doméstica de outros Estados, convém salientar que a regulamentação dos subsídios deve abranger não apenas os subsídios que serão considerados lícitos (normas primárias) mas também as formas que os demais Estados têm para fazer face aos prejuízos produzidos por subsídios ilícitos (normas secundárias).

34

Como, ademais, sugere a rationale por trás do Artigo 23 do Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC ou, em inglês, DSU – Dispute Settlement Understanding). 35 “When the international community sets itself on course for regulating one important form of government behaviour – subsidies – with a view to increasing world trade and efficiency through the reduction of distortions to the market outcome, it is confronted with the challenge of establishing a standard so as to discern acceptable from unacceptable actions; that is, it must operate a distinction between government interventions which improve efficiency and those which impair it. The standard or reference model which can be used to draw the line seems to be that of ‘normal competition’ (...), as adjusted to accommodate those public policy goals the international community considers efficiencyenhancing, and thus legitimate. Such a standard seems, in fact, to underlie the approaches and disciplines consented to in the Agreement.” (BEVIGLIA ZAMPETTI, op. cit., p.20). 36 “Quite consistently with the approach already embodied in Article XVI (Subsidies) of the GATT, the only pertinent adverse effects are those affecting international trade.” (BEVIGLIA ZAMPETTI, op. cit., p.21); também: “(...) the WTO makes no attempt to get involved in questioning government objectives or to

30

Aliás, no plano da Teoria Geral do Direito Internacional, os trabalhos da Comissão de Direito Internacional acerca da responsabilidade internacional ressaltam a preocupação em distinguir as regras primárias das regras secundárias: justamente porque os relatórios do Órgão não se detinham em estabelecer as condutas que podiam ensejar a responsabilidade, mas, ao contrário, as medidas que podiam ser empregadas para sanar os prejuízos decorrentes do ilícito internacional, os draft articles preparados pela Comissão compilavam um conjunto de regras secundárias, deixando que as primárias fossem definidas em cada regime jurídico ou deixadas dentro do âmbito da interpretação unilateral de cada Estado. A evolução da disciplina internacional dos subsídios pode ser lida dentro desse contexto. Nesse regime, a regulamentação das regras secundárias (em que se destacam as medidas compensatórias) avançou com mais rapidez do que a das regras primárias, que, no caso, englobariam todas as normas que definissem os limites dentro dos quais os Estados pudessem conceder subsídios37. Portanto, se as medidas compensatórias são uma reação imposta pelo Estado lesado, a inexistência de padrões internacionais para definir o subsídio punível fornece amplo espaço para o uso protecionista desse instrumento de defesa comercial; faltando uma definição uniforme de “subsídio”, cada Estado estabelece a sua. Segue-se que, a contrario sensu, uma melhor regulamentação incidente sobre a concessão de subsídios – isto é, a adoção de padrões internacionais para definir os subsídios que podem

determine whether the policy instrument is necessary or effective or appropriate. The focus is only on the effect of the subsidy.” (HOEKMAN, Bernard; KOSTECKI, Michel, op. cit., p.176). 37 Ou, para dizer com John Jackson, das substantive international obligations against the use of subsidies (op. cit., p.293).

31

ser punidos – tenderia para uma menor utilização das medidas compensatórias ou, pelo menos, para um maior custo no seu uso. Entretanto, até o advento do ASMC, os subsídios não haviam sido definidos38; o alcance do termo era, assim, confiado à interpretação de cada Estado 39 e esta última, controlada multilateralmente apenas a posteriori - sobretudo no momento em que as controvérsias nascidas da aplicação das medidas compensatórias chegavam ao plano internacional. Desse modo, por exemplo, o Código de Subsídios negociado na Rodada Tóquio estava dividido em duas partes, os Tracks I e II: o primeiro estabelecia regras disciplinando o uso de medidas compensatórias; o Track II, por sua vez, a despeito de não conceituar “subsídio”, elencava uma lista exemplificativa de espécies de subsídios à exportação que os Estados se comprometiam a não conceder nos casos em que provocassem danos aos demais signatários. A principal questão suscitada quanto à relação entre as duas partes do Código era saber se a permissão para impor medidas compensatórias estava circunscrita 38

“The 1979 Code, in nineteen Articles and one Annex, never defined its subject – subsidies.” (KLEINFELD, George; KAYE, David. Red light, green light? The 1994 Agreement on Subsidies and Countervailing Measures, research and development assistance, and U.S. policy. Journal of World Trade, v. 28, n.6, p. 44, 1994). O Acordo sobre Agricultura, apesar de regulamentar os subsídios sobre os produtos agrícolas, não dispõe de definição para “subsídio”. 39 “Article 1 is an improvement over the previous 1979 GATT Subsidies Code provisions, since it now provides a specific definition of what constitutes a countervailable subsidy. This should help to restrain governments from going off on their own and determining what a subsidy is, as appears to have been done routinely in the past.” (ANDERSON, Andrew D.M. An analysis of the proposed Subsidies Code Procedures in the ‘Dunkel Text’ of the GATT Uruguay Round. Journal of World Trade, v. 27, n.3, p.73, 1993); “Prior to the Uruguay Round, the multilateral subsidy and countervailing measures disciplines were contained in Article XVI and VI, respectively, of GATT 1947, and the Tokyo Round Subsidies Code. None of these provisions contained a definition of "subsidy". Rather, they simply referred to the term "subsidy". In spite of the existence of multilateral disciplines on the provision of subsidies, there was in practice very little GATT dispute settlement pursuant to these disciplines, and little attention in that context to the meaning of the term "subsidy". There was, by contrast, relatively frequent recourse to countervailing measures by a certain group of countries (including the United States), with each country that used such measures implementing its own definition of subsidy under its domestic procedures.” (United States Measures Treating Exports Restraints As Subsidies. Relatório do Painel, WT/DS194/R, 29.06.2001, §8.66).

32

aos exemplos mencionados no Track I ou, ao contrário, os Estados poderiam considerar passíveis das medidas outros auxílios estatais (e, portanto, dar sua definição de “subsídio”)40. As negociações decorrentes da Rodada Uruguai contribuíram também para a melhora desse panorama. O ASMC inova porque diminui o hiato que anteriormente existia entre a densidade da regulamentação das medidas compensatórias e aquela da concessão de subsídios. Dentro do anterior cenário, a disciplina dos subsídios podia ser descrita como apenas um conjunto de regras que procuravam atenuar o emprego do recurso unilateral às medidas compensatórias41. Dito de outra forma, um conjunto de normas que combatiam o abuso do direito de aplicar medidas compensatórias42. Com a atual regulamentação, ao contrário, as regras sobre medidas compensatórias compartilham importância com aquelas que definem os subsídios e, conseqüentemente, delimitam a ação governamental lícita.

40

Marc Bénitah, por exemplo, ressalta que “Les États-Unis ont très rapidement soutenu que la pertinence da la Liste exemplative était confinée aux questions relevant du Track II. Pour eux, cette Liste n´affectait en aucune façon la capacité d´une partie contractante à imposer des droits compensateurs, en respectant bien sûr le cadre relatif à la procédure, imposé par le Track I.”(Fondements juridiques du traitement des subventions dans les systèmes GATT & OMC. Genebra/Paris: Librairie Droz, 1998, p.91). 41 A principal forma de “atenuação” é condicionar a imposição de medidas compensatórias à demonstração de efeitos adversos, que deixa de cobrir todas as espécies de subsídios a partir do advento do ASMC, que introduz a categoria de subsídios proibidos:“Les dispositions sur les subventions en Droit international économique sont, pour leur part, parsemées de tests fondés sur des ‘effets’ à démontrer ou à établir. Autrement dit, le pays B voulant se défendre contre une subvention accordée par le pays A, ne peut très souvent établir un droit qu´après avoir démontré l´existence de certains effets. (...) [L]a norme fondée sur un effet est réellement une technique d´atténuation des droits accordés au pays B.”(BÉNITAH, op. cit., p. 41). 42 A regra geral do abuso de direito, para Hersch Lauterpacht, serve como fundamento da responsabilidade internacional, na falta de normas específicas para os ilícitos internacionais (The function of law in the international community. Oxford: Clarendon Press, 1933, p. 295 et seq.).

33

O exame seguinte traça as principais mudanças na regulamentação da concessão de subsídios, com a finalidade de destacar o maior adensamento das regras primárias na matéria, sem desprezar, evidentemente, as lacunas que ainda persistem. Desse modo, a análise inicia-se com a definição de subsídios, estabelecida, pela primeira vez, no ASMC; segue com o elenco das espécies de subsídios, para destacar, a partir de uma análise global, os limites que as normas internacionais impõem sobre a conduta estatal neste campo.

A.1.1. A margem de atuação dos Estados sobre a atividade econômica: um início de resposta a partir da definição de “subsídio”

Para demarcar os limites da ação estatal é necessário definir o que seja entendido por “subsídio”. A definição de subsídio, para os fins de interpretação do ASMC, não abrange todas as formas de auxílio estatal: ao contrário, se, por um lado, reconhece a importância da mão do Estado para reajustar as falhas na economia, por outro, deixa de abarcar comportamentos estatais protecionistas. Nos termos do Art. 1º do ASMC: 1.1. Para os efeitos deste Acordo, um subsídio é considerado existente se: (a)(1) houver uma contribuição financeira por um governo ou qualquer órgão público no território de um Membro (...), isto é, onde: (i) uma prática governamental envolva transferência direta de fundos (...), potenciais transferências diretas de fundos ou responsabilidades (...); (ii) renda governamental que de outra forma seria devida é perdoada ou não recolhida; (iii) um governo fornece bens ou serviços outros que infra-estrutura em geral, ou adquire bens; (iv) um governo realiza pagamentos a um mecanismo de financiamento, encarrega ou conduz um órgão privado a realizar uma ou mais das funções ilustradas nos itens (i) a (iii) acima, que competiriam normalmente ao governo, e em que a

34

prática, em nenhum aspecto concreto, difere das práticas normalmente seguidas pelos governos ou (a)(2) houver qualquer forma de de renda ou apoio sobre o preço no sentido do Artigo XVI do GATT 1994 e (b) um benefício é conferido, em decorrência disso43 1.2. Um subsídio, como definido no Parágrafo 1º, deverá estar sujeito ao disposto nas Partes II, III ou V apenas se for específico, de acordo com o disposto no Artigo 244.

Delineando os contornos da definição, o Art. 1º prescreve que os subsídios devem traduzir-se em contribuição financeira (através da transferência de fundos ou da renúncia em arrecadá-los), que resulte em um benefício (Art. 1.1, (b))45 específico (Arts. 1.2 e 2º). A despeito de estar fundada na preocupação de assegurar a lealdade do ambiente do comércio internacional pela menor participação estatal possível, a definição

“(...) the SCM Agreement does not define "benefit". (United States – Countervailing Measures Concerning Certain Products From The European Communities. Relatório do Painel, WT/DS212/R, 31.07.02, §7.45). 44 (“1.1 For the purpose of this Agreement, a subsidy shall be deemed to exist if: (a)(1) there is a financial contribution by a government or any public body within the territory of a Member (...), i.e. where: (i) a government practice involves a direct transfer of funds (...), potential direct tranfers of funds or liabilities (...); (ii) government revenue that is otherwise due is foregone or not collected (...); (iii)a government provides goods or services other than general infrastructure, or purchases goods; (iv) a government makes payments to a funding mechanism, or entrusts or directs a private body to carry out one or more of the type of functions illustrated in (i) to (iii) above which would be normally vested in the government and the practice, in no real sense, differs from practices normally followed by governments 44; or (a)(2) there is any form of income or price support in the sense of Article XVI of GATT 1994; and (b) a benefit is thereby conferred. 1.2 A subsidy as defined in paragraph 1 shall be subject to the provisions of Part II or shall be subject to the provisions of Part III or V only if such a subsidy is specific in accordance with the provisions of Article 2”). 45 “The structure of Article 1.1 as a whole confirms (...) that Article 1.1 (b) is concerned with the ‘benefit’ to the recipient, and not with the ‘cost to government’. The definition os ‘subsidy’ in Article 1.1 has two discrete elements: ‘a financial contribution by a government or any public body’ and a ‘benefit is thereby conferred’. (...) Thus, subparagraphs (a) and (b) of Article 1.1 define a ‘subsidy’ by reference, first, to the action of the granting authority and, second, to what was conferred on the recipient.” (Canada – Measures affecting the export of civilian aircraft. Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS70/AB/R, 02.08.99, §156). 43

35

de

subsídio

dada

pelo

ASMC

deixa

de

abranger

várias

práticas

estatais

anticoncorrenciais46. Assim, por exemplo, não há norma específica sobre a participação estatal em empresas47; da mesma forma, as restrições de acesso a investimentos – em oposição ao acesso a mercados, preocupação principal do ASMC – não parecem estar reguladas no Acordo, de modo que nem todos os casos de “guerra fiscal” no plano internacional seriam atingidos pelos critérios estabelecidos pelo Art. 1º48. Por sua vez, os combatidos subsídios aos produtos agrícolas (tanto domésticos quando os subsídios à exportação) são objeto do Acordo sobre Agricultura, cujo regime difere em certos pontos daquele estabelecido pelo ASMC e deixa ampla margem de ação aos Estados49. De qualquer maneira, a partir da definição do ASMC, é possível destacar que o tema fica adensado no nível de suas normas primárias. Enquanto no regime vigente antes da Rodada Uruguai os Estados estavam comprometidos a não conceder subsídios que pudessem trazer prejuízo aos demais signatários do GATT, a determinação do que se entendia por “subsídio”, contudo, ficava a cargo dos próprios Estados. Nesse

46

“Moreover, we do not see any contradiction between the said object and purpose of the SCM Agreement and the fact that certain measures that might be commonly understood to be subsidies that distort trade might in fact be excluded from the scope of the Agreement. Indeed, while the object and purpose of the Agreement clearly is to discipline subsidies that distort trade, this object and purpose can only be in respect of "subsidies" as defined in the Agreement. This definition, which incorporates the notions of "financial contribution", "benefit", and "specificity", was drafted with the express purpose of ensuring that not every government intervention in the market would fall within the coverage of the Agreement” (United States - Measures Treating Exports Restraints As Subsidies, op. cit., §8.63). 47 “Multilateral trade rules on monopolies and state trading enterprises (STEs) do not create any general obligations to change either the market structure or the pattern of ownership. Nor are these rules primarily designed to prevent anit-competitive behaviour in order to achieve economic efficiency. Rather, their purpose is to prevent monopolies and STEs from behaving in a way that undermines the multilateral market access obligations undertaken by governments.” (MATTOO, Aaditya. Dealing with monopolies and State trading enterprises: WTO rules for goods and services. Genebra: WTO Staff Working Paper TISD9801.WPF, janeiro 1997, p.1, disponível no site ). 48 “(...) a country may not be able, for instance, to successfully complain about investment incentives which divert investment flows away from its market.” (BEVIGLIA ZAMPETTI, op. cit., p.27).

36

caso, a solução das controvérsias era deslocada à discussão sobre a aplicação de medidas compensatórias (porquanto as normas secundárias eram mais adensadas). A despeito desse avanço, a norma definidora de “subsídio”, tomada isoladamente, não é uma norma primária. Antes, serve como pressuposto para as regras que estabelecem as espécies de subsídio, sendo estas as normas primárias: O Artigo 1.1. estabelece a definição geral para o termo ‘subsídio’, que se aplica ‘para os efeitos deste Acordo’. Esta definição, contudo, aplicase onde quer que a palavra ‘subsídio’ apareça no ASMC e condiciona a aplicação das disposições deste Acordo sobre os subsídios proibidos na Parte II, subsídios acionáveis na Parte III, subsídios não-acionáveis na Parte IV e medidas compensatórias na Parte V50

Cada espécie de subsídio possui um regime próprio que, de um lado, delimita o campo da atuação estatal – separando o lícito do ilícito -, e, de outro lado, prevê mecanismos próprios de fiscalização e sanção, ou seja, as normas secundárias.

A.1.2. As normas primárias sobre subsídios: as espécies de subsídios e os limites da ação estatal

A partir da definição de “subsídio”, o ASMC organiza a problemática dos subsídios em torno de categorias, cujo regime prevê maior ou menor margem de ação estatal no concernente à concessão do subsídios. Em conformidade com o caráter mais ou menos constritivo da norma, uma metáfora com o semáforo foi convencionada para

49

O que torna a matéria o nó górdio das discussões em curso no quadro da Rodada de Doha. A respeito, entre várias matérias, “Doubts about Doha”, The economist, versão digital disponível no site , 15.11.2002. 50 United States - Tax treatment for "Foreign Sales Corporations", op. cit., §93 (“Article 1.1 sets forth the general definition of the term "subsidy" which applies "for the purpose of this Agreement". This definition, therefore, applies wherever the word "subsidy" occurs throughout the SCM Agreement and conditions the application of the provisions of that Agreement regarding prohibited subsidies in Part II, actionable subsidies in Part III, non-actionable subsidies in Part IV and countervailing measures in Part V.”).

37

designar os três tipos de subsídios: proibidos (luz vermelha), acionáveis (luz amarela) e não-acionáveis (luz verde).

(a) Subsídios proibidos

Os subsídios proibidos não são propriamente uma inovação advinda com o ASMC. A existência de normas que proscrevem o uso de certos auxílios estatais já era contemplada no Código de Subsídios; a diferença atribuída ao ASMC é que, para além da especificação das categorias de subsídios, suas normas obrigam todos os membros da OMC, ao contrário do número reduzido de signatários que se obrigaram pelo antigo Código. Ademais, os subsídios anteriormente considerados proibidos eram aqueles cujo preço de exportação era inferior ao preço doméstico. O ASMC não faz tal imposição isso torna pioneira a categoria de subsídios proibidos introduzida na atual regulamentação. Conquanto a temática dos subsídios não encontre similar no direito antitruste do plano doméstico dos Estados, é possível assinalar uma analogia que liga a categoria dos subsídios proibidos com certas práticas anticoncorrenciais, aquelas condenadas per se, isto é, as hipóteses que dispensam a demonstração da existência de dano para que sejam punidas. A simples verificação de um dos casos de condutas proibidas faz supor a produção de danos. Assim, conforme o Art. 3.1 do ASMC, são proibidos os seguintes subsídios: (a) subsídios condicionados, de fato ou de direito (...) ao desempenho da exportação;

38

(b) subsídios condicionados (...) ao uso de bens domésticos em detrimento de importados51

Apesar das discussões que o caso concreto pode ensejar sobre a adequação de um comportamento estatal a um dos casos do Art. 3.1, é inegável que a norma que estabelece os subsídios proibidos é um exemplo de regra primária. Além de regra primária, a peculiaridade das normas que definem os subsídios proibidos está em aparentemente dispensar a alegação de existência de dano por parte de quem provoca o controle multilateral sobre o tema. Assim, sob uma possível leitura, o Art. 4.1 do ASMC não exigiria que a alegação de prejuízo acompanhasse o pedido de reclamação contra a concessão de um subsídio proibido52 (“Sempre que um Membro tiver razão para crer que um subsídio proibido está sendo concedido ou mantido por outro Membro, o primeiro poderá solicitar consulta com o segundo”53). A produção de dano seria, portanto, dispensada para os fins de propositura de uma reclamação contra um membro da OMC. Uma outra leitura, entretanto, poderia ser feita, visando apontar que a proibição dos subsídios dessa espécie apenas deslocaria o ônus da prova para o Estado acusado. Assim, ao invés de o Estado reclamante sustentar sua queixa com a apresentação do dano sofrido (como sucede com os subsídios acionáveis), caberia ao Estado acusado demonstrar que não houve dano. Nessa hipótese, ter-se-ia presente o que

51

(“(a) subsidies contingent, in law or fact (...) upon export performance (...); (b) subsidies contingent (...) upon the use of domestic over imported goods”). 52 “(...) if the primary rule does not make injury an essential element of a violation, an obligation may be breached even though no specific injury is caused to another state.” (HENKIN, Louis; SCHACHTER, Oscar; PUGH, Richard Crawford; SMIT, Hans. International Law – Cases and Materials. 3. ed, 2. reimp. Saint Paul: West Publishing Co., 1998, p.554). 53 (“Whenever a Member has reason to believe that a prohibited subsidy is being granted or maintained by another Member, such Member may request consultations with such other Member.”).

39

prevê o Art. 3.8 do Entendimento de Solução de Controvérsias (ESC) para os casos de violação prima facie: Nos casos em que houver uma violação das obrigações assumidas sob um dos acordos abrangidos, a ação é considerada constituir prima facie um caso de anulação ou prejuízo. Isso significa que normalmente há a presunção de que uma violação das regras produz um impacto adverso sobre outros membros que sejam partes do mesmo acordo e que, em tais casos, compete ao membro contra quem a reclamação é movida afastar a acusação. 54 (grifado)

Um exemplo de aplicação desta última leitura estaria no caso Australia – Subsidies provided to producers and exporters of automotive leather. O Painel, após entender presente a concessão de subsídio proibido, estabeleceu que a Austrália não se desincumbira do ônus de mostrar a ausência de dano sobre a indústria do Estado reclamante, os Estados Unidos: Conforme o Artigo 3.8 do ESC, a conclusão do Parágrafo 10.1 (b) também constitui um caso de anulação ou prejuízo prima facie dos benefícios atribuídos aos Estados Unidos pelo ASMC, que a Austrália não afastou.55 (grifado)

Então, o que sugerem os argumentos acima? O subsídio proibido é condenável mesmo quando não causar danos ao Estado que reclama? Ou, ao contrário, que a comprovação de ausência de danos isenta o Estado demandado de responsabilidade pelo subsídio proibido? Em princípio, tendo em conta a ratio decidendi do caso citado, a resposta tenderia para o argumento de que os subsídios proibidos só são condenáveis quando causarem danos ao Estado reclamante. Contudo, um tal argumento equivaleria a ver nos

54

(“In cases where there is an infringement of the obligations assumed under a covered agreement, the action is considered prima facie to constitute a case of nullification or impairment. This means that there is normally a presumption that a breach of the rules has an adverse impact on other Members parties to that covered agreement, and in such cases, it shall be up to the Member against whom the complaint has been brought to rebut the charge”, grifado no original).

40

subsídios proibidos uma espécie de subsídios acionáveis, com a diferença de que a propositura da queixa não exigiria, aqui, a demonstração do dano como condição preliminar; a solução da queixa, no entanto, estaria fundada no mesmo critério de atenuação – a produção de efeitos adversos. Não parece, entretanto, que esta tenha sido a filosofia em distinguir os subsídios proibidos dos acionáveis. Prova disso são os efeitos que o ASMC estabelece para os casos em que o Painel ou o Órgão de Apelação tenham verificado a concessão de um subsídio proibido. Conforme o Art. 4.7 do Acordo, “Se a medida em questão é considerada um subsídio proibido, o painel deverá recomendar a retirada do subsídio sem demora”56. O caráter peremptório da determinação de retirar o subsídio sem demora (without delay) contrasta com o controle que a OMC exerce sobre os subsídios acionáveis, acerca dos quais a preocupação repousa apenas em sanar os efeitos do subsídio, ao invés de punir a concessão propriamente dita, com a retirada do auxílio. Aliás, pode-se projetar para esta distinção entre subsídios a mesma lógica que serve para diferir as categorias da responsabilidade internacional civil – que opera com mecanismos de “cobrança” dos custos de uma conduta para outro Estado, fundando-se, pois, na existência do dano – da responsabilidade internacional criminal – que opera com vistas a proibir certas condutas e, portanto, punir sua própria prática independentemente da ocorrência do dano57. 55

Relatório do Painel, WT/DS126/R, 25.05.99, §10.2 (“Pursuant to Article 3.8 of the DSU, the finding in paragraph 10.1 (b) also constitutes a case of prima facie nullification or impairment of benefits accruing to the United States under the SCM Agreement, which Australia has not rebutted.”). 56 (“If the measure in question is found to be a prohibited subsidy, the panel shall recommend that the subsidizing Member withdraw the subsidy without delay”). 57 BODANSKY, Daniel; CROOK, John R. Symposium: ILC´s State Responsibility Articles. Introduction and overview. American Journal of International Law, v. 96, p. 784, nota 78, 2002.

41

O Órgão de Apelação, no caso Brazil – Export financing programme for aircraft, teve oportunidade de destacar que a punição imposta sobre os subsídios proibidos é diversa daquela que incide sobre as demais formas de violação a normas multilaterais. Nessa oportunidade, o Órgão sublinhou a diferença entre a conduta que mesmo lesiva - pode ser mantida se for “permutada” por uma compensação, daquela que, ao contrário, deve ser retirada sem mais: Nós destacamos (...) que o Artigo 4.7 contém vários elementos que são diferentes das disposições dos Artigos 19 e 21 do ESC [Entendimento de Solução de Controvérsias da OMC] com respeito às recomendações de um painel e implementação das decisões e recomendações do OSC [Órgão de Solução de Controvérsias da OMC]. Por exemplo, o Artigo 19 do ESC requer que um painel recomende que um membro coloque sua medida ‘em conformidade’ com os acordos abrangidos. Contrariamente, o Artigo 4.7 do ASMC requer que o painel recomende que o Membro subsidiante retire o subsídio. Ademais, o Parágrafo 1º do Artigo 21 do ESC requer ‘pronto cumprimento das recomendações ou decisões do OSC’, e o Parárafo 3º do mesmo Artigo permite a um membro ‘razoável período de tempo’ para implementar as recomendações ou decisões do OSC, quando não for o caso de cumprimento imediato. Ao contrário, o Artigo 4.7 do ASMC requer que um painel recomende que um subsídio seja retirado ‘sem demora’58

(grifado no original).

58

Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS46/AB/R, 02.08.99, §191, grifado no original (“We note (...) that Article 4.7 contains several elements which are different from the provisions of Articles 19 and 21 of the DSU [Dispute Settlement Understanding] with respect to recommendations by a panel and implementation of rulings and recommendations of the DSB. For example, Article 19 of the DSU requires a panel to recommend that the Member concerned bring its measure ‘into conformity’ with the covered agreements. In contrast, Article 4.7 of the SCM Agreement [Subsidies and Countervailing Agreement, o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias] requires a panel to recommend that the subsidizing Member withdraw the subsidy. In addition, paragraph 1 of Article 21 of the DSU requires ‘prompt compliance with recommendations or rulings of the DSB’, and paragraph 3 of that Article allows an implementing Member a ‘reasonable period of time’ to implement the recommendations or rulings of the DSB, where it is impracticable to comply immediately. In contrast, Article 4.7 of the SCM Agreement requires a panel to recommend that a subsidy be withdrawn ‘without delay’.”). A determinação de retirada da medida internacionalmente ilícita serve como exemplo do argumento de Prosper Weil do caráter das “novas” regras secundárias em Direito Internacional: “Les règles secondaires nées de la violation d´une règle primaire ne se réduisent pas, estime-t-on aujourd´hui, à l´obligation de réparer les conséquences dommageables du fait internationalement illicite: parmi ces conséquences, voire même au premier rang de ces conséquences, figure ce qu´on appelle communément aujourd´hui l´obligation de cessation, c´est-à-dire l´obligation de mettre fin à la violation.” (Le Droit International en quête de son identité. Cours général de Droit International Public. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 237, v. VI, p.351, 1992).

42

A título de especulação, seria possível ainda ousar e sustentar que essa disciplina dos subsídios proibidos conduziria à regra de que todos os Estados teriam interesse em agir contra aquele que concede o subsídio, tendo em conta os efeitos nocivos decorrentes de sua própria existência; a ilegalidade per se da concessão de subsídios proibidos desprezaria a regra do Art. 3.8 do DSU para esse caso 59. Seria uma hipótese da tão debatida actio popularis aventada pelo obter dictum da Corte Internacional de Justiça no caso Barcelona Traction60 Seja como for, não importando a quem seja conferido locus standi, o caso dos subsídios proibidos insere-se no espírito dos trabalhos da Comissão de Direito Internacional sobre a responsabilidade internacional, designadamente à idéia de que certos ilícitos são puníveis pelo simples fato de um Estado ter realizado certo comportamento. Com efeito, como expõe Prosper WEIL: Um dos aspectos mais revolucionários dos trabalhos da Comissão de Direito Internacional consistiu em definir a responsabilidade internacional sem nela incorporar a noção de dano. Para que exista responsabilidade internacional, é preciso, é suficiente que o Estado tenha violado uma obrigação internacional. A existência de um dano, moral que seja, não é mais exigida.61 59

O argumento é reforçado pela omissão, no ASMC, da nota de rodapé que estava presente no Código e que autorizava essa defesa ao acusado:“Il n´y a plus [no ASMC] de note de bas de page similaire à la note 26 qui se trouvait dans l´ancien Code. On se rappelle que cette dernière n´excluait pas la possibilité pour une partie ayant violé ses obligations relatives aux subventions prohibées, de réfuter raisonnablement le fait qu´elle avait annulé ou compromis un avantage pour la partie plaignante. Étant donné que dans la pratique, la présomption est devenue quasi automatique, il n´est pas utile d´essayer d´analyser la portée de cette omission pour savoir si elle crée une disposition spéciale par rapport à la doctrine générale où théoriquement une réfutation de la présomption est possible. Il vaut mieux partir du principe que l´octroi d´une subvention prohibée est automatiquement considerée comme une violation des obligations découlant de l´Accord sur les subventions, et devra être retirée sans retard, comme le stipule d´ailleurs l´Article 4.7 de cet Accord.” (BÉNITAH, op. cit.¸ p. 56-7, grifado). 60 Case concerning the Barcelona Traction, Light and Power Company, Limited (Belgium v. Spain), 2nd. Phase, International Court of Justice, 1970 I.C.J., 3, §§ 33 e 34, apud HENKIN et alii, op. cit., p.555. A respeito das obrigações erga omnes no Direito Internacional Público ver RAGAZZI, Maurizio. The concept of international obligations erga omnes. Oxford: Clarendon Press, 1997. 61 Op. cit., p.340 (“L´un des aspects les plus revolutionnaires des travaux de la Commission du droit international a consisté à définir la responsabilité internationale sans y incorporer la condition d´un dommage. Pour qu´il y ait responsabilité internationale, il faut, il suffit, que l´État ait violé une obligation internationale. L´existence d´un dommage, fût-il moral, n´est plus requise.”).

43

A pretensão de afastar o dano como elemento da responsabilização estatal atingiu seu ponto mais alto com o estabelecimento da distinção, no antigo artigo 19 do Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre Responsabilidade Internacional, que distinguia delitos de crimes internacionais62. Mesmo que o artigo 19 do Relatório tenha sido suprimido, a idéia de que certas condutas de Estados são puníveis per se subsiste na própria leitura atual que a Comissão fez de seu novo Relatório63. Assim: É comum dizer-se que a responsabilidade internacional não decorre da conduta de um Estado em desrespeito a suas obrigações a não ser que outros elementos existam, designadamente o dano provocado a outro Estado. Porém, saber se estes outros elementos são exigidos depende do conteúdo da obrigação primária e não há regra geral a esse respeito.64

Se, no entanto, as demandas fundadas em subsídios proibidos forem movidas apenas por Estados que tenham sofrido algum dano, isso é devido menos ao fato de que o prejuízo seja condição à propositura da demanda do que em virtude do custo político produzido pela reclamação contra a concessão de subsídio, como assinalado

62

Um claro exemplo da atividade de “desenvolvimento progressivo do Direito Internacional” (Carta da ONU, art. 13, §1º, (a)) a cargo da Comissão. Aliás, foi justamente com base nesse caráter “nãocodificatório” do texto do art. 19, que muitos países lograram retirá-lo do atual Relatório (ver por exemplo as manifestações dos EUA e Reino Unido sobre a versão anterior do Relatório. Comisión de Derecho Internacional – Primer informe sobre la responsabilidad de los Estados, Sr. James Crawford, Relator Especial, 50º período de sessões, Genebra, 20 de abril a 12 de junho de 1998 – Nova Iorque, 27 de julho a 14 de agosto de 1998, A/CN.4/490/Add.1). 63 A supressão referida, assim, atingiu a distinção entre crimes e delitos internacionais, mas não entre a responsabilização “civil” (condicionada pelo dano) da “criminal” (em que o dano é despiciendo) . 64 “It is sometimes said that international responsibility is not engaged by conduct of a State in disregard of its obligations unless some further element exists, in particular, damage to another State. But whether such elements are required depends on the content of the primary obligation, and there is no general rule in this respect.” (Commentaries to the draft articles on Responsibility of States for internationally wrongful acts, adopted by the International Law Commission at its fifty-third session (2001) (Extract from the Report of the International Law Commission on the work of its Fifty-third session, Official Records of the General Assembly, Fifty-sixth session, Supplement No. 10 (A/56/10), chp.IV.E.2) November 2001, p.73).

44

inicialmente. De qualquer modo, a jurisprudência ainda não foi provocada especificamente sobre o tema e a questão continua aberta à discussão65.

(b) Subsídios acionáveis

Ao contrário das hipóteses de subsídios proibidos, os subsídios acionáveis são permitidos, salvo se produzirem “efeitos adversos” a outros Membros da OMC66. Assim, a demonstração da existência de um efeito adverso é condição para que a reclamação possa ser movida contra o Estado que concede o auxílio. Nesse sentido, o regime desta espécie de subsídios insere-se no contexto tradicional da responsabilidade internacional. (...) sempre que um membro tiver razão para crer que qualquer subsídio referido no Artigo 1º, concedido ou mantido por outro membro, resulta em dano a sua indústria doméstica, anulação ou prejuízo ou sério dano, o primeiro poderá solicitar consulta com o segundo67.

O caráter “acionável” dos subsídios não significa identidade plena com countervailable, ou seja, subsídios passíveis de serem atingidos por medidas

65

A respeito da qual Joost Pauwelyn já se posicionou: “(...) based on a close reading of the Appellate Body in EC – Bananas, the mere fact that a WTO member breaches WTO rules does not suffice for all other WTO members to have standing to seek redress for this breach. A purely ‘legal interest’ is not enough. For a member to have standing the inconsistent measure must, at least in theory, apply to the trade of that member.” (The nature of WTO obligations. Jean Monnet Working Paper 1/02, New York University School of Law, 2002, p. 24-5, grifado no original). Note-se, contudo, que o autor não desconsidera que um Membro da OMC pode acionar um outro com base na simples violação de uma norma, alheio à efetiva ocorrência de um prejuízo (ao dizer que at least in theory a medida inconsistente deve atingir o Membro queixoso). A ressalva do autor visa tão-somente restringir o locus standi perante a OMC, mas não atinge o fundamento da queixa que, repita-se, pode ser a simples violação de uma norma, sem a produção concreta de um dano. 66 “(...) actionable subsidies are measures that are permitted but may, if they create adverse effects on a WTO member, give rise to consultations, invocation of dispute settlement procedures, or the imposition of countervailing duties by an importing country.” (HOEKMAN, Bernard; KOSTECKI, Michel, op.cit., p.173). 67 ASMC, Art. 7.1 (“(...) whenever a Member has reason to believe that any subsidy referred to in Article 1, granted or maintained by another Member, results in injury to its domestic industry, nullification or impairment or serious prejudice, such Member may request consultations with such other Member.”).

45

compensatórias68. Não apenas os subsídios proibidos podem eventualmente ser alvo das medidas como também há previsão no ASMC de subsídios acionáveis que não são passíveis de medidas. Aliás, um importante exemplo da multilateralização do tratamento dos subsídios são as normas que tornam acionáveis os subsídios que causam “sério prejuízo” a um membro da OMC tanto no mercado do país que subsidia (os subsídios domésticos do Art. 6.3, (a)) quanto em um terceiro mercado (Art.6.3, (b))69. Nessas duas hipóteses, os subsídios causam dano a um Estado sem que ele possa lançar mão das medidas compensatórias, que exigem a importação do produto subsidiado para o mercado do Estado lesado. Adiante serão analisados os recursos para combater essas espécies de subsídios. A vinculação da sindicabilidade dos subsídios acionáveis à demonstração do efeito adverso os torna diferentes dos subsídios proibidos também no que concerne às formas de controle: enquanto os últimos devem ser retirados, os subsídios acionáveis podem ser mantidos, contanto que os efeitos adversos sejam removidos; como foi 68

Como faz a legislação brasileira sobre o assunto (Decreto 1.751/95): “Art. 5º. Para os fins deste Decreto, um subsídio, como definido no artigo anterior, será denominado acionável, sujeito a medidas compensatórias, se o mesmo for específico (...)” (grifado). O fundamento para a imposição de medidas compensatórias é que produtos importados causem prejuízo à indústria doméstica: “Consistent with the ordinary meaning of Article 19.1, the imposition by a Member of a countervailing duty on an imported product is subject to two conditions. First, the Member must have made a final determination of the existence and amount of a (countervailable) subsidy in respect of the imported products. Second, the Member must have made a final determination that the subsidized imports are causing injury to the relevant domestic industry.” (United States – Imposition of countervailing duties on certain hot-rolled lead and bismuth carbon steel products originating in the United Kingdom. Relatório do Painel, WT/DS138/R, 23.12.1999, §6.50). 69 “The main thrust of the Uruguay Round serious prejudice provisions, however, is to address effects of subsidies that are manifested in third-country markets and in the home market of the subsidizing country – situations in which countervailing duty remedies are not available. (...) The Agreement makes it clear that serious prejudice may be caused, and remedies sought, where subsidies to domestic producers displace imports or impede the progress of imports into the domestic market. The Agreement similarly provides for serious prejudice cases to be brought to the WTO where subsidies have displaced or impeded another country´s exports into third-country markets.” (COLLINS-WILLIAMS, Terry; SALEMBIER, Gerry, op. cit., p.13, grifado).

46

assinalado, o regime dos subsídios acionáveis insere-se no quadro tradicional da responsabilidade internacional, cujo fundamento é o da responsabilização “civil” – ressarcir o dano – ao invés de punir a conduta ilícita per se. A idéia é clara na leitura do Art. 7.8 do ASMC: Quando um relatório do painel ou do Órgão de Apelação é adotado e determina que um subsídio produziu efeitos adversos aos interesses de outro membro, nos termos do Artigo 5º, o Membro que concede ou mantém tal subsídio deverá tomar as medidas necessárias para remover os efeitos adversos ou deverá retirar o subsídio70

(c) Subsídios não-acionáveis

A existência da categoria dos subsídios não-acionáveis revela que nem toda intervenção estatal é condenada como prática de concorrência desleal 71. Especificamente, os subsídios não-acionáveis representam a margem de ação que foi reservada ao Estado para investimentos em infra-estrutura (que não são específicos72), investimentos em atividades de pesquisa (especialmente para fins não-comerciais e nãoindustriais73), assistência a regiões menos desenvolvidas no território de um Estado

74

ou

investimentos necessários para adaptar instalações existentes a padrões ambientais 75.

70

ASMC, Art. 7.8 (“Where a panel report or an Appellate Body report is adopted in which it is determined that any subsidy has resulted in adverse effects to the interests of another Member within the meaning of Article 5, the Member granting or maintainig such subsidy shall take appropriate steps to remove the adverse effects or shall withdraw the subsidy.”). 71 Ao contrário, a categoria dos subsídios não-acionáveis comprova que há subsídios necessários e que convém sejam mantidos, contanto que não produzam efeitos nocivos ao comércio internacional: “It is recognized that government assistance for various purposes is widely provided by Members and that the mere fact that such assistance may not qualify for non-actionable treatment under the provisions of this Article does not in itself restrict the ability of Members to provide such assistance.” (nota n. 23 ao Art. 8.1, ASMC). 72 ASMC, Art. 8.1, (a). 73 ASMC, Art. 8.2, (a); tb. nota n. 26 ao Art. 8.2. 74 ASMC, Art. 8.2, (b). 75 ASMC, Art. 8.2, (c).

47

No que toca à assistência à pesquisa e desenvolvimento nos campos comercial e industrial, o ASMC estabelece uma distinção entre “pesquisa industrial” e “atividade de desenvolvimento pré-competitivo”76 nos seguintes termos: a primeira implica, nos termos da nota de rodapé n. 28 do ASMC, “planned search or critical investigation aimed at discovery of new knowledge, with the objective that such knowledge may be useful in developing new products, processes and services, or in bringing about a significant improvement to existing products, processes or services”. A assistência estatal válida para esse caso não pode exceder 75% dos custos da pesquisa77. As hipóteses de “pre-competitive development activity”, entendida como “the translation of industrial research findings into a plan, blueprint or design for new, modified or improved products, processes or services whether intended for sale or use, including the creation of a first prototype which would not be capable of commercial use”78, admitem assistência estatal em até 50% de seus custos, sob pena de se tornarem subsídios acionáveis. Porém, “one cannot assume that all subsidies fall neatly into one of the three categories”79 e, especificamente para o caso dos subsídios não-acionáveis, não há previsão para que eles prevaleçam sobre os subsídios proibidos. Assim, “[t]he green light provisions of Article 8 do not provide for a waiver, either directly or indirectly, of Article 3 constraints”80. Ao contrário, a ressalva feita no Acordo (na nota nº35) estabelece que “[t]he provisions of Parts III (subsídios acionáveis) and V (medidas compensatórias) shall not be invoked regarding measures considered non-actionable (...)”, ou seja, a

76

KLEINFELD, George; KAYE, David, op. cit., p.48. ASMC, Art. 8.2, (a). 78 ASMC, nota n. 29 ao Art. 8.2, (a). 79 JACKSON, op. cit., p. 291. 77

48

ressalva não protege os subsídios não-acionáveis dos subsídios proibidos; impede, apenas, que sejam alvo de medidas compensatórias. O Acordo, ciente da fragilidade da determinação do alcance dos subsídios não-acionáveis, prescreve uma forma própria para lidar com as controvérsias nascidas entre os Estados. Ela será objeto da segunda parte desta Seção.

A.2) O aumento da fiscalização multilateral

As medidas compensatórias não são a única forma de combater a concessão ilícita de subsídios. A criação da OMC contribui para comprovar este argumento e para solucionar as controvérsias nascidas dos subsídios concedidos que não são passíveis de desafiar a aplicação das medidas. Assim, é possível apontar um aumento da fiscalização multilateral sobre a aplicação que os Estados fazem das normas sobre subsídios a partir de duas constatações: em primeiro lugar, a existência de procedimentos multilaterais técnicos de solução de controvérsias compensa a aplicação unilateral das medidas compensatórias, que, no entanto, permanece sendo a regra; em segundo lugar, o caráter técnico desses procedimentos decisórios fornece adequado controle para os subsídios que, ao produzirem efeitos fora do Estado lesado, não poderiam ser punidos pelas medidas compensatórias. Em ambos os casos, há melhor institucionalização das normas secundárias. Em suma, uma multilateralização dos mecanismos de fiscalização indica melhor controle tanto sobre a concessão ilícita de subsídios quando sobre a imposição

80

KLEINFELD, George; KAYE, David, op. cit., p.59.

49

abusiva de medidas compensatórias. O exame seguinte aborda detalhadamente em que intensidade isso ocorreu, iniciando com os efeitos sentidos no campo das medidas compensatórias.

A.2.1. A multilateralização das medidas compensatórias

A forma tradicionalmente empregada para sancionar os subsídios que causam prejuízo a um Estado não foge ao quadro descentralizado da aplicação das sanções no Direito Internacional: o Estado que se sente lesado pune o Estado que considera ter sido o infrator. Nesse sentido, portanto, as medidas compensatórias servem como mais uma demonstração de self-help, característica do meio internacional pouco institucionalizado, de que lançam mão os Estados para revidar às condutas que entendem ser ilícitas. Em duas palavras, medidas compensatórias são exemplo de autotutela. Contudo, nem todo subsídio pode ser atingido por intermédio de medidas compensatórias; tampouco a própria utilização das medidas significa a melhor solução para o ilícito, porque o governo do Estado “lesado” pode estar movido por fins protecionistas, já que cada um se posiciona como juiz de sua própria causa e, na falta de freios institucionais internacionais, encontra-se mais vulnerável à pressão dos setores domésticos interessados81. Ademais, considerar que o comportamento de um Estado possa ser apreciado pelas autoridades de outro, como sucede no procedimento decisório da imposição das medidas, é algo que o Direito Internacional tradicional tenta evitar, na

81

GOLDSTEIN, Judith. International institutions and domestic politics: GATT, WTO, and the liberalization of international trade. In: KRUEGER, Anne O. (ed.). The WTO as an international organization. Chicago: The University of Chicago Press, 1998, p. 139 et seq.

