Regimes de Segurança Coletiva Regional: O caso da Organização de Cooperação de Shanghai

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Douglas de Toledo Piza

Regimes de Segurança Coletiva Regional: O caso da Organização de Cooperação de Shanghai

Relatório final de pesquisa de Iniciação Científica sob a orientação do Prof. Dr. João Paulo Candia Veiga, tutelada pela bolsa Santander.

São Paulo 2009

SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................p. 02 OBJETIVOS........................................................................p. 04 METODOLOGIA................................................................p. 06 ANÁLISE............................................................................p. 10 PARTE I: PROSPECÇÃO DA LITERATURA Institucionalização da Segurança Internacional no centro do debate teórico de Relações Internacionais................................................................................p. 10 Regimes Internacionais: balizando os conceitos e a teoria.....................p. 40 Conceituação de segurança internacional e suas implicações teóricas.........................................................................................................p. 58 Regimes de Segurança.................................................................................p. 73 PARTE II: ESTUDO DE CASO Um quadro de referências para o estudo de regimes de segurança coletiva regionais.......................................................................................................p. 81 O caso da Organização de Cooperação de Shanghai................................p. 90

CONCLUSÃO.................................................................p. 102 BIBLIOGRAFIA..............................................................p. 104 ANEXOS.........................................................................p. 112

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INTRODUÇÃO O presente relatório refere-se projeto de pesquisa planejado para o período de novembro de 2008 à outubro de 2009, realizado por Douglas de Toledo Piza, graduando em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo – IRI/USP – sob a orientação de João Paulo Candia Veiga, professor doutor do IRI/USP e do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo – DCP/USP. O tema desse estudo, esboçado no projeto enviado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – o PIBIC/CNPq –, e que conta com a bolsa Santander, centra-se nos arranjos regionais de segurança à luz das teorias de relações internacionais. É bem verdade que alterações foram feitas, face ao projeto original entregue em março de 2008, com vistas a conferir maior consistência, seja teórica seja empírica, às análises em consecução. Entretanto, essas alterações, que serão discutidas infra, não prejudicam o foco ou os objetivos do estudo. Por um lado, a pretensão do Pacto da Liga das Nações e da Carta de São Francisco de criar um mecanismo global de segurança coletiva deu lugar, em certa medida, a aparição de arranjos ditos de segurança coletiva. Por outro lado, a observação empírica de proliferação de organizações internacionais regionais de segurança nas últimas décadas, sobretudo após o fim da tensão leste-oeste, gerou uma onda de pesquisas sobre teorias de regimes internacionais de caráter regional. O objeto de estudo a que se propõe aqui é exatamente o funcionamento de alguns destes arranjos a partir da verificação da aplicabilidade dos conceitos de regime regional e de segurança coletiva. A segurança internacional sempre fora a pedra de toque das relações internacionais (CROFT et al., 1999, p.10), e, como tal, o debate em torno de si não apenas motivou os precursores desta área de pesquisa – os primeiros teóricos de relações internacionais estavam preocupados com questões da guerra e da paz, a saber Norman Angel, Edward H. Carr, Hans Morgethau, entre outros – como também lapidou as teorias que compõe atualmente as especificidades deste campo teórico – o dito terceiro debate acadêmico1, que

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O primeiro debate teórico de relações internacionais teve lugar entre o fim da Primeira Guerra Mundial e os anos cinqüenta. De um lado, liberais-utópicos se preocupavam com a melhoria do mundo, a abolição da guerra, como o mundo deveria ser; de outro lado, realistas queriam compreender como o mundo de fato era, e o que determinava seu estado. Já durante o segundo debate, ocorrido entre os anos sessenta e

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finalmente elevou os estudos a um campo teórico, debruçava-se na capacidade das diferentes correntes teóricas explicar a segurança dos atores envolvidos na arena internacional. Portanto, o passo inicial desta pesquisa se deu com o intento de mapear o debate acadêmico entre as vertentes teóricas preeminentes acerca da institucionalização da segurança internacional. A análise desta pesquisa se divide em duas partes: a primeira se destina a procurar, dentre as teorias de relações internacionais, as brechas para se pensar regimes de segurança coletiva regional; a segunda, a compor um quadro analítico de referência para tal conceito de regimes, e a aplicá-lo a um caso empírico. A parte teórica comporta, além do acompanhamento do debate citado supra, o estado da arte da teoria dos regimes internacionais e do conceito de segurança internacional, bem como apresenta uma discussão dos regimes de segurança internacional. A parte empírica constitui-se de um quadro de referência (um framework de análises) de regimes de segurança coletiva regional e do estudo do caso da Organização de Cooperação de Shanghai. Deste modo, a estrutura do relatório é tal como se segue: i) além desta introdução, ii) há uma descrição dos objetivos da pesquisa, iii) apresentação da metodologia utilizada, iv) o desenvolvimento da análise (compreendendo as partes teórica e empírica), v) a conclusão e, por fim, vi) a referência bibliográfica.