50

medida em que concede imunidade de jurisdição aos Estados para os casos de atos de império; justamente por estar inserida entre os mecanismos de política econômica, a concessão de subsídios é um exemplo de ato de império. A solução para controvérsias surgidas da aplicação de medidas compensatórias deveria pertencer originalmente ao plano internacional. Apesar

das

deficiências,

entretanto,

o

emprego

das

medidas

compensatórias ainda é o meio mais freqüente para fazer frente aos prejuízos advindos da concessão de subsídios. As medidas compensatórias são, assim, um recurso que os Estados podem empregar para contrabalançar os danos que sua indústria doméstica comprovadamente sofre a partir da entrada de produtos importados subsidiados em seu mercado82. Desde a adoção originária pela legislação norte-americana83, a regulamentação das medidas compensatórias refletia a racionalidade “liberal” que hoje se encontra nas normas de Direito Internacional do Comércio. Assim, mais do que um exemplo de descentralização na aplicação de sanções no Direito Internacional, as medidas compensatórias marcam a introdução de uma nova espécie de atos “ilícitos”84: as violações ao comércio internacional leal.

82

“The term ‘countervailing duty’ shall be understood to mean a special duty levied for the purpose of offsetting any subsidy bestowed directly or indirectly upon the manufacture, production or export of any merchandise, as provided for in paragraph 3 of Article VI of GATT 1994.” (nota n.36 do ASMC). 83 “Long before any multilateral attempts were made to discipline subsidies, at least one country made provision in its domestic laws to address the subsidy practices of its trading partners. Since the 1890s, the United States has had a countervailing duty law in its statutes. Originally applied to offset the benefit of any bounty or grant to exports that were dutiable in the United States, it was extended in 1922 to cover domestic subsidies. However, the use of this U.S. countervail authority did not become widespread until it was substantially revised in the Trade Act of 1974 (...)” (COLLINS-WILLIAMS, Terry; SALEMBIER, Gerry, op. cit., p.6). 84 Ilícito porque considerar as medidas compensatórias como uma punição implica ver na concessão de subsídios uma violação a alguma norma de Direito Internacional. Definir exatamente qual seja esta norma é um problema que o Codigo de Subsídios e, mais tarde, o ASMC tentam resolver. Conforme foi antes assinalado, até que as normas multilaterais definissem o alcance do termo “subsídio”, no ASMC, cada

51

A prática norte-americana de “punir” a concessão de subsídios por tratá-la como sendo desleal provocou, naturalmente, reação pelos demais Estados, em sentido contrário. A adoção doméstica das medidas compensatórias difundiu-se por outros Estados e daí decorreu a necessidade de elevar o tema ao plano da regulação internacional, para que se lhe desse alguma organização. A temática dos subsídios ingressa, portanto, no ordenamento internacional, menos para disciplinar a concessão de subsídios propriamente dita do que para estabelecer padrões normativos acerca da utilização das medidas compensatórias85. Conforme foi apontado acima, a cooperação entre os Estados foi obtida com mais facilidade no tópico referente aos procedimentos para a “punição” da conduta desleal (normas secundárias) do que em torno da definição da própria conduta “punida” (norma primária). Para essa assimetria regulatória, o consenso sobre a importância de condenar a concorrência desleal pouco contribuiu; antes, o que importou efetivamente foi a percepção de que o emprego desordenado de medidas poderia provocar 86 efeitos nocivos ao comércio internacional.

Estado tinha ampla margem para estabelecer quando um subsídio podia ser alvo de medidas compensatórias. 85 “The GATT 1947 allowed a large measure of subsidy freedom, disciplined primarily by the threat of CVDs [countervailing duties].” (...) “Countervailing duties (...) were politically necessary because the substantive disciplines on subsidies were weak.” (...) “In this respect, the WTO differs substantially from deep regional integration agreements such as the EU, where strict disciplines are imposed on the use of subsidies and CVDs cannot be used by member states on imports from partner countries” (HOEKMAN, Bernard; KOSTECKI, Michel, op. cit., p. 171-2); nesse sentido, tb. BEVIGLIA ZAMPETTI, op.cit., p.9. 86 Os problemas decorrentes desse cenário de completa descentralização na imposição de medidas compensatórias “stimulate international cooperation in order to avoid the adverse consequence of a prisoner´s dilemma, in which each participant, unsure of whether the others will cooperate, engages in behavior that is less optimal than cooperative behavior. This seems to be an accurate analysis of the reasons why international cooperation provides discipline on subsidies, regardless of whether one is persuaded that subsidies are intrinsically dangerous or that they can be disciplined.” (TRACHTMAN, Joel P. International regulatory competition, externalization, and jurisdiction. Harvard International Law Journal, v. 34, n.1, p. 83-4, 1993).

52

Para além das normas que já constavam no Código de Subsídios, resultante da Rodada Tóquio de 1979 (que tinha vigência apenas sobre 24 Estados), o atual Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias estabelece a todos os membros da OMC87 algumas normas mais precisas sobre o procedimento doméstico de investigação e imposição de medidas compensatórias88. Se é correto dizer que as regras não foram alteradas em sua substância89, isso não significa dizer que a fiscalização multilateral sobre o comportamento estatal não tenha sido tornada mais rigorosa. Seja como for, o regime vigente para o controle das medidas compensatórias também é alvo de maior multilateralização, o que é percebido tanto pela possibilidade de que os Estados abram mão da imposição das medidas quanto pelo aumento do controle multilateral sobre o comportamento estatal neste campo. Dentro desse contexto trazido pela Rodada Uruguai, merece destaque a nota número 35 ao Acordo, que preceitua que os Estados podem utilizar o procedimento doméstico de imposição de medidas compensatórias (regulado pela Parte V do ASMC) paralelamente à provocação das instâncias multilaterais, conforme o caso seja de subsídios proibidos (Parte II do ASMC) ou subsídios acionáveis (Parte III do ASMC). Nos seus termos, “[a]s disposições das Partes II ou III poderão ser invocadas em paralelo com as disposições da Parte V”90. 87

Em decorrência do single undertaking decorrente do Artigo II, do Acordo que estabelece a Organização Mundial do Comércio. 88 “(...) alors que l´Accord Général de 1947 ne prévoyait qu´un seul type de contre-mesure de nature douaniére – les droits compensateurs – l´Accord de 1994 prévoit également une mesure de substitution non-tarifaire avec les engagements de prix ou de limitation des subventions.”(CARREAU, Dominique; JUILLARD, Patrick. Droit international économique. 4. ed. Paris: LGDJ, 1998, p.258). 89 “(...) Part V covers coutervailing measures, which are fairly similar to the previous 1979 code and to the practice under GATT Article VI.” (JACKSON, op. cit., p.292). 90 “The provisions of Part II or III may be invoked in parallel with the provisions of Part V”. A escolha sobre o foro para decidir o problema referente à aplicação da medida compensatória compete ao Estado lesado, e não ao Estado que sofre a imposição da medida. Este não teria interesse em agir antes da decisão doméstica visando a imposição das medidas.

53

O emprego de medidas compensatórias pelos Estados é facultativa; entendendo conveniente, podem dispensar o procedimento doméstico e provocar os órgãos multilaterais. A existência do dispositivo permite afastar o argumento de que os órgãos multilaterais servem como instâncias recursais, cuja competência existe apenas após as autoridades nacionais terem imposto as medidas compensatórias; ou seja, afasta a idéia de que existiria uma regra do “esgotamento dos recursos internos” do Estado lesado, antes que o caso pudesse se encaminhado à OMC. Da mesma forma, o Art. 19, §2º mantém a discricionariedade de, após toda a investigação sobre a existência de subsídio e da produção de danos, o Estado lesado optar por não aplicar as medidas: A decisão de impor ou não uma medida compensatória em casos em que todos os requisitos para a imposição forem preenchidos, e a decisão sobre se o valor das medidas compensatórias deverá ser o valor total do subsídio ou menos, são decisões a serem tomadas pelas autoridades do 91 membro importador.

O otimismo, contudo, seria precipitado porque pressupõe que os Estados não apenas consintam em declinar de processar domesticamente os pedidos de imposição de medidas compensatórias como também resistam às pressões da indústria doméstica para “punir” o concorrente externo, o que não é uma suposição razoável. O atual estado da matéria, assim, autoriza adotar posicionamentos que alcançam desde a indicação de uma tendência para o “ocaso das medidas compensatórias” quanto para uma visão mais realista de que o paralelismo da nota n° 35

91

(“The decision whether or not to impose a countervailing duty in cases where all requirements for the imposition have been fulfilled, and the decision whether the amount of the countervailing duty to be imposed shall be the full amount of the subsidy or less, are decisions to be made by the authorities of the importing Member.”).

54

não incentiva os Estados a rejeitar o procedimento doméstico, muito pelo contrário. Assim, de um lado:

O esforço nas negociações da Rodada Uruguai para desenvolver uma disciplina multilateral significativa para os subsídios em parte decorria de um desejo de criar uma alternativa à aplicação de medidas compensatórias. Essa preocupação determinou um mecanismo multilateral que fosse suficientemente atraente aos governos como um meio de lidar com os atritos comerciais, que eles pudessem usar em lugar das medidas compensatórias apreciadas pelas indústrias domésticas. Tal approach direto tem o potencial de evitar alguns dos atritos políticos internacionais inerentes aos procedimentos à aplicação de medidas compensatórias, nos quais as queixas de subsídios são arbitradas unilateralmente em primeira instância com o subseqüente recurso aos órgãos de solução de controvérsia do GATT, no caso de o governo que concede o subsídio acreditar que as normas domésticas foram aplicadas de forma inconsistente com as regras multilaterais.92

(grifado) E, de outro lado: O paralelismo procedimental tem o potencial de resultar em um grande custo para ambas as partes e de encorajar crescente provocação através do uso de ambos os foros, seja simultânea ou sucessivamente. Até que ele seja removido, há pouca esperança de que as medidas compensatórias domésticas sejam substituídas por ações multilaterais, 93 não importando quão atraente o foro multilateral se torne.

92

COLLINS-WILLIAMS, Terry; SALEMBIER, Gerry, op. cit., p.12.(“The effort in the Uruguay Round negotiations to develop a meaningful multilateral subsidy discipline partly flowed from a desire to create an alternative to the application of countervailing duties. This concern dictated a multilateral mechanism that was sufficiently attractive to governments as a means of addressing trade friction, that they might use it in place of the countervailing mechanism favoured by domestic industries. Such a direct approach holds the potential of avoiding some of the international political friction inherent in countervail proceedings, wherein subsidy complaints are arbitrated unilaterally in the first instace with subsequent recourse to GATT dispute settlement in the event a subsidizing government believes the domestic laws have been applied in a fashion that is inconsistent with multilateral rules.”)(grifado). 93 CADSBY, Charles Bram; WOODSIDE, Kenneth. Domestic injury, procedural parallelism and the future of countervail: A comment on Collins-Williams and Salembier´s International Disciplines on Subsidies. Journal of World Trade, v. 30, n.5, p. 180-1, 1996 (“Procedural parallelism has the potential to result in greater cost for both parties to a dispute, and to encourage increased harassment through the use of both forums either simultaneously or successively. Until it is removed, there is little hope for domestic countervail to be replaced by mulitilateral actions, no matter how attractive the multilateral forum becomes.”).

55

Como a faculdade decorrente da nota n. 35 parece consagrada a ser letra morta, as medidas continuam sendo processadas pelos Estados94. Desse modo, o controle multilateral que sobre elas é exercido ocorre a posteriori, ou seja, a OMC apenas se pronuncia sobre a sua adequação com as normas do ASMC após a imposição das medidas95. É possível apontar ainda a existência de uma outra redução da margem de autotutela na atividade estatal de punir os subsídios concedidos por um outro Estado. O Art. 32.1 do ASMC estabelece que as únicas formas de punição contra um subsídio são aquelas previstas pelo Acordo. Assim: 32.1. Nenhuma ação específica contra o subsídio concedido por um outro membro poderá ser adotada senão em conformidade com as 96 disposições do GATT 1994, como interpretada por este Acordo.

O artigo determina que a única forma autorizada de punição à importação de um produto subsidiado ocorre pela cobrança de medidas compensatórias, exclusivamente nos termos previstos pelo ASMC.

94

“With respect to the measure at issue in this appeal, we see a decision to impose a definitive countervailing duty as the culminating act of a domestic legal process which starts with the filing of an application by the domestic industry, includes the initiation and conduct of an investigation by an investigating authority, and normally leads to a preliminary determination and a final determination. A positive final determination that subsidized imports are causing injury to a domestic industry authorizes the domestic authorities to impose a definitive countervailing duty on subsidized imports.” (Brazil – Measures affecting desiccated coconut. Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS22/AB/R, 21.02.97, item IV, “A”). 95 Em outros termos, a OMC não é consultada antes da imposição das medidas, o que ensejou propostas doutrinárias nesse sentido, o que equivaleria a trazer para o campo das medidas compensatórias a mesma centralização decisória que subjaz ao procedimento de solução de controvérsias na OMC, em que as retaliações só são lícitas quando autorizadas multilateralmente. “The fact that the imposition of countervailing duties may have some deterrent effect on the use of distortive subsidies is overshadowed by the political tensions that may arise due to their unilateral character. De lege ferenda, it would be preferable to leave the use of unilateral countermeasures , in the form of countervailing duties or otherwise, as a last-resort instrument authorized on the basis of a panel or, as the case may be, Appellate Body recommendations.” (BEVIGLIA ZAMPETTI, op. cit., p.26); igual proposta é feita por COLLINSWILLIAMS, Terry; SALEMBIER, Gerry, op. cit., p.16. 96 (“32.1. No specific action against a subsidy of another Member can be taken except in accordance with the provisions of GATT 1994, as interpreted by this Agreement.”).

56

O Acordo Antidumping possui uma disposição similar, o Art. 18.1. A reclamação movida contra o Antidumping Act norte-americano enfrentava justamente a utilização, pelos EUA, de outros mecanismos que os previstos no Acordo Antidumping para atacar a prática desleal. Na oportunidade, o Órgão de Apelação assim se pronunciou sobre este ponto: O Artigo 18.1. contém uma proibição de ‘ação específica contra o dumping’ quando tal ação não for adotada em conformidade com as disposições do GATT 1994, como interpretadas pelo Acordo Antidumping. A ação específica contra o dumping poderia tomar diversas formas. Se a ação específica contra o dumping for tomada de uma forma diversa do que aquela autorizada pelo Artigo VI do GATT 1994, como interpretada pelo Acordo Antidumping, tal ação 97 viola o Artigo 18.1. (grifado)

Recentemente, o Continued dumping and subsidy offset Act of 2000 norteamericano foi analisado na OMC, em termos similares aos estatuídos para o precedente acima, com a inovação de que se tratava de norma que autorizava a punição de produtos subsidiados importados por um instrumento diverso da medida compensatória, como prevista no ASMC. O painel não hesitou em estender o raciocínio do Art. 18.1 do Acordo antidumping para os casos de violação do Art. 32.1 do ASMC98. Conquanto mantida a descentralização na punição a alguns casos de subsídios, as normas multilaterais restringem de certa forma a margem de autotutela que teriam os Estados. A existência, na OMC, de um mecanismo bastante institucionalizado de solução de controvérsias apenas garante maior efetividade a essa redução da

97

(“Article 18.1 contains a prohibition on ‘specific action against dumping’ when such action is not taken in accordance with the provisions of the GATT 1994, as interpreted by the Anti-Dumping Agreement. Specific action against dumping could take a wide variety of forms. If specific action against dumping is taken in a form other than a form authorized under Article VI of the GATT 1994, as interpreted by the AntiDumping Agreement, such action will violate Article 18.1.”) (United States – Antidumping Act of 1916. Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS136/AB/R e WT/DS162/AB/R, 28.08.00, §81). 98 United States – Continued dumping and subsidy offset act of 2000. Relatório do Painel, WT/DS217/R e WT/DS234/R, 16.09.02, §7.51 e nota n. 309. A decisão foi mantida pelo Órgão de Apelação.

57

autotutela. É inegável que o regime atual dos subsídios é mais legalizado do que seu antecessor. Se o recurso às medidas compensatórias é a única forma que um Estado possui de fazer face à importação de produtos subsidiados, quais são as normas internacionais que regulam a imposição de medidas compensatórias? É necessário, nesse sentido, uma análise do procedimento doméstico. O incremento produzido pela OMC sobre a fiscalização das normas de Direito Internacional do Comércio é também sentido no microcosmo da aplicação das medidas compensatórias. Ainda que seja objeto de aplicação unilateral pelos Estados lesados, a atuação multilateral em última instância constrange os abusos que possam ser verificados nos procedimentos domésticos de imposição de medidas compensatórias. Ademais, não se pode desprezar que a definição de “subsídio” restringe a margem de apreciação que os Estados possuem para punir comportamentos estatais99. O trâmite interno da investigação sobre a existência de subsídios passíveis de desafiarem medidas compensatórias é conduzido por autoridades administrativas100. Entretanto, a abertura das investigações não pode ser feita de ofício pela Administração;

99

“In short, the negotiating history confirms that the introduction of the two-part definition of subsidy, consisting of "financial contribution" and "benefit", was intended specifically to prevent the countervailing of benefits from any sort of (formal, enforceable) government measures, by restricting to a finite list the kinds of government measures that would, if they conferred benefits, constitute subsidies” (United States Measures Treating Exports Restraints As Subsidies, op. cit., §8.73). 100 Ver, por exemplo, Compendium of Antidumping and Countervailing Duty Laws, Organization of American States Trade Unit, outubro de 1999, pp. 14-24 (disponível no site ). Apesar do nome, o Canadian International Trade Tribunal é um órgão administrativo que atua no procedimento de determinação do dano à indústria canadense, o que não impede o recurso judicial para a Corte Federal do Canadá, ao contrário da US Court of International Trade, que é órgão de judicial review das decisões administrativas de imposição de medidas compensatórias; é de notar-se, também, que a legislação brasileira a respeito (Decreto 1.751, de 19.12.95) trata de "governos interessados" (Art. 30, §2º) e "partes interessadas" (Art. 30, §3º), termos que designam ausência de exercício de jurisdição, e sim de atividade administrativa. No Brasil, as investigações são conduzidas pelos Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

58

deve decorrer de petição em nome da indústria doméstica, prejudicada pelo subsídio101. Portanto, a existência do dano ou prejuízo é um requisito fundamental para à investigação com vistas à aplicação de medidas compensatórias, mesmo que se trate de subsídios proibidos. Com isso, conclui-se que o caráter condenável per se, atribuível a esta classe de subsídios, serve apenas ao que toca à reclamação multilateral. Assim, destacam-se, desde já, duas constatações: o Estado “lesado”, na verdade, nada mais é do que o Estado cuja indústria doméstica foi prejudicada pelo subsídio – o dano é produzido sobretudo aos particulares; em segundo lugar, apenas os produtos importados para o Estado “lesado” são desafiáveis pelas medidas compensatórias; ou seja, um Estado apenas pode punir pela via da autotutela os subsídios incidentes sobre produtos que sejam importados para seu mercado, o que implica dizer que não pode aplicar medidas de cunho equivalente sobre outros produtos vindos do Estado cujo subsídio atinge, na verdade, terceiros produtos (algo que impede a utilização de mecanismos do tipo Seção 301 do Trade Act norte-americano para punir subsídios). De acordo, portanto, com o estatuído no Art. 23 do ESC, se um produto subsidiado não é importado para o mercado do Estado lesado, a única forma de obter reparação é no Mecanismo de Solução de Controvérsias (MSC) da OMC. No entanto, a importação do produto subsidiado não é senão a condição à aplicação das medidas; o motivo da sua imposição continua sendo o subsídio sobre o produto importado, que causa dano à indústria doméstica. Eis que a investigação deve

101

Arts. 11.4 e 16 do ASMC.

59

concluir pela existência do subsidio e do dano102 para que possa ser autorizada a cobrança das medidas. Se as medidas compensatórias forem vistas como uma forma de coibir um ilícito, esse ilícito é a concessão de subsídios103. Analisado sob essa perspectiva, o procedimento de investigação submete às autoridades administrativas do Estado lesado o Estado que concedeu o subsídio, algo pouco comum nos demais regimes de Direito Internacional, salvo nos casos em que a imunidade de jurisdição é afastada (para os atos de gestão). Assim, contra quem é movida a investigação? A investigação é efetivamente movida contra o ato do Estado estrangeiro, de modo que estaríamos diante de uma importante exceção à regra do par in parem non habet jurisdictionem, mesmo que sejam autoridades administrativas que conduzam a investigação. Uma prova disso é que o procedimento de investigação pode ser suspenso se houver compromisso em que "the government of the exporting country agrees to eliminate or limit the subsidy or take any other measures concerning its effects"

104

.: o

Estado “réu’ pode dispor da demanda e transacionar sobre seu resultado. Conquanto seja o comportamento estatal o objeto da investigação, não se pode negligenciar que não é necessariamente o Estado o beneficiário do subsídio; portanto, cumpre estabelecer quem recebe o benefício.

102

Art. 19.1: “If (...) a Member makes a final determination of the existence and amount of the subsidy and that, through the effects of the subsidy, the subsidized imports are causing injury, it may impose a countervailing duty in accordance with the provisions of this Article (...)”. 103 Especificamente a concessão que produzir dano sobre a indústria doméstica. A prevalência da concessão do subsídio sobre a existência do dano, contudo, é visível no limite que o Art. 19.4 impõe para o montante das medidas: “No countervailing duty shall be levied on any imported product in excess of the amount of the subsidy found to exist.”. Esse é mais um exemplo, aliás, de como as normas multilaterais constrangem o alcance da autotutela dos Estados. 104 ASCM, Art.18.1, alínea (a). O mesmo artigo também autoriza que o exportador possa firmar compromisso com vistas a revisar o preço do produto subsidiado.

60

O vínculo estabelecido pelo subsídio liga o Estado à empresa beneficiada, e não ao produto. Em outros termos, o problema do subsídio denuncia a existência do binômio Estado subsidiante-empresa subsidiada, e não Estado subsidiante-produto subsidiado. A abstração que considerava o benefício como incidente sobre o produto, e não sobre o produtor, foi afastada pelo painel no caso US – Imposition of countervailing duties on certain hot-rolled lead and bismuth carbon steel products originating in the United Kingdom : (...) nós discordamos que o ‘benefício’ seja conferido sobre a manufatura, produção ou exportação de mercadoria, a despeito e sem consideração da(s) pessoa(s) que se atribui a manufatura, produção ou exportação do produto. Especificamente, nós discordamos da afirmação dos EUA de que o ‘Artigo 1.1 por si silencia sobre quem ou o que seja o beneficiário de um subsídio’. Em nossa opinião, a visão dos EUA para determinar o ‘benefício’ seria abstrata ao extremo, já que é impossível determinar se qualquer ‘contribuição financeira’ concedida sobre manufatura, produção ou exportação per se é ou foi feita em termos mais favoráveis do que aqueles nos quais manufatura, produção ou exportação per se teriam obtido no mercado. 105

105

Relatório do Painel, WT/DS138/R, 23.12.99, §6.78, grifado (“(...) we disagree that ´benefit´ is conferred on the manufacture, production or export of merchandise, irrespective and without consideration of the person(s) manufacturing, producing or exporting, the product. In particular, we disagree with the US assertion that ´Article 1.1 itself is silent regarding who or what is the beneficiary of a subsidy’. In our view, the US approach to determining ‘benefit’ would be abstract in the extreme, since it is impossible to determine whether any ‘financial contribution’ bestowed on manufacture, production or export per se is or was made on terms more favourable than those which manufacture, production or export per se could have obtained in the market”). Desse modo, não se pode concordar com Rutsel Silvestre J. Martha (World trade disputes settlement and the exhaustion of local remedies rule. Journal of World Trade, v.30, n.4, p. 116, 1996), que entende que as medidas compensatórias são “(...) directed to products of certain specifically identified, manufacturers (...)”. Se, como visto na decisão acima, o subsídio é concedido ao produtor, não se pode entender que as medidas sejam aplicadas sobre o produto. O argumento sobre o recipient de um subsídio, nos termos do relatório do painel, acima citado, foi confirmado recentemente pelo Órgão de Apelação no caso United States – Countervailing measures concerning certain products from the European Communities (Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS212/AB/R, 09.12.02, §64), nos seguintes termos: “The SCM Agreement does not include a specific definition of a ‘recipient’ of a ‘benefit’. However, several terms are used to refer to the ‘recipient’ of a ‘benefit’ in the Agreement. Article 2 refers to ‘an enterprise or industry or group of enterprises or industries’; Article 6.1 (b) refers to ‘an industry’; footnote 36 to Article 10 refers to subsidies ‘bestowed directly or indirectly upon the manufacture, production or export of any merchandise’; Article 14 refers to ‘the firm’; Article 11.2 (ii) refers to ‘exporter or foreign producer’; Article 19.3 refers to ‘sources found to be subsidized; Annex I refers to ‘a firm or an industry’; and Annex IV refers to the ‘recipient firm’. This is not an exhaustive list, but it certainly indicates that the SCM Agreement does not identify the ‘recipient’ of

61

Seria, também, ignorar a Teoria Geral do Direito considerar que um bem possa ser juridicamente beneficiado por algo, ao invés de ser, em realidade, a pessoa a quem o bem está juridicamente afetado. Essa observação parece, inclusive, ser confirmada pelo próprio ASMC, que entende que as medidas punem o exportador, ou seja, o beneficiário dos subsídios. Assim, por exemplo, o Art. 19.3 afirma faz menção a “[a]ny exporter whose exports are subject to a definitive countervailing duty...”106. Ao pretender punir o exportador, o ASMC denuncia uma outra particularidade do regime das medidas compensatórias: o Estado lesado atinge indiretamente o Estado infrator. É possível ainda sustentar que, para punir um Estado infrator, o Estado lesado pode punir um nacional seu, já que, em última análise, é o importador ou o consumidor quem irá arcar com a eventual elevação do preço do produto subsidiado107. Eis um ponto importante de ruptura com os tradicionais casos de autotutela, em que a lesão incide sobre nacionais do Estado infrator108 Para quem reverte, ao final, o valor das medidas compensatórias que são aplicadas sobre o exportador? A pergunta remete à análise de tema importante que, no limite, esclarece a que título um Estado aciona a OMC contra outro; a presente análise,

a ‘benefit’ by using any particular legal term of art. Rather, the SCM Agreement uses several terms to describe the economic entity that receives a ‘benefit’” (grifado). 106 Da mesma forma, ”The Panel is of the view that in a countervailing duty investigation the focus should be on the producer (company and its owners) exporting the products alleged to be subsidized with a view to assessing whether it is the recipient of a benefit pursuant to the SCM Agreement.” (United States – Countervailing Measures Concerning Certain Products From The European Communities, op.. cit., §7.56). 107 Aspecto que remete às infindáveis e inconclusas discussões entre economistas sobre quem é beneficiado quando se considera o subsídio como uma prática desleal. 108 “La extensión del círculo que abarcan los indivíduos que son objeto de las medidas coercitivas que representan sanciones internacionales queda limitada sólo por la condición de que pertenezcan al Estado, es decir, de que estén sujetos al orden jurídico del Estado responsable del delito.” (KELSEN, Hans. Derecho y paz en las relaciones internacionales. 2. ed. 1. reimp. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1996, p. 127).

62

contudo, não pretende esclarecer senão aquilo que respeita às medidas compensatórias impostas em foro doméstico. Assim, se é certo que o procedimento de investigação com vistas a impor medidas compensatórias só é iniciado com provocação da indústria doméstica prejudicada, nada indica que seja a própria indústria quem deva perceber o valor das medidas. Aliás, sucede justamente o oposto. O caso da Byrd Amendment nos Estados Unidos ilustra a hipótese. De acordo com esse ato legislativo, os setores da indústria americana que provocassem as instâncias administrativas para dar início a investigações contra subsídios e dumping, seriam beneficiadas com a distribuição dos valores cobrados a título de medidas compensatórias e direitos antidumping109, respectivamente. A existência dessa disposição garantiu um pedido de estabelecimento de painel na OMC contra os Estados Unidos, sob a seguinte acusação: As ‘compensações’ constituem uma forma específica de ação contra dumping e subsídios que não estão contempladas no GATT, no AAD [Acordo Antidumping] ou no ASMC. Ademais, as ‘compensações’ fornecem um forte incentivo aos produtores domésticos para requerer ou apoiar petições para aplicação de medidas antidumping ou compensatórias, com isso distorcendo a aplicação dos requerimentos de titularidade previstos pelo AAD e ASMC. Acrescente-se que o Act torna mais difícil aos exportadores sujeitos a uma determinação de antidumping ou de medidas compensatórias garantir um compromisso com as autoridades competentes, porquanto os produtores domésticos afetados terão interesse em opor-se a tais compromissos e favorecer a 109

“The express purpose of the Act is to remedy the "continued dumping or subsidisation of imported products after the issuance of antidumping orders or findings or countervailing duty orders". With that objective, the Act mandates the US customs authorities to distribute on an annual basis the duties assessed pursuant to a countervailing duty order, an anti-dumping order or a finding under the Antidumping Act of 1921 to the "affected domestic producers" for their "qualifying expenses" (these duties are referred to below as "offsets"). The "affected domestic producers" are the petitioners or interested parties who supported the petition. "Qualifying expenses" include the expenditure incurred with respect to "manufacturing facilities, equipment, acquisition of technology, acquisition of raw material or other inputs" (United States - Continued Dumping And Subsidy Offset Act Of 2000, Pedido de estabelecimento de painel feito por Australia, Brazil, Chile, Comunidades Européias, Coréia, India, Indonesia, Japão, e Tailândia, WT/DS217/5, 13.07.01).

63

coleta de direitos antidumping ou compensatórios. Na opinião de Austrália, Brasil, Chile, as CE [Comunidades Européias], Coréia, Índia, Indonésia, Japão e Tailândia, esta não é uma administração razoável e imparcial das normas e regulamentos americanos para implementação das disposições do AAD e do ASMC concernentes às determinações de titularidade das queixas e aos compromissos110.

A discussão multilateral em torno da Amendment considerou violatória a disposição legal norte-americana, porque o valor das medidas compensatórias impostas era distribuído entre os particulares que haviam provocado as instâncias administrativas daquele país, o que fazia das medidas compensatórias uma forma diferente de subsídio111. Porém, o que são as medidas compensatórias, sob uma perspectiva jurídica? Sanções civis? Sanções penais? Se, por um lado, a investigação sobre a existência de subsídios deve estar lastreada no comprovado prejuízo sofrido pela indústria doméstica, isso não significa que as medidas compensatórias sirvam para reparar o prejuízo sofrido; não, ao menos, como instrumento de reparação civil. Se fosse assim, os valores recolhidos a título de medidas compensatórias reverteriam ao patrimônio das empresas domésticas lesadas, o que não corresponde à prática dos Estados. É nesse contexto que deve ser inserida a irresignação contra a Byrd Amendment112.

110

(“The "offsets" constitute a specific action against dumping and subsidisation that is not contemplated in the GATT, the ADA [Antidumping Agreement] or the ASCM. Moreover, the "offsets" provide a strong incentive to the domestic producers to file or support petitions for anti-dumping or anti-subsidy measures, thereby distorting the application of the standing requirements provided for in the ADA and the ASCM. In addition, the Act makes it more difficult for exporters subject to an antidumping or countervailing duty order to secure an undertaking with the competent authorities, since the affected domestic producers will have a vested interest in opposing such undertakings in favour of the collection of anti-dumping or countervailing duties. In the view of Australia, Brazil, Chile, the EC, India, Indonesia, Japan, Korea, and Thailand this is not a reasonable and impartial administration of the US laws and regulations implementing the provisions of the ADA and the ASCM regarding standing determinations and undertakings.”). 111 United States – Continued dumping and subsidy offset Act of 2000, Relatório do painel, op. cit. 112 A problemática das medidas compensatórias é um corolário da estrutura geral das normas de Direito Internacional do Comércio: tratando-se de compromissos assumidos por Estados, os maiores beneficiários dessas normas são os agentes econômicos privados, que protagonizam o comércio internacional. Apesar

64

Por outro lado, se o valor das medidas compensatórias é recolhido aos cofres públicos, isso equivale a dizer que as medidas são sanções penais? Ou são as medidas compensatórias exemplos de represálias que as regras sobre responsabilidade internacional autorizam os Estados a lançarem mão, quando julgam estarem diante de um ilícito? Seja como for, o Art. 23 do ASMC determina que, a despeito de conduzidas por autoridades administrativas, a atividade que culmina com a imposição de medidas compensatórias deve estar sujeita ao controle judicial doméstico113, o que não afasta a incidência do Art. 23 do Entendimento de Solução de Controvérsias (ESC), conforme o qual as disputas serão resolvidas, em última instância, perante o procedimento levado a efeito pelo Órgão de Solução de Controvérsias114 (OSC).

disso, tanto o acesso às instâncias internacionais criadas para fiscalizar essas normas, quanto o acesso aos remédios disponíveis contra as práticas desleais – como sucede com as medidas compensatórias – está concentrado nas mãos dos Estados. Sob essa ótica, o handicap que os agentes privados sofrem ao depender de seu Estado para aplicar medidas compensatórias é o mesmo existente para encaminhar queixas à OMC. 113 A legislação brasileira sobre subsídios nada dispõe sobre a revisão judicial das medidas impostas. Tal percepção foi tida também pela Venezuela que, em discussão no Comitê de Subsídios e Medidas Compensatórias (G/SCM/Q4/BRA/1, 18.03.1997) abordou o Brasil a respeito: "Question: The notified legislation does not include specific provisions on judicial review of final determinations. In the absence of any express provisions, how will Brazil ensure fulfilment of the obligations set out in Articles 13 of the Anti-Dumping Agreement and 23 of the Agreement on Subsidies? Please describe the procedures to obtain judicial review for each type of decision, provisional and definitive.". A resposta brasileira: "A4. any interested party can have recourse to the Brazilian judiciary system in what concerns the application of specific provisions of the legal instruments, for this reason no provisions pertaining to this topic were made in the regulation of the Agreements. The procedures for obtention of judicial review are identical to those set out for the presentation of any appeal to the judiciary system." (grifado). 114 Sede na qual todas as determinações das autoridades domésticas poderão ser revisadas, o que inclui as decisões judiciais previstas pelo Art. 23 do ASMC. Assim, no caso United States – Countervailing Measures Concerning Certain Products From The European Communities (op.cit., §7.156), o painel entendeu que as decisões judiciais deveriam ser levadas em conta para aferir o cumprimento pelos EUA do Art. 32.5 do ASMC (que estabelece a implementação doméstica dos compromissos assumidos no Acordo):“In our view, the plain wording of Section 1677(5)(F), in maintaining the US Department of Commerce's discretion, does not require a violation of the SCM Agreement. However, the SAA (which is an authoritative interpretation of the obligations contained in Section 1677 (5)(F)) and the US Court of Appeals of the Federal Circuit's decision in Delverde III (which constitutes a binding determination of what Section 1677(5)(F) actually means in the United States' law and what the legislation requires from the United States' authorities) clearly demonstrate that the United States is bound to a non-compliant application of Section 1677(5)(F).” (grifado).

65

Se for considerado que o Estado estrangeiro (que concedeu os subsídios) é o alvo do procedimento de investigação, deve ele acionar o órgão judiciário interno antes de encaminhar o caso à OMC, se entender conveniente? A resposta negativa segue sem maior dificuldade, na medida em que é possível considerar que as imunidades de jurisdição permitem que o Estado “perdedor” encaminhe a reclamação contra a imposição das medidas diretamente à OMC, mesmo que ele deva ser submetido ao procedimento administrativo interno. Entretanto, o problema fica em aberto quando se considera que o exportador pretenda encaminhar a queixa à OMC. Como não há recurso direto de particulares ao procedimento de solução multilateral de controvérsias, o exportador precisa que seu Estado (que concedeu o subsídio) o faça. O vínculo que liga o Estado subsidiante à empresa beneficiada, quando uma reclamação é encaminhada à OMC, é o da proteção diplomática115. Assim, tratando-se de proteção diplomática, o particular deveria esgotar as instâncias do Estado que aplica as medidas compensatórias antes que a sua queixa pudesse chegar às instâncias multilaterais, conforme determina a regulamentação de

115

KESSIE, Edwini. Enhancing security and predictability for private business operators under the Dispute Settlement System of the WTO. Journal of World Trade, v.34, n. 6, p.4, 2000; tb. MAVROIDIS et alii. Is the WTO Dispute Settlement Mechanism responsive to the needs of the traders? Would a system of direct action by private parties yield better results?. Journal of World Trade, v. 32, n.2, p. 147, 1998. A regulamentação norte-americana sinaliza claramente para a existência da proteção diplomática, ao permitir a discricionariedade do USTR em conduzir uma queixa adiante: “The Trade Representative is not required under subparagraph (A) to initiate an investigation under this subchapter with respect to any act, policy, or practice of a foreign country if the Trade Representative determines that the initiation of the investigation would be detrimental to United States economic interests.” (19 U.S.Code, § 2412, (b), (2), (B), grifado). Ver tb. MORAES, Henrique Choer. A atuação externa do Estado em benefício de particulares: uma análise da formação da micropolítica externa. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 45, n. 2, p. 115134, 2002.

66

direito costumeiro sobre a matéria116. Serviria como argumento de defesa no foro multilateral, assim, a demonstração de que os remédios domésticos não foram esgotados. Diante da pouca discussão em torno da matéria, uma resposta pode ser ensaiada a partir de um retorno ao disposto na nota de rodapé nº35: As disposições das Partes II [subsídios proibidos] ou III [subsídios acionáveis] podem ser invocadas em paralelo às provisões da Parte V [medidas compensatórias]; contudo, no que respeita aos efeitos de um subsídio em particular sobre o mercado doméstico de um membro, apenas uma forma de remédio (...) será possível. 117

Reitera-se que a nota abre a possibilidade do paralelismo entre a discussão doméstica em torno da aplicação de medidas compensatórias e a discussão multilateral que pode culminar com a autorização à adoção de medidas de retorsão. A nota toma a cautela de ressalvar que apenas uma forma de punição ao subsídio é possível, a despeito do paralelismo. Se anteriormente a nota nº 35 era chamada à discussão para mostrar como o Estado lesado poderia optar entre os dois foros, agora a sua ambiguidade presta-se para ressaltar que o Estado punido pelas medidas pode dispensar a exigência de que o exportador, que é seu nacional, deva esgotar as instâncias judiciais do lesado. De fato, a redação da nota não parece excluir da faculdade do paralelismo o Estado “punido”; ao contrário, autoriza interpretá-la como significando que este pode, a partir do dano sofrido pelo exportador, encaminhar a reclamação à OMC desde o momento em que a determinação da imposição das medidas compensatórias for expedida.

116

Como, por exemplo, é ressaltado pelo Second Report on Diplomatic Protection elaborado pela Comissão de Direito Internacional (A/CN.4/514, 28.02.2001, p.3). 117 “The provisions of Part II (subsídios proibidos) or III (subsídios acionáveis) may be invoked in parallel with the provisions of Part V (medidas compensatórias); however, with regard to the effects of a particular subsidy in the domestic market of the importing Member, only one form of relief (...) shall be available.”.

67

Uma outra forma de rebater o argumento da necessidade do esgotamento dos recursos internos diria respeito a uma questão não resolvida pela doutrina do Direito Internacional do Comércio: o Estado encaminha à OMC uma violação de direito seu ou de sua indústria? Em outras palavras, as normas da OMC são self-executing? Volta-se, com isso, à questão da proteção diplomática no Direito Internacional do Comércio, o que lembra que a problemática das medidas compensatórias requer enquadramento nas categorias gerais de Direito Internacional. Na verdade, não há razão para que o Direito Internacional do Comércio reclame para si uma racionalidade jurídica diversa daquela que rege os demais ramos do Direito Internacional118. O local para desenvolver tais idéias, entretanto, não é o presente exame.

A.2.2. Os mecanismos multilaterais de controle sobre a concessão de subsídios

Enquanto

pelas

medidas

compensatórias

os

Estados

combatem

importações subsidiadas que causem prejuízo à indústria doméstica, os demais subsídios demandam tratamento multilateral. Sob a ótica institucional, esse controle é compartilhado pelo órgãos ligados ao procedimento geral de solução de controvérsias e pelo Comitê de Subsídios e Medidas Compensatórias. As competências entregues ao Comitê ocupam-se sobretudo da administração das confidence building measures que o ASMC estabelece para os

118

E, então, em relação a este “olvido” generalizado na doutrina que analisa “juridicamente” os institutos do Direito Internacional do Comércio, talvez sirva por analogia a constatação de Pierre-Marie Dupuy acerca da doutrina de Direito Ambiental Internacional: “Due to their lack of solid background in public international law, some of these narrowly specialized ‘experts’ do not necessarily see the implications, connections, and legal relationships between some newly-established machineries and the norms of general international law which are still applicable, with respect, for example, to the international responsibility of States for breach of treaty obligations.” (The danger of fragmentation or unification of the international

68

membros, designadamente o dever de notificar119 tanto a concessão de subsídios quanto a imposição de medidas compensatórias, preliminares ou finais120. Assim: 25.2. Os membros deverão notificar qualquer subsídio conforme definido no Parágrafo 1º do Artigo 1º, que seja específico nos termos do Artigo 2º, concedido ou mantido dentro de seus territórios. (...) 25.11. Os membros deverão relatar sem demora ao Comitê todas as ações preliminares ou finais adotadas com respeito às medidas compensatórias.121

A difusão de informações decorrente das notificações permite que os membros possam não apenas tomar conhecimento da prática dos demais, como principalmente autoriza um controle multilateral (pelos demais Estados-Membros através da OMC) não-contencioso. O controle contencioso ligado à temática dos subsídios, por sua vez, é conduzido sobretudo pelo procedimento administrado pelo OSC. Assim, para os subsídios proibidos, o procedimento é bastante similar ao do ESC, com as exceções de que os prazos estabelecidos no entendimento são reduzidos pela metade (ASMC, Art. 4.12) e que o painel pode lançar mão do auxílio de um Grupo

legal system and the International Court of Justice. New York University Journal of International Law and Politics, v.31, p.797, 1999). 119 A adjetivação do dever de notificar pelo termo confidence building measures é feita a partir da obra de Celso Lafer (A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 26-28). 120 Essas notificações serão examinadas pelo Comitê: “26.1. The Committee shall examine new and full notifications submitted under paragraph 1 of Article XVI of GATT 1994 and paragraph 1 of Article 25 of this Agreement at special sessions held every thir year. Notifications submitted in the intervening years (updating notifications) shall be examined at each regular meeting of the Committee.”. 121 (“25.2. Members shall notify any subsidy as defined in paragraph 1 of Article 1, which is specific within the meaning of Article 2, granted or maintained within their territories. (...) 25.11. Members shall report without delay to the Committee all preliminary or final actions taken with respect to countervailing duties.”).

69

Permanente de Peritos (escolhido pelo Comitê, Art. 24.3) para determinar se o subsídio é proibido, cuja opinião é vinculante122: 4.5. Quando de seu estabelecimento, o painel poderá requerer a assistência de um Grupo Permanente de Peritos [GPP] (...) para determinar se a medida em questão é um subsídio proibido. (...) As conclusões do GPP sobre se a medida em questão é um subsídio proibido deverá ser aceita pelo painel, sem modificação.123

O procedimento de solução de controvérsias previsto para os subsídios acionáveis é o mesmo do ESC. Desse modo, os casos de subsídios domésticos e de subsídios que produzem efeito em terceiro mercado são objeto do procedimento regular sob o OSC. A única exceção essencial sobre o regime do Entendimento de Solução de Controvérsias ocorre com os subsídios não-acionáveis. Os subsídios não-acionáveis não são passíveis de medidas compensatórias. O procedimento de solução de controvérsias envolvendo os subsídios não-acionáveis, quando estes não sejam igualmente subsídios proibidos, é diverso daquele estabelecido no ESC: 9.4. Se um assunto é referido ao Comitê, o Comitê deverá imediatamente revisar os fatos respeitantes e a evidência sobre os efeitos referidos no Parágrafo 1º. Se o Comitê determinar que tais 122

“Article 4 of the SCM Agreement provides for accelerated dispute settlement procedures for claims involving prohibited subsidies under Article 3 of the SCM Agreement. The determination of whether a prohibited subsidy is being granted or maintained under Article 3 of the SCM Agreement raises complex factual questions, particularly in the case of subsidies that are claimed to be de facto contingent upon export performance. Also, Article 4.5 of the SCM Agreement allows a panel to request the assistance of the Permanent Group of Experts on whether the measure is a prohibited subsidy. Given the accelerated timeframes for disputes involving claims of prohibited subsidies, and given that the issue of whether a measure is a prohibited subsidy often requires a detailed examination of facts, it is important to stress the requirement of Article 4.2 that there be "a statement of available evidence with regard to the existence and nature of the subsidy in question" at the consultation stage in a dispute.” (United States - Tax treatment for Foreign Sales Corporations, op. cit., §160). 123 (“4.5. Upon its establishment, the panel may request the assistance of the Permanent Group of Experts (...) with regard to whether the measure in question is a prohibited subsidy. (...) The PGE´s conclusions on the issue of whether or not the measure in question is a prohibited subsidy shall be accepted by the panel without modification.”).

70

efeitos existem, poderá recomendar ao membro que concede o subsídio de modificar seu programa de forma a remover tais efeitos. (...) No caso de a recomendação não ser cumprida dentro de seis meses, o Comitê deverá autorizar ao membro requerente que tome as contramedidas apropriadas, proporcionais à natureza e grau dos efeitos reputados existentes.124

Nesse caso, portanto, o Comitê assume papel em procedimento contencioso e pode inclusive determinar a imposição de medidas retaliatórias contra o Estado recalcitrante. Dessa forma, o procedimento regular do Entendimento é afastado em prol da atuação do Comitê, que pode amparar-se, também aqui, no parecer do Grupo Permanente de Peritos125. Uma análise conjugada dos regimes de controle das três espécies de subsídios - sempre tendo em conta o mecanismo técnico de solução de controvérsias estabelecido pelo ESC- autoriza dizer que o avanço alcançado no nível das normas primárias foi acompanhado pelo melhor detalhamento de fiscalização da atuação unilateral dos Estados. Subjacente está a idéia de que nem todo auxílio estatal é nocivo ao comércio internacional, mas que, ao contrário, a participação estatal importa como fator de propulsão da atividade econômica. De tudo que foi observado, sublinha-se que a existência de normas internacionais que disciplinam o uso de subsídios surge como uma restrição às políticas industriais que os Estados podem levar a efeito. As normas do GATT, sobretudo aquelas contidas no ASMC, estabelecem as restrições sobre a ação do Estado no campo do

124

(“9.4. Where a matter is referred to the Committee, the Committee shall immediately review the facts involved and the evidence of the effects referred to in paragraph 1. If the Committee determines that such effects exist, it may recommend to the subsidizing Member to modify this programme in such a way as to remove these effects. (...) In the event the recommendation is not followed within six months, the Committee shall authorize the requesting Member to take appropriate countermeasures commensurate with the nature and degree of the effects determined to exist.”). 125 ASMC, Art. 24.3, in fine, autoriza o Comitê a solicitar ao Grupo an advisory opinion on the existence and nature of any subsidy.

71

comércio. A finalidade dessas regras, como foi destacado, repousa em assegurar um grau de “lealdade” no comércio internacional, o que vale dizer comércio com a mínima intervenção estatal possível. Apesar dos avanços experimentados pela regulação do tema com o final da Rodada Uruguai, o ASMC não possui regras específicas para o tema dos subsídios nos blocos de integração126. O regime de subsídios nos acordos regionais de comércio, portanto, não mereceu tratamento especial nesse acordo. Em outros termos, nada leva a concluir, pela simples análise do ASMC, que as normas sobre subsídios vigentes para os blocos de integração – tanto para o comércio intrabloco quanto extrabloco – devam ser diversas daquelas vigentes no “regime comum”. Para estabelecer o marco normativo no qual a disciplina dos subsídios no Mercosul se enquadra, cumpre, portanto, debruçar-se sobre o artigo XXIV do GATT e sobre o Acordo que o regulamenta, para saber se há ali alguma adaptação das normas do ASMC para os acordos regionais de comércio.

126

Excetuada a norma do Art. 16.4, que pouco contribui para a análise presente.

72

B) O SUB-REGIME DOS BLOCOS DE INTEGRAÇÃO127 (ART. XXIV, GATT)

Os membros da OMC que sejam igualmente partes de blocos de integração devem conformar-se às regras mulitilaterais acerca da matéria, para poderem aproveitarse da exceção à cláusula de nação-mais-favorecida. O fundamento jurídico dos blocos de integração encontra-se, assim, na normativa multilateral. Por essa razão, o estudo de qualquer instituto de um regime regional não pode prescindir de uma análise a partir do seu enquadramento no regime OMC. A doutrina que lida com o tema da integração regional gira, comumente, em torno de teorias de ordem política128 e econômica que levam à conclusão de acordos regionais de comércio129. Essa é uma perspectiva que focaliza o problema a partir da ótica dos atores que criam o bloco de integração, e abstrai a visão dos demais, sobretudo a visão contextualizada do bloco. Considerada a existência de um marco multilateral de comércio do qual vários Estados fazem parte, uma análise jurídica não pode desprezar as relações entre as duas espécies de regimes; ou, melhor, entre o regime multilateral e os sub-regimes regionais autorizados pelo art. XXIV. O interesse jurídico despertado pela integração econômica repousa, especialmente, em apontar os limites que o regime multilateral traça para os blocos, o

127

O termo “blocos de integração” abrange as duas espécies de acordos regionais de comércio, previstas pelo Artigo XXIV do GATT – as zonas de livre comércio e as uniões aduaneiras – bem como os aprofundamentos desses acordos que, conquanto não previstos expressamente no GATT, contêm as etapas da integração de zona de livre comércio e união aduaneira, como sucede com o mercado comum e com a união monetária. O termo “blocos de integração” abrange o mesmo que as preferential trading areas, de Bhagwati e Panagariya (“This term refers to FTAs [free trade areas], CUs [customs unions] (...), and Common Markets (...). All these arrangements fall within the purview of GATT Article XXIV”). BHAGWATI, Jagdish; PANAGARIYA, Arvind (eds.). The economics of preferential trade agreements. Washington: The American Enterprise Institute Press, 1996, p.4. 128 Ver, a respeito, a síntese feita por Walter Mattli (The logic of regional integration, Cambridge: Cambridge University Press, 1999).

73

que permite determinar a divisão de competências entre os regimes. E eis justamente o ponto em que deve se centrar fundamentalmente a análise jurídica do art. XXIV: a divisão de competências entre os blocos e o regime OMC, tanto no campo processual quanto material. Destarte, dentro do tema específico dos subsídios nos blocos de integração, a missão é de avaliar quais são essas limitações multilaterais. Designadamente: a norma multilateral impõe a extinção dos instrumentos de defesa comercial nas uniões aduaneiras e áreas de livre comércio? As normas de concessão de subsídios entre os membros de um bloco são diversas daquelas derivadas no art. XVI, GATT e no ASMC? Antes disso, contudo, convém realizar uma análise do panorama normativo geral sobre o que se encontra disposto no art. XXIV. A incidência do Artigo XXIV sobre países que criam um bloco de integração provoca a “insulação” das concessões comerciais que façam entre si, de modo que as mesmas não precisem ser estendidas aos demais membros da OMC. Daí tratar-se de uma exceção à regra do art. 1º do GATT, a regra da nação-mais-favorecida. Na medida em que encerra um caso permitido de discriminação entre quem se encontra no bloco e quem não se encontra, a constituição de uma zona de livre comércio ou de uma união aduaneira irradia, desse modo, tanto efeitos internos quanto externos130.

129

Percepção que também é de Asif H. Qureshi. The role of GATT in the management of trade blocs. Journal of World Trade, v. 27, n.3, p. 101, 1993. 130 Cf. Soares, Guido. A compatibilização da ALADI e do Mercosul com o GATT. Boletim de Integração Latino-americana, n. 16, versão eletrônica disponível no site .

74

Pelo Art. XXIV, §4º, o regime OMC permite que seus membros criem sub-regimes de comércio regional, sob a forma de zonas de livre comércio (ZLC) ou uniões aduaneiras (UA), atendidos os requisitos contidos sobretudo nos parágrafos 5º e 8º, do mesmo artigo. Uma leitura atenta permite dizer que a atenção do Art. XXIV está voltada principalmente para resguardar direitos de membros do regime OMC que não sejam parte de um bloco regional. O §5º cuida de explicitar as condições nas quais os blocos são autorizados a inserirem-se no regime multilateral. Assim, 5. (...) as disposições deste Acordo não impedem que entre os territórios das Partes Contratantes seja formada uma união aduaneira ou uma zona de livre comércio ou a adoção de um acordo interino necessário à formação de uma união aduaneira ou zona de livre comércio, contanto que: (a) com respeito à união aduaneira (...), que os encargos e outras regulações de comércio impostas com a criação da referida união (...), no que concerne ao comércio com Partes Contratantes não-participantes da união (...), não sejam na maior parte superiores ou mais restritivos que a incidência geral de encargos e regulações de comércio aplicáveis aos territórios consituintes, antes da criação da referida união (...); (b) com respeito à zona de livre comércio (...), que os encargos e outras regulações de comércio mantidos em cada um dos territórios constituintes e aplicáveis na formação da referida zona de livre comércio (...) para o comércio com Partes Contratantes não incluídas na referida zona (...), não sejam superiores ou mais restritivos do que os encargos correspondentes e outras regulações de comércio existentes nos mesmos territórios constituintes antes da formação da zona de livre comércio 131 (grifado) 131

(“5. (...) the provisions of this Agreement shall not prevent, as between the territories of contracting parties, the formation of a customs union or of a free-trade area or the adoption of an interim agreement necessary for the formation of a customs union or of a free trade area, provided that: (a) with respect to a customs union (...) the duties and other regulations of commerce imposed at the institution of any such union (...) in respect of trade with contracting parties not parties to such union (...) shall not on the whole be higher or more restrictive than the general incidence of the duties and regulations of commerce applicable in the constituent territories prior to the formation of such union (...); (b) with respect to a free-trade area (...) the duties and other regulations of commerce maintained in each of the constituent territories and applicable at the formation of such free-trade area (...) to the trade of contracting parties not included in such area (...) shall not be higher or more restrictive than the corresponding duties and other regulations of commerce existing in the same constituent territories prior to the formation of the free-trade area (...)”, grifado). 75

O parágrafo protege o direito dos membros da OMC que sejam terceiros, frente a um determinado bloco de integração econômica, ao estabelecer que, no caso de uniões aduaneiras, suas tarifas e regulamentos comerciais não sejam, na maior parte (on the whole), maiores ou mais restritivos que os existentes antes de sua formação; no caso de zonas de livre comércio, que suas tarifas e regulamentos comerciais não sejam maiores ou mais restritivos tout court. São esses portanto, os “direitos” dos terceiros Estados frente àqueles membros da OMC que decidam constituir um bloco de integração. O §8º, por sua vez, estabelece outros requisitos para que um bloco seja aprovado pelos órgãos do regime multilateral. O parágrafo estatui: 8. Para os efeitos deste Acordo: (a) Uma união aduaneira será entendida como a substituição de um território aduaneiro por dois ou mais territórios aduaneiros, de modo que: (I) encargos e outras regulações restritivas de comércio (exceto, quando necessário, aquelas permitidas pelos Artigos XI, XII,XIII,XIV,XV e XX) sejam eliminadas no que respeita a substancialmente todo o comércio entre os territórios constituintes da união ou ao menos com respeito a todo o comércio de produtos originados em tais territórios, e, (II) (...) substancialmente os mesmos encargos e outras regulações de comércio são aplicados por cada um dos membros da união para o comércio com territórios não-incluídos na união; (b)Uma zona de livre comércio será entendida como o grupo de dois ou mais territórios aduaneiros no qual os encargos e outras regulações restritivas de comércio (exceto, quando necessário, aqueles permitidos pelos Artigos XI, XII,XIII,XIV,XV e XX), sejam eliminados para substancialmente todo o comércio entre os territórios constituintes de produtos originados em tais territórios. 132 (grifado)

132

(“8. For the purposes of this Agreement: (a) A customs union shall be understood to mean the substitution of a single customs territory for two or more customs territories, so that: (I) duties and other restrictive regulations of commerce (except, where necessary, those permitted under Articles XI, XII, XIII, XIV, XV and XX) are eliminated with respect to substantially all the trade between the constituent territories of the union or at least with respect to all the trade in products originating in such territories, and, (II) (...) substantially the same duties and other regulations of commerce are applied by each of the members of the union to the trade of territories not included in the union; (b) A free-trade area shall be understood to mean a group of two or more customs territories in which the duties and other restrictive regulations of commerce (except, where necessary, 76

Diversamente do anterior, o §8º cuida da análise do ambiente “interno” do bloco, ressalvado o inciso II, da alínea (a). Com a criação da OMC, o referido parágrafo passou a ter destinatário específico: o Comitê de Acordos Regionais de Comércio (CARC)133, em torno do qual o controle prévio da integração regional é (deveria ser) conduzido. Uma análise detida dos dois parágrafos autoriza dizer que a preocupação do Art. XXIV é basicamente com o direito dos terceiros, deixando aos membros do bloco boa margem para que regulem suas relações quanto ao comércio regional. O controle da adequação dos blocos ao regime OMC é feito de duas formas. Como foi visto, a primeira forma dá-se pela fiscalização do Comitê específico para o tema. A segunda é o recurso ao Mecanismo de Solução de Controvérsias, mantido pelo Art. 12 do Memorando de Interpretação do Art. XXIV: 12. As disposições dos Artigos XXII e XXIII do GATT 1994, conforme elaboradas e aplicadas pelo Entendimento de Solução de Controvérsias, podem ser invocadas com respeito a quaisquer matérias decorrentes da aplicação das disposições do Artigo XXIV referentes a uniões aduaneiras, áreas de livre comércio ou acordos interinos conducentes à formação de uma união aduaneira ou área de livre comércio.134

Se os direitos de terceiros não podem ser diminuídos, em regra, com a constituição de um bloco de integração, a única determinação que o Art. XXIV faz acerca da restrição aos direitos dos próprios membros do bloco é de que substancialmente todo o

those permitted under Articles XI, XII, XIII, XIV, XV and XX) are eliminated on substantially all the trade between the constituent territories in products originating in such territories.”, grifado). 133 “40.Paragraph 5 of Article XXIV provides for an assessment of the conditions of third countries' access to the markets of the parties to an RTA, before and after the formation of the relevant RTA. The basis for such an assessment in the case of customs unions is found in subparagraph (a), and in the case of FTAs in subparagraph (b).”(Committee on Regional Trade Agreements. Synopsis of “systemic” issues related to regional trade agreements, WT/REG/W/37, março, 2000). 134 “12. The provisions of Articles XXII and XXIII of GATT 1994 as elaborated and applied by the Dispute Settlement Understanding may be invoked with respect to any matters arising from the application of those

77

comércio seja atingido pelo regime regional. A dicção do artigo não afasta a possibilidade, ao menos em tese, de que certos benefícios que os membros do bloco tenham-se concedido no quadro da OMC sejam lesados, isto é, que a constituição do bloco provoque o efeito de que as condições de comércio sejam pioradas. É possível, mais uma vez, ver nesse particular que a preocupação da OMC foi resguardar os terceiros, deixando um vazio quanto aos direitos que os membros do bloco tenham contra si. Diante das lacunas até agora existentes na regulação multilateral, esse vazio é preenchido (deve ser preenchido) pelas regras dos próprios regimes. Dito de outra forma, se as normas regionais restringirem os direitos que os membros do bloco tinham entre si em decorrência do regime multilateral, não há nada no art. XXIV que os resguarde do recurso ao MSC. Portanto, mesmo que não se tratasse de aplicação de norma mais restritiva (isto é, de “nação-menos-favorecida” vis-à-vis os demais membros da OMC), o caso envolvendo Brasil e Argentina, relativo à cobrança de direitos antidumping sobre frangos (no Laudo sobre Aplicação de Medidas Antidumping contra a exportação de frangos inteiros, provenientes do Brasil – Laudo Frangos), pode ser empregado por analogia: ainda que o Brasil tivesse ganhado no foro regional, a Argentina teria amparo nas normas multilaterais para contestar a decisão, a não ser que a norma regional impedisse tal recurso135. Na hipótese, as medidas aplicadas pela Argentina foram consideradas lícitas, e isso moveu o Brasil a acionar o Mecanismo de Solução de Controvérsias (MSC) da OMC.

provisions of Article XXIV relating to customs unions, free-trade areas or interim agreements leading to the formation of a customs union or free-trade area.”. 135 A norma foi introduzida pelo Protocolo de Olivos e, portanto, não poderia ser invocada para o diferendo referido. Mesmo que a normativa regional atribuísse a característica de coisa julgada às decisões de seus

78

De igual forma sucede nas hipóteses em que o regime regional segue a determinação do §8º: se as normas regionais forem mais liberalizantes que as normas multilaterais, não há nada nas normas da OMC que impeça um membro do bloco de insurgir-se, no MSC, contra o outro, invocando as normas multilaterais, mais restritivas. Se, por exemplo, as normas sobre dumping fossem mais free-trading no Mercosul do que na OMC, nenhuma norma multilateral impediria que o Brasil recorresse a essas últimas se houvesse perdido uma disputa em foro regional. Isso porque o §8º apenas estabelece que o comércio regional deve ser menos restritivo do que antes da criação do bloco; o parágrafo, contudo, não indica que, sendo menos restritivo, eles precluam a atividade multilateral. Mais uma vez, a saída para esse impasse deve ser dada na normativa regional, porque a seu respeito o art. XXIV silencia136. Contudo, se existirem normas regionais que assentem menor restrição ao comércio, na medida requerida pela normativa multilateral, seria possível dizer que os acordos regionais de comércio são lei especial ou mesmo lei posterior entre suas partes, de modo a que os órgãos multilaterais estariam obrigados a aplicá-los quando tiverem de decidir um litígio entre membros de um bloco? Aparentemente, o referido caso Brasil-Argentina indica que a resposta é negativa: se, apesar do acordo regional, as normas multilaterais ainda são invocáveis, não se pode falar em revogação em virtude da especialidade ou posterioridade. Mais importante, pode-se sustentar que a invocação de uma regra regional só poderia ser feita

órgãos judiciais, pode-se argumentar que essa norma não produziria efeitos sobre os órgãos multilaterais, como será visto adiante. 136 Assim, por exemplo, o NAFTA possui normas que atribuem prevalência à regra regional sobre as multilaterais. O Art. 103, com efeito, estatui: “2. In the event of any inconsistency between this Agreement and such other Agreements, this Agreement shall prevail to the extent of the inconsistency, except as provided by this Agreement.”. Ainda assim, a existência de uma tal norma não produziria efeitos sobre os órgãos multilaterais.

79

contra qualquer uma das partes, mas não frente ao MSC, que é terceiro frente aos membros de um bloco137. Assim, esse argumento parece definir o status do art. XXIV frente às normas emanadas dos blocos regionais: enquanto a norma multilateral pode, eventualmente, ser aplicada pelos órgãos regionais (conforme a existência, ou não, de efeito direto138), a norma regional não é aplicada pelos órgãos do Mecanismo de Solução de Controvérsias; com menor razão ainda, a violação de uma regra regional daria ensejo ao recurso aos órgãos multilaterais. O argumento pode ser ilustrado pelo dictum do Órgão de Apelação na controvérsia entre as Comunidades Européias e Brasil, envolvendo o Oilseeds Agreement. Na medida em que este acordo não se enquadrava na categoria dos acordos abrangidos nas competências dos órgãos multilaterais (covered agreements), o Órgão recusou-se a empregá-lo como regra de julgamento, mesmo que o caso envolvesse as mesmas partes contratantes: O Acordo sobre Oleaginosas [Oilseeds Agreement], em contraste, é um acordo bilateral negociado pelas Comunidades Européias e o Brasil sob o Artigo XXVIII do GATT de 1947, como parte da solução da disputa no caso CEE – Oleaginosas. Como tal, o Acordo sobre Oleaginosas não é um ‘acordo abrangido’ no sentido empregado pelos Artigos 1º e 2º do ESC. Tampouco é o Acordo sobre Oleaginosas parte das obrigações multilaterais aceitas pelo Brasil e as Comunidades Européias a partir do Acordo da OMC (...). Ademais, o Acordo sobre Oleaginosas não é parte das ‘decisões, procedimentos e práticas costumeiras seguidas pelas PARTES CONTRATANTES do GATT 1947’ pelas quais a OMC ‘deverá guiar-se’ sob o Artigo XVI:1 do Acordo da OMC. Essas ‘decisões, procedimentos e práticas costumeiras’ incluem apenas aquelas adotadas ou seguidas pelas PARTES CONTRATANTES do 139 GATT de 1947 agindo em conjunto (grifado) 137

Se os órgãos multilaterais devessem ceder e declarar a prevalência da norma regional em um caso concreto, concretizar-se-ia, através do Mecanismo de Solução de Controvérsias, o alerta de QURESHI (op. cit., p.111): “(...) a disintegrated world trading system not only undermines the authority of GATT, but could lead to complexity and some uncertainty as to which order has precedence.”. 138 Para as condições de aplicação, no âmbito do Mercosul, das normas multilaterais, ver adiante páginas 125 et seq. 139 European Communties – Measures affecting the importation of certain poultry products. Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS69/AB/R, 13.07.98, § 79 (“The Oilseeds Agreement, in contrast, is a bilateral

80

Por outro lado, seria talvez possível argumentar que as normas regionais revogariam as normas multilaterais, frente aos membros do bloco, naquilo que seria condiderado mais restritivo do que o estabelecido no marco multilateral. O argumento, contudo, não desvia da resposta negativa: o que um membro do bloco reputa ser seu “direito” o outro pode não reputar, e as instâncias multilaterais mantêm-se abertas para discutir a questão na medida em que a oposição da especialidade ou posterioridade não servem de argumento perante estas últimas. Definitivamente, o art. XXIV descura de estabelecer regras especiais às normas que os membros de um bloco podem invocar-se perante as instâncias do MSC. Os direitos “materiais” atribuídos aos Estados participantes de um bloco podem derivar dos acordos regionais; em regra, contudo, o mínimo de direitos que possuem decorre do regime OMC. Existindo direito material multilateral a ser debatido, as instâncias multilaterais mantêm-se competentes: qualquer reserva processual de discussão em foro regional só pode decorrer de normas regionais. No entanto, e se as normas regionais assentarem um princípio de “coisa julgada” sobre as decisões proferidas pelos órgãos judiciais regionais? Essas normas procedimentais deveriam ser respeitadas pelos órgãos do MSC?

agreement negotiated by the European Communities and Brazil under Article XXVIII of the GATT 1947, as part of the resolution of the dispute in EEC – Oilseeds. As such, the Oilseeds Agreement is not a ‘covered agreement’ within the meaning of Articles 1 and 2 of the DSU. Nor is the Oilseeds Agreement part of the multilateral obligations accepted by Brazil and the European Communities pursuant to the WTO Agreement(...).Furthermore, the Oilseeds Agreement does not constitute part of the ‘decisions, procedures and customary practices followed by the CONTRACTING PARTIES to the GATT 1947’by which the WTO ‘shall be guided’ under Article XVI:1 of the WTO Agreement. These ‘decisions, procedures and customary practices’ include only those taken or followed by the CONTRACTING PARTIES to the GATT 1947 acting jointly”)(grifado).

81

Enquanto a discussão acima e igualmente o precedente do caso Oilseeds debruçaram-se sobre o problema da norma material aplicável pelas instâncias multilaterais, a questão que ora se propõe é de outra natureza e lida com o problema da eventual litispendência entre órgãos regionais e multilaterais. Certo, trata-se de questão acerca da eventual aplicação de norma regional. Entretanto, ao contrário da discussão acima, a pergunta aventa a hipótese de uma norma regional procedimental; para tal problema, quer parecer, o caso Oilseeds nada refere. Na medida em que a questão proposta é de repartição de competências entre o regime multilateral e os órgãos dos regimes regionais, ela será tratada adiante, quando o controle dos subsídios for examinado140. A posição adotada pela normativa multilateral (involuntariamente, ao que tudo indica) frente a controvérsias regionais não parece equivocada: a provocação de instâncias multilaterais de solução de controvérsias, para resolver disputas entre membros de um bloco, não é sinal de falha do regime multilateral, mas do regime regional. Estes são fundados na crença de que as matérias dentro de sua competência sejam resolvidas em seus órgãos, sob a égide da norma jurídica da “boa-fé reforçada” que subjaz a todo processo integracionista. Por outro lado, a aparente lacuna na regulação do art. XXIV para as divergências envolvendo membros de um mesmo bloco é oportunidade adequada para reforçar o regime multilateral: pretender que as instâncias multilaterais abrissem mão da “jurisdição” para solucionar tais conflitos significaria privilegiar regimes regionais nãoconsistentes. Em outros termos, se há “vazamento” (spillover) de disputas regionais no

140

Capítulo II, Seção B, item B.2.

82

foro multilateral, é porque decorre de patologias que não dizem respeito à OMC - uma eventual regra de “privilégio regional de foro” só pode ser uma norma regional. Feitas tais observações, que revelam a estrutura normativa subjacente aos acordos regionais de comércio, é possível seguir em direção à análise do que o art. XXIV estabelece para o tratamento do tema dos subsídios entre os membros do bloco.

B.1) As regras multilaterais para o tema dos subsídios regionais

É freqüente, na doutrina, a indicação de que os instrumentos de defesa comercial - adotados unilateralmente pelos Estados – devam ser substituídos por normas de direito da concorrência, à medida que a integração econômica se intensifique. O argumento é justificado, quando não por simples mimetismo da experiência comunitária européia, pela própria evidência de que é preciso que as instâncias regionais tenham controle sobre qualquer atividade unilateral dos membros do bloco que possam provocar efeitos sobre os demais sócios141. A partir da adoção da premissa de que uma análise jurídica do regionalismo não pode prescindir de sua inserção no quadro do artigo XXIV do GATT,

141

Um exemplo com a doutrina econômica: “A full customs union would also harmonize quantitative restrictions, export subsidies, and other trade distortions. Indeed, it would set all trade policy for its members as a unified whole. It would, for example, engage in any future trade negotiations with other countries with a single voice” (FRANKEL, Jeffrey. Regional trading blocs in the World Trading System. Washington: Institute for International Economics, 1997, p.15). Qual a norma jurídica que determina que as uniões aduaneiras devem, necessariamente, conduzir ao grau de integração apontado pelo autor? Como será visto a seguir, sobram controvérsias acerca da matéria, de modo que qualquer análise jurídica que se faça do assunto deve ser, no mínimo, cautelosa e consciente das discussões. O argumento contrário, ausente qualquer justificação calcada em norma jurídica, também é encontrado. Tratando da substituição da cobrança de direitos antidumping pela aplicação extraterritorial do direito da concorrência no âmbito da ANZCERTA, Ravi Kewalram sustentou, sem qualquer análise aprofundada do Art. XXIV, que “there is no inherent requirement that the creation of a free trade area must lead to the removal of anti-dumping duties between Australia and New Zealand.” (The Australia-New Zealand Closer Economic Relations Trade Agreement – An experiment with the replacement of anti-dumping laws by trade practices legislation. Journal of World Trade, v. 27, n.5, p.123, 1993).

83

convém buscar nele sua fonte. Desse modo, as perguntas que animam o exame seguinte são: o art. XXIV determina que os membros de um bloco de integração abandonem os instrumentos de defesa comercial e adotem normas de direito da concorrência para o comércio regional? Há fundamento jurídico para o argumento da doutrina? A interpretação de qualquer tópico ligado ao artigo XXIV pisa em campo aberto para conjecturas. Antecipa-se que os termos empregados pelo art. XXIV são controversos, razão pela qual seu esclarecimento é um dos pontos de negociação na Rodada lançada em 2001, na Conferência Ministerial de Doha142. 29. Nós igualmente concordamos em negociações voltadas para esclarecer e melhorar as disciplinas e procedimentos sob as normas existentes da OMC que se aplicam a acordos regionais de comércio. As negociações deverão ter em conta os aspectos dos acordos regionais de 143 comércio voltados ao desenvolvimento.

Para dirigir o estudo ao alvo desejado, é preciso, ainda, traçar distinções entre os instrumentos de defesa comercial, com a principal finalidade de avaliar o impacto de seu deslocamento do campo da defesa comercial para o da concorrência tout court. Temos em mente, com isso, a comparação entre as medidas compensatórias e os direitos antidumping: dois mecanismos para fazer face a práticas “desleais” de comércio internacional que, apesar de compartilharem o mesmo objetivo, partem de premissas diversas. Enquanto a rationale do antidumping encontra similar em quase todas as regulamentações nacionais de defesa da concorrência, o mesmo não sucede com as

142

WT/MIN(01)/DEC/1 (20.11.2001). (“29. We also agree to negotiations aimed at clarifying and improving disciplines and procedures under the existing WTO provisions applying to regional trade agreements. The negotiations shall take into account the developmental aspects of regional trade agreements.”). 143

84

medidas compensatórias144. Com efeito, a “punição” por uma prática de unfair trade atribuída a um Estado diz necessariamente respeito a assunto que envolve mais de um ordenamento jurídico, o que explica a razão pela qual as mesmas regulações antitruste nacionais não contemplam a hipótese de “punir” os efeitos anticoncorrenciais dos subsídios concedidos pelo governo às firmas nacionais. É com essa diferença conceitual em mente que prossegue o exame sobre o tratamento dado aos subsídios dentro do marco de um bloco regional de comércio: por vezes, a analogia com o antidumping é autorizada; em outros casos, entretanto, as diferentes premissas dos dois instrumentos impedem uma extensão analógica. Dito de outra forma, a discussão sobre subsídios e medidas compensatórias nem sempre pode ser dimensionada, através da analogia com os institutos do direito antitruste. Aprofundando a abordagem, para abranger especificamente o tema “subsídios” no ambiente de um bloco regional, ainda uma nova distinção deve ser feita: a análise do problema deve distinguir, por um lado, a concessão dos subsídios da imposição de medidas compensatórias, por outro. A distinção tem fins circunscritos ao objetivo do trabalho aqui empreendido e, evidentemente, não desconhece a interdependência entre as duas medidas. Essa divisão guarda especial importância quando examinado, no quadro do art. XXIV, o alcance do conceito de “regulações restritivas do comércio”: enquanto os subsídios não restringem propriamente o fluxo de comércio, as medidas compensatórias o fazem. Até que ponto a distinção guarda respaldo na prática dos blocos é matéria que será enfrentada adiante.

144

TREBILCOCK, Michael. Competition policy and trade policy – mediating the interface. Journal of World Trade, v. 30, n. 4, p.75, 1996.

85

Por fim, uma derradeira observação deve ser tomada em consideração durante a visita à dimensão multilateral do regionalismo. O problema dos subsídios envolve, como foi apontado anteriormente, medidas de proteção ao fair trade; assim, como foi visto, podem reduzir o volume de comércio e cercear o ideal de free trade. A análise do artigo XXIV deve ser conduzida buscando perceber a forma como o marco multilateral lida com esse binômio, especificamente a predominância que atribui ao comércio livre em detrimento do comércio leal. O estudo inicia perquirindo sobre os delineamentos da regulação multilateral à imposição de medidas compensatórias para os subsídios no comércio intraregional, tema que pode ser inserido dentro do tópico da defesa comercial intra-regional; prossegue com o exame do que o art. XXIV determina à concessão de subsídios nos blocos. Basicamente duas questões tentarão ser respondidas, sempre a partir da normativa multilateral: a criação de um bloco de integração excepciona o regime multilateral de imposição de medidas compensatórias encontrado sobretudo no ASMC? Em que medida isso ocorre?; a criação de um bloco altera, entre seus membros, o regime comum de concessão de subsídios, quando esses provoquem efeitos sobre o comércio regional? Dito de outra forma, a preocupação recai em compreender as relações entre as regras “gerais” sobre subsídios (aquelas que são válidas para todos os membros do regime OMC) e as eventuais alterações que o art. XXIV determina que sejam feitas quando constituído um bloco de integração.

86

Estudo empreendido pelo Secretariado da Organização - Regionalism and the World Trading System - apontava que “a moldura multilateral das disciplinas sobre subsídios e medidas compensatórias acordada na Rodada Uruguai é o principal conjunto de regras que governa essas práticas pelos membros da maior parte dos acordos regionais”145. Veremos em que medida essa asserção é confirmada pela prática dos blocos.

B.1.1) As regras sobre a imposição de medidas compensatórias

É o parágrafo 8º - alíneas (a), I, e (b) - que fornece a base para a compreensão do problema. Da sua parte relevante, a norma prescreve de forma similar para uniões aduaneiras e áreas de livre comércio que “tarifas e outras regulações restritivas de comércio” (duties and other restrictive regulations of commerce) - com exceção, quando necessário, daquelas permitidas nos arts. XI, XII, XIII, XIV, XV e XX devam ser “eliminadas para substancialmente todo o comércio” (eliminated with respect to substantially all trade) entre os seus membros. A perspectiva que aqui interessa é a de que as regulações restritivas de comércio devem ser eliminadas; deixa-se de lado, portanto, o tratamento das tarifas. A partir da dicção dos termos do parágrafo 8º, devemos entender que a criação dos blocos prevê a eliminação das medidas compensatórias? A hermenêutica do que pretende o §8º para a imposição de medidas compensatórias demanda encontrar o significado encerrado pela expressão regulações

145

Genebra: World Trade Organization Secretariat, 1995, p.78 (“The multilateral framework of disciplines on subsidies and countervailing duties agreed in the Uruguay Round is the main set of rules governing such practices by members of most regional agreements”).

87

restritivas de comércio, e pela determinação de que estas devam ser eliminadas146. Apenas após formada a interpretação desses termos é que se pode traçar uma resposta para a pergunta acima.

(a) Regulações restritivas de comércio e exceções

Primeiramente, convém compreender o que seja o caráter restritivo das regulações de comércio. Ao contrário do parágrafo 5º, que estabelece os requisitos do comércio extrabloco - dirigindo sua incidência sobre as regulações de comércio em geral, sem qualquer qualificação -, a regulação sobre o comércio intrabloco, em conformidade com o parágrafo 8º, volta-se apenas às regulações que sejam restritivas. O adjetivo restritivo vincula o parágrafo 8º a todos os instrumentos normativos que possam cercear o livre movimento de produtos e serviços entre os membros de um bloco. Dessa maneira, o parágrafo assume o claro propósito de chancelar a preocupação multilateral de que os regimes regionais sejam constituídos com a finalidade de intensificar o fluxo comercial dentro dos territórios de seus membros - uma preocupação que alinha o artigo XXIV à consecução do free trade. Cabe, aqui, um questionamento: como as medidas compensatórias se enquadram nesse contexto?

146

Sem contestar a existência da controvérsia em torno da expressão “substancialmente todo o comércio”, entendemos que ela não esclarece o problema da estrutura da defesa comercial em blocos de integração: mesmo atingido consenso quanto ao que seja substancialmente todo o comércio não se teria explicado se medidas compensatórias e direitos antidumping podem ou não ser mantidos no âmbito da autonomia decisória dos membros do regime regional. Assim, o advérbio parece fazer exigência sobretudo em torno do volume de comércio abrangido por um acordo regional. É nesse contexto que se inserem as negociações que pretendem criar regimes OMC plus entre seus membros, como, por exemplo, aquelas nas quais o Brasil

88

As medidas de defesa comercial em geral visam a objetivo algo diverso da liberalização do comércio: o de manter certo nível de lealdade no comércio internacional. Elas representam instrumentos que os Estados lançam mão com vistas a combater práticas de comércio internacional reputadas como desleais (a despeito das diversas acepções que o termo pode receber). Ao adotar a bandeira da lealdade do comércio, as medidas de defesa comercial desempenham a função de mecanismos de um “direito internacional da concorrência”, dentro do quadro institucional fragmentado que é o da sociedade internacional147. Se o adjetivo “restritivo” for empregado no sentido corriqueiro de cerceamento de acesso ao mercado (tendo por efeito a restrição de importações), a prática desleal não acarreta a restrição ao fluxo do comércio. Contrariamente, os artifícios reputados “desleais” são empregados justamente para garantir uma parcela de mercado ao competidor que os utiliza: a restrição, quando há, é sentida pelo competidor que perde mercado e que, provavelmente, será responsável por provocar o uso de medidas que farão face às práticas desleais – que serão encarregadas da “defesa” do comércio interno. Assim, são justamente as medidas de defesa comercial que podem ser adjetivadas de restrictive regulations of commerce; a imposição de medidas ora se depara. A respeito, ver THORSTENSEN, Vera. O Brasil diante de um tríplice desafio. Política Externa, v. 10, n.3, p. 92-112, 2001/2002. 147 Esse “direito internacional da concorrência” abrangeria, ao contrário dos direitos antitruste nacionais, a condenação de práticas desleais atribuídas a Estados. Disso decorre a etiqueta de internacional. Mesmo que tenham por função manter a lealdade da concorrência (HOEKMAN, Bernard; KOSTECKI, Michel, op. cit., p. 330), as medidas compensatórias não poderiam ser inseridas em um sistema nacional de proteção da concorrência, que se ocupa apenas do comportamento de agentes privados (id., p.426). Porém, apesar de serem disparadas por órgãos internos (o que se deve ao caráter fragmentado da sociedade internacional), a “punição” de comportamentos de outros Estados, através das medidas compensatórias, tem uma dimensão internacional que autoriza classificá-las como regras de “direito internacional da concorrência”. Evidentemente, tal “direito” abrangeria, em potencial, as práticas anticompetitivas encetadas por particulares, mesmo que até hoje não sejam objeto de regulação multilateral mais aprofundada.

89

compensatórias ou de direitos antidumping, mesmo sem visar a tal objetivo, culminam por reduzir o fluxo de comércio ao dificultar o ingresso de mercadorias no mercado de um Estado. Na medida em que desempenham a função de manutenção da “lealdade” do comércio internacional, entretanto, são justificadas como legítimas derrogações ao livre comércio. A interpretação do art. XXIV, §8º, então, conduz à conclusão de que, dentro do significado da expressão restrictive regulations, também as medidas de defesa comercial deveriam ser eliminadas. O argumento é confirmado pelas exceções que as alíneas (a) e (b) do parágrafo 8º estabelecem; apesar de os artigos XI, XII, XIII, XIV, XV e XX, GATT, não serem medidas de defesa comercial, o artigo VI (sobre antidumping), por exemplo, não é contemplado a esse título148. O caráter exaustivo ou exemplificativo dessas exceções é controverso tanto nos Working Parties constituídos para avaliar regimes regionais quanto, atualmente, no Comitê de Acordos Regionais de Comércio149. Seja como for, admitindo a lista de exceções como exaustiva, a resposta parece repousar em outra linha de interpretação do referido parágrafo. O panorama delineado sugere um resgate dos fundamentos do direito internacional do comércio. Indica que não é exclusivamente o ideal do livre comércio (free trade) que sustenta suas normas, mas que, conjuntamente, é preciso assegurar um

148

É nesse argumento que Welber Barral sustenta a necessidade de eliminação dos direitos antidumping (BARRAL, Welber. Dumping e comércio internacional: a regulamentação antidumping após a Rodada Uruguai. Rio: Forense, 2000, p. 291). Em face da discussão sobre o caráter exemplificativo da lista de exceções e da prática contrária dos blocos, esse argumento não foi considerado consistente. Ambos os pontos serão abordados a seguir. 149 Regionalism and the World Trading System, op.cit., p. 16; tb. WT/REG/W/37, op. cit., §§52-56. “The drafting history does not indicate why Articles XI-XV and XX were included in the list of exceptions while others, in particular Article XIX, were not included.” (Committee on Regional Trade Agreements. Systemic issues related to “other regulations of commerce”. WT/REG/W/17/Rev.1, 05.02.1998, §6).

90

nível de lealdade em todo o processo: as medidas, não-restritivas, reputadas “desleais” podem ser legitimamente combatidas por contramedidas, restritivas, de defesa comercial150. A liberalização do comércio internacional, assim, pressupõe um “nivelamento do campo de jogo” (level playing field), que é encargo, entre outros, das medidas de defesa comercial. Eis o ponto de conciliação dos dois princípios, cujo papel de “interface”151 na análise do caso concreto é, no mínimo, complexo152. Porém, se os instrumentos de defesa comercial são “restritivos” do comércio, e se eles devem ser eliminados - como todas as demais medidas restritivas, não contempladas nas exceções -, significa isso que o Art. XXIV determina que não devam existir medidas de defesa do fair trade para o comércio regional? Ou, inversamente, seria preciso adotar normas de direito da concorrência no bloco para que seja compatível com o Art. XXIV? Após a análise precedente, é nesses termos que a questão inicial deve ser posta. A sua solução, sem embargo, só pode ser dada depois de examinado o outro conceito jurídico indeterminado que consta no § 8º.

150

“The rules for responding to some unfair trade practices allow use of import restrictions, such as added duties, (and also quantitative measures applied pursuant to settlements of dumping or countervailing cases), which can be anticompetitive and can be detrimental to world welfare.” (JACKSON, op. cit., p.249). 151 A expressão é de John Jackson. (id., p. 248). 152 Toda a discussão free trade/fair trade insere-se no contexto dos limites da restrição da incidência de um princípio em benefício da extensão da incidência do outro. Ela se mostra presente desde a controvérsia da aplicação de sanções comerciais para a proteção de valores não-comerciais (desde padrões trabalhistas e ambientais até a “multifuncionalidade” da produção agrícola, por exemplo), até a utilização de instrumentos de defesa comercial para sancionar práticas desleais de comércio. A respeito, ver TREBILCOCK, op. cit., p.82-7.

91

(b) A eliminação das regulações restritivas

O exame precedente confirma o grande vazio na regulamentação multilateral dos regimes regionais de comércio. Isso se reflete não apenas na imprecisa delimitação dos campos de ambos regimes como também em setores específicos, como é o caso da defesa comercial intrabloco. Ao que tudo indica, a perspectiva do art. XXIV à defesa comercial em blocos de integração passa pela especificação do que as instâncias multilaterais entendam ser a eliminação das regulações restritivas sobre substancialmente todo o comércio. Em outras palavras, é a interpretação dada ao conceito de “eliminação” dessas regulações que indicará se o art. XXIV impõe o abandono dos instrumentos nacionais de defesa comercial, em benefício da adoção de um mecanismo regional. Atribuir a ênfase sobre o alcance/gradação da “eliminação” permite, por um lado, conciliar a proteção do fair trade e evitar a interpretação de que o art. XXIV privilegia o livre comércio acima de tudo; por outro lado, indica que a discussão sobre o caráter exaustivo das exceções das alíneas (a) e (b) é estéril: admitir que as medidas compensatórias e os direitos antidumping sejam, também, exceções não retiraria dos órgãos regionais controle sobre a sua aplicação unilateral pelos membros de um bloco. É justamente o controle regional sobre a aplicação nacional de instrumentos de defesa comercial que coloca em questão o que seja eliminar tais regulações restritivas. Quando alguma instância regional controla, em grau ínfimo que seja, a aplicação dessas medidas pelos seus membros, não há nisso certo grau de “eliminação” da regulação, na medida em que a decisão final é regional, e não mais nacional?

92

A experiência dos regimes regionais de comércio demonstra que, com exceção das Comunidades Européias (CE), todos os demais blocos mantêm a previsão de imposição de medidas compensatórias153. Isso, no entanto, não significa que a eliminação determinada pelo §8º deva ter o grau atingido nas CE. Ao contrário, se for considerado que por “eliminação” pretende-se afastar a unilateralidade da imposição das medidas de defesa comercial, a maior parte dos acordos regionais efetivamente “eliminou” essas regulações restritivas e criou, por conseqüência, um controle integrado sobre a defesa comercial no comércio intra-regional. Que grau de eliminação satisfaz o requisito imposto pelo § 8º? Para buscar uma resposta no contexto lacunoso do art. XXIV, convém utilizar a prática dos blocos de integração, nesse particular, como elemento de interpretação da regra do tratado. Antes, porém, é necessário o exame do que o mesmo §8º determina à concessão de subsídios.

B.1.2) As regras sobre a concessão de subsídios

Uma visita ao Direito Comunitário revela que as Comunidades Européias adotaram regras próprias à concessão de subsídios, submetendo sua validade à prévia aprovação da Comissão (antigo Art. 92). Na verdade, o próprio conceito visado - a participação estatal na economia - é mais amplamente atacado naquela sede do que no direito multilateral: o alcance da expressão auxílios públicos atinge mais do que

153

Regionalism and the World Trading System, op. cit., p.78.

93

subsídios

154

. Isso significa que tanto a imposição de medidas compensatórias quanto a

concessão de subsídios estão inseridos em um marco normativo próprio, o que afasta o emprego unilateral de instrumentos de defesa comercial e a fragmentação do planejamento macroeconômico da distribuição de ajudas estatais, ao encarregar essas matérias às instâncias comunitárias, submetidas a um único ordenamento jurídico da concorrência. O aprofundamento do marco conceitual e institucional que as Comunidades Européias lograram atingir no que toca à regulação da concessão de subsídios deriva de algum preceito do art. XXIV? O art. XXIV impõe que a concessão de subsídios em blocos regionais esteja condicionada à autorização de instância regional? Da mesma forma como sucede no que respeita às medidas compensatórias, é a interpretação do parágrafo 8º que fornecerá a base para conclusões. Dos requisitos estabelecidos naquele preceito, basta examinar sua destinação às regulações restritivas de comércio. Em outras palavras, as normas sobre concessão de subsídios são regulações restritivas de comércio? As discussões travadas no quadro do Comitê sobre Acordos Regionais demonstram que, a despeito de reconhecido o caráter controverso da dicção regulações restritivas, a inserção da concessão de subsídios em seu entendimento não é nem mesmo debatida. 45. O Artigo XXIV não fornece definição para ‘outras regulações restritivas de comércio ‘ (ORRCs), conforme especificado no Parágrafo 8º (a). A maior parte da discussão voltou-se a saber se

154

Acórdão De GezamenlijkeSteenkolenmijnen, Proc. 30/59 (julgado em 23.02.61), Colet. 1961, 3 ss.; ver tb. MOTA DE CAMPOS, João. Direito Comunitário, 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 596, v. III.

94

medidas de salvaguarda e antidumping deveriam ser consideradas como ORRCs155(grifado)

As reuniões do Comitê jogam pouca luz sobre o problema. Na verdade, o próprio alcance do termo “regulações de comércio” tout court ainda é debatida156. No entanto, um ponto deve ser sublinhado: o de que o alcance das regulações restritivas de comércio deve ser dimensionado dentro do alcance das “regulações de comércio” em geral. Essas últimas, conforme os debates no Comitê, giram em torno de normas que regulam o controle fronteiriço, ou seja, de entrada e saída de mercadorias e serviços do território de um Estado157. 155

(“45.Article XXIV provides no definition of "other restrictive regulations of commerce" (ORRCs) as specified in paragraph 8(a). Most of the discussion has focused on whether safeguard and anti-dumping measures should be considered as ORRCs.”) WT/REG/W/37, op. cit. (grifado). Também, no mesmo sentido, a Communication from Hong Kong, China (WT/REG/W/31, 18.11.98): “Uncertainty arises from lack of agreements on the "restrictive regulations of commerce" that are to be eliminated between participants, which depends on the coverage of the term and whether the exception list in brackets is exhaustive or merely indicative”. Vera Thorstensen, no entanto, insere as medidas compensatórias no quadro dessa discussão: “O Artigo XXIV não dá uma definição para um ‘ORRC’, mas apresenta uma lista limitada de exceções relacionadas a restrições quantitativas e às exceções gerais do GATT (...). A questão é se salvaguardas, medidas antidumping e anti-subsídios aplicados entre as partes, ou por uma parte contra terceiros, podem ser considerados ‘ORRCs’ (...).” (Os acordos regionais de comércio e as regras da OMC. Política Externa, v. 9, n.1, p.73, 2000). A concessão de subsídios, contudo, não é mencionada. No âmbito das negociações de Doha, a matéria ainda é alvo de discussão, como revela a comunicação apresentada pela República da Coréia ao Grupo de Negociação sobre Regras (TN/RL/W/116, 11.06.2003). 156 “During the Uruguay Round, Members sought to clarify a number of provisions contained in the original GATT Article XXIV drafted in 1947.(...) One of the issues then submitted for consideration was the definition of the terms "other [than duties] regulations of commerce" as used in Article XXIV:5, but no consensus was reached on it.(...) This implied that the relationship between Article XXIV provisions with respect to non-tariff matters remained open to debate, at a time when the distance between the original GATT disciplines and those embodied in the WTO Agreements was growing.” (WT/REG/W/37, op. cit., §26). 157 “It has been said that the term "ORCs" [other regulations of commerce] has an "outward-looking" meaning and refers to those regulations governing the trade of the parties to an RTA with non-parties, in particular when the regulations become more restrictive.(...) That, it is asserted, is supported by the fact that ORCs are referred to in both paragraph 5(a) and subparagraph 8(a)(ii), which deal with customs unions' trade relations with third parties. It has also been noted that, in the GATT years, a wider but yet more neutral definition of the term had been once advanced, according to which the word "regulations" might be related to such measures as customs procedures, grading and marketing requirements, and similar controls in international trade.(...) Defendants of a broader interpretation have made reference to the drafting history of the 1994 Understanding and stated that ORCs relate to all formalities in connection with importation and exportation, including those not intended to be restrictive. From an economic point of view, they have noted that the facilitation of intra-trade requires RTA parties to deal with a wide range of ORCs; also, the alignment of the parties' external trade policies is needed to establish conditions of fair competition among them and to allow a customs union to function properly.(...)” (WT/REG/W/37, op. cit., §62).

95

O argumento é reforçado pelo trecho citado acima e que ilustra o estado da matéria no que toca especificamente às regulações restritivas: as discussões ocupam-se de controle alfandegário do comércio, os direitos antidumping e as salvaguardas. Convém, então, avaliar a natureza da concessão de subsídios para saber se eles restringem o comércio, da mesma forma como o fazem as medidas compensatórias. A resposta ao problema passa por assentar a característica definidora da atual regulamentação dos subsídios: os subsídios são “condenados“ pelo regime multilateral por serem práticas desleais de comércio ou por serem práticas restritivas de comércio? A análise empreendida sobre as medidas compensatórias, no marco normativo geral, permitiu vislumbrar que esse instrumento de defesa comercial, restritivo de comércio, é autorizado porque há legítima preocupação em manter um nível de lealdade sobre o comércio internacional: fecham-se as fronteiras de um Estado (restringese o comércio) para punir o Estado que subsidiou o exportador, por exemplo. Por sua vez, como foi assinalado, a concessão de subsídios não acarreta a restrição de comércio. Ao invés disso, o auxílio concedido pelo Estado tem justamente a finalidade de abrir mercados ao beneficiário do subsídio. Distante de ser uma restrição de comércio, a concessão de subsídios provoca, na verdade, a distorção do comércio (trade distortion), conseqüência que seria inteiramente válida se a regra multilateral almejasse simplesmente liberalizar o comércio (como equivalendo a eliminação de barreiras à entrada e saída de mercadorias e serviços do território de um Estado), sem preocupações com a “lealdade” do comércio. O argumento é corroborado pelo exame das espécies de subsídios, encontradas no ASMC.

96

Conforme o capítulo anterior, é possível argumentar que os subsídios proibidos são condenáveis per se, sendo desnecessária a comprovação de prejuízo deles advindo: eles constituem o exemplo da prática desleal por excelência. Porém, nem os subsídios à exportação, tampouco a preferência por produtos nacionais em detrimento dos importados (ASMC, Art. 3.1), fecham as fronteiras ao ingresso de produtos originados de outros Estados. Mesmo não operando como um mecanismo de restrição às importações, a concessão de subsídios é capaz de efetivamente dificultar a concorrência para os agentes não-subsidiados, de modo a deslocar o comércio em benefício da firma que recebe o subsídio: essas são as hipóteses de efeitos adversos que o subsídio provoca e que caracterizam os subsídios acionáveis (ASMC, Parte III)158. De acordo com a perspectiva acima esboçada, as normas sobre concessão de subsídios não são regulações restritivas de comércio. Não obstante, da mesma forma como sucede com as medidas compensatórias, os Estados que compõem um bloco de integração encontram-se geralmente submetidos a instâncias do bloco que podem avaliar a adequação de determinados subsídios vis-à-vis às normas regionais: em última análise, também a concessão de subsídios não é mais de exclusiva competência unilateral. Esse raciocínio alia-se ao dictum do precedente assentado no caso Turkey – Import restrictions on textiles de que as “outras regulações de comércio”, “given the

158

Esses efeitos estão ligados à distorção do comércio, e não à sua restrição. JACKSON (op. cit.., p. 299), nesse sentido, entende que “(...) it would seem that it would be wise to develop the notion that there should be a prerequisite to bring actions within the concept of ‘actionable subsidy’, namely, that there be ‘distortion across the border’.”. Nessa mesma linha, sugerindo que a condenação sobre a concessão de subsídios deve ocorrer apenas se for comprovada a existência de políticas less-trade-distortive para atingir os mesmos objetivos do subsídio, TREBILCOCK, op. cit.. p. 103.

97

dynamic nature of regional trade agreements, (...) is an evolving concept” 159, de modo a poder abranger também medidas domésticas como a concessão de subsídios. Na medida em que não há consenso para definir as regulações restritivas, não se pode afirmar com autoridade que o §8º afasta qualquer pretensão de regrar a concessão de subsídios nos blocos. Na verdade, a maior parte dos blocos possui regulamentação, conquanto fraca, a respeito do assunto160. Diante dessa ambigüidade, é preciso ao menos conjecturar que o §8º considera a concessão de subsídios como prática restritiva: os motivos para fazê-lo são tão fortes quanto aqueles em contrário, na falta de definição do alcance de regulações restritivas. Isso conduz a buscar uma interpretação do conceito de regulações restritivas de comércio na prática dos blocos de integração, assumindo-a como instrumento de interpretação do §8º. A partir da prática dos blocos, é possível estabelecer, com algum grau de precisão, o que o art. XXIV estabelece acerca dos subsídios em blocos de integração.

159

Relatório do Painel, WT/DS34/R, 31.05.99, § 9.120. Lembre-se, por exemplo, que a CJCE no caso Dassonville estabeleceu conceito amplo, que poderia ser empregado para dizer que a concessão de subsídios é passível de ser enquadrada como medida restritiva de comércio: “All trading rules enacted by Member States which are capable of hindering, directly or indirectly, actually or potentially, intra-Community trade are to be considered as measures having an effect equivalent to quantitative restrictions” (Caso 8/74, Recueil 837, 1974, apud WEILER, Joseph H.H. Towards a Common Law of International Trade. In: ______ (ed.) The EU, the WTO and the NAFTA. Nova Iorque, Oxford University Press, 2001, p. 205). 160

98

B.2) A prática dos blocos como elemento de interpretação do alcance do conceito de eliminação das regulações restritivas e da inserção da concessão de subsídios na categoria de regulações restritivas

O art. 31 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados ocupa-se de sua interpretação. Seu parágrafo 3º, alínea (b), estabelece que, na interpretação, será levada em consideração, juntamente com o contexto do tratado, qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação. A regra encontra respaldo no art. XVI, §1º, do Acordo que Estabelece a OMC, que determina, verbis: (...) a OMC deverá guiar-se pelas decisões, procedimentos e práticas costumeiras seguidas pelas PARTES CONTRATANTES do GATT de 161 1947 dos órgãos estabelecidos no quadro do GATT de 1947

É na tentativa de definir padrões a partir da prática dos blocos - como critério interpretativo do art. XXIV, §8º -, que o exame seguinte apresenta os regimes de medidas compensatórias e de concessão de subsídios em alguns acordos regionais de comércio.

B.2.1) A prática regional de imposição de medidas compensatórias

O sistema das Comunidades Européias para substituir a imposição de medidas compensatórias é muito particular: o Direito Comunitário efetivamente eliminou a cobrança de medidas compensatórias intrazona.

161

(“(...) the WTO shall be guided by the decisions, procedures and customary practices followed by the CONTRACTING PARTIES to GATT 1947 and the bodies established in the framework of GATT 1947.”).

99

Reitere-se que no Direito Comunitário o tema dos subsídios insere-se em uma problemática mais ampla, porquanto as Comunidades tratam das formas de intervenção estatal com maior profundidade do que pretende o marco multilateral. Conforme foi ressaltado, a maneira prevista pelo Direito Comunitário para atacar os auxílios estatais sinaliza que a regulamentação da matéria é capítulo de um verdadeiro direito internacional da concorrência: ao invés de o ato ser enfrentado na forma de represália (o que pode não extinguir o ato ilícito), como é da natureza das medidas compensatórias, o auxílio ilicitamente concedido deve ser restituído. Assim,

nas

Comunidades

Européias,

o

emprego

das

medidas

compensatórias não é previsto para o comércio intrazona. A sanção imposta contra o auxílio estatal, condenado pela Comissão, repousa em restituir os valores concedidos: O respeito ao direito comunitário e a efectividade do controlo dos auxílios estatais confiado à Comissão impõem que os auxílios ilegalmente concedidos pelos Estados sejam restituídos pelas empresas que delas hajam beneficiado. O Tribunal de Justiça reconheceu sem hesitações este dever de restituição, impondo aos Estados que efectivem a recuperação das ajudas indevidamente concedidas (Ac. de 12.7.1973, Comissão/Alemanha, Proc. 70/72, Rec. 813), embora com sujeição às regras processuais nacionais (Ac. de 21.9.1983, Milchkontor, processos 205 a 215/82, Rec. 2633)162

Por sua vez, a regulamentação da matéria no quadro do NAFTA, apesar de inovadora, mantém-se em campo distante daquele ocupado pelo Direito Comunitário.

162

MOTA DE CAMPOS, op. cit., p. 614; a reversão do auxílio não impede que o concorrente lesado peça indenização, conforme o direito nacional, frente ao Estado que concedeu o auxílio. Ver BERGERÈS, Maurice-Christian. Les juridictions nationales et les aides d´État contraires au droit communautaire. Recueil Dalloz, 3. cahier, Chronique, p. 31, 1998. A previsão da restituição, contudo, não se encontra no Direito Comunitário originário:“Le droit d´exiger des États cette récupération n´est pourtant pas expressément reconnu à la Commission par les dispositions du Traité de la CEE relatives au régime des aides. La Commission sera amenée à se l´approprier avec l´assentiment de la Cour de Justice pour en faire un usage toujours plus large.”, (KOVAR, Robert. Les prises de participation publiques et le régime communautaire des aides d´État. Révue trimmestrielle de droit commercial et de droit économique, ano 45, n.1,p.137, 1995).

100

O Capítulo 19 do Acordo - que mantém regra similar a estabelecida em 1988 na Área de Livre Comércio Estados Unidos-Canadá (CUSFTA) – não retira dos Estados-Membros a competência para conduzir as investigações que podem levar à imposição de medidas compensatórias163. Na verdade, tampouco se ocupa de determinar consultas entre os membros, uma vez provocado o início das investigações. Assim, o artigo 1902, § 1º, determina que “Cada Parte reserva-se o direito de aplicar suas normas sobre antidumping e medidas compensatórias sobre bens importados do território de qualquer outra Parte”164. O elemento característico do procedimento de imposição de medidas compensatórias no NAFTA é o estabelecimento de revisão judicial (judicial review) das decisões que culminam pela determinação da cobrança das medidas. Essa revisão, contudo, não é de competência de órgãos judiciais domésticos, mas é encargo de um binational panel review (art. 1904). Porém, considerando que os Estados mantêm a competência para decidir pela imposição das medidas, os painéis aplicam o direito interno dos Estados: 1. Nos termos deste Artigo, cada Parte deverá substituir a revisão judicial de decisões finais de antidumping ou medidas compensatórias pela revisão feita por um painel binacional. 2. Uma Parte envolvida poderá solicitar que um painel revise, com base nos arquivos administrativos, uma decisão final de antidumping ou medidas compensatórias emanadas da autoridade competente de uma Parte importadora, com vistas a determinar se tal determinação estava de acordo com as normas sobre antidumping ou medidas compensatórias da Parte importadora165. 163

Isso, contudo, não impediu Frederick Abbott de sustentar que “[b]y any reasonable measure, the NAFTA eliminates substantially all tariffs and other restrictive regulations of commerce on trade between Canada, Mexico, and the United States (...)” (The North American Integration Regime and its Implications for the World Trading System. In: WEILER, Joseph H.H., op. cit., p.175). Estaríamos diante de um exemplo de opinio iuris quanto ao alcance de “eliminar”? 164 (“1. Each Party reserves the right to apply its antidumping law and countervailing duty law to goods imported from the territory of any other Party. (...)”). 165 (“1. As provided in this Article, each Party shall replace judicial review of final antidumping and countervailing duty determinations with binational panel review. 2. An involved Party may request that a

101

A competência dos painéis pode, ainda, sobrepairar em relação àquela dos órgãos judiciais domésticos (Art. 1904, §11), a ponto de estabelecer coisa julgada: Uma decisão final não deverá ser revisada sob quaisquer procedimentos de revisão judicial da Parte importadora se uma Parte envolvida solicita um painel com respeito àquela decisão dentro do prazo estabelecido neste Artigo. Nenhuma Parte poderá autorizar em sua legislação doméstica a apelação de uma decisão do painel para os tribunais 166 domésticos.

Se, no sistema do NAFTA, a investigação e imposição das medidas continuam sendo encargos dos Estados-Membros, na Comunidade Andina, a situação aproxima-se um pouco do Direito Comunitário. Nesse bloco, não há eliminação stricto sensu das medidas compensatórias. Elas continuam sendo possíveis sobre o comércio intrazona (Decisão 457, Art.3º): Podrá aplicarse una medida compensatoria a las importaciones de productos subvencionados originarios de un país que sea miembro de la Comunidad Andina, cuyo despacho a consumo o utilización en algún País Miembro de la Comunidad, cause o amenace causar un daño a la producción de dicho país.

Sem embargo, o elemento particular repousa no fato de que a Comunidade Andina centraliza a competência de investigação e imposição das medidas na Secretaria Geral da Organização (Decisão 457, Arts. 29 e 70). As normas que regulam o procedimento de investigação, no entanto, são regionais: Art. 29. Las investigaciones encaminadas a determinar la existencia, grado y efectos de una supuesta subvención, se iniciarán previa solicitud escrita presentada a la Secretaría General por la rama de la panel review, based on the administrative record, a final antidumping or countervailing duty determination of a competent investigating authority of an importing Party to determine whether such determination was in accordance with the antidumping or countervailing duty law of the importing Party.”). 166 (“A final determination shall not be reviewed under any judicial review procedures of the importing Party if an involved Party requests a panel with respect to that determination within the time limits set out in this Article. No Party may provide in its domestic legislation for an appeal from a panel decision to its domestic courts.”).

102

producción nacional afectada o en nombre de ella, o por los Países Miembros a través de sus organismos nacionales de integración. Art. 70. Cuando de la comprobación definitiva de los hechos se desprenda que existe subvención, daño y relación causal, exige la imposición de una medida, la Secretaría General, mediante Resolución motivada, podrá aplicar una medida compensatoria definitiva.

Os valores percebidos a título de medidas compensatórias, entretanto, são entregues ao membro importador (Decisão. 457, Art. 82: “Las medidas provisionales o definitivas serán percibidas por el país importador en la forma prevista en su legislación nacional.”). No caso do Acordo de Comércio sobre Relações Econômicas mais próximas entre Austrália e Nova Zelândia (ANZCERTA), a institucionalização regional do regime de medidas compensatórias é praticamente inexistente. De fato, apesar de a zona de livre comércio constituída pelos dois países ter substituído a cobrança de direitos antidumping pela aplicação extraterritorial de suas normas domésticas de concorrência, o mesmo não ocorreu com o regime de subsídios. O Art. 16 do tratado apenas prevê (alínea (c)) a consulta entre os Membros167: Nenhum Estado-Membro deverá cobrar medidas compensatórias em bens importados do território do outro Estado-Membro, exceto: (a) de acordo com as obrigações internacionais decorrentes do [GATT] (...); (b) de acordo com este Artigo; e (c) quando nenhuma alternativa mutuamente aceitável tenha sido determinada pelos Estados-Membros.168

167

De 1982 até 1998, a Nova Zelândia iniciou quatro investigações contra a Austrália. Dessas, duas foram levadas adiante, culminando com compromisso em ambas, conforme noticia o Ministério do Desenvolvimento Econômico do país (disponível no site ). 168 (“Neither Member State shall levy countervailing duties on goods imported from the territory of the other Member State, except: (a) in accordance with its international obligations under the [GATT] (...); (b) in accordance with this Article; and (c) when no mutually acceptable alternative course of action has been determined by the Member States.”).

103

Apesar do “dever de consultar”, a competência de imposição de medidas compensatórias permanece sob a autoridade de cada um dos Estados. O procedimento de solução de controvérsias no bloco é o foro competente para resolver as disputas emanadas da violação de alguma norma regional que o membro lesado apontar. Em resumo, analisados alguns exemplos da prática de blocos de integração, é possível construir modelos gerais de estruturação das regras sobre aplicação de medidas compensatórias (excluída a prática européia, em que não subsistem as medidas), em ordem decrescente de institucionalização (aqui, equivalente à “regionalização” do procedimento), nos seguintes termos:

(a)

o primeiro modelo contempla a existência de órgão

regional que decide pela aplicação das medidas, em observância à norma regional regulamentadora da matéria. Nele, os Estados não têm competência para aplicar as medidas; podem apenas acionar o órgão regional, com base em normas regionais. É o caso da Comunidade Andina; (b)

no segundo modelo, a competência de aplicação das

medidas é dos Estados, que decidem pela aplicação conforme o direito interno. O controle regional é feito a posteriori. O parâmetro de controle, entretanto, não é uma norma regional, mas sim a correta aplicação do direito interno: o órgão regional aplica o direito interno para verificar a existência ou não de violação ao direito de outro sócio. É o exemplo do NAFTA; (c)

no terceiro modelo, mais comum, os Estados mantêm a

competência de aplicação das medidas a qual está, contudo, sujeita a controle a

104

posteriori por instância regional (normalmente um tribunal ad hoc). O controle, por sua vez, é realizado a partir da aplicação da norma interna que tem como base parâmetros normativos regionais. É o caso da ANZCERTA e de vários outros blocos, como o próprio MERCOSUL.

Uma primeira conclusão, que já fora mencionada acima, é de que a prática dos blocos não eliminou efetivamente as medidas compensatórias; ao contrário, com exceção da Comunidade Andina, a regra é que os Estados mantenham a autoridade para impô-las, submetida a decisão, entretanto, a controle judicial posterior. Por seu turno, a diferença no controle posterior revela-se incidir na norma aplicável para apurar a violação, que pode ser interna (no exemplo pioneiro do NAFTA) ou normas regionais (como sucede na maioria das ocorrências).

B.2.2) A prática regional de concessão de subsídios que afetam o comércio interno

Entender que o Art. XXIV, §8º, imponha aos blocos de integração um regime próprio de concessão de subsídios - diverso do regime geral encontrado no ASMC – equivale a reconhecer duas pressuposições como certas: em primeiro lugar, implica estender o alcance do termo regulações restritivas de comércio; em segundo lugar, exige que a eliminação dessas regulações seja interpretada de maneira similar àquela indicada pela prática dos blocos para as medidas compensatórias, ou seja, com reservas. De fato, os subsídios, como categoria geral, não podem ser “eliminados” – pelo menos, não da mesma forma como se pode conceber que as medidas compensatórias

105

sejam eliminadas169. Na verdade, a eliminação dos subsídios, como categoria geral, é uma pretensão que nem mesmo o ASMC persegue; a existência da categoria dos subsídios não-acionáveis é uma prova disso. A referência à eliminação dos subsídios é, a toda evidência, uma elipse para eliminação da unilateralidade da decisão de conceder subsídios. Ressalvada a hipótese dos subsídios proibidos, o tema da concessão de subsídios em blocos de integração (indistinto o tratamento para zonas de livre comércio e uniões aduaneiras) deve ser inserido no quadro mais amplo da harmonização de políticas macroeconômicas: a análise do art. XXIV, então, deve ser empreendida com vistas a apontar como a norma multilateral aborda esse problema. Para poder comparar a maneira como os diversos blocos de integração regulam a concessão de subsídios - com a finalidade de encontrar identidades entre eles para poder interpretar o art. XXIV -, a análise abaixo adota o seguinte modelo: os “subregimes” regionais de concessão de subsídios serão examinados conforme a dependência da concessão a um certo “diálogo regional”, medido pela necessidade de comunicar órgãos regionais ou os demais Estados-Membros antes da concessão (isto é, as formas de controle prévio da concessão); e conforme a existência de recursos regionais (nãodomésticos, portanto) contra a concessão, o que indica controle ex post facto. A titularidade desses recursos pode ser de uma instância regional, dos Estados-Membros lesados ou, eventualmente, de particulares. O exemplo das Comunidades Européias demonstra que, ainda que inexistentes as medidas compensatórias, mantém-se um regime de concessão de subsídios, qualificado por particularidades que o Direito Comunitário logrou alcançar. O 169

JACKSON, op. cit., p. 294; HOEKMAN, Bernard; KOSTECKI, Michel, op. cit., p. 169. 106

exemplo europeu é importante, assim, porque serve como parâmetro máximo (em termos, evidentemente, relativos) de “eliminação” de subsídios. É preciso analisá-lo, portanto, para avaliar as diferenças com os demais blocos. Após o exame da regulamentação comunitária da concessão de subsídios, a maneira como os demais blocos lidam com o assunto pode ser enquadrada em um contexto maior. Pelo Tratado de Roma, na atual numeração, o Art.88 (ex-Art.93), estabelece o procedimento observado pela Comissão para determinar a compatibilidade de um auxílio estatal com o mercado comum. Seu §3º é significativo da divisão de competências, nesse campo, entre Estados e instituições comunitárias: Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87º, deve, sem demora, dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado-membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final.

O texto é claro em indicar que, no Direito Comunitário, os Estados apenas estão autorizados a implementar um auxílio após a decisão favorável da Comissão. Inversamente, implementada uma ajuda estatal antes de expedida tal decisão, o auxílio deve ser suspenso e, como foi visto anteriormente, o Estado que os concedeu deve recuperá-los do beneficiário. Três observações marcam, portanto, o procedimento nas Comunidades Européias: a) o controle da concessão é, na medida do possível, prévio; b) o controle é feito por um órgão administrativo, isto é, não-judicial; c) a ilicitude de um auxílio pode existir pela simples ausência de autorização, independentemente de provocar prejuízo sobre agentes econômicos.

107

Veja-se, então, que não se cuida de “eliminação” stricto sensu de subsídios; o regime, ao contrário, apenas insere um mecanismo que centraliza a autorização para que sejam concedidos os auxílios. Dito em outros termos, a “harmonização” da política de concessão de subsídios é encargo de um órgão técnico, não-governamental. Conquanto diferente da experiência comunitária, a prática da maior parte dos demais blocos revela, por sua vez, uma forma de “eliminação” de subsídios que, entre eles, é bastante similar. A diferença frente ao Direito Comunitário está, sobretudo, no fato de que: a) o controle não é feito, em geral, de forma prévia; b) o controle é encargo de instâncias judiciais – posterior, portanto; em virtude disso, c) não se pode cogitar de “ilicitude pura” do subsídio quando ausente uma autorização regional para sua concessão. Em suma, a institucionalização do controle da concessão de subsídios na maior parte dos blocos normalmente não ultrapassa o “dever de notificar” aos demais sócios a existência do auxílio. A discordância contra a concessão vinda de outro sócio geralmente não acarreta a impossibilidade da concessão; apenas instiga a negociação. Eis uma espécie de harmonização da política de subsídios que fica a cargo de instâncias políticas. Na medida em que a consulta não implica ceder autonomia para o bloco – antes, apenas estabelece uma regra de boa-fé -, os sócios que se sintam lesados pela concessão do auxílio comumente podem lançar mão de eventual recurso à norma regional que, em termos genéricos, dispõe que “disputas sobre a interpretação das normas” dos

108

acordos podem ensejar a constituição de um órgão judicial, geralmente um tribunal ad hoc. Assim, por exemplo, a “obrigação de consultar”, aliada à manutenção das normas multilaterais (sem aprofundamentos), caracteriza a maior parte dos acordos de integração econômica celebrados pela Área Européia de Livre Comércio (EFTA, da denominação em inglês), apesar da existência de instâncias regionais encarregadas em solucionar as controvérsias. O NAFTA não faz referência à concessão de subsídios em geral; apenas se ocupa dos subsídios à exportação de produtos agrícolas, para determinar um procedimento prévio de consultas170. Se, por um lado, o controle rigoroso dos painéis binacionais é previsto para os casos de aplicação de medidas compensatórias, por outro, as controvérsias nascidas da concessão de subsídios tout court não se submetem ao processo do Capítulo 19171, mas àquele estabelecido no Capítulo 20172.

170

“Article 705: Export Subsidies (...): 3. Except as provided in Annex 702.1, where an exporting Party considers that a non-Party is exporting an agricultural good to the territory of another Party with the benefit of export subsidies, the importing Party shall, on written request of the exporting Party, consult with the exporting Party with a view to agreeing on specific measures that the importing Party may adopt to counter the effect of any such subsidized imports. (...) 4. Except as provided in Annex 702.1, an exporting Party shall deliver written notice to the importing Party at least three days, excluding weekends, prior to adopting an export subsidy measure on an agricultural good exported to the territory of another Party. The exporting Party shall consult with the importing Party within 72 hours of receipt of the importing Party's written request, with a view to eliminating the subsidy or minimizing any adverse impact on the market of the importing Party for that good. (...)”. 171 O Art. 1903 prevê a discussão, em painel bilateral de alterações nas normas domésticas sobre antidumping ou medidas compensatórias, o que, evidentemente, não atinge o problema da concessão dos subsídios. 172 “Article 2004: Recourse to Dispute Settlement Procedures: Except for the matters covered in Chapter Nineteen (Review and Dispute Settlement in Antidumping and Countervailing Duty Matters) and as otherwise provided in this Agreement, the dispute settlement provisions of this Chapter shall apply with respect to the avoidance or settlement of all disputes between the Parties regarding the interpretation or application of this Agreement or wherever a Party considers that an actual or proposed measure of another Party is or would be inconsistent with the obligations of this Agreement or cause nullification or impairment in the sense of Annex 2004.”. A jurisprudência dos painéis constituídos sob a égide do Capítulo. 20 até hoje não contempla nenhum caso de contestação de concessão

109

Da mesma forma como os precedentes, o acordo firmado entre as Comunidades Européias e a África do Sul173 também prevê um mecanismo de consultas, sem prever a eliminação dos auxílios estatais174. Por outro lado, há blocos que, a despeito de manterem a descentralização na concessão de subsídios, aprofundam o marco multilateral ao renunciar a certas espécies, ainda não previstas nesse último, como sucede com os produtos agrícolas. Nesse quadro se situa o Acordo de Parceria Econômica mais estreita entre Nova Zelândia e Cingapura

175

, que renuncia aos subsídios à exportação (proibidos,

conforme o Art. 3º do ASMC), inclusive os incidentes sobre produtos agrícolas (não abrangidos pelo Art. 3º). O Acordo, não obstante, não elimina os subsídios acionáveis (§3º). O “procedimento” das consultas prévias não é esquecido176.

de subsídio. A hipótese é outra quando se cuida dos painéis constituídos conforme o Capítulo 19, que cuida da imposição de medidas compensatórias. Veja-se que o conhecido (e prolongado) Softwood Lumber case, envolvendo Estados Unidos e Canadá originou-se, no plano regional (então no quadro da CUSFTA), a partir da cobrança, pelos EUA, de medidas compensatórias. A respeito do caso, ver GAGNÉ, Gilbert. The Canada-US Softwood Lumber Dispute – An Assessment after 15 years. Journal of World Trade, v. 33, n.1, p. 67-86, 1999. 173 WT/REG113/1 (07.12.2000) - Trade, Development and Co-operation Agreement between the European Community and South Africa. Os Arts. 104 e seguintes cuida da solução de controvérsias. 174 “Article 41. 1. In so far as it may affect trade between the Community and South Africa, public aid favouring certain firms or the production of certain goods, which distorts or threatens to distort competition, and which does not support a specific public policy objective or objectives of either Party, is incompatible with the proper functioning of this Agreement.(...) Article 42. 1. If the Community or South Africa considers that a particular practice is incompatible with the terms of Article 41, (...), the Parties agree, (...), to enter into consultations with a view to finding a mutually satisfactory solution. Such consultations will be without prejudice to the Parties' rights and obligations in terms of their respective laws and international commitments.(...) Article 44. 1. In the absence of any rules or procedures for the implementation of Article 41, the provisions of Article VI and XVI of the General Agreement on Tariffs and Trade 1994 as well as the WTO Agreement on Subsidies and Countervailing Measures shall apply to public aid or subsidies.”. 175 WT/REG127/1 (03.10.2001) - Agreement between New Zealand and Singapore on a closer economic partnership. O Art. 58 trata da solução de controvérsias. 176 “Article 7. Subsidies. 1. The Parties agree to prohibit export subsidies on all goods including agricultural products.; 2. If either Party grants or maintains any subsidy which operates to increase exports of any product from, or to reduce imports of any product into, its territory, it shall notify the other Party of the extent and nature of the subsidisation, of the estimated effect of the subsidisation on the quantity of the affected product or products imported into or exported from its territory and of the circumstances making the subsidisation necessary. In any case in which it is determined that serious prejudice to the interests of the other Party is caused or threatened by any subsidisation, the Party granting

110

O Acordo para a constituição de uma área de livre comércio entre Chile e México177 não faz referência ao regime geral de subsídios. Naquilo que se refere aos subsídios à exportação, entretanto, o acordo aprofunda o regime multilateral (Art. 313)178. A Comunidade Andina, apesar de centralizar o procedimento de imposição de medidas compensatórias, mantém a descentralização no que toca à concessão de subsídios: o Art. 3º da Decisão 330 (1992) estatui que “[d]e conformidad con lo dispuesto en el Artículo 8 de la Decisión 324, los Países Miembros no podrán aplicar mecanismos de apoyo o incentivos, en tanto constituyan subsidios a las exportaciones intrasubregionales.” (grifado). De maneira similar, no acordo que institui a ANZCERTA (Art. 9º, parágrafos 1º e 5º, respectivamente)179: Os Estados-Membros deverão colaborar no sentido da eliminação de todos os subsídios à exportação e incentivos à exportação de bens comercializados na Zona (...). Antes de um Estado-Membro implementar em qualquer subsídio à exportação ou incentivo à exportação não listado no Anexo D deste Acordo uma mudança que possa produzir um efeito significante sobre o comércio da Zona, ele 180 deverá consultar com o outro membro. the subsidy shall, upon request, discuss with the other Party the possibility of limiting the subsidisation. This paragraph shall be applied in conjunction with the relevant applicable provisions of the General Agreement on Tariffs and Trade 1994 (GATT 1994) and the WTO Agreement on Subsidies and Countervailing Measures (WTO SCM Agreement).; 3. The Parties reaffirm their commitment to abide by the provisions of the WTO SCM Agreement in respect of actionable subsidies.”. 177 WT/REG125/1 (27.08.2001) - Free Trade Agreement between Chile and Mexico. 178 “Export Subsidies on Agricultural Goods: 2. Effective 1 January 2003, neither Party shall introduce or maintain any export subsidy on agricultural goods in their reciprocal trade. As of that date, the Parties also renounce the rights conferred under the GATT 1994 to use export subsidies and the rights with respect to the use of such subsidies in their reciprocal trade that may arise from multilateral negotiations on trade in agriculture under the framework of the WTO Agreement.”. 179 O procedimento de concessão de subsídios no quadro da ANZCERTA foi objeto de questionamento recentemente no Comitê. Ver WT/REG111/R/B/1/Add.1 - Australia and New Zealand Closer Economic Relations Trade Agreement (ANZCERTA) – Free Trade Agreement between Australia and New Zealand – Biennal Report on the operation of the Agreement, Addendum (05.12.2001), §7. 180 “The Member States shall work towards the elimination of all export subsidies and export incentives on goods traded in the Area.(...) Before a Member State implements in any export subsidy or export incentive

111

Os exemplos sugerem que a regra para a concessão de subsídios é representada pela existência de um controle regional prévio, ainda que fraco, representado pelo dever de consultar (na verdade, um pouco mais do que notificar) os demais sócios do bloco. Através dessa oportunidade, os membros são convidados a negociar a concessão dos auxílios, o que de certa forma fomenta a formulação ad hoc e pontual da política macroeconômica, algo claramente insatisfatório. De qualquer maneira, em caso de prejuízo, a despeito da consulta, os demais sócios podem recorrer a instâncias regionais de controle posterior, que a maior parte dos blocos regionais também prevê. Apesar de estatisticamente serem reduzidos os casos de apelo contra um “subsídio em tese”181, a sua simples previsão já indica a possibilidade de que a harmonização da política econômica, ainda que em uma base ad hoc, pode ser feita por um órgão técnico. Resulta do que foi dito que a ampla discussão que se trava em torno dos requisitos à compatibilidade de um bloco de integração com o art. XXIV do GATT permite ir somente até o limite das conjecturas razoáveis; maior precisão ainda não é possível de ser alcançada. A análise precedente revela, portanto, que, se as discussões correntes no âmbito do Comitê de Acordos Regionais de Comércio não chegam a debater o que venha a ser “eliminar” as regulações de comércio, a prática dos blocos esclarece que o termo assume uma conotação muito mais processual do que substantiva.

not listed in Annex D of this Agreement a change that may have a significant effect on trade in the Area, it shall consult with the other Member State.”. 181 O segundo laudo expedido pelo Tribunal Arbitral do Mercosul (Laudo sobre subsídios à carne de suínos) é um exemplo raro na jurisprudência de blocos de integração. Ele será analisado quanto a esse particular.

112

Com efeito, os exemplos referidos permitem constatar que, na maior parte dos casos, a norma multilateral (seja de medidas compensatórias ou concessão de subsídios) não é alterada em seu conteúdo; antes, a modificação que os blocos imprimem nos seus regimes de subsídios visa, na verdade, aumentar o número de instâncias e procedimentos regulatórios do tema. Não é sem razão que, conforme assinalado acima, muitas disputas regionais podem acabar provocando igualmente a atuação dos órgãos multilaterais: na medida em que as normas são virtualmente as mesmas, a diferença entre utilizar instâncias regionais ou multilaterais repousa sobre o grau de institucionalização do bloco e da consistência dos compromissos que seus membros assumiram. O capítulo seguinte aborda como o Mercosul se posiciona frente a esse problema. Em outras palavras, impõe analisar em que medida o Mercosul eliminou medidas compensatórias para o comércio intrabloco e harmonizou a concessão de subsídios que possam afetar o comércio dentro da área.

113

II) O REGIME DE SUBSÍDIOS NO MERCOSUL

O estabelecimento de uma zona de livre comércio intensifica a concorrência entre os agentes econômicos instalados nos países que compõem a área, sobretudo se as economias da região forem complementares e se o nível de barreiras tarifárias para o comércio antes da constituição da zona for alto. Desse modo, a eliminação das tarifas produzirá a preferência pelo produto regional, ao invés daqueles que anteriormente eram importados de terceiros países. O avanço da integração econômica, voltada à construção de uma união aduaneira, não altera esse quadro: a tarifa externa comum estabelecida no bloco serve para conter os eventuais desvios de comércio que a disparidade de tarifas entre os membros poderia produzir no comércio extrabloco. Esse argumento é confirmado pela experiência do Mercosul. Tratando-se de uma proposta de integração dita “aberta”, a função da tarifa externa comum não é de dificultar o comércio extrabloco, uma vez que a maioria dos produtos importados pelos países do Mercosul teve, com o estabelecimento (ainda que apenas previsto) da TEC, uma redução nos tributos que eram praticados antes da criação do bloco182. Mesmo ausente um aumento das barreiras tarifárias com a implementação (ou a previsão) da TEC, o argumento da preferência pelo produto regional confirmou-se,

182

BRANDÃO, Antônio Salazar, LOPES, Mauro de Rezende; PEREIRA, Lia Valls. Uma análise quantitativa dos impactos do Mercosul sobre o Brasil. In: BRANDÃO, Antônio Salazar; PEREIRA, Lia Valls (orgs.). Mercosul: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 63.

114

e o fluxo de comércio intrazona demonstrou, com sua elevação, que as tarifas praticadas entre os membros do bloco eram uma significativa barreira183. A importância da consolidação de uma união aduaneira no Mercosul apresenta-se como relevante, na verdade, em virtude do propósito de integrar as economias dos membros como um todo, ao invés de contentar-se apenas com o viés “comercialista” que imprime o estabelecimento de uma zona de livre comércio184. Nesse sentido, é relevante notar que, apesar dos problemas encontrados em consolidar a união aduaneira entre os quatro países, as negociações regionais comerciais conduzidas no âmbito da Área de Livre Comércio das Américas e no quadro do Acordo de Associação Inter-regional com a União Européia são levadas a efeito com a utilização da tarifa externa comum185 (mesmo nos produtos em que ela atualmente não se aplica), algo que denota, no mínimo, a intenção de dar ao processo de integração cores de maior aproximação entre as economias da região.

183

Isso não significa dizer que a existência de uma TEC “proteja” a indústria regional; cuida-se, apenas, do fato de que a tarifa externa comum – como, aliás, qualquer tarifa - pode fazer com que o produto mais barato seja aquele importado sem o pagamento de impostos de importação. Foi justamente o que ocorreu com a indústria brasileira de bens de capital e de informática, que resistiu ao estabelecimento da TEC nos padrões tarifários que tais bens eram praticados na Argentina (zero por cento). A respeito, PEREIRA, Lia Valls. Tratado de Assunção: resultados e perspectivas. In: BRANDÃO, Antônio Salazar; PEREIRA, Lia Valls, op. cit., p. 20. 184 O que, analisado historicamente, representa a principal diferença entre a proposta assentada nas administrações Sarney-Alfonsin para aquela que ganhou corpo nas gestões Collor-Menem. A respeito, FERRER, Aldo. A relação Argentina-Brasil no contexto do Mercosul e a integração sul-americana. Política Externa, v. 9, n. 2, p. 6, 2000; BERNAL-MEZA, Raúl. Os dez anos de Mercosul e a crise argentina: a necessidade de revisar o modelo de integração. Política Externa, v.10, n.4, p. 11, 2002. 185 “Tendo presente as instruções da CAMEX, bem como a conveniência de um prazo adicional para avaliar a consistência da atual Tarifa Externa Comum do Mercosul, o Brasil conseguiu que a tarifa base, no caso do Mercosul, será aquela aplicada em 1 de janeiro de 2004, a ser notificada em 15 de abril de 2003”. “As posições adotadas pelo Brasil na ALCA”. Ministério das Relações Exteriores, Informação à imprensa n. 240, 24.05.2002. Da mesma forma o Comitê de Negociações Comerciais da ALCA estabeleceu, nos métodos e modalidades de negociação de acesso a mercados de bens agrícolas e não agrícolas (FTAA.TNC/20/Ver.1, 18.10.2002), que “[l]as agrupaciones subregionales que tengan un arancel externo común, notificarán este arancel para los fines del arancel base, aunque alguno de los países miembros esté utilizando excepciones temporales al AEC.”.

115

O estabelecimento de uma zona de livre comércio e, a fortiori, de uma união aduaneira, demanda que exista certo nível de co-decisão em torno das questões envolvendo o comércio dos países do bloco. Se a concorrência entre os agentes econômicos que competem no território do bloco será intensificada pela liberalização do comércio regional, convém que as condições de concorrência não sejam artificiais. Eis a necessidade de regras regionais para o tratamento de dumping, por exemplo. O mesmo raciocínio aponta para a necessidade de uma regulamentação das políticas públicas que podem traduzir-se em subsídios às empresas de um país e, portanto, falsear as condições de concorrência em face a outras empresas regionais. Sob essa perspectiva, a necessidade de regulamentar a concessão de subsídios para o comércio intrazona é um desdobramento da harmonização de políticas macroeconômicas que o bloco se propõe a realizar. De fato, a liberalização do comércio na região não equivale a recusa do planejamento do desenvolvimento econômico; não obstante, a integração na zona de livre comércio e a exposição dos agentes econômicos à concorrência impõem que as decisões sobre os auxílios sejam tomadas em conjunto pelos países, e não mais unilateralmente186. Portanto, se as normas regionais deveriam ser OMC/GATT plus, conforme a interpretação do Art. XXIV, GATT, que seja no mínimo sob esse aspecto

186

“(...) a sensibilidade das respostas do setor produtivo em face das diferenças de incentivos reguladores tende a ser mais acentuada em contextos de livre comércio regional. É preciso, então, garantir uma convergência adequada das regulamentações para estabelecer ‘regras de jogo igualitárias’. Para obter essa convergência, a literatura aponta dois tipos de alternativas: competição institucional e harmonização, sendo que, no primeiro caso, não se desenvolvem acordos de harmonização – o mercado ‘seleciona’ as regras mais eficientes, enquanto os outros países são impelidos a adotar essas referências normativas para não sofrerem uma grave perda de recursos produtivos. (...). No caso automotriz, percebe-se, por exemplo, que a decisão brasileira de oferecer incentivos especiais aos investimentos destinados às regiões mais atrasadas (...) e a ameaça argentina de adotar medidas de compensação, evidenciam um mecanismo implícito de competição institucional que leva as empresas automotrizes da região a se beneficiarem com incentivos mais significativos do que se poderia justificar se existisse um esquema adequado de

116

procedimental: enquanto os membros da OMC podem levar a efeito programas de auxílios que, apenas posteriormente (e, em regra, com a condição de causarem prejuízo), serão fiscalizados pela Organização, os membros de um bloco regional - cujas economias estão integradas em maior grau - deveriam adotar regras que subordinassem a concessão de subsídios a mecanismo regional, e não unilateral, de decisão. De que maneira o regime de subsídios do Mercosul imprime esse tipo ideal? Em outros termos, como as normas e órgãos regionais limitam a capacidade decisória unilateral dos sócios em benefício da decisão por um órgão do bloco?187 Ainda que a consolidação da união aduaneira no Mercosul esteja prevista para 2006, é possível medir o grau da institucionalização na convergência de políticas macroeconômicas a partir do microcosmo dos subsídios. O presente capítulo examina o problema em duas partes, considerando, em primeiro lugar, as normas regionais que regem a concessão de subsídios e a imposição de medidas compensatórias (A), com vistas a apontar a margem de “ação unilateral” ainda existente no que diz respeito ao tema. Na segunda parte, a preocupação repousa em assentar as formas de controle estabelecidas para os casos em que a ação unilateral de um sócio do bloco prejudica os interesses de outro (B). Nesse ponto é possível singularizar algo que, na verdade, perpassa toda a análise do regime regional dos subsídios: a relação

harmonização de políticas.” (BEKERMAN, Marta; SIRLIN, Pablo. Harmonização de políticas industriais e padrão de especialização no Mercosul. Contexto internacional, v. 20, n.2, p.522, 1998). 187 Uma pergunta pertinente nessa etapa da integração. “Em face dos desafios externos e dos crescentes constrangimentos de ordem econômica que o bloco vem enfrentando nos últimos anos, os países membros vêem-se frente a um dilema: a necessidade de renunciar ao exercício da discricionalidade na condução de políticas públicas, em um contexto marcado, em grande medida, por incertezas econômicas, para favorecer a pretendida consolidação do Mercosul, precisamente quando, por contingências econômicas domésticas e externas, as autoridades econômicas passam a valorizar essa mesma discricionalidade (sic) para fornecer respostas aos problemas que enfrentam.” (VAZ, Alcides Costa. Mercosul aos dez anos: crise de crescimento ou perda de identidade?. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 44, n.1, p.44, 2001).

117

entre o Mercosul e a OMC. Apontar como são estabelecidos os limites entre as competências de um e outro é a principal tarefa de uma análise jurídica do tema, como anteriormente foi apontado. O exame demonstrará que o grau de coordenação alcançado entre os países do Mercosul, no que respeita ao tema dos subsídios, é o mesmo presente nos demais pontos concernentes à coordenação de políticas macroeconômicas: não ultrapassa o limite da “necessidade de consultar”, na medida em que os Estados mantêm a competência decisória unilateral sobre o assunto. Nesse sentido, a experiência do Mercosul é similar à de vários acordos regionais de comércio, citados no capítulo anterior.

118

A) A REGULAMENTAÇÃO DA CONCESSÃO DE SUBSÍDIOS E DA IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS COMPENSATÓRIAS NO MERCOSUL

As normas que regem o tema dos subsídios no Mercosul são um reflexo das marchas e contramarchas nas quais o processo de integração se desdobrou 188. Nesse sentido, o tratamento do tema espelha as percepções que o processo de integração como um todo suscitou nos agentes que o levaram a efeito: negociadores e juízes, sobretudo, cada qual influindo à sua maneira e representando interesses particulares. Um estudo do regime de subsídios demanda a contextualização da matéria nos dois momentos em que a integração regional no Cone Sul pode ser dividida: a primeira fase, caracterizada pela vigência do Programa de Liberalização Comercial – e a sua extensão com o Regime de Adequação; a segunda fase, que iniciou uma vez encerrado o Regime de Adequação. Para os efeitos da abordagem aqui conduzida, portanto, as fases de implementação da união aduaneira não são tão relevantes quanto aquelas referentes à zona de livre comércio. As regras sobre a matéria, ora partiram da atividade “legislativa” do bloco (designadamente das Decisões do Conselho Mercado Comum), ora foram lançadas por uma parca e hesitante jurisprudência, que, diante das lacunas reinantes ao findar o

188

Os recorrentes avanços e recuos foram devidos, em grande parte, aos problemas macroeconômicos sofridos pelos dois maiores sócios do Mercosul. Nesse rol destacam-se a adoção do Plano de Convertibilidade na Argentina em 1992; a desvalorização do Real, em 1999; a quebra da convertibilidade do Peso, em 2001. O período inicial do Mercosul (primeiros anos do período de transição) foi marcado por uma profusão de medidas de restrição ao comércio Brasil-Argentina, devidas principalmente aos constantes déficites comerciais para a Argentina, que eram alimentados pela soma dos efeitos do Plano de Convertibilidade e da gradual abertura do comércio bilateral, decorrente do Plano de Liberalização Comercial: “(...) a partir de julho de 1993, (...) a Argentina adotou a alíquota zero para a importação de bens de capital, anulando, em termos práticos, as preferências de que usufruíam as exportações brasileiras no seu mercado, em razão do Mercosul, além de mover processos antidumping contra mais de vinte produtos da pauta comercial com o Brasil e impor quotas às importações de papel, têxteis e

119

Regime de Adequação, oscilou entre a ousadia de adotar decisões mais liberalizantes e a timidez de manter as medidas que vigoravam na primeira fase. Muitos momentos do processo de integração refletiram a predominância da visão que os juízes tinham acerca do mesmo, o que foi permitido pelas omissões dos outros atores participantes da integração, os negociadores que produzem as normas regionais189. De qualquer maneira, uma tarefa de construção por analogia e com grande dose de especulação é a nota recorrente que caracteriza o exame das regras sobre subsídios e medidas compensatórias no Mercosul. A análise que será empreendida parte da caracterização do cronograma e alcance da eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias na primeira fase, para que se possa definir a profundidade da integração em seu momento inicial e a perspectiva que lançou para o futuro (A.1), tema que foi objeto de interpretação pelos tribunais arbitrais. Em segundo lugar segue o exame específico do tratamento das medidas compensatórias e dos subsídios no período que se estende do fim do Regime de Adequação até o advento da Decisão 64/00 (uma etapa que inicia com o chamado “Relançamento do Mercosul”, no primeiro semestre de 2000), a partir do qual ficam definidos os procedimentos de investigação com vistas à imposição de medidas compensatórias para o comércio intrazona (A.2), a despeito das suas lacunas.

petroquímicos.”(VAZ, Alcides Costa. Cooperação, integração e processo negociador: a construção do Mercosul. Brasília: FUNAG-Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, 2002, p. 207). 189 Constatação que comprova que, em um processo de integração econômica regional, as percepções dos atores que o conduzem podem ser contemporaneamente diferentes, o que caracteriza a denominada perspectiva “sincrônica” da integração regional. A respeito, OLIVEIRA, Amâncio Jorge; SENNES, Ricardo Ubiraci. Teoria sincrônica da integração regional: matrizes teóricas e percepção das elites do Mercosul. Contexto internacional, v. 23, n.1, p. 77-100, 2001. A análise do processo de integração através das perspectivas de juízes e negociadores – isto é., das visões legalistas e políticas da condução da formação de um bloco – é feita neste exame com a mesma preocupação de destacar as eventuais inclinações de policy-making que, em relação à Corte de Justiça das Comunidades Européias, apontaram Anne-Marie Slaughter (Burley) e Walter Mattli (Europe before the Court: a political theory of legal

120

É no fim da primeira etapa do processo de integração que se desenvolve a jurisprudência do Tribunal Arbitral, em um ambiente de pobreza normativa. Ao final do segundo período, atinge-se o marco normativo que atualmente disciplina a matéria e que traduz, de certa maneira, uma reação “legislativa” ao caminho liberalizante que a jurisprudência ameaçava trilhar. Trata-se, em outros termos, da “derrubada”, pelos “negociadores”, da percepção que os juízes tinham do processo de integração e que os laudos até então proferidos aparentemente iam assentando como normas.

A.1) O Programa de Liberalização Comercial e o Regime de Adequação

O Tratado de Assunção adotou, em seu Anexo I190, um Programa de Liberalização Comercial cuja finalidade era reger o comércio do bloco durante o Período de Transição, momento preparatório da etapa de constituição do mercado comum, previsto inicialmente para após 31 de dezembro de 1994. O Programa estabelecera a eliminação de todos os entraves ao comércio intrazona até essa data: às barreiras tarifárias, previa-se um mecanismo de redução progressiva, linear e automática; às barreiras não-tarifárias, por sua vez, previa-se sua eliminação tout court até a data de ingresso na segunda fase. Sobre as últimas, o Art. 10 do Anexo I dispunha: Os Estados-Partes somente poderão aplicar até 31 de dezembro de 1994, aos produtos compreendidos no programa de desgravação, as restrições não-tarifárias expressamente declaradas nas Notas Complementares ao Acordo de Complementação que os Estados-Partes celebram no marco do Tratado de Montevidéu de 1980. integration. International Organization, v. 47, n.1, pp. 41-76, 1993; e Revisiting the European Court of Justice. International Organization, v. 52, n.1, pp. 177-209, 1998). 190 Em decorrência da remissão que é feita no Art. 5º, alínea (a) do Tratado de Assunção.

121

A 31 de dezembro de 1994 e no âmbito do Mercado Comum, ficarão eliminadas todas as restrições não-tarifárias.191

Com um toque de pioneirismo, o Anexo estabelecera em seu artigo 2º, alínea (b), o alcance do conceito restrições. Assim, entenderam-se (...) por ‘restrições’, qualquer medida de caráter administrativo, financeiro, cambial ou de qualquer natureza, mediante a qual um Estado-Parte impeça ou dificulte, por decisão unilateral, o comércio recíproco. (...) (grifado)

A normativa regional, portanto, a par de definir uma acepção ampla ao termo192, preenche uma lacuna detectada na interpretação do Art. XXIV, GATT: enquanto a regra multilateral deixa de especificar o que entende por restrictive regulations of commerce, a citada norma regional lança sua definição de “restrições”. Aliás, a maneira ampla como a normativa regional define o termo “restrições” permite abranger indistintamente tanto as medidas que possam impedir o comércio intrazona, como é o caso das salvaguardas, quanto aquelas que dificultem o comércio intrazona, o que torna possível adjetivar desde as medidas compensatórias até a concessão de subsídios como sendo “restrições”193.

191

“El programa de liberación (...) se forma indisolublemente com la vertiente arancelaria y la no arancelaria.(...) Advirtiendo sus características diferentes, no se impone un mismo mecanismo para llegar al desmantelamiento de unas y otras restricciones. (...). En el caso de las RNA [restrições não-tarifárias], reconociendo implícitamente las dificultades de su desarme no se fija un procedimiento específico para hacerlo efectivo. Pero se dispone que ha de estar totalmente cumplido en la misma fecha que el desarme arancelario.” (Laudo sobre os Comunicados n. 37 e 7 do DECEX e da SECEX, em torno de medidas restritivas ao comércio (Laudo Comunicados DECEX),§68). 192 Laudo Aplicação de Medidas Antidumping contra a exportação de frangos inteiros, provenientes do Brasil (Laudo Frangos), §135). 193 A definição das “restrições”, aqui, equivale à de barreiras não-tarifárias, acerca do alcance das quais, no atual marco das negociações da Rodada de Doha, não há consenso. Assim, “[t]ais negociações se vêem deficultadas pela ausência de uma definição clara e precisa do que constitui uma barreira não-tarifária. De forma algo simplista, pode-se indicar que estas englobam qualquer barreira ao comércio que não sejam tarifas.” (“Carta de Genebra”. Informativo sobre a OMC e a Rodada de Doha produzido pela Missão brasileira em Genebra, ano 1, vol. 6, p.7, julho de 2002). Pode-se dizer, a partir da interpretação dada ao conceito de “restrições” no âmbito do Mercosul, que o bloco acabou por adotar a interpretação “simplista” do conceito.

122

Aparentemente, o tratamento equivalente dispensado às medidas que, indiferentemente às razões de sua aplicação, produzissem o efeito de “restringir” o comércio regional, desponta como a principal razão às hesitantes posições adotadas, posteriormente, pela jurisprudência. Isso não apenas causa espécie em uma análise doutrinária, como revela que as etapas do processo de integração foram planejadas sem cuidado maior quanto às diferenças que existem entre as várias medidas que podem provocar a restrição do comércio - e dos vários motivos que podem fundamentar seu emprego; ao contrário, a lógica parece ter sido a de, alcançada a data prevista, eliminadas deveriam ser as barreiras. Essa será a interpretação dada pela jurisprudência. Na fase final do Período de Transição, a Decisão 03/94 assentou um regime para o tratamento das barreiras não-tarifárias, que as dividia entre medidas passíveis de harmonização e medidas que deveriam ser eliminadas. Entretanto, o regime deveria valer apenas até o advento da etapa posterior, a constituição do mercado comum194. Assim, o Art. 2º determinava: Aprobar la propuesta de clasificación, en armonizables o eliminables, de las restricciones a las importaciones incluidas en el Anexo I. El proceso de armonización y eliminación de estas medidas deberá quedar concluido al 31/12/94.

Entretanto, o Período de Transição e, conseqüentemente, o Programa de Liberalização Comercial tiveram sua vigência estendida, para o conjunto do bloco, até 31

194

A Decisão acabou mostrando-se inútil, diante das dificuldades de negociação sobre a matéria: “Em face da complexidade do tema, das solicitações de adiamento de prazos para realização de estudos e também da dificuldade dos países em suplantar esse tipo de medida, visto que muitas delas dependeriam de discussão parlamentar, e, por fim, da resistência política dentro dos governos e de setores nãogovernamentais, não se alcançou o objetivo de eliminar ou harmonizar as barreiras não-tarifárias ao comércio intra-Mercosul.” (VAZ, op. cit., p. 215).

123

de dezembro de 1999195, com o advento da Decisão 05/94, que estabeleceu um Regime de Adequação Final à União Aduaneira196. O artigo 1º previa: Una interpretación armónica del sistema, congruente y no contradictoria con los fines y objetivos declarados y acordados por las Partes, lleva a que el desmantelamiento NA [não-tarifário] ha de ocurrir necesariamente en paralelo con el arancelario (...) Ello deberá ocurrir a más tardar el 31-12-99, fecha en la que se completa el programa de liberación comercial luego de la revaluación del MERCOSUR realizada por los Estados Partes197

Desse modo, as restrições não-tarifárias vigentes em 31 de dezembro de 1994 puderam ser estendidas até o fim de 1999. Encerrado o Regime de Adequação, contudo, as restrições não-tarifárias em geral – as medidas de salvaguardas e os instrumentos de defesa comercial, em especial - não se encontravam regulados por nenhuma norma que estabelecesse seu regime para essa segunda etapa198. Diante desse vazio normativo, a jurisprudência regional - que começa a formar-se nesse momento199 - assume a função de preencher os espaços deixados em

195

Para Brasil e Argentina, o Regime findou em 1º de janeiro de 1999. O Regime de Adequação resulta de proposta brasileira ao pedido argentino de garantir alguma proteção a setores de sua economia expostos à concorrência de produtos brasileiros em virtude da abertura advinda com o Programa de Liberalização Comercial. Assim, ao invés da proposta de acordos de ajuste estrutural, que implicariam a criação de “instrumentos fiscais, financeiros e de política comercial que teriam como objetivo corrigir efeitos econômicos indesejados gerados pelo processo de integração econômica”, o Brasil sugeriu que se autorizassem exceções à desgravação linear que decorria da incidência do Programa, o que redundou no Regime de Adequação (VAZ, op. cit., p. 237). 197 Laudo Comunicados DECEX, op. cit., §79. 198 O que é uma resultante dos impasses verificados nas discussões, no ano de 1994: “(...) preocupada com os efeitos da concessão de subsídios e outras formas de ajuda estatal, sobre a competitividade da produção brasileira, a Argentina defendia maior rigor no tratamento de subsídios e outras ajudas que distorcessem as condições de concorrência no Mercosul e propugnava que todas as empresas (públicas ou privadas) pudessem ser alcançadas pelas normas que fossem fixadas no Mercosul sobre o tema. O Brasil discordava desse posicionamento sob a alegação de que razões de ordem constitucional impediam que empresas estatais, governamentais ou com participação estatal, pudessem ser alcançadas por essa normativa comunitária. A Argentina demandou também, com apoio dos dois sócios menores, que o regime de defesa da concorrência no Mercosul incluísse medidas antidumping de aplicação geral e direitos compensatórios (...), enquanto o Brasil considerava um erro conceitual cogitar-se da adoção de tal tipo de mecanismo para o comércio intra-Mercosul.” (VAZ, op. cit., p.217). 199 O primeiro laudo expedido, Comunicados DECEX, é de 28 de abril de 1999. 196

124

aberto. O Laudo sobre os Comunicados nº 37 e 7 do DECEX e da SECEX, em torno de medidas restritivas ao comércio (Laudo Comunicados DECEX) já dispunha que: las licencias no automaticas solamente son compatibles com el sistema normativo del MERCOSUR en tanto correspondan a medidas adoptadas bajo las condiciones y con los fines establecidos en el artículo 50 del 200 TM 80 [Tratado de Montevidéu] (...)

Com mais ousadia, o terceiro laudo, Aplicação de Medidas de Salvaguardas sobre Produtos Têxteis (Laudo Salvaguardas201), determina que, após 1º de janeiro de 1999, o comércio intrabloco (para Brasil e Argentina) deveria ser livre, de maneira que, naquele caso, a imposição de salvaguardas não se mostrava possível: (...) el Tribunal considera que, como resultado de la implementación del Programa de Liberación Comercial y del hecho de haber alcanzado el libre comercio intra-zona, el uso de medidas de salvaguardias ya se encontraba 202 prohibido desde el momento en que se alcanzaron estas últimas.

Sob a ótica do dictum acima, a partir do término do Regime de Adequação, não se poderia verdadeiramente falar de um vazio normativo; antes, a ausência de normas específicas, regulamentando os procedimentos sobre salvaguardas (o que pode ser estendido, por analogia, para antidumping e medidas compensatórias), significava ratificar a vigência de uma regra geral, a saber: que após 1º de janeiro de 1999 (para Brasil e Argentina) atingira-se o livre comércio no bloco. Nessa linha de raciocínio, o mesmo laudo assenta a regra de que uma exceção ao regime de livre comércio deve ser expressa: (...) en tanto los miembros de MERCOSUR no hayan actuado en forma conjunta para acordar en forma expresa la aceptación de medidas 200

Conclusões, § 85, inciso X. Título III, n.3. O laudo foi pronunciado em 10 de março de 2000. 202 Um importante efeito que se pode creditar a esta decisão foi que, sem o dizer expressamente, confirmou o argumento de que as medidas de salvaguardas devem ser abolidas nas zonas de livre comércio e nas uniões aduaneiras. Dito em outros termos, significa considerar que as exceções do §8º do Art. XXIV do GATT são exaustivas e, portanto, não abrangem as salvaguardas (que se encontram previstas no Art. XIX, que não é mencionado como uma das exceções). 201

125

restrictivas al comercio, los Estados miembros estarán inhibidos de aplicar tales medidas en forma unilateral. De esta premisa el Tribunal concluye que hasta tanto no haya una norma expresa a contrario, prevalece el principio de la libertad de comercio entre los miembros del MERCOSUR. Por todo lo antes expuesto, el Tribunal entiende que no existe base jurídica para la imposición de salvaguardias sobre productos textiles dentro del MERCOSUR. Esse basamento jurídico es un requisito necesario que se infiere de la prohibición genérica contenida en el Artículo 5 del Anexo IV del Tratado de Asunción.203

O caso assenta um importante exemplo de como a percepção dos juízes diferia daquela que tiveram os negociadores do processo de integração e, nesse particular, a decisão no Laudo Salvaguardas, sem dúvida nenhuma, foi ousada: diante da falta de normas específicas, em virtude da inação dos “negociadores” – que não haviam produzido regra para após o Regime de Adequação 204 -, os juízes assumiram o papel de “guardiães” do propósito livre-cambista de Assunção e impediram o emprego de salvaguardas205. Note-se que o dictum não pune a falta de comunicação aos demais membros; vai mais além, já que impede a própria utilização da medida. Contudo, nesse ambiente em que inexistiam normas regionais expressas, autorizando a imposição de medidas como salvaguardas, antidumping e medidas compensatórias, qual o papel ocupado pelas normas OMC? Poderiam as normas multilaterais servir como as próprias normas regionais expressas?

203

Título III, letra H, n. 3. O problema, na verdade, acompanha o processo de integração desde seu início: “A eliminação de barreiras não-tarifárias foi, desde o início do processo, um dos temas que mais conflitos despertou e de maior complexidade” (VAZ, op. cit., p. 198). 205 A decisão do Laudo Salvaguardas foi pronunciada em um momento de impasse institucional no bloco, que Félix Peña categorizou como sendo o terceiro período do processo de integração no Mercosul.:“(...) o terceiro período (...) em decisões que foram adotadas ou deixaram de ser adotadas em Ouro Preto (por exemplo, em matéria de restrições não-alfandegárias e de salvaguardas) e na falta de avanços em matéria de coordenação macroeconômica em nível setorial – e que se estende até, pelo menos, o primeiro semestre de 2001. É um período em que ficam claras as deficiências institucionais, a baixa qualidade das regras de jogo e uma crescente debilitação das preferências econômicas e das disciplinas coletivas, elementos que são essenciais nesse tipo de processo de integração voluntária entre nações soberanas.” (Mercosul: 204

126

A rigor, não haveria objeção a opor ao argumento. Com efeito, o Art. 19 do Protocolo de Brasília é praticamente único em relação ao direito dos demais blocos regionais por prever que o Tribunal Arbitral poderá lançar mão dos princípios e disposições de direito internacional aplicáveis à matéria. Dessa forma, as normas multilaterais poderiam ter aplicação sobre litígios intrabloco. Aliás, a jurisprudência do Tribunal Arbitral é praticamente unânime em reconhecer essa possibilidade206. A existência do Art. 19, assim, evitaria que no Mercosul fosse travada a mesma discussão que, no Direito Comunitário europeu, tem lugar em torno do efeito direto das normas OMC, em que, até hoje, as normas multilaterais precisam ser mencionadas pelas normas comunitárias para que possam ter aplicabilidade no âmbito da União207. Se, por um lado, a existência do Art. 19 é salutar porque autoriza a aplicação de normas multilaterais sobre conflitos regionais, por outro, o artigo não explicita a relação entre a norma regional e a norma multilateral. Em outros termos, nada refere o Art. 19 sobre o eventual caráter subsidiário de uma em relação à outra. Transplantando essa constatação para o marco da definição da norma aplicável sobre salvaguardas, antidumping e medidas compensatórias no Mercosul, após o Regime de Adequação, o que se pode concluir?

análise de uma década e tendências para o futuro. Política Externa, v.10, n.1, p.12, 2001, grifado). Aqui, o papel desempenhado pelos juízes talvez tenha tido em conta essas deficiências e procurado saná-las. 206 Laudo Subsídios brasileiros para a produção e exportação de carne de suínos (Laudo Carne de Suínos) §§56-7; Laudo sobre as restrições de acesso ao mercado argentino de bicicletas uruguaias (Laudo Bicicletas) §3.1; Laudo Frangos, op. cit., §159. 207 Sobre os últimos desenvolvimentos em torno do assunto, a partir do caso Portugal contra Conselho (C-149/96, Recueil p. I-8395), ver BERROD, Frédérique. La Cour de Justice refuse l´invocabilité des accords OMC: essai de régulation de la mondialisation. Révue Trimestrielle de Droit Européen, v.36, n.3, p. 419-450, 2000.

127

Encerrado o Regime de Adequação, conviviam tanto a norma regional (de criação pretoriana) que estabelecia o livre comércio intrabloco (salvo as exceções que fossem expressas) quanto as normas multilaterais, que regiam essas barreiras nãotarifárias; aliás, no Laudo Salvaguardas, a argumentação argentina seguia esse passo: invocava a inexistência de norma regional como justificativa para lançar mão do disposto no Acordo de Têxteis e Vestuário da OMC. Porém, como visto acima, o Art. 19 não prevê uma regra para resolver essa antinomia, e o próprio Laudo Salvaguardas cria uma norma para esse conflito208: A criterio del Tribunal no hay suficiente evidencia que demuestre que la normativa MERCOSUR existente no deberá aplicarse a las salvaguardas impuestas por Argentina. Por tal razón el Tribunal entiende que no hay un ‘vacío legal’ que haria necesario o posible el recurrir a otras normas del derecho internacional como ser la expresada en el Artículo 6 del ATV (...) Bajo las circunstancias dadas y en consideración de la existencia de normativa MERCOSUR (Artículo 5 del Anexo IV del TA), es necesario que exista una norma explícita acordada entre los Estados miembros del MERCOSUR para que pueda recurrirse unilateralmente al Artículo 6 del ATV. (grifado)

Conforme essa regra de antinomia criada pelo Tribunal, a prevalência é dada à norma regional, nos termos de que a norma multilateral só será aplicada intrabloco: a) se houver vazio normativo regional ou, se b) existente norma regional, essa faça remissão expressa à norma multilateral209. Involuntariamente, ao que parece, o Tribunal acabou por assentar em parte, no âmbito do Mercosul, regra de antinomia similar àquela adotada pela jurisprudência comunitária. De fato, como foi salientado, a jurisprudência da CJCE - que remonta à década de 70 - estabelece que as normas multilaterais apenas podem ser

208

Título III, letra I. E, então, apenas nesse caso seria aplicada no Mercosul a regra da falta de efeito direto às normas OMC. Por essa razão, ainda, o Laudo Frangos estendeu indevidamente a interpretação do precedente ao dizer que 209

128

invocadas, tanto em litígios envolvendo Estados quanto em litígios envolvendo particulares, quando uma norma comunitária a ela fizer expressa referência. O Laudo Salvaguardas, sem remissão aos precedentes europeus (o que seria despropositado), reconhece a necessidade da remissão; no entanto, não explica o porquê, como faz a Corte de Justiça. A inovação do Laudo, entretanto, está em determinar que a norma multilateral é invocável se inexistir norma regional, algo que a jurisprudência comunitária não permite. No caso analisado, contudo, o posicionamento “ousado” do Tribunal afastou a idéia da lacuna no direito regional. Feita a análise do marco normativo existente às barreiras não-tarifárias após terminado o Regime de Adequação, a partir de sua interpretação jurisprudencial, convém especificar o exame e buscar responder à seguinte indagação, que pautará a análise deste capítulo: de que maneira a jurisprudência acumulada nos laudos arbitrais contribui para definir as normas aplicáveis sobre medidas compensatórias e subsídios no Mercosul quando do início da segunda fase da integração, isto é, logo após o fim do Regime de Adequação?210 “la aplicación de normativa OMC como normativa Mercosur es posible sólo por remisión expresa a aquélla de una norma del Mercosur.” (§130). 210 O Protocolo de Defesa da Concorrência no Mercosul (Decisão 18/96) ressalva sua não-incidência sobre as ajudas estatais. Nos debates sobre a redação do texto do que depois veio a se tornar a Decisão, a delegação argentina fez expressa menção de que condicionaria a aprovação do texto à manutenção da prerrogativa de aplicar as normas da OMC pertinentes: “A delegação da Argentina manifestou sua disposição de aprovar o Protocolo de Defesa da Concorrência, desde que sua aprovação seja acompanhada dos seguintes compromissos entre os Estados-Partes: enquanto não entrar em vigor a normativa comum sobre Ajudas de Estado, os Estados-Partes reservam-se o direito de aplicar ao comércio intrazona sua legislação nacional em matéria de subsídios e direitos compensatórios, em conformidade com as disposições do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. Enquanto não entrar em vigor a normativa comum sobre Ajudas de Estado que distorçam a concorrência, poderão ser submetidas aos procedimentos previstos no Protocolo de Brasília e no Protocolo de Ouro Preto as controvérsias que surjam em razão de Ajudas de Estado que sejam incompatíveis com o Tratado de Assunção, os Acordos celebrados no âmbito do mesmo, as Decisões do CMC, as Resoluções do GMC ou as Diretivas da CCM. As delegações do Brasil, do Paraguai e do Uruguai recordaram, a propósito, que, no que se refere ao Acordo sobre Subsídio e Medidas Compensatórias da OMC, não existe nenhuma norma do Mercosul que exclua o direito dos Estados-Partes de recorrer a este instrumento e manifestaram que não conseguem perceber conexão temática entre o projeto de Defesa da Concorrência e esse instrumento

129

A.1.1) As regras para imposição de medidas compensatórias

Não há precedente do Tribunal Arbitral que envolva a discussão em torno das medidas compensatórias. A referência para o assunto, empregada por analogia, é o Laudo Frangos que se ocupou da imposição de direitos antidumping, na quarta oportunidade em que controvérsias regionais tiveram solução judicial. No entanto, convém partir do marco normativo estabelecido desde o art. 4º do Tratado de Assunção. A segunda parte da norma estabelece que “(...) os EstadosParte coordenarão suas respectivas políticas nacionais com o objetivo de elaborar normas comuns sobre concorrência desleal”. A regra é um exemplo de soft law: nenhuma obrigação decorre para os Estados no sentido de adotar um marco comum sobre concorrência desleal. Especificamente, da interpretação razoável do art. 4º não deriva qualquer indício de que, no período posterior ao Regime de Adequação, os Estados renunciariam ao emprego de instrumentos de defesa comercial. Ao contrário, a norma apenas estabelece um programa de ação; omite-se, não obstante, de prescrever o que ocorreria se o programa não fosse cumprido pelos Estados. Entretanto, ainda que aplicado para um caso de direitos antidumping, o Laudo Frangos estendeu enormemente a razoabilidade da interpretação da regra do art. 4º ao determinar que La segunda parte del mismo artículo 4 dispone que ‘paralelamente’ los EPM ‘coordinarán sus respectivas políticas nacionales, con el objeto de elaborar normas comunes sobre competencia comercial’. O sea que, con de defesa comercial(...).” (Ata da II Reunião Extraordinária da Comissão de Comércio do Mercosul, 12.11.96, disponível no site ).

130

respecto al llamado dumping intrazona, el TA no autoriza medidas unilaterales bajo la legislación nacional a fin de inhibir 211 importaciones cuyo precio estuviera afectado por esa prática.

(grifado) Em outros termos, aquilo que o art. 4º omite, o Laudo interpretou como um sinal da intenção dos Estados em proscrever o uso de instrumentos de defesa comercial, uma vez iniciada a segunda etapa do processo de integração. Na falta de normas que regessem o antidumping intrazona após o fim do Regime de Adequação, o Tribunal entendeu melhor seguir a linha de interpretação teleológica que os precedentes já haviam assentado, não sem algum exagero. Seguiu, assim, a linha estabelecida desde o laudo anterior, Salvaguardas. Destarte, conforme os precedentes anteriores, o Tribunal assentou no caso Frangos: Como todo acuerdo que ya ha alcanzado el nível de área de libre comercio y está en camino a completar una unión aduanera, el sistema MERCOSUR tiene por objetivo eliminar las barreras al comercio entre sus miembros. Toda interpretación por parte del Tribunal estará en concordancia con estos propósitos que representan el objeto y fin de los acuerdos de base, por lo tanto toda interpretación debe promover más que inhibir aquellos propósitos. 212 (grifado)

Diante da falta de normas regionais expressas, dispondo sobre a possibilidade de aplicação de direitos antidumping para além do Regime de Adequação, o Laudo Frangos adota a “regra de antinomia” estabelecida no Laudo Salvaguardas e entende que, desse modo, vigora a regra geral da liberalização do comércio. Assim, o Tribunal adota uma postura “teleológica-liberalizante” para o problema do antidumping e assenta que: (...) el TA [Tratado de Assunção] no incluye la aplicación de medidas antidumping intrazona entre los instrumentos a los que reconoce vigencia durante el período de transición o más allá de éste y que son, o 211 212

§ 143. Laudo Salvaguardas, op. cit., Título III, letra C.

131

pueden llegar a ser, restricciones al comercio regional según la muy amplia definición de restricciones que proporciona el artículo 2 del Anexo I al TA. Tales son los casos de las normas de orígen y la aplicación de salvaguardias expresamente reconocidas o las medidas no comerciales permitidas por el artículo 50 del TM 80. Solución ésta que el Tratado no recogió para el llamado antidumping intrazona ni siquiera durante el período de transición.213 (grifado)

Logo após, sem deixar de causar alguma surpresa, o Tribunal “percebe” que a normativa regional, vigente após o Regime de Adequação, não contempla um marco comum para reger a aplicação de direitos antidumping no bloco e que os Estados continuam - desse modo ou apesar disso -, aplicando suas normas internas: La especialidad del caso en el Mercosur es que por un lado las medidas antidumping intrazona, como restricciones a la libre circulación de bienes, son incompatibles con la normativa que consagra a esta última y por el otro lado no existen ni normativa ni órganos comunes para aplicar una efectiva defensa de la competencia. Situación en cuyo contexto los EPM, de hecho, han continuado aplicando en esos casos sus respectivas legislaciones antidumping en el comercio 214 intrazona. (grifado)

Após essa evidente hesitação, o Tribunal adota, ao final, um posicionamento que, aparentemente, torna inútil toda a argumentação que desenvolvera inicialmente, ao estabelecer que o controle que lhe compete exercer repousa apenas sobre a verificação de vícios no procedimento de investigação e imposição dos direitos antidumping, na suposição de que o caráter restritivo dessas medidas decorrem apenas dos casos em que são aplicadas em violação a regras procedimentais administrativas: 167) (...) corresponde al Tribunal Arbitral decidir si la investigación por dumping y las medidas antidumping tomadas como culminación del procedimiento en el caso de autos (...) constituyen una restricción a la libre circulación de bienes consagrada en la normativa Mercosur. (...)

213 214

§ 144. § 153, grifado.

132

168) (...) En otras palabras, en una función claramente jurisdiccional el Tribunal debe determinar si ha existido un simulacro en las formas para lograr un objetivo de bloqueo a la libre circulación (...) (...) 212) Tarea ésta que no incumbe al Tribunal cuya jurisdicción recae en la apreciación de si el procedimiento y las medidas que surgen de él han sido empleados como un medio ilícito de restricción a la libre circulación de bienes en el ámbito del Mercosur” (grifado)

Isso quer dizer que, diante da inexistência de normas regionais, e reconhecendo que deveria aplicar normas para reger a aplicação de remédios antidumping – já que a prática dos Estados-Membros assim determinava -, o Tribunal nem mesmo se preocupou em analisar as normas multilaterais específicas assentadas pelo Acordo antidumping da OMC. Ao contrário, resolveu que seu termo de referência para apreciar a ilegalidade no caso estaria em um vício procedimental. O que entender, a partir do Laudo Frangos, quanto ao regime geral das barreiras não-tarifárias (entendidas nos termos do conceito de “restrições”, vigente no bloco e aplicado pela jurisprudência)? Em síntese apertada, o Tribunal ameaçou seguir a linha do precedente do Laudo Salvaguardas (em que as medidas restritivas foram proibidas); porém, por alguma razão - não revelada na motivação da decisão -, mudou a argumentação e reconheceu que, mesmo findo o Regime de Adequação, os Estados mantêm a prerrogativa de aplicar seus instrumentos domésticos de defesa comercial, na ausência de regras regionais a respeito. Nesse sentido, o Laudo Frangos é uma “quebra” na continuidade que poderia ter sido dada à ratio decidendi do caso Salvaguardas: o valor dado ao “silêncio” da normativa regional vigente após o Regime de Adequação é radicalmente oposto entre as decisões, a despeito das considerações inutilmente desenvolvidas no Laudo Frangos.

133

Apesar da possibilidade de debate em torno da interpretação que o Tribunal deu para o problema das barreiras não-tarifárias, impõe-se reconhecer que o Laudo Salvaguardas é coerente porque não apenas sustenta estar em vigor o livre comércio após o Regime de Adequação como, sobretudo, culmina por decidir pela impossibilidade de empregarem-se salvaguardas. O Laudo Frangos, ao contrário, inicia trilhando o caminho aberto pelo seu precedente; termina, contudo, voltando atrás ao aceitar a aplicação do antidumping pelos Estados, tudo a partir de argumentos que não explicitam, razoavelmente, os motivos dessa mudança. O Laudo Frangos provocou uma confusão que não foi desfeita pelos demais laudos, que não se ocuparam de questões similares: o Laudo Bicicletas dizia respeito à violação das normas sobre origem; o Laudo Arbitral de Produtos Fitossanitários abordou a necessidade de internalização de normas regionais; o Laudo Pneus215 trouxe à discussão a renúncia tácita (estoppel) em adotar medidas restritivas à importação; por fim, o Laudo Cigarros discutiu o tratamento tributário interno de mercadorias provenientes de outros países do bloco. Nesse cenário vigente durante o início da segunda fase do processo de integração, o que poderia ser dito acerca da aplicação de medidas compensatórias? O Laudo Frangos efetivamente desnorteara qualquer interpretação que pudesse ser feita a partir do raciocínio lançado pelo Laudo Salvaguardas. Se o precedente fosse confirmado, o Laudo Frangos deveria ter mantido seu raciocínio inicial até a decisão proferida. Desse modo, as medidas antidumping seriam vedadas na ausência de

215

Laudo sobre proibição de importação de pneus recauchutados procedentes do Uruguai (Laudo Pneus).

134

normas regionais dispondo expressamente em contrário, como ocorreu com as salvaguardas; o mesmo, portanto, poderia ser dito das medidas compensatórias. Por outro lado, se o Laudo Frangos reconheceu enfim a possibilidade de os membros aplicarem instrumentos de defesa comercial contra importações do bloco, por que razão fez as considerações sobre o livre comércio após o fim do Regime de Adequação? Quaisquer que tenham sido as razões do Tribunal para fazer as observações que logo desprezou, a despeito do exercício inútil de retórica encontrado nos primeiros parágrafos de sua fundamentação, o Laudo Frangos converge para uma lógica que a então recente Decisão 64/00 procurava destacar: a competência para aplicar as medidas de defesa comercial repousa sobre os Estados, mesmo após o fim do Regime de Adequação216. A Decisão, uma clara “reação legislativa” - feita pelos “negociadores” -, contra uma linha jurisprudencial que poderia ter-se iniciado com o laudo Salvaguardas, teve sua aplicação afastada para o caso por não haver ainda entrado em vigor217. Atualmente, portanto, o risco da interpretação judicial “ousada” é circunscrito, em virtude de os Estados manterem a competência para aplicar medidas compensatórias contra os parceiros do bloco. O regime da Decisão 64/00 para as investigações domésticas sobre a existência de subsídios e a imposição de medidas compensatórias será analisado adiante, juntamente com a regulamentação atual da matéria.

216

Ver o numeral 1.3, alínea c, fine: “O procedimento previsto no presente esquema não impedirá, em nenhum caso e sob nenhuma circunstância, que as autoridades do país importador apliquem medidas antidumping ou compensatórias.”.

135

A.1.2) As regras à concessão de subsídios

Se o conceito de “restrições” adotado pelo artigo 2º, b, do Anexo I ao Tratado de Assunção fosse interpretado no sentido amplo em que está redigido, a própria concessão de subsídios estaria provavelmente vedada, na medida em que, em algum grau, dificulta o comércio recíproco; desse modo, se a interpretação lançada no caso Salvaguardas fosse aplicada para esse campo, a concessão de subsídios poderia ver-se também proscrita. Diferentemente das medidas compensatórias, contudo, a concessão de subsídios é objeto de uma norma regional que disciplina a matéria desde o fim do Período de Transição. A Decisão 10/94 cuida de harmonizar a concessão de incentivos às exportações feitas pelos membros do blocos218. Uma análise da Decisão, à luz da interpretação jurisprudencial que arriscava formar-se a partir do Laudo Salvaguardas, permite dizer que há, no que diz respeito ao campo dos subsídios, duas diferenças que autorizam distinguir o seu tratamento daquele que poderia ter sido dispensado pela jurisprudência, por analogia, às medidas compensatórias. Em primeiro lugar, a existência de uma norma, lidando especificamente com a matéria, impede que a “regra geral” da liberalização do comércio intrazona seja aplicada para proscrever a concessão de subsídios, o que, repete-se, poderia muito bem

217

§ 112. O Art. 4º da Decisão estabeleceu que suas regras apenas incidiriam sobre as investigações iniciadas com base em petições admitidas a partir de 1º de julho de 2001, enquanto o Laudo foi proferido em 21 de maio de 2001. 218 A Decisão 10/94 foi registrada na ALADI como sendo o Décimo Terceiro Protocolo Adicional ao ACE 18; o ato foi internalizado no Direito brasileiro pelo Decreto 1700, de 14.11.95.

136

ser abrangido pela ratio decidendi do caso Salvaguardas: nesse sentido, a Decisão 10/94 serve como a norma regional expressa exigida nesse precedente para afastar a incidência da regra geral e autorizar exceções ao livre comércio regional. Em segundo lugar, a Decisão ainda conta com outro abrigo que a torna refratária à interpretação teleológica-liberalizante que fora aplicada para o problema das salvaguardas. Com efeito, seu Art.1º dispõe: Os países signatários se comprometem a aplicar incentivos às exportações que respeitem as disposições resultantes dos compromissos assumidos no âmbito do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT) e em forma compatível com o disposto no presente Protocolo.

A norma acima pode ser lida à luz da regra de antinomia que o Laudo Salvaguardas traçou para determinar a norma aplicável nos casos em que coexistam normas regionais e multilaterais. Assim, a remissão expressa às normas multilaterais garante que a “regra geral” da liberalização não seja aplicável à concessão de subsídios, nos pontos em que a Decisão for omissa, porquanto as lacunas eventualmente verificadas não reclamam a aplicação da norma liberalizante; ao contrário, as lacunas são supridas pelas normas hoje contidas no GATT 1994 e no ASMC. Por essas razões, o regime da concessão de subsídios (ao menos para os subsídios às exportações) deve ser estudado tendo em consideração essas diferenças que mantiveram o tema alheio à oscilação a que as demais medidas restritivas do comércio foram submetidas por conta dos humores da jurisprudência do Tribunal Arbitral. Enquanto o estudo das medidas compensatórias no comércio regional parte de conjecturas traçadas por analogia com o tratamento de restrições ao comércio – como os direitos antidumping e as salvaguardas -, o estudo da concessão dos subsídios no bloco pode ser feito com melhores fundamentos, e a partir de uma postura menos especulativa,

137

em virtude de uma outra razão: ao contrário das medidas compensatórias, a concessão de subsídios foi objeto de julgamento pelo Tribunal Arbitral no Laudo proferido acerca dos subsídios concedidos pelo Brasil à produção e exportação de Carne de Suínos. Conquanto o laudo tenha deixado de “condenar” o comportamento brasileiro por insuficiência de provas219, o caso tem importância porque permite traçar algumas perspectivas em torno das normas que regem a matéria bem como do controle judicial que sobre ela se exerce. Inicialmente, o laudo indica a relação entre a Decisão 10/94 e as normas multilaterais que, a partir do Art. 1º, citado acima, podem ser aplicadas: Si bien la redacción de la Decisión Nº 10/94 es anterior a la actual definición de subsidios del ASMC dada por la Ronda Uruguay, no contraría ninguna disposición del nuevo sistema de la OMC, sino que es más estricta, siendo su propósito el de la liberalización progresiva del comercio y eliminación de los obstáculos que pesan sobre el libre comercio entre las Naciones del MERCOSUR220 (grifado)

O Tribunal assenta que, sendo mais “liberalizantes”, as normas da Decisão prevalecem sobre aquelas do marco multilateral. Isso não autoriza, entretanto, entender que a regra acerca dos subsídios seja a da liberalização do comércio, o que implicaria desprezar o próprio conteúdo da Decisão e proibir a utilização de incentivos às exportações tout court; ocorre, antes, considerar apenas que, entre a norma regional e a multilateral, aplica-se aquela que for mais “liberalizante”. Na hipótese, esta norma era a Decisão 10/94. A argumentação do Tribunal vai no sentido de conduzir à conclusão de que o regime regional coberto pela Decisão é, inegavelmente, OMC plus. Conforme o

219 220

Este argumento que será analisado adiante. § 66.

138

Laudo, o tratamento dos incentivos às exportações seria mais específico que aquele encontrado no ASMC: La Decisión Nº 10/94 contiene previsiones expresas sobre determinados incentivos a la exportación, tales como: beneficios cambiarios (art.3), créditos de fomento y financiamiento a las exportaciones por parte de los Estados Miembros (art.4), reintegro de impuestos indirectos (art.5) , exención del pago de tributos internos indirectos (art.6), régimen de admisión temporaria (art.7), depósito aduanero (art.8), depósito industrial (art. 9) y excepciones (art.12). 221

Considerando que a Decisão 10/94 cuida de incentivos às exportações, convém fazer uma análise comparativa das categorias nela abarcadas vis-à-vis o tratamento dado no ASMC aos subsídios às exportações, cujos exemplos se encontram em seu Anexo I (Illustrative list of export subsidies). Assim: O Art. 4º da Decisão222 contém disposição similar àquela encontrada no Anexo I, alínea (k), do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC223. O Art. 5º da Decisão dispõe sobre o reembolso dos impostos indiretos, que incidem tanto sobre os inputs do bem exportado quanto sobre o próprio bem224. O Art. 6º trata da isenção de impostos indiretos sobre os bens exportáveis, mas não sobre os inputs225. 221

§ 67. “Art. 4º. Os países signatários poderão conceder créditos de fomento e financiamento a suas exportações quando os mesmos forem outorgados em condições, de prazos e taxas de juros, compatíveis com as aceitas internacionalmente em operações equivalentes.”. 223 “(k) The grant by governments (...) of export credits at rates below those which they actually have to pay for the funds so employed (or would have to pay if they borrowed on international capital markets in order to obtain funds of the same maturity and other credit terms and denominated in the same currency as the export credit) (...)”. 224 “Os países signatários poderão reintegrar, total ou parcialmente, os impostos indiretos pagos pelos exportadores ou acumulados ao longo das etapas anteriores de produção dos bens exportados, conforme as disposições do (...) GATT. O nível de reintegro não excederá a incidência dos impostos indiretos sobre as vendas ou sobre o consumo efetivamente pagos pelos exportadores ou acumulados nas etapas anteriores de produção.”. 225 “Os países signatários poderão isentar do pagamento de tributos internos indiretos os bens destinados à exportação.”. 222

139

Essas regras correspondem, no marco do ASMC, às alíneas (g)226 e (h) 227 da Lista Ilustrativa de Subsídios que, respectivamente, disciplinam a isenção ou reembolso de impostos indiretos sobre o bem exportado e sobre os insumos. Não há aqui, portanto, indício de maior especificidade nas regras regionais, além do que o próprio Art. 5 º faz a referência de que o reembolso dos impostos deve ser “conforme as disposições do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio”. De igual forma, o regime de drawback, disciplinado pelo Art. 7º da Decisão, é objeto da alínea (i) do Anexo I e do Anexo III, não havendo diferenças entre ambos. A Decisão dispõe com exclusividade, contudo, quanto aos regimes aduaneiros especiais (depósito aduaneiro, art. 8º, e depósito industrial, Art. 9º), os quais não se encontram na Lista Ilustrativa. Seja como for, o Art. 10º determina que um subsídio existe quando a isenção e devolução, beneficiando os inputs, excederem o valor que deveria ser, de outra maneira, pago, algo que subjaz à maior parte dos exemplos encontrados na Lista: Serão considerados subsídios derivados da aplicação dos regimes mencionados nos Artigos 6º, 7º, 8º e 9º a devolução, suspensão ou isenção de gravames à importação de mercadorias a serem utilizadas em processos produtivos de bens de exportação cuja quantia supere os montantes efetivamente pagos, suspensos ou isentos. (grifado)

Após o elenco de incentivos às exportações cujo emprego é facultado nas condições vistas acima, o Art. 12 da Decisão traça sua regra geral para o tema, em

226

“The exemption or remission, in respect of the production and distribution of exported products, of indirect taxes, in excess of those levied in respect of the production and distribution of like products when sold for domestic consumption.”. 227 “The exemption, remission or deferral of prior-stage cumulative indirect taxes on goods or services used in the production of exported products in excess of the exemption, remission or deferral of like priorstage cumulative indirect taxes on goods or services used in the production of like products when sold for domestic consumption; (...)”.

140

sentido similar à disposição do Art. 3º do ASMC, que dispõe sobre os subsídios à exportação (proibidos): Os incentivos às exportações não serão aplicáveis ao comércio intrazona, com as exceções enunciadas a seguir: a) financiamento às exportações de bens de capital a longo prazo poderá ser outorgado sob as condições expostas no Artigo 4; b) devolução ou isenção de impostos indiretos: poderão ser reintegrados ou isentos nas condições previstas nos Artigos 5º e 6º até que fiquem harmonizadas as condições que garantam um tratamento tributário em forma igualitária às produções localizadas no âmbito dos países signatários; e c) regimes aduaneiros especiais: poderão ser concedidos sob as condições estabelecidas nos Artigos 9º, 10 e 11, para os insumos, partes ou peças utilizados na elaboração de bens sujeitos às disposições dos parágrafos primeiro e segundo do Artigo 2º referente ao Âmbito de Aplicação do Regime de Origem MERCOSUL. (...) (grifado)

A importância do Art. 12 está em afastar do comércio intrabloco os incentivos às exportações, que devem ser extintos. Nisso, sem embargo, não há diferença em relação ao regime dos subsídios proibidos do quadro multilateral. A Decisão 10/94, em suma, não difere substancialmente do ASMC. É até discutível o seu caráter OMC plus, como pretendeu estabelecer o Tribunal. Aparentemente, a Decisão tenta trazer para o quadro do bloco regional as disciplinas que vinham de ser negociadas no âmbito da Rodada Uruguai, e que se traduziriam na disciplina multilateral atualmente em vigor sobre os subsídios. Na verdade, talvez a particularidade da Decisão esteja em uma regra procedimental que nela se encontra, e não tanto em normas substantivas, as quais, como foi visto, seguem o padrão multilateral. Essa regra é a do Art. 2º, que preceitua: A criação ou concessão de qualquer novo incentivo às exportações por parte de algum dos países signatários, a partir de 1º de janeiro de 1995, bem como a manutenção dos existentes, deverá ser objeto de consulta entre eles.

141

A norma é mais um exemplo de soft law dentro do direito regional: nada impede os membros de concederem subsídios; devem, sem embargo, consultar os demais antes de fazê-lo. Com qual efeito? O resultado da consulta é vinculante? É preciso o consenso em aprovar o subsídio? A resposta parece ser a de que a norma é apenas um dever de boa-fé entre os membros, ausente qualquer pretensão vinculante. Cuida-se, reitere-se, de soft law. A Decisão 10/94, portanto, não se ocupa de criar instâncias regionais que autorizariam a concessão de subsídios e que, portanto, serviriam como órgãos de codecisão de políticas de incentivo. Antes, aproxima os membros do bloco apenas na necessidade de consultarem-se acerca da matéria. Apesar disso, a unilateralidade da decisão sobre a concessão de subsídios permanece. De resto, sob a égide da Decisão 10/94 era possível aplicar as regras multilaterais sobre subsídios. Assim, visualizado como um todo, o regime regional era praticamente o mesmo vigente no âmbito multilateral, argumento que ganha vigor na medida em que a Decisão fazia remissão à aplicação do GATT sobre as controvérsias regionais. Entretanto, uma análise detida do Laudo Carne de Suínos parece revelar que o precedente assentado pelo Tribunal não fez depreender da aplicação da norma multilateral todas as suas conseqüências. O argumento transparece na análise que o laudo faz sobre os tipos de subsídios, uma “inovação” introduzida pelo advento do ASMC, como foi ressaltado no capítulo acima. Assim, em primeiro lugar, o Tribunal reconhece a possibilidade – decorrente do Art. 19 do Protocolo de Brasília - de que as normas pertinentes da OMC

142

possam ser aplicadas para reger a controvérsia em torno dos eventuais subsídios à carne de suíno brasileira (§57), que será mais adiante justificada pela “remisión genérica a las normas del GATT” (§85). O Laudo segue sua análise para destacar que da Rodada Uruguai resultaram a definição de um conceito para os subsídios (§60) e a sua distinção em três categorias (§65). À luz dessa contextualização, o Tribunal empenha-se em enquadrar as alegações argentinas no marco normativo multilateral e regional; por isso, rebate os seguintes pontos da argumentação argentina: a) o sistema de regulação do estoque de milho (§§ 69 à 76); b) o PROEX (§§77 a 79); por fim, c) os programas de Antecipação de Contrato de Câmbio (ACC) e Antecipação de Contrato de Exportação (ACE) (§§80 a 96). O argumento de que o programa de regulação de estoque de milho configura um subsídio é afastado em virtude da falta de especificidade, raciocínio no qual o Tribunal aplica o Art. 2º do ASMC (§§ 73 e 74)228; na hipótese, portanto, a lacuna na norma regional é suprida pela aplicação da regra multilateral. O exame do PROEX, por sua vez, fica prejudicado em decorrência da alteração da política de crédito brasileira, que vedou o emprego do incentivo às exportações voltadas para o Mercosul (§ 79). Aqui, cumpre indicar, a título de obter dictum, que o Tribunal acaba adotando posicionamento atualmente vigente no âmbito do Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC: as controvérsias não visam à reparação do dano sofrido pelo ato ilícito praticado por um Estado – e, com isso, não se

228

“73. Desde un punto de vista técnico, este Tribunal debe considerar si dicho sistema constituye una política específica para los produtores de carne de cerdo de Brasil, tal como lo requiere el art. 2 del ASMC, considerando si el acceso a los beneficios del sistema está limitado a ciertas empresas o ramas de producción; o si la utilización del beneficio en la práctica está circunscripto a un número limitado de

143

defere o pedido de indenização do prejuízo passado se houver o compromisso de cessar a conduta para os casos futuros229. Antes, considera-se terminada a controvérsia com a cessação da prática para os casos vindouros. É na análise do ACC e do ACE que o Tribunal perde a oportunidade de esclarecer, no âmbito do bloco, o alcance do exame judicial sobre os subsídios à exportação, à luz das espécies estabelecidas no ASMC, que os tornou proibidos. Os programas de crédito à exportação são assim descritos pelo laudo: 83. Corresponde analisar, entonces, si las exoneraciones o reducciones tributarias establecidas por el Brasil constituyem incentivos a la exportación cubiertos por la Decisión Nº 10/94. Dichos beneficios consisten en la reducción de la alícuota del Impuesto a las Operaciones Financieras (IOF) del 25% a 0%, para operaciones de cambio vinculadas a exportaciones de bienes y servicios; la reducción a 0% de la alícuota de la Contribución Provisoria sobre Movimiento o Transmisión de Valores y de Créditos y Derechos de Naturaleza Financiera (CPMF) a los ACC; y la reducción a 0% de la alícuota del Impuesto a la renta sobre las ganancias en los casos de intereses y comisiones por créditos obtenidos en el exterior con destino al financiamiento de exportaciones y de intereses sobre el descuento en el exterior de títulos cambiarios de exportación y las comisiones relativas a dichos títulos. (...)”

Tratando-se de alegados auxílios à exportação, o Tribunal entende que deveria analisar tanto o ACC quanto o ACE a partir dos seguintes critérios: 93. Desde el punto de vista del presente arbitraje (...) es necesario determinar si los incentivos a la financiación a las exportaciones brasileñas de carne de cerdo, mediante los instrumentos de ACC y ACE beneficiados con la utilización de exoneraciones o reducciones tributarias y de política monetaria, han tenido efecto restrictivo, discriminatorio o de competencia desleal en violación a la normativa que regula el MERCOSUR y si además generan perjuicio o la amenaza de un perjuicio a los particulares o sectores de actividad de los particulares que iniciaron la Reclamación (art. 25 y 26 del Protocolo de Brasilia) (grifado)

empresas o si crea una situación de hecho equiparable a la de derecho; 74. Pues bien, resulta claro que el beneficio no reviste tal carácter de especificidad. (...)”. 229 MAVROIDIS, Petros. Remedies in the WTO legal system: between a rock and a hard place. European Journal of International Law, v. 11, n.4, p. 791, 2000.

144

É no desenvolvimento dessa linha de raciocínio que o Tribunal deixa de fazer uma interpretação atenta do art. 3º do ASMC (que cuida dos subsídios proibidos) e lança-se à busca, nos fatos do caso concreto, da comprovação do efeito restritivo do subsídio e da produção de dano. Ora, como foi analisado no capítulo referente aos subsídios proibidos no marco multilateral, é possível argumentar que a sua simples concessão enseja, per se, a condenação230. A argumentação empregada pelo Tribunal, entretanto, afasta a queixa argentina sobre o ACC/ACE, em primeiro lugar, por não entender comprovado o prejuízo dos produtores argentinos que deram ensejo à reclamação junto à Seção Nacional desse país: 94. Como vimos, dichos aspectos vinculados a la Reclamación de los particulares ha de ser objeto de prueba por el Estado Parte que presentó la reclamación, no existiendo en el caso elementos de convicción suficientes que prueben que los referidos instrumentos de financiación a las exportaciones con los beneficios tributarios mencionados, generen perjuicio o amenaza de perjuicio a los sectores de producción de carne de cerdos de la República Argentina.

Logo após descartar com esse argumento a possibilidade de determinar a condenação ao auxílio prestado pelo Brasil – o que seria plausível diante do caráter discutível da punição do subsídio proibido que não causa prejuízo - o Tribunal acrescenta outro motivo à sua decisão, que acaba por torná-la contraditória.

230

A lógica desse argumento é compartilhada também por Emilio Cárdenas e Guillermo Tempesta, ao abordarem o mesmo tópico do laudo: “Nevertheless, the Tribunal rejected the Argentine claim and, based on Article 26 of the PB, required that the claimant (Argentina) prove that the subsidies in question had a ‘restrictive, discriminatory, or unfair competition’ impact and that they generated ‘damage’ or a ‘damage threat’ to private parties. We cannot agree with requiring evidence on the restrictive, discriminatory, or unfair competition impact, when confronted with a type of subsidy which, by definition, is an instrument of unfair competition. It is also worth mentioning that ASMC´s [sic] regulations for the settlement of disputes in matters related to the ‘red’ subsidies, that is to say the ‘forbidden’ ones (...) do not require that damages be proved.” (Arbitral awards under Mercosur´s dispute settlement mechanism. Journal of International Economic Law, v. 4, n.2, p. 360, 2001, grifado).

145

Com efeito, o § 95 ocupa-se de afastar o caráter “punível” dos programas ACC/ACE em decorrência de um argumento “subjetivista”, que procura na “finalidade” dos exportadores a causa da ilicitude do subsídio, algo sem nenhum respaldo na regulamentação dos subsídios. Assim: 95. Tampoco se ha probado que los exportadores brasileños de cerdos utilicen el referido mecanismo con la finalidad principal de realizar un arbitraje financiero, a efectos de usufructuar del diferencial de tasas existentes entre las tasas que se obtienen a través del ACC y ACE y las tasas del mercado financiero interno. (grifado)

A seqüência desse parágrafo contém nova contradição: o laudo entende que, demonstrada a influência que os programas ACC/ACE têm sobre o preço de exportação, provado estaria o prejuízo do concorrente argentino. Em outros termos, se a aplicação dos programas ACC/ACE produzisse efeitos sobre o preço da exportação (ou seja, se comprovada a presença do auxílio sobre o preço), demonstrado estaria o prejuízo: (...) No obstante, si se probara dicha circunstancia, demostrándose la afectación que dicho mecanismo tiene o podría llegar a tener en el precio de exportación, se comprobaría la existencia de perjuicio.

(grifado) Se o precedente servisse aos casos seguintes, onde estaria, após esses argumentos do Tribunal, a causa da punição de um subsídio: a) na produção de prejuízo à indústria de um outro país? b) na comprovação da “intenção” (finalidade) dos exportadores ao utilizarem os programas estatais de auxílio? Ou, c) na demonstração de que o auxílio afeta o preço de exportação, ou seja, de que há um efetivo subsídio que afeta o comércio internacional e que essa prova já basta porque criaria uma presunção de prejuízo? O laudo, enfim, não estabelece se os contratos de ACC/ACE representam espécies de subsídio punível; tampouco esclareceu se no âmbito do bloco são aplicáveis

146

as categorias de subsídios estabelecidas no marco multilateral, já que fez confusão no momento de aplicar o raciocínio no caso concreto. Ao contrário, contentou-se em assentar que não se fizera prova da produção de dano à indústria argentina. Porém, a questão da existência do prejuízo pressupõe a solução da questão que requer a existência de um auxílio governamental - o laudo manteve o tema em aberto.

A.2) O “relançamento do Mercosul”, os “avanços” operados sobre as medidas de defesa comercial com o advento da Decisão 64/00 e as regras atualmente vigentes para o tema

A reunião do Conselho Mercado Comum (CMC) ocorrida em junho de 2000 em Buenos Aires deu novo ímpeto ao processo de integração com o “relançamento do Mercosul”, no qual novo calendário foi estabelecido e novas tarefas foram designadas para, sobretudo, o Grupo Mercado Comum (GMC) e a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM).

A.2.1) O “relançamento do Mercosul” e a Decisão 64/00

No campo dos subsídios, duas decisões emitidas nessa oportunidade importam ser ressaltadas: a Decisão 28/00 e a Decisão 31/00. Ambas se ocupavam de levar a efeito um programa de ação para o tratamento do tema; a leitura de seus termos, assim, revela ao menos a intenção dos Estados-Partes à disciplina dos subsídios no futuro.

147

Pela Decisão 28/00, o CMC instruía o GMC “a elaborar uma proposta com o objetivo de disciplinar o processo de investigacão e aplicação de medidas antidumping e direitos compensatórios no comercio intrazona.” (Art. 1º) . Ao mesmo tempo, o CMC delegava a tarefa ao GMC de instruir “a Comissão de Comércio do MERCOSUL para que, de forma conjunta, o Comitê Técnico No. 5 e o Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas elaborem uma proposta que defina os instrumentos aplicáveis com vistas à eliminação gradual da aplicação de medidas antidumping e direitos compensatórios no comércio intrazona.” (Art. 2º). A Decisão 31/00, por sua vez, deve ser lida no contexto do marco normativo estabelecido pela Decisão 10/94: por aquela decisão, o CMC instruía o GMC a elaborar uma proposta para estabelecer disciplinas comuns acerca da utilização de incentivos aos investimentos, à produção e à exportação intrazona (Art.1º), o que resultaria na ampliação do regime regional de subsídios, que, pela Decisão 10/94, abarcava apenas os incentivos à exportação. No Laudo sobre a Incompatibilidade do Regime de Estímulo à Industrialização da Lã (Laudo Estímulo à Lã)231, o Uruguai alegou que a determinação contida na Decisão 31/00 - para que o GMC elaborasse proposta sobre disciplinas comuns no emprego de incentivos intrazona – teria submetido à condição suspensiva232 o Art. 12 da Decisão 10/94, cujo caput prevê a eliminação dos incentivos à exportação intrazona.

231

Controvérsia envolvendo Argentina (como demandante) e Uruguai. Decisão com data de 04 de abril de 2003. 232 § 30.

148

Evidentemente, diante de um argumento tão tíbio – já que a simples leitura da Decisão 31/00 revela não criar obrigação invocável -, o Tribunal não hesitou em confirmar a plena vigência do art. 12: (...) el Consejo del Mercado Común, lejos de pretender someter, implícitamente, la clara y precisa prohibición del artículo 12 de la Decisión 10/94 en lo concerniente a los incentivos a las exportaciones intrazona no incluidas en las excepciones en él enunciadas, a una condición suspensiva consistente en supeditar la referida prohibición a ulteriores intervenciones normativas suyas a partir de las propuestas al respecto elaboradas por el Grupo Mercado Común, quiso – y así lo hizo – reafirmar dicha prohibición, comprometiéndose a facilitar su mayor eficacia a través de oportunos disciplinamientos dirigidos a reforzar la seguridad y la transparencia en su operatividad, e incluso avanzar y aprofundizar en ella, abordando la progresiva eliminación de las excepciones vigentes.233 (grifado)

Foi, porém, na reunião seguinte do CMC que resultados mais concretos foram atingidos na regulação regional dos subsídios. No mesmo ano em que foi proferido o Laudo Salvaguardas, a XIX Reunião do Conselho Mercado Comum (Florianópolis, dezembro de 2000) determinou padrões às investigações antidumping e de medidas compensatórias no comércio do bloco, através da Decisão 64/00. O primeiro “avanço” que se pode atribuir à Decisão 64/00 está em conter a eventual difusão do dictum assentado no Laudo Salvaguardas acerca da impossibilidade de os Estados-Membros imporem medidas restritivas de comércio, na falta de norma específica. Como foi visto, em virtude disso, o Laudo Frangos parece ter experimentado dificuldades de situar-se no ambiente que existira desde a decisão anterior, mas, apesar dos argumentos contraditórios que apresenta, acaba por afirmar o que a Decisão 64/00 já assentara para os futuros casos, sem prejuízo das contradições que a leitura do laudo suscita.

233

§ 55.

149

A Decisão 64/00 parece preocupar-se em esclarecer que a competência decisória sobre aplicação de medidas compensatórias mantém-se nas mãos dos Estados, sem reservar qualquer espaço à co-decisão, a despeito de assentar regras comuns que os Estados deveriam seguir na condução das investigações234. Desse modo, por exemplo, o numeral 1.1 estabelece de forma clara que: O intercâmbio informativo e a realização de consultas não impedirão, em nenhum caso e sob nenhuma circunstância, que as autoridades competentes do governo do país importador decidam iniciar investigação

Sob a mesma lógica, o numeral 1.3, alínea (c), resguarda a competência unilateral de aplicação das medidas compensatórias ao final da investigação: Antes de qualquer aplicação de medida será oferecida oportunidade adequada de consultas. O procedimento previsto no presente esquema não impedirá, em nenhum caso e sob nenhuma circunstância, que as autoridades do país importador apliquem medidas antidumping ou compensatórias. (grifado)

A nota característica da Decisão 64/00, em síntese, é a intensificação do diálogo entre as autoridades dos países-membros envolvidos em uma investigação com vista à aplicação de medida de defesa comercial, através do “dever de consultar”. Da mesma forma que a Decisão 10/94 requeria a necessidade de consultas entre os Estados, cada vez que um deles criasse um incentivo que pudesse causar efeitos no comércio intrazona, também o procedimento de investigação à imposição de medidas compensatórias passa a ser permeado por espaços de “consultas” entre as autoridades do Estado investigante e do Estado exportador. Tais consultas, conforme a Decisão 64/00, seriam levadas a efeito através de “comunicações por intermédio das representações diplomáticas” (numeral 1.1). Isso

234

Iniciadas com base em petições admitidas a partir de 1º de julho de 2001.

150

ocorreria sem prejuízo do preceituado pelo numeral 6, que estabelecia que “[c]aberá ao governo do país importador notificar à Comissão de Comércio do MERCOSUL qualquer abertura de investigação antidumping ou sobre subsídios que envolva importações originárias de outros Estados-Partes do MERCOSUL, bem como fornecer, a cada reunião ordinária, informações àquela Comissão sobre o estágio dessas investigações.” Tendo em conta o sistema de “harmonização pela consulta” decorrente da Decisão 64/00, a delegação brasileira propôs que os Estados realizassem, no âmbito da CCM, o intercâmbio de informações sobre os atos administrativos adotados por ocasião das investigações de dumping ou subsídios235. Em virtude disso, já na LVII reunião do órgão, a delegação brasileira informava aos demais parceiros as medidas que eram impostas, no bloco, contra produtos brasileiros e pelo governo brasileiro vis-à-vis os produtos do bloco. Dito de outra forma, o Brasil entendeu que o diálogo estabelecido pela Decisão teria lugar no marco da CCM. A proposta, no entanto, esbarrou na resistência da delegação argentina que, desde a LVI reunião (05.05.2002), assinalava considerar “suficiente a prática existente de intercâmbio de informação sobre a adoção de medidas de defesa comercial entre os Estados-Partes e que não deveriam ser criados mecanismos adicionais”236, ou seja, para a Argentina, o diálogo travar-se-ia no plano bilateral, e não regional. Na medida em que não se formava o consenso em torno da proposta, o tema não foi incorporado como ponto permanente na agenda do órgão. A delegação brasileira, sem embargo, manteve a prática.

235

A proposta brasileira foi lançada na LV Reunião da CCM (16.04.2002, item 8.2 da ata, disponível no site ). 236 Ata da LVI Reunião da CCM (item 10). O argumento argentino tem sido repetido desde então, até, pelo menos, a reunião do órgão realizada em 21 de agosto de 2002.

151

A diferença de posições entre Brasil e Argentina, em torno da forma de diálogo entre os Estados durante as investigações de defesa comercial sobre produtos do bloco, revela duas interpretações da Decisão 64/00: uma, a brasileira, que privilegia a “mercosulização” do diálogo; a outra, argentina, que entende suficiente a consulta bilateral. No limite, a discrepância de posicionamentos pode eventualmente indiciar duas formas de analisar a “harmonização pela consulta”. Como quer que seja, convém perguntar em que medida a necessidade de consulta – onde quer que tenha lugar – aumenta a cooperação dos membros do bloco e avança na institucionalização do tratamento da problemática dos subsídios. Conquanto não signifique transferência da decisão sobre o tema à instância regional, a obrigação de consulta entre os membros do bloco – desde a concessão de incentivos até a aplicação de medidas compensatórias – representa importante compromisso com a transparência e, nesse sentido, é inegavelmente uma confidence building measure237 que atribui ao bloco a credencial de espaço em que os temas do comércio regional são tratados. Sob essa perspectiva, a posição brasileira quanto ao foro de diálogo acerca da defesa comercial sob a Decisão 64/00 parece mais afinada à natureza da regra da consulta. Apesar disso, a consulta não deixa de ser um exemplo de soft procedure238 que almeja impedir, pela oportunidade de aproximação negociada entre as partes, a

237

O termo é empregado no mesmo sentido em que Celso Lafer o faz sobre o ganho de transparência advindo das normas resultantes da Rodada Uruguai (A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira, op. cit., p. 26-29). 238 Como utiliza o termo Ignaz Seidl-Hohenveldern, ao descrever os procedimentos de controle da aplicação de normas que, apesar de serem implementadas unilateralmente, comportam algum grau de “fiscalização” internacional (International Economic ‘Soft Law’. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 163, nº II, p. 205-213, 1979). No caso dos subsídios e medidas compensatórias no Mercosul, apesar de os Estados manterem a prerrogativa de, unilateralmente, tanto estabelecer programas de subsídios quanto impor medidas compensatórias, a unilateralidade seria, em um

152

adoção de medida unilateral que pode ser lesiva a outro Estado-Membro. No entanto, a consulta é claramente um grau de institucionalização menor do que um procedimento regional de co-decisão239. Por fim, convém recordar que, a despeito da importância destacada da consulta como procedimento de solução negociada para os problemas envolvendo subsídios (que são, como foi observado no capítulo anterior, matérias que envolvem ato de Estado), a Decisão 64/00 pouco inova. Com efeito, o ASMC (Arts. 13 e 25, sobretudo) já determinara o compromisso de os Estados envolvidos dialogarem com vistas à encontrar uma solução para uma controvérsia derivada tanto da concessão de subsídios quanto, e principalmente, da imposição de medidas compensatórias240. Uma eventual inovação, nesse particular, que se poderia atribuir à Decisão, estaria em acompanhar o posicionamento da delegação brasileira e conferir à CCM o status de foro em que esses temas seriam debatidos.

grau soft, abrandada pela prévia consulta. A consulta teria a finalidade de, no mínimo, informar o Estado membro afetado pela medida; no máximo, e conforme a disposição do Estado que adotará a medida, a consulta implica um processo de co-decisão. 239 “In the area of trade politics (...) joint action is difficult in the absence of institutions to both provide information and monitor behavior” (GOLDSTEIN, op. cit., p.134). Na medida em que a política de subsídios (tanto a concessão quanto sua “punição” pelas medidas compensatórias) no bloco é encargo de cada um dos Estados membros, ausente procedimento regional de co-decisão, o incentivo para prejudicar os demais ainda persiste. 240 Assim, por exemplo, o Art.13.3 do ASMC é praticamente a soma do teor dos numerais 1.1 e 1.3, alínea (c) da Decisão 64/00 (citados acima): “13.3. Without prejudice to the obligation to afford reasonable opportunity for consultation, these provisions regarding consultations are not intended to prevent the authorities of a Member from proceeding expeditiously with regard to initiating the investigation, reaching preliminary or final determinations, whether affirmative or negative, or from applying provisional or final measures, in accordance with the provisions of this Agreement.”.

153

A.2.2) O tratamento atual da matéria: as Decisões 14/02 e 22/02

A Decisão 14/02 “internaliza” no Mercosul o Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC para regular, nesse particular, o comércio intrazona (art.1º). A medida, na verdade, seria inútil caso a evolução da jurisprudência dos Tribunais Arbitrais não fosse conhecida; uma interpretação razoável do art. 19 do Protocolo de Brasília já mostraria a plausibilidade de invocar normas da OMC no bloco. Porém, como foi assinalado acima, há uma linha de decisão que se inicia com o Laudo Carne de Suínos e que indica – sem estabelecer a razão – que as normas multilaterais terão aplicação no comércio intrazona apenas se forem mencionadas por alguma norma regional. Nesse sentido, a Decisão 14/02 desponta como mais uma “resposta” dos “negociadores” para fazer face ao parecer dos juízes: com vistas a evitar o aprofundamento dessa linha jurisprudencial, o bloco conta então com uma norma que “internaliza” o direito multilateral. Seja como for, a despeito disso, há importante inovação advinda com a Decisão: o Art. 8º preenche uma lacuna ao assentar regra de antinomia entre o ASMC e as normas regionais, algo que, conforme foi apontado, não é resolvido pelo Art. 19. Nos termos do Art. 8º: Las disciplinas adicionales en materia de incentivos, subvenciones y medidas compensatorias ya acordadas entre los Estados Partes para el comercio intrazona, y las que se acuerden en cumplimiento de los mandatos establecidos, prevalecerán sobre la aplicación de la presente Decisión y del Acuerdo previsto en el artículo I [o ASMC] (grifado)

154

A regra opta pela aplicação da norma regional em detrimento do ASMC. A norma afina-se completamente com o espírito que fundamenta a constituição de um bloco de integração: naquilo que o bloco for OMC/GATT plus, aplica-se a norma regional, afastando a norma multilateral. O que deve ser lamentado no caso do Mercosul, entretanto, é que ainda são poucas as normas regionais sobre subsídios que tenham efetivamente um caráter OMC/GATT plus. Como foi visto, os “avanços” que devem ser louvados são aqueles presentes nas normas que, para evitar uma confusão encetada pela jurisprudência, apenas cuidam de confirmar que as normas multilaterais – de resto, já aplicáveis ao bloco – têm incidência regional. Em dezembro de 2002, na Reunião do CMC de Brasília, o bloco adotou a Decisão 22/02 que revoga, em alguns aspectos procedimentais, a Decisão 64/00. Especificamente, o numeral 2 da nova Decisão esclarece que, para os fins da determinação do nexo causal, serão consideradas importações subsidiadas aquelas nas quais tenha sido possível apontar o montante individual do subsídio. Para os casos em que a margem individual de subsídio não puder ser determinada, será considerada como importação objeto de subsídio a totalidade das importações para as quais foi encontrado montante de subsídio positivo. Ademais, a outra alteração digna de observação também trata de aspecto procedimental que lida com o cálculo do preço da indústria nacional, quando houver declínio no preço em virtude das importações subsidiadas (numeral 4, alínea (b)). O advento da Decisão 22/02, na verdade, não trouxe importantes inovações no regime de defesa comercial intrabloco: a imposição de medidas restritivas

155

continua sendo unilateral – temperada pela consulta –, e o marco para as discussões acerca do tema permanece sendo discutido, a despeito da renovação da norma do numeral 6, que cuida do diálogo na CCM. Tendo em conta que os prazos à elaboração das propostas acerca do tema foram “relançados” pela Decisão 16/01241, o ambiente regulatório dos subsídios no bloco mostra-se pouco institucionalizado, ao menos no que concerne à adoção conjunta de políticas de subsídios e à aplicação de medidas compensatórias. Em outros termos, a atuação prévia que poderia ser encargo das instituições regionais, especificamente a CCM242, é falha e, conforme será analisado no próximo capítulo, o controle que é relegado ao âmbito regional é ex post facto: assim, os subsídios e as medidas compensatórias serão efetivamente subordinados às instâncias regionais apenas no caso de produzirem dano a um Estado-Membro. Saliente-se ainda que um exame da regulamentação “material” do problema dos subsídios no Mercosul revela que as normas regionais, em geral, não aprofundam o tratamento do tema em relação às normas multilaterais. Desse modo, com alguma margem de erro, pode-se dizer que as normas do bloco para os subsídios são as

241

“Art. 2 - Prorrogar, até 31 de outubro de 2002, o prazo estabelecido no artigo 2º da Decisão CMC Nº 28/00 para que o Comitê Técnico Nº 5 e o Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas elaborem uma proposta que defina os instrumentos aplicáveis com vistas à eliminação gradual da aplicação de medidas antidumping e direitos compensatórios no comércio intrazona, que deve ser elevada à consideração e análise do Grupo Mercado Comum no mais tardar em 31 de maio de 2003. Esta tarefa deverá resultar em uma proposta que deverá ser elevada ao XXIV CMC. Art. 3 - Prorrogar, até 31 de maio de 2003, o prazo previsto no Artigo 1 da Decisão CMC Nº 31/00 para que o Grupo Mercado Comum elabore uma proposta para estabelecer disciplinas comuns relacionadas com a utilização de incentivos aos investimentos, à produção e exportação intrazona, nos termos do parágrafo 2º do referido dispositivo. A referida proposta deverá ser elevada à consideração da XXIV Reunião do CMC.” 242 Como sugere Flavio Floreal González, em estudo apresentado para concurso realizado em 1999 pelo Ministério da Economia da Argentina (Órganos y procedimientos regionales contra las prácticas desleales de comercio. Análisis del Mercosur y la experiencia comparada. Disponível no site , resgatado em junho de 2000).

156

mesmas que valeriam se o Mercosul não existisse; dito de outra forma, muito pouco há de OMC plus no âmbito do Mercosul. Se no âmbito das normas primárias (na acepção de Hart) o Mercosul pouco inova no tratamento dos subsídios entre os sócios do bloco, é na área institucional (isto é, das normas secundárias) que a existência do Mercosul produz alguma diferença, através dos mecanismos regionais de controle que podem incidir sobre o problema e que surgem como alternativa à resolução multilateral das controvérsias eventualmente existentes. Inversamente, contudo, a existência de instâncias regionais que se interpõem entre os órgãos domésticos e os multilaterais demanda a correta forma de relacionamento entre esses três níveis de tratamento do tema, o que será abordado a seguir.

157

B) O CONTROLE CONTENCIOSO SOBRE SUBSÍDIOS NO MERCOSUL

Conforme o Art. 37 do Protocolo de Ouro Preto, as decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso, o que exclui a possibilidade de desafiar judicialmente uma decisão de órgão do bloco. Assim, a atuação concertada pelo consenso entre os membros do Mercosul escapa ao controle institucional no bloco243; é sobre a atuação unilateral dos sócios que podem agir os mecanismos regionais de controle. Esses mecanismos são tanto políticos (isto é, intergovernamentais) quanto técnicos (judiciais ou técnicos tout court). Em um paralelo com o Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC, o procedimento regional de solução de controvérsias é, também, misto: mantém aberta a possibilidade de solução negociada, ao mesmo tempo em que garante uma solução técnica à controvérsia ao membro que não pretenda negociar. Nesse ponto, ambos os regimes asseguram o exercício de uma certa jurisdição obrigatória. O controle regional sobre os problemas ligados ao tema dos subsídios não é mais do que um exemplo no macrocosmo do sistema que o Mercosul estruturou para resolver os conflitos em geral envolvendo seus membros. Sob essa ótica, uma análise do controle sobre as disputas nascidas pela concessão de subsídios ou da imposição de medidas compensatórias é uma oportunidade para, ressalvados procedimentos particulares ao assunto, conhecer o mecanismo regional como um todo. Na verdade, a importância do mecanismo regional está em situar-se em posição intermediária entre os procedimentos domésticos dos sócios do bloco e o

243

MORAES, Henrique Choer. A importância do tribunal arbitral no Mercosul ou Taking Mercosul seriously. Revista da Faculdade de Direito Ritter dos Reis, v. VI, p. 43-68, 2003.

158

procedimento multilateral da OMC, oferecido a todos os membros da Organização. A eficácia do Mercosul, nesse particular, deve ser medida pela maneira como consegue atrair para si a decisão final sobre os conflitos que iniciam nas instâncias domésticas de cada um dos membros e também por impedir que os conflitos solucionados regionalmente não tenham continuidade no âmbito multilateral244. Só assim a existência de mecanismos regionais mostrariam sua utilidade. Assim, o exame do sistema do Mercosul para o controle sobre o tema de subsídios convida ao estudo dos procedimentos domésticos – através dos quais os membros lidam, unilateralmente, com os interesses dos demais membros na matéria; dos mecanismos propriamente regionais – nos quais as controvérsias suscitadas pelas normas sobre subsídios são debatidas nas instâncias do bloco; e, por fim, se for o caso, ao estudo dos

procedimentos

multilaterais

de solução dessa espécie de

controvérsias,

especificamente das normas que cuidam da divisão de competências dos mecanismos regionais vis-à-vis os órgãos multilaterais, designadamente os que compõem o Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC. A premissa que conduz o exame do controle regional dos subsídios, desenvolvida neste capítulo, é de que uma controvérsia acerca do tema tenha se constituído entre os membros do bloco. E nisso reside a diferença frente ao capítulo precedente: ali, a análise ocupava-se das regras regionais que pautavam o comportamento ex ante dos membros em relação ao tema dos subsídios e perquiria sobre a eventual coordenação decisória entre eles, para apontar o grau de co-decisão existente. A

244

Uma eficácia que, a julgar pelo desfecho da disputa Brasil-Argentina envolvendo a imposição de direitos antidumping sobre o frango brasileiro, não produz expectativas alentadoras. Com efeito, ao contrário do Laudo proferido no âmbito regional - em que o Tribunal, lacônica e contraditoriamente, não encontrou vícios no procedimento administrativo levado a efeito pelas autoridades argentinas, o painel da

159

conclusão da análise empreendida apontou que o controle regional não se encontrava na tomada das decisões sobre conceder subsídios ou impor medidas compensatórias; o controle regional que existe, ao contrário, ocorre ex post facto, condicionado à existência de uma controvérsia; matéria, portanto, do presente capítulo.

B.1) Procedimentos domésticos e regionais

A existência do Mercosul e das normas que, no âmbito do bloco, lidam com o tema dos subsídios não retirou dos Estados-Membros a competência para conceder subsídios, tampouco a competência para impor medidas compensatórias. Desse modo, nem mesmo a argumentação de que prejuízos possam ser causados aos demais membros é suficiente para impedir um outro membro de lançar mão de qualquer uma dessas medidas. O “controle preventivo” – ou, em outros termos, a “decisão compartilhada” ou a “co-decisão” - acerca dessas medidas está presente apenas na necessidade de consulta entre os Estados, o que não significa que a decisão deva ser objeto de consenso para ser adotada. Como foi visto, a decisão ainda é unilateral. A partir da análise conduzida no capítulo anterior, é possível assentar que a decisão sobre a concessão de subsídios é uma medida adotada de forma pouco institucionalizada. Mas isso não é uma particularidade do Mercosul. Considerando que a concessão de subsídios insere-se no âmbito das políticas industriais que um Estado emprega para atingir certas finalidades, a normativa multilateral ocupa-se mais com os efeitos que o subsídio produz do que com a forma de tomada de decisão com vistas a concedê-lo. Isso implica que, se as normas do ASMC regulam com bastante precisão o

OMC que se debruçou sobre o caso apontou irregularidades em quase todos os pontos do procedimento

160

procedimento de imposição de medidas compensatórias, o mesmo não se pode dizer acerca do procedimento de concessão de subsídios. Tanto basta para distinguir a decisão sobre a concessão de subsídios daquela acerca da imposição de medidas compensatórias, que é regulamentada. No Mercosul nenhuma delas é tomada por órgãos regionais. Que remédios possuem os demais membros para contra-arrestar, perante as instituições do Estado que adota cada uma dessas medidas, os efeitos prejudiciais que possam ser causados tanto pela concessão de subsídios quanto pela aplicação de medidas compensatórias? Em virtude de suas particularidades, convém analisar separadamente os remédios domésticos (ou a sua falta) disponíveis ao Estado-Membro que se vê lesado pela concessão de subsídios ou pela imposição de medidas compensatórias. No que toca à concessão de subsídios, pouco pode um membro do bloco fazer no âmbito doméstico do Estado que toma essa medida. O fato de a concessão de subsídios domésticos não ser considerada como uma violação à concorrência nas legislações internas dos Estados impede que os setores nacionais afetados pela medida insurjam-se, administrativa ou judicialmente, contra ela; assim, não se pode falar em controle doméstico nem ex ante tampouco ex post facto. O raciocínio impõe-se, da mesma forma, para os concorrentes estrangeiros e, a fortiori, aos Estados estrangeiros. A respeito destes últimos, nem mesmo se poderia invocar a norma do Art. 23 do ASMC para mover as instâncias judiciais do país que concede os subsídios porque a norma refere-se apenas ao controle sobre a aplicação de medidas compensatórias. Dessa forma,

administrativo.

161

em um ambiente de unilateralidade, não há como impedir a concessão de subsídios. A solução deverá ser dada por instâncias internacionais. A dúvida é maior quando se perquire acerca da possibilidade de um membro do bloco insurgir-se contra a imposição de medidas compensatórias por outro membro, perante as autoridades deste. A principal diferença para o caso da concessão dos subsídios repousa no fato de que, como foi assinalado, a decisão sobre a aplicação de medidas compensatórias é regulamentada e resulta de uma investigação conduzida conforme parâmetros razoavelmente objetivos. A abertura de investigações por um membro do bloco conta, necessariamente, com a participação do membro acusado de ter concedido subsídios que alegadamente prejudicaram a indústria doméstica do primeiro. Em que medida pode o Estado investigado contestar, perante as autoridades do membro que investiga, a correção da eventual aplicação das medidas? O Art. 23 do ASMC impõe que os Estados prevejam a possibilidade de judicial review das decisões administrativas que podem culminar com a aplicação das medidas: caso um membro do Mercosul imponha a cobrança de medidas sobre um outro Estado (em decorrência de decisões administrativas internas, portanto), deve o membro investigado acionar as instâncias judiciárias do primeiro? É preciso que o Estado prejudicado provoque as instâncias do outro Estado, em primeira instância, para que possa depois prosseguir com a queixa no âmbito internacional? Nada no Art. 23 indica que a previsão do controle doméstico judicial signifique a necessidade de acionar os mecanismos judiciais domésticos; ademais, nada impede que o exportador, beneficiário do subsídio, provoque as instâncias do Estado que impôs a medida, ao mesmo tempo em que o Estado que subsidiou acione os mecanismos

162

internacionais pertinentes245. Em outras palavras, não se pode obrigar o Estado que subsidiou a esgotar os recursos internos do Estado que impôs as medidas. Uma eventual exigência do esgotamento incidiria para os casos em que o Estado futuramente encaminhe a órgão internacional uma queixa de seu nacional, o que enquadraria a hipótese no caso de proteção diplomática246. Além disso, é possível invocar, em benefício do Estado que subsidiou, a mesma lógica que serve para garantir a imunidade de estados estrangeiros perante as autoridades judiciais de outros Estados: assim, se par in parem non habet iurisdictionem, o Estado estrangeiro não apenas não pode ser demandado em uma ação como tampouco pode ver-se obrigado a acionar as instâncias judiciais de outro Estado para que, só após esgotada essa fase, a controvérsia – autenticamente internacional -, porque envolve dois Estados, possa ser elevada ao foro internacional. Vê-se, então, que os remédios domésticos pouco servem nessa altura. A solução da eventual controvérsia pertence, portanto, ao plano internacional. Porém, em um bloco de integração regional, a pergunta que cabe fazer é qual plano internacional: regional ou multilateral? O Mercosul apresenta aos seus membros essa faculdade de escolher uma dentre duas instâncias internacionais.

245

Sempre consideradas as ressalvas da nota de rodapé n. 35 do ASMC. “The absence of the application of the rule [da exaustão dos remédios domésticos] in decisions, panel reports and discussions between the GATT Contracting Parties, does not constitute proof that the rule has been dispensed with. (...) International claims that are brought for the alleged breach of obligations whose object and purpose is to protect private parties, including complaints within the framework of the WTO, constitute actions of diplomatic protection.” (MARTHA, Rutsel Silvestre J., op. cit., p. 129). Pelo menos para o Mercosul – mas provavelmente também para o regime multilateral da OMC – Guido Soares discorda que o vínculo seja de proteção diplomática (Uma revisão em profundidade, em 1996 de: As instituições do Mercosul e as soluções de litígios no seu âmbito – Sugestões. In: BAPTISTA, Luiz Olavo et alii. Mercosul – Das negociações à implantação. 2. Ed. São Paulo: Editora LTr, 1998, p.140). 246

163

A primeira delas é a de elevar a discussão às instâncias regionais. Entretanto, não há norma regional que estabeleça uma preferência tout court do foro regional, em detrimento de qualquer outra instância internacional. O grau de institucionalização atingido pelos órgãos do Mercosul já torna menos custoso, no mínimo, iniciar a solução de uma controvérsia no âmbito regional. O procedimento regional conta com etapas marcadas pelo caráter intergovernamental, como aliás ocorre na maior parte dos regimes de comércio internacional, desde o da OMC até outros regimes regionais. A despeito disso, e também à semelhança de outros regimes de comércio, o Mercosul dispõe de instâncias judiciais que podem garantir ao Estado não satisfeito pela solução negociada uma apreciação técnica para o caso247. A análise seguinte procurará destacar a atuação das instâncias regionais de solução de controvérsias à luz de seu caráter político ou técnico, conforme a estapa, e também tendo em conta as alterações trazidas com o advento do Protocolo de Olivos (fevereiro de 2002), apesar de o instrumento ainda não se encontrar em vigor.

247

Dentro do espectro que cobre as formas de solucionar controvérsias comerciais, que se estendem desde as puras medidas de autotutela até o julgamento por third-parties, o sistema do Mercosul é razoavelmente legalizado, conforme será abordado a seguir. A respeito das diferentes formas de solucionar diferendos comerciais, ver YARBROUGH, Beth; YARBROUGH, Robert. Dispute settlement in international trade: regionalism and procedural coordination. In: MANSFIELD, Edward; MILNER, Helen (eds.). The political economy of regionalism. Nova Iorque: Columbia University Press, 1997, p. 134-163.

164

B.1.1) A intergovernamentabilidade mais visível: a discussão na Comissão de Comércio do Mercosul e no Grupo Mercado Comum Mesmo sendo um órgão intergovernamental, a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) – criada pelo Protocolo de Ouro Preto - é uma instância política em que são travados debates que têm grande teor técnico. Isso deve ser atribuído sobretudo à sua composição por funcionários que desempenham cargos em ministérios que se ocupam especificamente do comércio e, igualmente, da natureza dos assuntos debatidos. A despeito disso, nada afasta o cunho político de que as discussões ficam impregnadas. O Anexo ao Protocolo de Ouro Preto criou um procedimento de reclamações a serem iniciadas perante a CCM, para o qual teriam acesso os EstadosMembros, encaminhando queixas próprias ou no exercício de proteção diplomática de seus nacionais. Apesar disso, a Diretiva 17/99 da CCM regulamentou uma prática que se consolidou no âmbito da Comissão e que precedia o encaminhamento de uma reclamação: trata-se do procedimento de consultas. As consultas travadas na CCM não têm nenhuma relação com a necessidade de consultar, que precede a concessão de subsídios ou a imposição de medidas compensatórias. Ao contrário, o mecanismo das consultas é amplamente utilizado pelos Estados, como uma etapa preliminar de resolução de diferendos248. A existência das consultas na CCM não impede, contudo, que um membro acione diretamente o procedimento de reclamações (Diretiva, art. 11). Pela prática da CCM, entretanto, são as poucas consultas concluídas insatisfatoriamente que ensejam o prosseguimento até a próxima etapa, a reclamação. 248

A leitura das atas das reuniões da CCM revela o grande número de consultas estabelecidas entre os membros do Mercosul.

165

Uma vez frustrada a consulta, a fase de reclamação inicia-se pela convocação de um Comitê Técnico, nos termos do que preceitua o Anexo do Protocolo de Ouro Preto. Infelizmente, uma análise da atuação dos comitês revela sua pouca utilidade, já que os peritos que compõem tais órgãos são indicados pelos países envolvidos o que, não raro, provoca a emissão de pareceres separados, ao invés de um parecer conjunto249. Isso, evidentemente, compromete toda a importância de um órgão que poderia atribuir um caráter técnico no seio do procedimento de solução de controvérsias. Conforme o Anexo ao Protocolo de Ouro Preto, nos casos em que uma controvérsia não é resolvida na CCM, por não se ter alcançado o consenso entre as partes, a etapa seguinte é sua elevação ao GMC (art. 5º). Desse modo, por esse procedimento, o Grupo atua como “instância recursal” frente à CCM250. O advento do Protocolo de Olivos altera esse quadro na medida em que torna dispensável a etapa de discussão no GMC. O art. 55, §1º do Protocolo revoga o Protocolo de Brasília; o Protocolo de Ouro Preto, contudo, mantém-se vigente naquilo que não contrariar Olivos. Nesse panorama, o art. 6º, §1º autoriza abreviar o caminho institucional que, iniciado em uma consulta na CCM, leva ao sistema jurisdicional do Mercosul: 249

Desse modo, por exemplo, é emblemática a Ata da LVI Reunião da CCM (05.06.02, item 6.1), que destaca: “Consideración resultados Comité Técnico – Reclamación de Uruguay a la Argentina por discriminaciones tributarias, restricciones al acceso e incentivos a la exportación en las Provincias de La Rioja, Catamarca, San Luis y San Juan. El Comité Técnico informó sobre el tratamiento del tema, indicando que no fue posible emitir un dictamen conjunto, por lo cual los expertos de Argentina, Brasil y Uruguay presentaron sus conclusiones por separado. La CCM tomó conocimiento de estas conclusiones y no siendo posible arribar a un consenso en este ámbito, el tema es elevado a consideracion del GMC, conforme a lo establecido en el Reglamento General para Reclamaciones del Anexo al Protocolo de Ouro Preto.”. 250 MORAES, Henrique Choer. O novo sistema jurisdicional do Mercosul – Um primeiro olhar sobre o Protocolo de Olivos. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 10, n. 39, p. 60, 2002.

166

1. Se mediante as negociações diretas não se alcançar um acordo ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, qualquer dos Estados-Partes na controvérsia poderá iniciar diretamente o procedimento arbitral previsto no Capítulo VI.

Seja como for, não há norma que obrigue iniciar o procedimento de solução de uma controvérsia pela CCM, o que significa dizer que é possível iniciá-la diretamente pelo GMC, algo, aliás, já previsto apesar do Anexo ao Protocolo de Ouro Preto. A inovação de Olivos, sem embargo, repousa em poder dispensar-se a discussão no âmbito do Grupo251. O procedimento no quadro do GMC é similar àquele que tem lugar na CCM, ao menos em sua estrutura. Isso explica porque, uma vez que um caso tenha sido elevado ao Grupo após infrutífera discussão na CCM, aquele órgão nem mesmo convoca o Grupo de Peritos (previsto pelo Protocolo de Brasília) quando já fora convocado o Comitê Técnico. A despeito disso, a composição do GMC revela a diferença entre os dois órgãos: de composição mais “política” do que a CCM, o Grupo é o órgão executivo do bloco e isso provoca a diferença entre o caráter das discussões que nele são travadas em relação àquelas que ocorrem na CCM. De qualquer maneira, tanto sob o sistema ainda vigente quanto sob a vigência do Protocolo de Olivos, frustradas as tentativas negociadas de solução de uma controvérsia, a etapa seguinte que podem os membros lançar mão é a fase judicial, com a constituição de um tribunal arbitral: tanto o Protocolo de Brasília quanto o de Olivos mantêm essa fase.

251

As atas das reuniões do GMC revelam a prática inutilidade dessa etapa no procedimento de solução de controvérsia, já que a maior parte dos casos encaminhados ao Grupo, no desempenho da função de “segunda instância”, não foram ali solucionados.

167

Conforme foi apontado anteriormente, apesar de possuir aspectos dignos de nota (a jurisdição obrigatória do Tribunal Arbitral sendo a principal delas), o sistema jurisdicional do Mercosul ainda se mostra custoso politicamente, o que explica que apenas nove laudos tenham sido pronunciados até o momento. Certo, é razoável supor que boa parte desse custo decorra do temor de que os Estados sejam surpreendidos com as decisões proferidas, como foi o caso nos Laudos Salvaguardas e Frangos. Apesar disso, o mecanismo de solução de controvérsias, inicialmente provocado apenas por Brasil e Argentina, tem sido utilizado também pelos parceiros menores, Paraguai e Uruguai, o que permite apontar para uma maior difusão da cooperação a fim de resolver os conflitos entre os Estados-Membros. O advento do Protocolo de Olivos, provavelmente, contribuirá para isso. A própria previsão e regulamentação do acesso das queixas particulares aos órgãos regionais pode ser lida como uma forma de dar aos agentes econômicos privados uma maior garantia do cumprimento dos compromissos regionais, ainda que em uma medida que não signifique um grau de legalização avançado. Com efeito, os particulares não possuem acesso direto às instâncias regionais contra os Estados infratores252. As queixas que eventualmente possuam contra um sócio do bloco devem ser encaminhadas à Seção Nacional “do país em quem tenham sua residência habitual”, junto à Comissão de Comércio do Mercosul ou ao Grupo

252

Algo que também não existe no Direito Comunitário: o acesso direto de particulares à CJCE está restrito às ações contra órgãos comunitários (ORTEGA, Marta. El acceso de los particulares a la justicia comunitaria. Barcelona: Ariel, 1999).

168

Mercado Comum (o que satisfaria o requisito da nacionalidade da queixa, para os fins de proteção diplomática)253. Além disso, conforme o art. 26 do Protocolo de Brasília (e, atualmente, o art. 40 do Protocolo de Olivos), os particulares queixosos devem apresentar às Seções Nacionais pertinentes “elementos que permitam determinar a veracidade da violação e a existência ou ameaça de um prejuízo” (art. 40, §2º). Assim, a prova de um dano (ou da ameaça de sua produção) é um requisito condicionante ao encaminhamento da queixa, pela Seção Nacional, aos órgãos regionais, seja a CCM, seja o GMC. Desse modo, vê-se que a norma regional faz um imposição sobre um requisito que os sócios devem exigir dos particulares que lhes façam conhecer de uma queixa contra outro sócio254. No entanto, cuidando-se, por exemplo, de uma reclamação nascida da concessão de um subsídio proibido255, é razoável que a Seção Nacional demande a comprovação do dano, se a própria categoria do subsídio não o exige? Aliado ao acesso da queixa particular pela via das instâncias administrativas, o Protocolo de Olivos lança uma opção que poderá ser considerada uma outra forma de acesso de reclamações de particulares aos órgãos regionais: a opinião

253

Nesse ponto há uma diferença entre o procedimento do Mercosul e aquele que o NAFTA prevê às reclamações de particulares contra a imposição de medidas compensatórias e direitos antidumping. Pelo Art. 1904.5, pode-se ousar dizer que um “direito à proteção diplomática” é conferido ao particular, na medida em que estatui que: “An involved Party on its own initiative may request review of a final determination by a panel and shall, on request of a person who would otherwise be entitled under the law of the importing Party to commence domestic procedures for judicial review of that determination, request such review.” (grifado). A existência dessa regra do procedimento do Capítulo 19 do NAFTA permitiu a Frederick Abbott lembrar que “(...) although the AD/CVD procedure is nominally interstate, the fact that private actors may initiate and participate in the procedure effectively transforms it into a quasitransnational procedure.” (NAFTA and the legalization of world politics: a case study. International Organization, v. 54, n. 3, p. 152, 2000). 254 O Laudo Carne de Suíno abordou o tema do filtro exercido pela Seção Nacional sobre a queixa do particular e assim se posicionou: “§38. Del claro tenor de la disposición precedentemente transcripta se desprende que la Sección Nacional analiza lo que en el Derecho Procesal se llama el ‘fumus boni iuris’ es decir, en qué elementos se apoya la verosimilitud del derecho que pueda asistir al particular concretamente en el caso planteado y su perjuicio. (...)”.

169

consultiva ao futuro Tribunal Permanente de Revisão, a ser criado com o início da vigência do Protocolo. O Art. 3º dispõe que: O Conselho do Mercado Comum poderá estabelecer mecanismos relativos à solicitação de opiniões consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão definindo seu alcance e seus procedimentos.

Somente após a regulamentação do instituto pelo Conselho Mercado Comum será possível entender o que pretende o artigo 3º. Assim, seria ele a instalação no Mercosul de um regime similar ao reenvio prejudicial previsto no Direito Comunitário europeu, em que as cortes nacionais tem oportunidade de dialogar com a Corte de Justiça das Comunidades Européias? Ou, ao contrário, tratar-se-ia apenas de um recurso disponível aos Estados ou, ainda, a órgãos do Mercosul? Qualquer que seja a definição dada ao art. 3º, por ora a única via de acesso, que os particulares possuem para que suas reclamações atinjam as instâncias regionais, ocorre através das instâncias administrativas que, pela concessão da proteção diplomática, convocam o sócio infrator à solução da controvérsia.

B.1.2) A fase judicial

A estrutura que cada sistema regional de solução de controvérsias assume varia conforme as preferências dos Estados que farão parte do bloco, designadamente o interesse que possuem em aprofundar a integração e as diferenças relativas de poder econômico. Assim, o grau de legalização assumido pela forma de resolver disputas comerciais é uma função do empenho político que os Estados pretendam imprimir à 255

Matéria que, aliás, foi exatamente o objeto do laudo Carne de Suíno.

170

intensificação das trocas e ao interesse que possuam em integrar-se em outros campos que não apenas o do comércio. A fase judicial das controvérsias no Mercosul será analisada a partir dos principais critérios que James McCALL SMITH definiu para sistematizar as diversas estruturas regionais de solução de diferendos: o acesso, as características dos órgãos que decidem as controvérsias e os efeitos das decisões proferidas256. A análise desses critérios será seguida da exposição do problema à luz de um contexto não contemplado pelo citado autor, que é o da relação entre as instâncias regionais e as multilaterais. Uma vez que as formas de acesso das reclamações aos órgãos regionais – sejam advindas de particulares, seja dos Estados-Membros – foram assentadas anteriormente, convém avançar diretamente às características dos órgãos responsáveis pela decisão judicial dos litígios. Único órgão decisório não-governamental na estrutura do Mercosul, o Tribunal Arbitral (TA) pode ser considerado como a “âncora institucional“ do bloco, na medida em que avoca para sua competência a tomada de decisões sobre a conformidade do comportamento dos membros com o conjunto normativo que regula as relações entre eles257. A existência do Tribunal, cuja importância é maior em virtude do exercício de jurisdição obrigatória258, supre em boa medida a assimetria institucional do Mercosul259. 256

The politics of dispute settlement design: explaining legalism in regional trade pacts. International Organization, v. 54, n. 1, p. 137-180, 2000. Alguns dos critérios foram excluídos na medida em que os exames precedentes já mostraram que o design do sistema de solução de controvérsias no Mercosul não os contempla. 257 Note-se que dentro desse competência de análise da adequação da conduta estatal com a normativa Mercosul pode incluir-se a atividade - que não é vedada atribuir ao Tribunal – de servir de uniformizador da interpretação e da aplicação do direito regional. As controvérsias entre os Estados são sobre “a interpretação, a aplicação...” (Protocolo de Brasília, Art.1º). Essa atividade, é claro, se realiza em ambiente bem menos institucionalizado que o mecanismo de reenvio prejudicial estabelecido pelo antigo Art. 177 (hoje Art. 234) do Tratado de Roma e, como assinalado anteriormente, pode vir a ser melhor regulamentada pela previsão do Art. 3º do Protocolo de Olivos. Assim, se um Estado Parte entende que órgãos internos de outro aplicam o direito regional de maneira que entende inadequada e que lhe provoca

171

É para reduzir os efeitos prejudiciais do unilateralismo, sempre inevitável, que a atuação do Tribunal mostra-se importante. O Tribunal Arbitral do Mercosul decide conflitos nascidos de controvérsias sobre violação da normativa emanada do Mercosul260, por um dos EstadosMembros261, sob provocação de outro Estado-Membro262. Portanto, não se trata de um órgão de revisão judicial das decisões dos órgãos do Mercosul 263 - até porque, como

prejuízo, pode, como faria em caso corriqueiro de responsabilidade internacional, provocar a atuação do Tribunal que, ao final, determinaria a correta interpretação da norma invocada. Aliás, talvez seria essa a função desempenhada pelo Tribunal Arbitral se a controvérsia que envolveu Brasil e Argentina em torno da adequação do setor açucareiro fosse levada além do GMC (ver, por exemplo, Ata da XXXV Reunião GMC). Por esta razão, não concordamos com Jacques Ginesta (El Mercosur y su contexto regional e internacional. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999, p.130). Veja-se que nem mesmo nas Comunidades Européias o órgão jurisdicional comunitário tem autoridade para impor a interpretação correta, de modo que o tribunal nacional que acionar, pelo reenvio, a CJCE pode terminar por interpretar a norma nacional, em confronto com a norma comunitária, de maneira equivocada, o que poderá redundar na utilização de um dos recursos dos antigos Arts. 169-171. A respeito, ver QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público. 2. reimp. Lisboa: Almedina, 1991, p.439. 258 Art. 8º do Protocolo de Brasília. Esse artigo, contudo, nada refere sobre a exclusividade da jurisdição do Tribunal para julgar diferendos relacionados ao direito regional. Então, teria o Tribunal Arbitral exclusividade? A resposta parece condicionada à interpretação que se dê ao Art. 43 do Protocolo de Ouro Preto, verbis: “As controvérsias que surgirem entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não-cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul serão submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos no Protocolo de Brasília (...)” (grifado). A relação entre o sistema jurisdicional do Mercosul e o multilateral será objeto de análise adiante. 259 A jurisdição obrigatória do Tribunal Arbitral posiciona o órgão em situação de importância, já que passa a constar como a única instituição decisória autenticamente internacional do Mercosul, na medida em que nele não há o dédoublement fonctionnel (no sentido empregado por Georges Scelle. Droit International Public. Paris: Domat-Montchrestien, 1944, p. 21-3), encontrado nos demais órgãos decisórios, em que agentes estatais tomam assento como membros do órgão internacional e mantêm sua qualidade de funcionários nacionais. 260 Outra diferença com o regime do Capítulo 19 do NAFTA, no qual os painéis binacionais aplicam o direito interno do país importador: “The Panel steps into the shoes of the Court of International Trade and the Court of Appeals for the Federal Circuit and is to apply the standards and the substantive law (...) that those courts apply when they review a countervailing duty determination by [the Department of] Commerce” Live Swine from Canada (Canada vs. EUA), painel binacional do art. 1904, USA-94-1904-01, 30.05.1995 (disponível no site ). 261 Art. 43 do Protocolo de Ouro Preto. 262 Da mesma forma que no regime da OMC e também no Direito Comunitário europeu, não há recurso de descumprimento com titularidade outorgada a particulares. 263 Não há recurso contra a legalidade das decisões dos órgãos comunitários.

172

assinalado anteriormente, suas decisões são tomadas por consenso264 -, mas sim da conduta dos Estados-Membros e sua adequação com o regime normativo do bloco. O Mercosul prevê apenas uma espécie de procedimento de solução de controvérsias - distinguindo-se, desse modo, do NAFTA que estabelece um procedimento específico para a solução de controvérsias nascidas da imposição de medidas compensatórias ou direitos antidumping (que se encontram no Capítulo 19, e não no procedimento “ordinário” do Capítulo 20). O Protocolo de Olivos, naquilo que talvez seja sua maior contribuição ao sistema regional, cria uma instância recursal permanente, ao contrário do Tribunal Arbitral, de caráter ad hoc. O Tribunal Permanente de Recursos (TPR) não é algo pioneiro no campo do Direito Internacional do Comércio; sua inspiração parece vir, antes, da existência do Órgão de Apelação na OMC e da necessidade de um órgão judicial que seja encarregado de estabelecer uma efetiva jurisprudência sobre as questões relacionadas ao comércio internacional. Desse modo, as incertezas apontadas anteriormente com respeito às oscilações da “jurisprudência” dos Tribunais Arbitrais

264

Art. 37 do Protocolo de Ouro Preto. Os órgãos comunitários “com capacidade decisória” (Protocolo de Ouro Preto, Art.2º) são órgãos políticos (na verdade, a restante capacidade decisória repousa no Tribunal Arbitral). A ausência de sindicabilidade de decisões de órgãos políticos (as non-justiciable questions) de organizações internacionais não é novidade no Direito Internacional. A jurisprudência da CIJ assenta, por exemplo, que as resoluções do Conselho de Segurança da ONU não são passíveis de judicial review (ver, além da jurisprudência da Corte Internacional de Justiça – especialmente Lockerbie e South West Africa também o caso Tadic (Decision on the defence motion on jurisdiction, 10.08.95), em que o Tribunal Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia faz apanhado da matéria). A sindicabilidade de decisões dos órgãos políticos de organizações internacionais é um traço diferencial da maneira em que se estrutura o sistema das Comunidades Européias, no qual as decisões dos órgãos comunitários, que não são todas adotadas por unanimidade, são desafiáveis perante a CJCE. Ver, por exemplo, HAHN, Michaël J; SCHUSTER, Gunnar. Le droit des États membres de se prévaloir en justice d´un accord liant la Communauté. Révue Générale de Droit International Public, v.2, 1995, p.372: “L´article 173 [hoje artigo 230], §2 du Traité CE est le contrepoids constitutionnel de l´État de droit vis à vis du principe démocratique de la majorité en vigueur au Conseil.”.

173

poderiam ser melhor resolvidas e, sobretudo, a “surpresa” causada sobre os Estados e os particulares atingidos pelas decisões poderia ser afastada265. As normas regionais de comércio visam garantir alguma segurança aos agentes econômicos que passam a operar dentro da área abrangida pelas normas do bloco. Nesse sentido, convém apontar que a maior parte das reclamações que movimentarão o sistema regional de solução de controvérsias nascerá de prejuízos sentidos especialmente por particulares. Um laudo proferido por um Tribunal Arbitral no âmbito do Mercosul sempre dirige sua decisão a um Estado. Reitere-se que é esta, aliás, a natureza das normas de Direito Internacional do Comércio. Sabendo-se que o beneficiário da decisão, contudo, pode ser também um particular – além do Estado ganhador –, importa saber que efeito produz o laudo arbitral (ou, quando for o caso, uma decisão do TPR) para o particular e onde poderá ser executada. A dúvida sugere que a solução decorre de uma dentre as seguintes possibilidades: a) a decisão apenas pode ser executada pelo Estado ganhador; b) a decisão produz efeito direto e, portanto, pode ser invocada pelo particular interessado perante o Judiciário doméstico do país que deva cumpri-la266.

265

A principal razão por trás da criação de órgãos de segunda instância no Direito do Comércio Internacional parece justamente ser a de remediar as eventuais falhas derivadas do emprego comum de painéis para julgar em primeira instância. Assim, vale para o Mercosul a mesma constatação que ErnstUlrich Petersmann lançou para o Órgão de Apelação da OMC: “The composition of the standing Appellate Body by legal experts appointed for a 4-year term reflects the concern that ad hoc selection, for a single case,of GATT and WTO panel members, most of which have no prior dispute settlement experience in national and international trade law, can endanger the legal consistency of the complex WTO system.” (How to promote the international rule of law? Contributions by the WTO Appellate Review System. Academy of European Law online – Harvard Law School e European University Institute. Spring 1998, disponível no site , capítulo 2, §3). 266 Essas possibilidades são, na verdade, desdobramentos dos critérios que Andrea Giardina lança para tentar sistematizar a possibilidade de execução doméstica de sentenças (lato sensu) internacionais: “Il faut tout d´abord distinguer suivant que les destinataires formels des décisions et des arrêts en question soient

174

Não há precedente no Mercosul que permita responder a questão de modo definitivo. O espaço, portanto, abre-se para especulações. Desse modo, elencar-se-ão argumentos que sustentariam tanto a primeira quanto a segunda das possibilidades mencionadas. Em primeiro lugar, poder-se-ia argumentar que as decisões proferidas por tribunais do Mercosul apenas produzem efeitos para Estados. Uma das razões para isso estaria na previsão de que o cumprimento da decisão é feito pela imposição unilateral de retorsões, autorizadas ademais pelo Art. 31 do Protocolo de Olivos. Um tal argumento teria, por analogia, o beneplácito do entendimento da Corte de Justiça das Comunidades Européias, que nega efeito direto às decisões proferidas pelos órgãos do Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC, como na ementa a seguir: Um operador econômico não pode invocar um relatório do Órgão de Recurso Permanente da Organização Mundial do Comércio (OMC) nem a decisão pela qual o Órgão de Resolução de Litígios da OMC aprovou esse relatório, para sustentar que o sistema da organização comum dos mercados no sector da banana, instituído pelo Regulamento nº 404/93, já não existe.(...) Além disso, para que uma disposição de uma decisão de que o interessado não seja destinatário possa ter efeito direto em relação a ele tal disposição deverá impor ao destinatário uma obrigação incondicional e suficientemente clara e precisa a favor do interessado 267

Por outro lado, uma decisão do Tribunal Arbitral poderia ser executável se, em primeiro lugar, for aceito o argumento de que, como se trata de um tribunal

des Etats ou des individus (...).En deuxième lieu, prenant en considération le contenu des actes internationaux em question, on peut les distinguer suivant leur caractère déclaratif, constitutif et de condamnation, afin de voir dans quelle mesure ces caractères peuvent affecter l´exécution interne des actes. En troisième lieu, enfin, il semble opportun d´examiner le problème du contrôle de la legitimité et de la validité des actes internationaux qui doivent être exécutés, afin de vérifier la tendance, qui semble ressortir, d´après laquelle ce contrôle ne doit être effectué qu´au niveau international.” (La mise en oeuvre au niveau national des arrêts et des décisions internationaux. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 165, nº IV, p. 281, 1979). 267 Fruchthandelsgesellschaft mbH Chemnitz contra Comissão das Comunidades Européias, Processo T254/97, Colectânea, P.II-9/10, 1999, §1º da ementa.

175

internacional, e não estrangeiro, a executoriedade estaria condicionada apenas à precisão da decisão – dispensada a necessidade de homologação por um tribunal interno. Assim, suponha-se que uma reclamação nascida da imposição de medidas compensatórias resulte na decisão de que as medidas foram aplicadas indevidamente. Poderia o particular interessado (seja o importador ou exportador) fazer valer essa decisão nas instâncias domésticas do Estado que impôs as medidas e reclamar a devolução do montante pago? Tomemos o Art. 23 do ASMC como elemento que adensa esse raciocínio. A norma estabelece que os Estados devem possuir mecanismos internos de revisão judicial das decisões que entendem pela imposição de medidas compensatórias. No caso do NAFTA, como foi visto, essa obrigação é preenchida – para o que toca à defesa comercial interna – pela existência dos painéis binacionais que podem reverter a decisão da administração de um dos membros; ou seja, nada impede que a revisão judicial do Art. 23 seja feita por uma instância internacional. Nesse sentido, por que não entender que o mesmo artigo favoreceria - pelo menos no exemplo das medidas compensatórias – o efeito direto das decisões dos órgãos do Mercosul? Tudo, no entanto, são especulações que aguardam um precedente para que um posicionamento possa ser adotado. Existem, sem embargo, razões para ambos os lados.

176

Como quer que seja, o sistema jurisdicional do Mercosul, antes ou após Olivos, não apenas mantém nas mãos dos Estados-Membros o locus standi como também é uma opção de solução de controvérsias que os membros possuem268. Assim, controvérsias não resolvidas no âmbito “administrativo” (CCM e GMC) não serão necessariamente encaminhadas à solução judicial (como ocorre com não rara freqüência); da mesma forma, ainda que em tese, um Estado-Membro não está obrigado a elevar a solução ao sistema jurisdicional do bloco, pois nada lhe impede de provocar as instâncias multilaterais competentes, em detrimento das instâncias regionais. Chega-se, então, ao ponto em que os regimes multilateral e do Mercosul se cruzam: não há nenhuma norma – regional ou multilateral – que determine uma relação de subsidiariedade entre um ou outro regime. Como resolver essa questão? A despeito de inexistir uma norma regional que estabeleça algo como um privilégio regional de foro, a competência regional fica estabelecida da seguinte forma, a partir do Protocolo de Olivos (Art.1o §§ 2º e 3º): As controvérsias compreendidas no âmbito de aplicação do presente Protocolo que possam também ser submetidas ao sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio ou de outros esquemas preferenciais de comércio de que sejam parte individualmente os Estados Partes do Mercosul, poderão submeter-se a um ou outro foro, à escolha da parte demandante. Sem prejuízo disso, as partes na controvérsia poderão, de comum acordo, definir o foro. Uma vez iniciado um procedimento de solução de controvérsias de acordo com o parágrafo anterior, nenhuma das partes poderá recorrer a mecanismos de solução de controvérsias estabelecidos nos outros foros com relação a um mesmo objeto, definido nos termos do artigo 14 deste Protocolo. 269 268

São evidentemente várias as formas de estruturar mecanismos regionais de soluções de controvérsias comerciais. Para um exemplo acerca de modelos teóricos desses mecanismos, ver YARBROUGH, Beth; YARBROUGH, Robert, op. cit. 269 No direito comparado, há o Art. 2005 do NAFTA. Note-se, contudo, que as decisões dos painéis constituídos sob a égide do Capítulo 20 do NAFTA são recomendações e, portanto, não obrigam as Partes da mesma forma que os laudos dos órgãos do Mercosul. O Art. 2018 prescreve que, ao receberem o final report de um painel, “the disputing Parties shall agree on the resolution of the dispute, which normally shall conform with the determinations and recommendations of the panel”. A norma indica que, após o

177

Para o caso específico das controvérsias ligadas ao tema dos subsídios, o Art. 2º da Decisão 14/02 determina, em similar teor, que: Caso surja uma controvérsia sobre a aplicação no comércio intrazona do Acordo mencionado no artigo 1 [o ASMC], as partes, de comum acordo, poderão consensuar o foro no qual resolvê-la. Caso não se alcance um acordo a respeito do foro, a controvérsia poderá ser resolvida no âmbito da OMC ou conforme o regime de solução de controvérsias vigente no MERCOSUL, no entendimento de que quando o Estado Parte reclamante opta por um sistema de solução de controvérsias, o outro fica excluído.

A leitura do artigo revela que apenas haverá “preferência” pelo foro regional no caso em que a controvérsia tiver sido suscitada no bloco; nada, contudo, impede que ela seja suscitada na OMC. A inovação de ambas as regras está, entretanto, em estabelecer uma norma de prevenção, quando o bloco for acionado. Isso faz com que, caso um litígio tenha sido encaminhado às instâncias multilaterais, não possam os órgãos regionais se debruçar sobre o mesmo. No entanto, a norma regional da “prevenção” torna necessária a discussão da causa de pedir, ou seja, como se determina que uma controvérsia levada à OMC é a mesma que se pretende encaminhar ao Mercosul? Eis um ponto no qual é possível evadir-se da obrigação estabelecida pelos parágrafos 2º e 3º.

relatório do painel, abre-se uma fase de negociações entre as Partes, que normalmente devem conduzir a soluções conformes com a decisão proferida. Assim, a regra do Art. 2005 deve ser lida tendo em conta essa característica do regime do NAFTA (a respeito, LOUNGNARATH, Vilaysoun; STEHLY, Céline. The general dispute settlement mechanism in the North American Free Trade Agreement and the World Trade Organization System. Journal of World Trade, v. 34, n.1, 2000, p.39-71); na ALCA, ver a respeito o Art. 5º da Minuta de Acordo do Capítulo sobre Solução de Controvérsias (FTAA.TNC/w/133/Rev.1, §41); no Direito Comunitário, é preciso interpretar em conjunto os Arts. 239 e 292 (numeração após Amsterdã). Este último dispõe que “[o]s Estados-membros comprometem-se a não submeter qualquer diferendo relativo à interpretação ou aplicação do presente Tratado a um modo de resolução diverso dos que nele estão previstos, enquanto o Art. 239 determina que [o] Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre qualquer diferendo entre os Estados-membros, relacionado com o objecto do presente Tratado, se esse diferendo lhe for submetido por compromisso”. A interpretação leva a concluir pela possibilidade de que controvérsias acerca de normas do Tratado de Roma sejam apreciadas pela OMC, quando os Estados envolvidos não as submeterem por compromisso à Corte de Justiça; isso, no entanto, jamais aconteceu.

178

Assim sucedeu no caso das medidas de salvaguarda argentinas frente aos têxteis brasileiros: o Brasil, tendo levado a discussão ao Órgão de Supervisão de Têxteis (OST) da OMC ao mesmo tempo em que provocou a constituição do Tribunal Arbitral, recebeu deste último (no Laudo Salvaguardas) a informação de que os relatórios produzidos pelo órgão multilateral não tratavam da matéria objeto do julgamento e, portanto, nada referiam sobre a adequação da medida argentina com a normativa Mercosul (item II, C): La controversia traída ante este Tribunal se refiere a la cuestión de si las medidas de salvaguardia aplicadas por Argentina en referencia al Artículo 6 del ATV son compatibles con las normas MERCOSUR. Por lo tanto, después de examinar los Informes del OST fechados en Octubre 29 de 1999 y en Diciembre 17 de 1999, el Tribunal ha llegado a la conclusión que el contenido de los Informes del OST no son relevantes respecto a la cuestión de si las salvaguardias sobre textiles están o no permitidas por la normativa MERCOSUR.

Sem embargo, ainda resta determinar em que momento as instâncias do Mercosul dão-se por preventas, ou seja, como precisar que o procedimento de solução de controvérsias no bloco foi acionado: quando se levou a efeito a discussão “administrativa” ou apenas quando iniciado o procedimento judicial? Seja como for, convém perguntar se essa regra de prevenção impede que os órgãos multilaterais apreciem uma controvérsia já decidida no bloco. A resposta aparentemente não está no âmbito da normativa regional e, ao contrário, reclama uma análise do problema à luz da doutrina e jurisprudência sobre a competência do Mecanismo de Solução de Controvérsias.

179

B.2) O procedimento no âmbito multilateral e o problema do paralelismo

A descentralização do sistema internacional – a sua diferença específica frente ao direito interno – tem sido constantemente lembrada como um obstáculo estrutural ao avanço da institucionalização/legalização que caracteriza o Direito Internacional contemporâneo270. Uma das questões jurídicas mais debatidas atualmente no quadro da doutrina que analisa a inserção do regionalismo no marco do regime multilateral de comércio está na repartição de competências entre os órgãos dos blocos regionais e os órgãos da OMC e na possibilidade de sua atuação paralela271. A criação de blocos de integração (e de seus órgãos) lhes conferiria ipso facto uma preferência vis-à-vis o foro multilateral? Se a resposta for afirmativa, essa preferência estaria em alguma norma multilateral? Ou, ao contrário, da mesma forma que sucede com os demais órgãos judiciais internacionais, seria plenamente possível o

270

A descentralização – e a conseqüente impossibilidade de um sistema judicial internacional - representa de certa forma um paradoxo diante do aumento da complexidade do Direito Internacional e das demandas por instituições internacionais: “Complexification creates a need for specialized tribunals to accommodate normative diversification and specialization. At the same time, it generates a parallel need, equally important and demanding, for a common understanding and interpretation of the overarching principles by this widening spectrum of tribunals, in order to keep the system together and prevent it from exploding into a multitude of small particles. (...) The question then becomes: Can there be a ‘judicial system’ without a centralized ‘judicial power’ invested in it, and with the jurisdiction of its components remaining in general ultimately consensual?” (ABI-SAAB, Georges. Fragmentation or unification: some concluding remarks. New York University Journal of International Law and Politics, v. 31, p. 926, 1999). 271 “Although a number of treaties provide for the choice of a forum clause or an exclusive forum clause, an overlap and even clash of jurisdiction is unavoidable due to the quasi-automatic and compulsory nature of the WTO dispute settlement mechanism.” (KWAK, Kyung; MARCEAU, Gabrielle. Overlaps and conflicts of jurisdiction between the WTO and RTAs. Conference on Regional Trade Agreements. Genebra: World Trade Organization, 26.04.2002, p.1; tb. ver MARCEAU, Gabrielle. Dispute settlement mechanisms – Regional or Multilateral: which one is better?. Journal of World Trade, v. 31, n.3, p. 169179, 1997). A questão dos conflitos de competência tende a ganhar espaço com o aumento da legalização dos regimes internacionais, especificamente com a proliferação de tribunais internacionais. A respeito, ver COUSTON, Mireille. La multiplication des juridictions internationales. Sens et dynamiques. Journal du Droit International, ano 129, n.1, p. 5-53, 2002.

180

paralelismo entre a atuação do sistema multilateral e dos sistemas regionais e teríamos mais um exemplo de forum shopping? Essa talvez seja a questão com maior teor “jurídico” a ser debatida no ambiente do regime multilateral do comércio, em que proliferam, no mais das vezes, debates de cunho predominantemente econômico. Foi salientado acima que o Protocolo de Olivos, nos parágrafos 2º e 3º do Art. 1º, cuidou de assentar uma regra com vistas a conter o problema da duplicidade de julgamentos sobre a mesma disputa. Porém, seria tal regra invocável perante as instâncias multilaterais? Na medida em que se trata de relacionar procedimentos de solução de controvérsias – o marco regional com o marco da OMC -, o embasamento normativo multilateral que guia o exame será o Entendimento de Solução de Controvérsias (ESC).

B.2.1) O Art. 23 do Entendimento de Solução de Controvérsias (ESC): o que significa o “fortalecimento” do sistema multilateral?

O Art. 23 do ESC, ao assentar o fortalecimento do sistema multilateral (strengthening of the Multilateral System), parece afastar qualquer interpretação que impeça o recurso ao Mecanismo de Solução de Controvérsias. Na verdade, o § 2º, (a) mantém a competência dos órgãos multilaterais: 1. Quando um membro buscar a reparação por uma violação de obrigações ou outra qualquer anulação ou prejuízo dos benefícios decorrentes dos acordos abrangidos ou um qualquer impedimento a que se alcance qualquer objetivo dos acordos abrangidos, eles deverão recorrer e cumprir as regras e procedimentos deste Entendimento. 2. Em tais casos, os membros deverão: a) abster-se de tomar uma decisão com o efeito de determinar que uma violação ocorreu, que os beneficios foram anulados ou afastados ou que

181

a persecução de qualquer objetivo dos acordos abrangidos foi obstado, exceto através do recurso à solução de controvérsias de acordo com as regras e procedimentos deste Entendimento, e deverão adotar tal determinação em conformidade com as conclusões contidas nos relatórios do painel ou do Órgão de Apelação adotados pelo OSC ou um laudo arbitral conforme este Entendimento.272

A norma foi criada com a finalidade específica de evitar mecanismos domésticos de “autotutela” que certos países mantinham, com vistas a combater práticas de comércio internacional que eram lesivas à sua indústria. O exemplo ilustrativo é a Seção 301, prevista no Trade Act norte-americano de 1974. Assim, uma interpretação da regra do Art. 23 conduz à conclusão de que seu objetivo primordial é o de evitar a aplicação unilateral de sanções comerciais, em benefício da autorização multilateral para que tais sanções sejam adotadas. Nesse sentido, o relatório do painel que analisou a legalidade das Seções 301-310 do Act273 referido aponta claramente para o objetivo de combate ao unilateralismo: 7.35. O Artigo 23 do ESC lida, como o título indica, com o ‘Fortalecimento do Sistema Multilateral’. O seu contorno geral visa prevenir os membros da OMC de unilateralmente resolver suas disputas com respeito aos direitos e deveres decorrentes da OMC.

272

(“1. When Members seek the redress of a violation of obligations or other nulllification or impairment of benefits under the covered agreements or an impediment to the attainment of any objective of the covered agreements, they shall have recourse to, and abide by, the rules and procedures of this Understanding. 2. In such cases, Members shall: a) not make a determination to the effect that a violation has occurred, that benefits have been nullified or impaired or that the attainment of any objective of the Covered Agreements has been impeded, except through recourse to dispute settlement in accordance with the rules and procedures of this Understanding, and shall make any such determination consistent with the findings contained in the panel or Appellate Body report adopted by the DSB or an arbitration award under this Understanding.(...)”) A disposição do Art. 23, ESC, fez com que Dominique CARREAU e Patrick JULLIARD dissessem que “(...) ce nouveau mécanisme multilatéral présente le gros avantage d´être exclusif des instruments nationaux de défense commerciale du type de la section 301 et surtout de la ‘section super-301’ des Trade Acts américains de 1974 et 1988” (op. cit., p.71). 273 United States – Sections 301-310 of the Trade Act of 1974. Relatório do Painel, WT/DS152/R, 22.12.1999, §7.35.

182

Ele o faz obrigando os membros a seguir as regras e procedimentos multilaterais do ESC.274 (grifado)

A regra do art. 23 afasta a idéia de que existiria algo como uma exigência de “esgotamento dos recursos internos”, antes que uma controvérsia fosse encaminhada à OMC: ao contrário, já que a norma atribui apenas às instâncias multilaterais a competência para apontar os casos de nullification or impairment, tudo indica que nem mesmo devem ser tentados os procedimentos domésticos de revisão, previstos pelos próprios acordos da OMC (como, por exemplo, o Art. 18 do ASMC). Em outros termos, instalada a controvérsia, a sede de sua resolução seria a OMC, a despeito da existência de remédios domésticos que poderiam ser empregados. Sob esse prisma, o Art. 23 não teria feito distinção entre mecanismos domésticos (unilaterais) de solução de controvérsias e mecanismos regionais (que não são unilaterais): ambos seriam exógenos em relação ao sistema multilateral, cujo caráter de self-contained system parece reforçado pela regra do Art. 23, de modo a tornar as instâncias multilaterais impermeáveis a qualquer decisão emanada de órgãos externos275. No entanto, seria possível enquadrar os sistemas regionais de solução de controvérsias, de resto previstos pela própria normativa multilateral, como sendo 274

(“7.35. Article 23 of the DSU deals, as its title indicates, with the ‘Strengthening of the Multilateral System’. Its overall design is to prevent WTO members from unilaterally resolving their disputes in respect of WTO rights and obligations. It does so by obligating Members to follow the multilateral rules and procedures of the DSU.”, grifado). 275 Sob uma tal leitura, o Art. 23, ao invés de proibir o recurso à solução de litígios por órgãos externos à OMC estaria, na verdade, estabelecendo os efeitos, frente à OMC, dessas decisões: “Deve escludersi, cioè, che, al di fuori delle ipotesi espressamente regolate, le vicende processuali relative agli accordi esterni possano avere un effetto diretto per l´ordinamento giuridico dell´OMC, nel senso, ad esempio, che esse possano valere como estoppel ai fini di eventuali, successive constestazioni relative a situazioni giuridiche createsi in base agli accordi gestiti dall´Organizzazione (e più in particolare che davanti ai suoi organi possa opporsi l´eccezione della litispendenza o della res judicata per impedire l´azionamento dei meccanismi contenziosi previsti dall DSU), oppure che si possa far valere un riconoscimento automatico delle decisioni emanate daí fori esterni.” (LIGUSTRO, Aldo. La soluzione delle controversie nel sistema dell´Organizzazione Mondiale del Commercio: problemi interpretativi e prassi applicativa. Rivista di Diritto Internazionale. V. LXXX, n.4, pp. 1053-4, 1997).

183

exógenos ao sistema? Poderiam as instâncias multilaterais deixar de julgar uma disputa, envolvendo membros de um bloco de integração, quando as normas regionais exigirem jurisdição exclusiva?276 A questão que se põe, assim, é diversa daquela aventada anteriormente e que tratava das normas que os órgãos do MSC podem aplicar. Sabe-se que litígios entre membros de um bloco de integração podem chegar até a OMC e que, perante a Organização, apenas normas multilaterais são aplicáveis277. Aqui se trata, ao invés, de determinar se a atuação de órgãos regionais de solução de controvérsias de alguma forma altera ou limita a competência da OMC para apreciar litígios entre seus membros. Na relação entre o MSC e os órgãos regionais de solução de controvérsias – e sempre tendo em conta o Art. 23 -, três cenários podem ser delineados: (a) a OMC é a única instância que decide sobre os litígios acerca da aplicação dos acordos multilaterais, mesmo que eles se apliquem, de igual forma, para blocos de integração cujas normas não sejam OMC-plus; (b) a OMC serve como uma instância de segundo grau frente aos órgãos regionais; ou (c) a OMC apenas atua nos casos em que a norma regional autorizar. Segue a análise de cada uma das hipóteses.

276

Acerca da relação OMC-NAFTA, regime no qual o Art. 2005 estabelece em alguns casos a exclusividade de jurisdição, Gabrielle Marceau afirma: “If a dispute is initiated under the DSU, it is extremely doubtful that a DSU panel would give any consideration to a party´s request to halt the procedures because similar or related procedures are taking place under a regional arrangement, such as NAFTA. (...) It would be difficult for a WTO panel to refuse to hear a WTO Member complaining about a measure inconsistent with the WTO, because the complaining or defending Member may have a more specific or even more appropriate defence or remedy in another forum, concerning the same legal facts. On the other hand, in initiating a parallel WTO dispute, a NAFTA party may be in violation of its obligation under NAFTA, but this again is outside the scope of the WTO.” (NAFTA and WTO dispute settlement rules. A thematic comparison. Journal of World Trade, v. 31, n.2, p. 74, 1997). 277 Constatação que, na verdade, não altera em muito os dados do problema porque vários blocos possuem normas que pouco diferem das normas regionais, como sucede com o caso dos subsídios no Mercosul, conforme mostrado anteriormente.

184

a) A OMC como instância única Nesse caso, o Art. 23 é interpretado indistintamente tanto para os blocos como para as decisões domésticas. Isso quer dizer que é inteiramente irrelevante se instâncias regionais eventualmente atuaram sobre um determinado litígio e lançaram alguma decisão a respeito: as instâncias multilaterais desprezariam a existência de órgãos do bloco e analisariam, como ocorre com a generalidade dos casos, o comportamento do Estado demandado à luz da normativa da OMC. Ademais, uma tal interpretação do Art. 23 indicaria que a existência de norma regional impedindo o acesso à OMC, uma vez utilizado o procedimento regional, não produziria efeito algum perante a Organização. As violações às normas regionais (por exemplo, de cunho procedimental, como seria o caso) seriam vistas como problemas destinados à resolução no âmbito do bloco: a ineficácia das instâncias regionais para conter o desrespeito às suas decisões não seria problema multilateral, mas algo a ser resolvido pelos mecanismos regionais. Sem dúvida, a existência desse “desprezo” pressuporia que a “causa de pedir” da disputa entre os membros de um bloco seja rigorosamente a mesma daquela encaminhada à OMC e, evidentemente, que as normas regionais não sejam OMC-plus278, questões cuja resolução não se apresentam sempre muito fáceis.

278

E é em virtude dessa diferença de “causas de pedir”, que Gabrielle Marceau considera que os vários casos decididos tanto no âmbito do FTA-NAFTA quanto no do sistema GATT-OMC não são uma duplicação desrespeitosa à jurisdição regional (NAFTA and WTO dispute settlement rules, op. cit., p.81).

185

b) A OMC como instituição de segundo grau: princípio da subsidiariedade no Direito Internacional do Comércio? Uma interpretação mais otimista do Art. 23 partiria da premissa de que os blocos de integração têm sua criação prevista pela normativa OMC e que, portanto, seria razoável fazer uma leitura teleológica do artigo citado, com a finalidade de firmar a necessidade de exaustão de remédios regionais como condição para o prosseguimento da solução de uma controvérsia em âmbito internacional (ou multilateral); o fundamento para tal interpretação pode estar em norma não escrita, como a da boa-fé. Certo, uma eventual atuação da OMC em grau recursal só seria lícita se o litígio dissesse respeito à violação de normas regionais que fossem idênticas a normas multilaterais, na medida em que os órgãos multilaterais não aplicam normas regionais. Nesses casos, sempre considerando que as normas regionais pertinentes sejam similares às multilaterais, os painéis estariam agindo como verdadeiros órgãos de apelação para os quais o conhecimento integral da disputa estaria sendo devolvido, justamente porque teriam competência para conhecer de todo o litígio. Evidentemente, uma tal repartição das jurisdições regional e multilateral exigiria, no mínimo, uma interpretação teleológica do art. 23, à luz do art. XXIV, GATT, o que não existe ainda.

c) A atuação da OMC limitada pelas regras regionais Uma última leitura possível do Art. 23, para as hipóteses de um litígio envolvendo países que sejam membros de um bloco de integração, é a de que os órgãos

186

multilaterais apenas atuam nos casos em que a normativa regional autorize a discussão na OMC. Aqui, inegavelmente, os órgãos da OMC estariam aplicando norma regional, ainda que se trate de norma de cunho procedimental. Considerando que a decisão do painel para o caso das medidas antidumping argentinas aplicadas sobre frangos brasileiros lança alguma luz sobre o problema, analisaremos em um tópico separado esse último enfoque da relação entre os órgãos multilaterais e os regionais.

B.2.2) Um exercício especulativo sobre o alcance da regra do Art. 23 a partir do caso Antidumping sobre Frangos Brasileiros na OMC

Após perder, no âmbito do Mercosul, a disputa sobre a aplicação de direitos antidumping sobre os frangos que eram exportados para a Argentina, o Brasil resolveu dar prosseguimento à discussão e, com base na falta de normas impeditivas no Protocolo de Brasília, levou o caso para a OMC, requerendo a instalação de um painel. Nos pleadings, a Argentina sustentou que o painel deveria desconsiderar a demanda brasileira, que teria feito “coisa julgada”279 ou, subsidiariamente, julgar com base no que fora assentado pelo laudo arbitral do Mercosul280. O argumento argentino, então, equivalia a considerar a OMC como instância recursal. 279

Ponto no qual a Argentina foi acompanhada pelo Paraguai, que se manifestou como terceira parte (§7.28). 280 “Argentina requests that, in light of the prior MERCOSUR proceedings, the Panel refrain from ruling on the claims raised by Brazil in the present WTO dispute settlement proceedings. In the alternative, Argentina asserts that the Panel should be bound by the ruling of the MERCOSUR Tribunal.” (Argentina Definitive Anti-Dumping Duties On Poultry From Brazil. Relatório do Painel, WT/DS241/R, 22.04.2003, §7.17).

187

Os Estados Unidos, como terceiros participantes, argüiram que as normas regionais, mesmo as de cunho procedimental, não faziam parte dos covered agreements e que, portanto, não poderiam ser invocadas perante o painel 281. Vê-se, então, que os EUA sustentaram uma interpretação do Art. 23 que despreza a existência de prévia decisão judicial no âmbito regional, como se se tratasse de uma decisão doméstica comum. A União Européia, por sua vez, preferiu lançar sua argumentação a partir de uma interpretação que fez da normativa regional, aduzindo que o Protocolo de Brasília não impedia a discussão do tema no foro multilateral, isto é, não fazia coisa julgada perante o sistema de solução de controvérsias da OMC282. Enquanto os EUA abstiveram-se de interpretar a normativa regional, rejeitando-a inteiramente frente ao órgão multilateral, os europeus não descartaram a hipótese de que a normativa regional pudesse ser empregada como argumento no âmbito multilateral, de modo a determinar se era possível que a demanda fosse julgada na OMC. O argumento europeu, portanto, sustentava a possibilidade de a competência do MSC ser limitada por normas regionais. O painel entendeu que os argumentos trazidos pela Argentina não mereciam maior atenção uma vez que a normativa do Mercosul não impedia o subsequente encaminhamento à OMC: Em particular, o fato de que o Brasil escolheu não invocar o direito à solução de controvérsias na OMC após procedimentos no Mercosul de solução de disputas não significa, na nossa opinião, que o Brasil implicitamente recusou seus direitos decorrentes do ESC. Isso se deve especialmente ao fato de que o Protocolo de Brasília, sob o qual os casos prévios do Mercosul foram invocados pelo Brasil, não impunha restrições aos direitos do Brasil de provocar subsequentes procedimentos de solução de controvérsias na OMC a respeito da mesma medida. Nós observamos que o Brasil assinou o Protocolo de 281 282

§7.30. §7.27.

188

Olivos em fevereiro de 2002. O Artigo 1º do Protocolo de Olivos estabelece que uma vez que uma Parte decida levar um caso seja ao Mercosul ou à OMC, esta Parte não poderá mover um caso subsequente com respeito à mesma matéria ao outro foro. O Protocolo de Olivos, entretanto, não muda nossa opinião, porquanto aquele Protocolo ainda não entrou em vigor e, de qualquer forma, não se aplica sobre as disputas já decididas de acodo com o Protocolo de Brasília. 283

(grifado)

A argumentação do painel, vê-se claramente, é fundada na dicção das normas regionais: como o Protocolo de Brasília não dizia nada sobre a exclusividade da jurisdição do Tribunal Arbitral do Mercosul, nada obstava a rediscussão do problema na OMC, nem mesmo a regra da boa-fé. Como foi salientado no capítulo anterior, o advento do Protocolo de Olivos cuida do problema e garante às decisões regionais efeito de coisa julgada entre as partes. O Protocolo, contudo, não estava em vigor na época em que surgiu o litígio. O painel teve em conta essa constatação e afastou a aplicação do Protocolo de Olivos por este motivo. Entretanto, qual seria a decisão do painel se o Protocolo de Olivos estivesse em vigor? Em princípio, parece claramente que o painel seguiria a aplicação da normativa regional para deixar de julgar os casos que já tivessem sido submetidos à decisão pelo Tribunal Arbitral do Mercosul.

283

(“In particular, the fact that Brazil chose not to invoke its WTO dispute settlement rights after previous MERCOSUR dispute settlement proceedings does not, in our view, mean that Brazil implicitly waived its rights under the DSU. This is especially because the Protocol of Brasilia, under which previous MERCOSUR cases had been brought by Brazil, imposes no restrictions on Brazil's right to bring subsequent WTO dispute settlement proceedings in respect of the same measure. We note that Brazil signed the Protocol of Olivos in February 2002. Article 1 of the Protocol of Olivos provides that once a party decides to bring a case under either the MERCOSUR or WTO dispute settlement forums, that party may not bring a subsequent case regarding the same subject-matter in the other forum. The Protocol of Olivos, however, does not change our assessment, since that Protocol has not yet entered into force, and in any event it does not apply in respect of disputes already decided in accordance with the MERCOSUR Protocol of Brasilia.”, §7.38, grifado).

189

Nota-se, então, que o precedente que há sobre a relação entre as jurisdições regional e multilateral – ainda que não seja um relatório do Órgão de Apelação – é de que a norma regional sobre o assunto é aplicada pelo órgão multilateral que pode, portanto, ter sua competência limitada. É uma outra forma de ler teleologicamente o Art. 23, com a diferença de que, ao contrário da hipótese aventada na letra “b)” acima, cuida-se aqui de competência exclusiva e não de hierarquia de competências. A conclusão acima não é atingida pelo restante da argumentação do painel, ilustrada pelo trecho a seguir: Ao invés de preocupar-se com a interpretação dos acordos da OMC, a Argentina argumenta que as decisões emanadas anteriormente do Tribunal do Mercosul requer que julguemos de uma forma específica. Em outras palavras, a Argentina gostaria que aplicássemos as normas pertinentes da OMC de uma forma específica, ao invés de interpretá-las de uma forma específica. Entretanto, não há fundamento no Artigo 3.2 do ESC, ou em qualquer outra norma, a sugerir que nós estejamos vinculados a decidir de uma forma específica, ou de aplicar as normas pertinentes da OMC de uma maneira específica. Nós observamos que nós não estamos nem mesmo vinculados às decisões contidas em relatórios dos painéis adotados pela OMC, de modo que não vemos razão alguma em por que deveríamos estar vinculados às decisões de órgãos de solução de controvérsias não pertencentes à OMC. Desse modo, rejeitamos os argumentos alternativos apresentados pela Argentina, com respeito ao Artigo 31.3 (c) da Convenção de Viena284

(grifado). A lógica impressa no trecho é a de que o painel não está obrigado a levar em conta a argumentação lançada pelo Tribunal Arbitral do Mercosul. Porém, diante da 284

(“Rather than concerning itself with the interpretation of the WTO agreements, Argentina actually argues that the earlier MERCOSUR Tribunal ruling requires us to rule in a particular way. In other words, Argentina would have us apply the relevant WTO provisions in a particular way, rather than interpret them in a particular way. However, there is no basis in Article 3.2 of the DSU, or any other provision, to suggest that we are bound to rule in a particular way, or apply the relevant WTO provisions in a particular way. We note that we are not even bound to follow rulings contained in adopted WTO panel reports, so we see no reason at all why we should be bound by the rulings of non-WTO dispute settlement bodies. Accordingly, we reject Argentina's alternative arguments regarding Article 31.3(c) of the Vienna Convention.”, §7.41, grifado).

190

linha de raciocínio anterior, isso não quer dizer que a jurisdição do painel independe da prévia decisão regional; ao contrário, o argumento parece indicar apenas que, na medida em que a normativa regional permite a rediscussão multilateral do assunto, o painel irá conhecer da disputa como se se tratasse de uma controvérsia qualquer, à qual o painel não está obrigado nem mesmo pelas decisões dos painéis precedentes. Essa leitura fica clara diante do fato de que o painel desvincula-se não apenas da decisão regional mas de qualquer tentativa de pretender ligá-lo à linha de raciocínio desenvolvida pelos painéis anteriores. A situação do paralelismo não está resolvida285. Porém, a possibilidade de que uma controvérsia entre membros de um bloco de integração esteja submetida à incidência de normas regionais e multilaterais, simultaneamente, sugere que essa diferença entre competências pode servir para mascarar uma espécie de litispendência que não se conseguiu resolver. Ademais, não se pode desprezar que a vis attractiva de um regime sobre o outro – o regime da OMC em detrimento do regime do Mercosul, na hipótese – pode repousar sobre a efetividade do sistema de sanção. Considerando que o Protocolo de Olivos avança pouco sobre o assunto, a possibilidade de que a própria norma de “coisa julgada regional” seja violada não está descartada. A solução para o problema, na verdade, em um ambiente de Estados que ainda mantêm margem de escolha sobre como se comportar no cenário internacional,

285

“There appears to be no legal solution for a situation where two Members are faced with two treaties that contain overlapping and potentially conflicting jurisdictions. (...) It is therefore for WTO Members to negotiate how they want to allocate jurisdiction between RTAs [regional trade agreements] and the WTO, and how the dispute settlement mechanism of RTAs and that of the WTO will operate.” (KWAK, Kyung; MARCEAU, Gabrielle, op. cit., p.12).

191

decorrerá da eficácia que se pretenda imprimir – ou não – aos compromissos assumidos no âmbito do Mercosul. Isso, contudo, não pode ser objeto de avaliação jurídica.

192

CONCLUSÕES O regime internacional do comércio estrutura-se em torno da OMC. Toda e qualquer análise sobre institutos que vigem nas relações entre membros de bloco de integração deve partir do exame das normas multilaterais pertinentes, classificadas pelos sub-regimes nos quais se inserem. Um estudo do regime de subsídios no Mercosul, destarte, deve partir da análise das normas multilaterais sobre subsídios e das normas multilaterais sobre acordos regionais de comércio. Em outros termos, cuida-se de adequar as normas regionais ao espaço permitido por dois sub-regimes multilaterais. As normas multilaterais que lidam com o tema dos subsídios se encontram principalmente no ASMC. O Acordo estabelece os limites da ação estatal no campo das políticas industriais que possam causar prejuízo à concorrência internacional, na medida em que a participação estatal sobre o comércio internacional, conforme o grau, pode ser considerada como prática de concorrência desleal (unfair trade). Apesar do avanço no campo dos subsídios trazidos com o advento do ASMC, o Acordo não estabelece nenhuma regra específica para o regime de subsídios nas relações entre os membros de um bloco de integração. O Art. XXIV do GATT, juntamente com o Memorando que o interpreta, estabelecem normas que regulam a compatibilidade dos acordos regionais de comércio com o regime multilateral. A despeito de sua importância, as incertezas em torno da interpretação do Artigo são imensas, o que ensejou sua inscrição em um dos mandatos negociadores da atual Rodada de Doha. Acerca da disciplina dos subsídios nos blocos de integração, a interpretação do Art. XXIV revela normas específicas sobre a matéria. As

193

várias imprecisões sobre os termos do Art. XXIV, contudo, tornam necessária a utilização da prática dos blocos como um critério interpretativo de seu significado. O Mercosul possui normas que disciplinam explicitamente os subsídios. Na verdade, apesar das oscilações da jurisprudência dos Tribunais Arbitrais que foram constituídos para resolver controvérsias que nem sempre disseram respeito ao tema, o regime dos subsídios no bloco é disciplinado pelas normas multilaterais, que, ademais, já incidiam sobre os Estados membros. Sob esse prisma, o regime do Mercosul é muito pouco OMC plus. Ressalvada a necessidade de consultar os parceiros do bloco, as normas multilaterais vigem como se não houvesse normas do bloco sobre o assunto. O que se pode apontar no regime de subsídios no Mercosul, algo encontrado também em vários outros blocos de integração, é a existência de um mecanismo de solução de controvérsias razoavelmente institucionalizado, que permite aos parceiros lesados resolver, no âmbito regional, os prejuízos causados pela concessão de subsídios ou pela imposição de medidas compensatórias. Contudo, considerando que as normas materiais do Mercosul sobre subsídios são pouco OMC plus, não se pode desprezar a constatação de que casos envolvendo subsídios entre os membros do bloco sejam rediscutidos na OMC. À luz do precedente do caso das medidas antidumping sobre frangos brasileiros – tanto a decisão do TA quanto o resultado da decisão do painel – pode-se prever que isso é bastante factível. Talvez a entrada em funcionamento do Tribunal Permanente de Recursos possa alterar esse quadro. Na medida em que a política de subsídios é um capítulo da harmonização de políticas macroeconômicas, a institucionalização dessa atividade coordenada ainda demanda maior empenho dos Estados-Membros; um empenho que, ao que demonstra a

194

análise comparada, provavelmente dirija-se no sentido do aumento das “zonas de codecisão”, isto é, dos temas para os quais o bloco preveja decisão regional prévia, e não posterior, como atualmente sucede.

195

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ABI-SAAB, Georges. Fragmentation or unification: some concluding remarks. New York University Journal of International Law and Politics, v. 31, p.919-933, 1999. ABBOTT, Frederick. The North American integration regime and its implications for the World Trading System. In: WEILER, Joseph H.H. The EU, the WTO and the NAFTA. Nova Iorque: Oxford University Press, 2001, p. 169-200. ________. NAFTA and the legalization of world politics: a case study. International Organization, v. 54, n. 3, p. 135-163, 2000. ABBOTT, Kenneth W.; KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; SLAUGHTER, Anne-Marie; SNIDAL, Duncan. The concept of legalization. International Organization, v. 54, n. 3, p. 17-35, 2000. ALMEIDA, Paulo Roberto de. MERCOSUL – Fundamentos e Perspectivas. 2 ed. São Paulo: LTr, 1998. __________. O Brasil e o multilateralismo econômico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. __________. Mercosul em sua primeira década (1991-2001): uma avaliação política a partir do Brasil. Buenos Aires: INTAL – ITD – STA, Documento de divulgação 14, 2002. ANDERSON, Andrew D.M. An analysis of the proposed Subsidies Code Procedures in the ‘Dunkel Text’ of the GATT Uruguay Round. Journal of World Trade, v. 27, n.3, p. 71-100, 1993. BALDWIN, Robert E. Imposing multilateral discipline on administered protection. In: KRUEGER, Anne O. (ed.). The WTO as an international organization. Chicago: Chicago University Press, 1998, p. 297-328. BARRAL, Welber. Dumping e comércio internacional: a regulamentação antidumping após a Rodada Uruguai. Rio: Forense, 2000.

196

BEHBOODI, Rambod. Legal reasoning and the International Law of Trade – The first steps of the Appellate Body of the WTO. Journal of World Trade, v. 32, n.4, p. 5599, 1998. BEKERMAN, Marta; SIRLIN, Pablo. Harmonização de políticas industriais e padrão de especialização no Mercosul. Contexto internacional, v. 20, n.2, p. 507-36, 1998. BÉNITAH, Marc. Fondements juridiques du traitement des subventions dans les systèmes GATT & OMC. Genebra: Librairie Droz, 1998. BERGERÈS, Maurice-Christian. Les juridictions nationales et les aides d´État contraires au droit communautaire. Recueil Dalloz, 3e. cahier, Chronique, p.27-31, 1998. BERNAL-MEZA, Raúl. Os dez anos de Mercosul e a crise argentina: a necessidade de revisar o modelo de integração. Política Externa, v.10, n.4, p. 7-46, 2002. BERROD, Frédérique. La Cour de Justice refuse l´invocabilité des accords OMC: essai de régulation de la mondialisation. Révue Trimestrielle de Droit Européen, v.36, n.3, p. 419-450, 2000. BEVIGLIA ZAMPETTI, Americo. The Uruguay Round Agreement on Subsidies: A forward-looking assessment. Journal of World Trade, v. 29, n.6, p. 5-29, 1995. BHAGWATI, Jagdish; PANAGARIYA, Arvind (eds.). The economics of preferential trade agreements. Washington: The American Enterprise Institute Press, 1996, p.4. BODANSKY, Daniel; CROOK, John R. Symposium: ILC´s State Responsibility Articles. Introduction and overview. American Journal of International Law, v. 96, p. 773-791, 2002. BRANDÃO, Antônio Salazar; LOPES, Mauro de Rezende; PEREIRA, Lia Valls. Uma análise quantitativa dos impactos do Mercosul sobre o Brasil. In: BRANDÃO, Antônio Salazar; PEREIRA, Lia Valls (orgs.). Mercosul: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996, p.47-75. BULL, Hedley. The anarchical society. 2 ed. Nova Iorque: Columbia University Press, 1995.

197

BURLEY, Anne-Marie; MATTLI, Walter. Europe before the Court: a political theory of legal integration. International Organization, v. 47, n.1, p. 41-76, 1993. CADSBY, Charles Bram; WOODSIDE, Kenneth. Domestic injury, procedural parallelism and the future of countervail. Journal of World Trade, v.30, n.5, p.177181, 1996. CÁRDENAS, Emilio J.; TEMPESTA, Guillermo. Arbitral awards under Mercosur´s dispute settlement mechanism. Journal of International Economic Law, v. 4, n.2, p. 337-366, 2001. CARREAU, Dominique; JUILLARD, Patrick. Droit International Économique. 4. ed., Paris: LGDJ, 1998. CARRILLO-SALCEDO, Juan Antonio. Droit International et souveraineté des Etats. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 257, p.35-221, 1996. COLLINS-WILIAMS, Terry; SALEMBIER, Gerry. International disciplines on subsidies – The GATT, the WTO and the future agenda. Journal of World Trade, v. 30, n.1, p. 5-17, 1996. COUSTON, Mireille. La multiplication des juridictions internationales. Sens et dynamiques. Journal du Droit International, ano 129, n.1, p. 5-53, 2002. DELMAS-MARTY, Mireille. La mondialisation du droit: chances et risques. Recueil Dalloz, 5. Cahier, Chronique, p. 43-48, 1999. DINH, Nguyen Quoc; DAILLET, Patrick; PELLET, Alain. Droit International Public. 6. ed., Paris: LGDJ, 1999. DUPUY, Pierre-Marie. The danger of fragmentation or unification of the international legal system and the International Court of Justice. New York University Journal of International Law and Politics, v.31, p. 791-807, 1999. DUPUY, René-Jean. O Direito Internacional. Tradução de Maria Cláudia Rocha. Lisboa: Arcádia, 1970.

198

FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 1999. FERRER, Aldo. A relação Argentina-Brasil no contexto do Mercosul e a integração sulamericana. Política Externa, v. 9, n. 2, p. 5-17, 2000. FRANKEL, Jeffrey. Regional trading blocs in the World Trading System. Washington: Institute for International Economics, 1997. GAGNÉ, Gilbert. The Canada-US Softwood Lumber Dispute – An Assessment after 15 years. Journal of World Trade, v. 33, n. 1, p.67-86, 1999. GIARDINA, Andrea. La mise en oeuvre au niveau national des arrêts et des décisions internationaux. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 165, n. IV, p.235-352, 1979. GINESTA, Jacques. El Mercosur y su contexto regional e internacional. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999. GOLDSTEIN, Judith. International institutions and domestic politics: GATT, WTO, and the liberalization of international trade. In: Anne KRUEGER (ed.). The WTO as an international organization. Chicago: The University of Chicago Press, 1998, p.133160. GOLDSTEIN, Judith; MARTIN, Lisa L. Legalization, trade liberalization and domestic politics: A cautionary note. International Organization, v. 54, n.3, p. 219-248, 2000. GONÇALVES PEREIRA, André; QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Internacional Público. 3. ed., Coimbra: Almedina, 2001. GONZÁLEZ, Flavio Floreal. Órganos y procedimientos regionales contra las prácticas desleales de comercio. Análisis del Mercosur y la experiencia comparada. Disponível no site . HAHN, Michaël J; SCHUSTER, Gunnar. Le droit des États membres de se prévaloir en justice d´un accord liant la Communauté. Révue Générale de Droit International Public, v.2, 1995.

199

HART, Herbert L.A.. O conceito de Direito. 2. ed. Tradução de Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. HENKIN, Louis. How Nations behave – Law and foreign policy. 2. ed. Nova Iorque: Columbia University Press, 1979. HENKIN, Louis; SCHACHTER, Oscar; PUGH, Richard Crawford; SMIT, Hans. International Law – Cases and Materials. 3. ed, 2. reimp. Saint Paul: West Publishing Co., 1998. HOBSBAWN, Eric J.. A Era dos Extremos – O Breve Século XX (1914-1991). 2. ed., 10. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. HOEKMAN, Bernard; KOSTECKI, Michel. The political economy of the World Trading System. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001. JACKSON, John H. The world trading system. 2. ed., 3. Reimp.. Cambridge: MIT Press, 1999. KELSEN, Hans. Derecho y paz en las relaciones internacionales. 2. ed. 1. reimp. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1996. KEOHANE, Robert O.. After Hegemony. Princeton: Princeton University Press, 1984. KEOHANE, Robert O.; MILNER, Helen. Internationalization and domestic politics: a conclusion. In: ______ (eds.). Internationalization and domestic politics. 1.. reimp. Nova Iorque: Cambridge University Press, 1999, p. 243-258. KESSIE, Edwini. Enhancing security and predictability for private business operators under the Dispute Settlement System of the WTO. Journal of World Trade, v.34, n. 6, p.1-17, 2000. KEWALRAM, Ravi. The Australia-New Zealand Closer Economic Relations Trade Agreement – An experiment with the replacement of anti-dumping laws by trade practices legislation. Journal of World Trade, v. 27, n.5, p. 111-124, 1993.

200

KLEINFELD, George; KAYE, David. Red light, green light? The 1994 Agreement on Subsidies and Countervailing Measures, research and development assistance, and U.S. policy. Journal of World Trade, v. 28, n.6, p. 43-63, 1994. KOVAR, Robert. Les prises de participation publiques et le régime communautaire des aides d´État. Révue trimmestrielle de droit commercial et de droit économique, v. 1, ano 45, p.109-157, 1992. KRASNER, Stephen. Structural causes and regime consequences: Regimes as intervening variables. In: ______ (ed.). International regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1983, p.1-22. KWAK, Kyung; MARCEAU, Gabrielle. Overlaps and conflicts of jurisdiction between the WTO and RTAs. Conference on Regional Trade Agreements. Genebra: World Trade Organization, 26.04.2002, disponível no site . KWAKWA, Edward. Regulating the international economy: what role for the State?. In: BYERS, Michael (ed.). The role of law in international politics. Oxford: Oxford University Press, 2000, p.227-246. LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. ______. O Convênio do Café de 1976. São Paulo: Perspectiva, 1979. LAUTERPACHT, Hersch. The function of law in the international community. Oxford: Clarendon Press, 1933. LIGUSTRO, Aldo. La soluzione delle controversie nel sistema dell´Organizzazione Mondiale del Commercio: problemi interpretativi e prassi applicativa. Rivista di Diritto Internazionale, v. LXXX, n.4, p. 1003-1085, 1997. LOUNGNARATH, Vilaysoun; STEHLY, Céline. The general dispute settlement mechanism in the North American Free Trade Agreement and the World Trade Organization System. Journal of World Trade, v. 34, n.1, 2000, p.39-71. LOWE, Vaughan. The Politics of law-making: are the method and character of norm creation changing? In: BYERS, Michael (ed.). The role of Law in international politics. Oxford: Oxford University Press, 2001, p.207-226.

201

MARCEAU, Gabrielle. Dispute settlement mechanisms – Regional or Multilateral: which one is better? Journal of World Trade, v. 31, n.3, p. 169-179, 1997. __________. NAFTA and WTO dispute settlement rules. A thematic comparison. Journal of World Trade, v. 31, n.2, p. 25-82, 1997. MARTHA, Rutsel Silvestre J. World trade disputes settlement and the exhaustion of local remedies rule. Journal of World Trade, v. 30, n.4, p. 107-130, 1996. MATTLI, Walter. The logic of regional integration. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. MATTOO, Aaditya. Dealing with monopolies and State trading enterprises: WTO rules for goods and services. Genebra: WTO Staff Working Paper TISD9801.WPF, disponível no site , janeiro 1997. MAVROIDIS, Petros. Remedies in the WTO legal system: between a rock and a hard place. European Journal of International Law, v. 11, n.4, p. 763-814, 2000. MAVROIDIS, Petros et alii. Is the WTO Dispute Settlement Mechanism responsive to the needs of the traders? Would a system of direct action by private parties yield better results? Journal of World Trade, v. 32, n.2, p. 147-165, 1998. McCALL SMITH, James. The politics of dispute settlement design: explaining legalism in regional trade pacts. International Organization, v. 54, n.1, p. 137-180, 2000. McGINNIS, John O.; MOVSESIAN, Mark L. The World Trade Constitution. Harvard Law Review, v. 114, n.2, p. 511-605, 2000. McRAE, Donald. The contribution of International trade law to the development of international law. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 260, p.99-237, 1996. MORAES, Henrique Choer. A atuação externa do Estado em benefício de particulares: uma análise da formação da micropolítica externa. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 45, n. 2, p. 115-134, 2002.

202

________. O novo sistema jurisdicional do Mercosul – Um primeiro olhar sobre o Protocolo de Olivos. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 10, n. 39, p. 57-72, 2002. ________. A importância do tribunal arbitral no Mercosul ou Taking Mercosul seriously. Revista da Faculdade de Direito Ritter dos Reis, v. VI, p. 43-68, 2003. MOTA DE CAMPOS, João. Direito Comunitário. v. III, 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. NYE., Jr., Joseph S. Understanding international conflicts. 2. ed. Nova Iorque: Longman, 1997 OLIVEIRA, Amâncio Jorge; SENNES, Ricardo Ubiraci. Teoria sincrônica da integração regional: matrizes teóricas e percepção das elites do Mercosul. Contexto internacional, v. 23, n.1, p. 77-100, 2001. ORTEGA, Marta. El acceso de los particulares a la justicia comunitaria. Barcelona: Ariel, 1999. PASTOR RIDRUEJO, José Antonio. Cours général de Droit International Public. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 274, p. 9-308, 1998. PAUWELYIN, Joost. The nature of WTO obligations. Nova Iorque: Jean Monnet Working Paper 1/02, New York University School of Law, 2002. PEÑA, Félix. Mercosul: análise de uma década e tendências para o futuro. Política Externa, v.10, n.1, p.5-23, 2001. PETERSMANN, Ernst-Ulrich. How to promote the international rule of law? Contributions by the WTO Appellate Review System. Academy of European Law online – Harvard Law School e European University Institute, disponível no site . QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público. 2ª reimp. Lisboa: Almedina, 1991.

203

QURESHI, Asif H.. The role of GATT in the management of trade blocs. Journal of World Trade, v. 27, n.3, p. 101-115, 1993. RAGAZZI, Maurizio. The concept of international obligations erga omnes. Oxford: Clarendon Press, 1997. RENOUF, Yves. Le règlement des litiges. In: FLORY, Thiebaut (dir.). La Communauté Européene et le GATT. Rennes: Editions Apogée, 1995, p. 41-62. SCELLE, Georges. Droit International Public. Paris: Domat-Montchrestien, 1944. SEIDL-HOHENVELDERN, Ignaz. International Economic ‘Soft Law’. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 163, n. II, p. 167246, 1979. SLAUGHTER, Anne-Marie; MATTLI, Walter. Revisiting the European Court of Justice. International Organization, v. 52, n.1, p. 177-209, 1998. SLAUGHTER BURLEY, Anne-Marie. International Law and International Relations Theory: a dual agenda. American Journal of International Law, v. 87, n.2, p.205239, 1993. SOARES, Guido F.S. A compatibilização da ALADI e do Mercosul com o GATT. Boletim de Integração Latino-americana, n. 16, versão eletrônica disponível no site . ________. Uma revisão em profundidade, em 1996 de: As instituições do Mercosul e as soluções de litígios no seu âmbito – Sugestões. In: BAPTISTA, Luiz Olavo et alii. Mercosul – Das negociações à implantação. 2. Ed. São Paulo: Editora LTr, 1998, p. 31-162. STERN, Brigitte. How to regulate globalization? In: BYERS, Michael (ed.). The role of law in international politics. Oxford: Oxford University Press, 2000, p.247-268. THIERRY, Hubert. Cours général de Droit International Public. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Haye, tomo 222, v. III, p. 9-186, 1990.

204

THORSTENSEN, Vera. Os acordos regionais de comércio e as regras da OMC. Política Externa, v. 9, n.1, p. 59-87, 2000. ______________. O Brasil diante de um tríplice desafio: negociações simultâneas da OMC, da Alca e do acordo CE/Mercosul. Política Externa¸ v. 10, n.3, p. 92-112, 2000-2001. TRACHTMAN, Joel P. International regulatory competition, externalization, and jurisdiction. Harvard International Law Journal, v. 34, n.1, p.47-104, 1993. TREBILCOCK, Michael. Competition policy and trade policy – mediating the interface. Journal of World Trade, v. 30, n.4, p. 71-106, 1996. VAZ, Alcides Costa. Cooperação, integração e processo negociador: a construção do Mercosul. Brasília: FUNAG-Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, 2002. _____. Mercosul aos dez anos: crise de crescimento ou perda de identidade? Revista Brasileira de Política Internacional, v. 44, n.1, p.43-54, 2001. WEIL, Prosper. Le Droit International en quête de son identité. Cours général de Droit International Public. Recueil des Cours de la Académie de Droit International de La Académie de Droit International de La Haye, tomo 237, v. VI, 1992. WEILER, Joseph H.H.. Towards a Common Law of International Trade. In: _______ (ed.). The EU, the WTO and the NAFTA. Nova Iorque: Oxford University Press, 2001, p. 201-232. WEINSTEIN, Michael M.; CHARNOVITZ, Steve. The greening of the WTO. Foreign Affairs, v.80, n.6, p. 147-157, 2001. YARBROUGH, Beth; YARBROUGH, Robert. Dispute settlement in international trade: regionalism and procedural coordination. In: MANSFIELD, Edward; MILNER, Helen (eds.). The political economy of regionalism. Nova Iorque: Columbia University Press, 1997, p. 134-163.

205

DECISÕES DE TRIBUNAIS INTERNACIONAIS OMC: Argentina - Definitive Anti-Dumping Duties On Poultry From Brazil, Relatório do Painel, WT/DS241/R, 22 de abril de 2003. Australia – Subsidies provided to producers and exporters of automotive leather, Relatório do Painel, WT/DS126/R, 25 de maio de 1999. Brazil – Export financing programme for aircraft, Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS46/AB/R, 2 de agosto de 1999. Brazil – Measures affecting desiccated coconut, WT/DS22/AB/R, Relatório do Órgão de Apelação, 21 de fevereiro de 1997. Canada – Measures affecting the export of civilian aircraft, Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS70/AB/R, 02 de agosto de 1999. European Communities – Measures affecting the importation of certain poultry products, Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS69/AB/R, 13 de julho de 1998. Turkey – Import restrictions on textiles, Relatório do Painel, WT/DS34/R, 31 de maio de 1999. United States – Antidumping Act of 1916. Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS136/AB/R e WT/DS162/AB/R, 28 de agosto de 2000. United States - Continued Dumping And Subsidy Offset Act Of 2000, Relatório do Painel, WT/DS217/5, 13 de julho de 2001. United States - Continued Dumping And Subsidy Offset Act Of 2000, Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS217/AB/R e WT/234/AB/R, 16 de janeiro de 2003. United States – Countervailing Measures Concerning Certain Products From The European Communities, Relatório do Painel, WT/DS212/R, 31 de julho de 2002. United States – Countervailing measures concerning certain products from the European Communities, Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS212/AB/R, 9 de dezembro de 2002. United States – Imposition of countervailing duties on certain hot-rolled lead and bismuth carbon steel products originating in the United Kingdom, Relatório do Painel, WT/DS138/R, 23 de dezembro de 1999. United States - Measures Treating Exports Restraints As Subsidies, Relatório do Painel, WT/DS194/R, 29 de junho de 2001. United States – Sections 301-310 of the Trade Act of 1974, Relatório do Painel, WT/DS152/R, 22 de dezembro de 1999. United States - Tax treatment for "Foreign Sales Corporations", Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS108/AB/R, 24 de fevereiro de 2000

MERCOSUL (laudos disponíveis no site www.mercosul.gov.br) Laudo sobre os Comunicados nº 37 e 7 do DECEX e da SECEX, em torno de medidas restritivas ao comércio (Argentina vs. Brasil), 28 de abril de 1999. Laudo sobre subsídios brasileiros para a produção e exportação de carne de suínos (Argentina vs. Brasil), 27 de setembro de 1999. Laudo sobre aplicação de medidas de salvaguardas sobre produtos têxteis (Brasil vs. Argentina), 10 de março de 2000.

206

Laudo sobre a aplicação de medidas antidumping contra a exportação de frangos inteiros, provenientes do Brasil (Brasil vs. Argentina), 21 de maio de 2001. Laudo sobre as restrições de acesso ao mercado argentino de bicicletas uruguaias (Uruguai vs. Argentina), 29 de setembro de 2001. Laudo sobre proibição de importação de pneus recauchutados procedentes do Uruguai (Uruguai vs. Brasil), 9 de janeiro de 2002. Laudo sobre a incompatibilidade do Regime de Estímulo à Industralização da Lã (Argentina vs. Uruguai), 4 de abril de 2003.

NAFTA Live Swine from Canada (Canada vs. EUA), painel binacional do art. 1904, USA-941904-01, 30.05.1995

CORTE DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS Fruchthandelsgesellschaft mbH Chemnitz contra Comissão das Comunidades Européias, Processo T-254/97, Colectânea, P.II-9/10, 1999

207

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.