setenta, o entrave era, sobretudo, metodológico, entre behavioristas e tradicionalistas [também ditos cientificistas e clássicos, respectivamente]; vale ressaltar que a agenda behaviorista punha grande parte das áreas de estudo dentro do campo das ciências sociais em polvorosa. Já ao longo da década de oitenta, as correntes teóricas divergiam entre si a partir de suas premissas, da condução de seu raciocínio lógico, dos argumentos levantados para sustentar sua tese e das soluções apresentadas. Fruto deste último debate, o discernimento entre os teóricos foi aguçado, as bases que estruturavam suas teorias foram melhor edificadas, e o campo se provou em natureza, escopo e metodologia específico, distinto da história e das ciências humanas, em geral, e das ciências sociais e da ciência política, em especial. Alguns autores percebem uma pluralidade de debates simultâneos dentro do que se convenciona chamar terceiro debate: o enfrentamento entre neorealistas e neo-liberais sobre a importância das instituições (o dito debate neo-neo); três paradigmas coerentes internamente, mas contraditórios entre si, buscando comprovar sua eficácia explicativa, a saber, o realismo, o liberalismo e o estruturalismo; e, por fim, o desafio epistemológico levantado pela teoria crítica e pelos póspositivistas contra as correntes que dominavam academicamente as relações internacionais. (CROFT et al., 1999, pp. 13-15)

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OBJETIVOS As hipóteses de que este estudo parte são duas. Primeiro, o conceito de regime de segurança pode elucidar a existência de arranjos de segurança regionais, o que vem sendo problemático e frutífero para o campo das relações internacionais. Os teóricos de relações internacionais divergem sobre as razões pelas quais estados co-pactuam quando temas de segurança estão em questão, o modo por que instituições supranacionais de segurança são capazes (ou não) de alterar a comportamento internacional, a permanência de tais instituições ao longo do tempo, entre outras questões; e o conceito de regime de segurança pode ser uma ferramenta analítica útil para respondê-las. Segundo, a idéia de segurança coletiva, embora esteja presente em vários momentos de alguns destes arranjos de segurança que se definem enquanto um mecanismo de segurança coletiva regional, pode não ser suficiente para designar a natureza de tal arranjo. Um dos poucos assuntos sobre o qual se atinge algo próximo do consenso na literatura de relações internacionais é a falha histórica dos mecanismos de segurança coletiva globais, a saber a Liga das Nações e as Nações Unidas. O termo que, antes de ser um conceito teórico per se, explicitava uma ação coletiva no campo prático ou político, está incorporado nos discursos em torno das organizações regionais de segurança, inclusive da OCS. Este estudo se presta a verificar se a idéia de segurança coletiva permeia ou não os arranjos regionais de segurança, em especial no estudo de caso; presta-se ainda a criticamente testar sua aplicabilidade, conferindo sua centralidade ou, ao contrário, sua posição retórica em tais arranjos. Resumidamente, o objetivo deste estudo, portanto, é demonstrar a utilidade do conceito de regime internacional para arranjos regionais de segurança e verificar a plausibilidade do conceito de segurança coletiva enquanto natureza normativa de tais arranjos. Dedicar-se a este tema, aqui sintetizado pela expressão regimes de segurança coletiva regional, significa simultaneamente acompanhar dois movimentos teóricoacadêmicos. O primeiro deles, em torno da institucionalização – é inegável a crescente importância das instituições e organizações internacionais no debate de relações internacionais, o que reproduz um crescimento empírico das mesmas. Há tópicos em que a

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rigidez de um regime global dificulta o sucesso do mesmo, o que tende a se resolver parcialmente em decorrência da flexibilidade de regimes regionais; deste modo, cria incentivos a outros estados a aderirem o mecanismo do regime, formal ou informalmente, inclinando o regime à globalidade novamente (MITCHELL, 2006). A regionalização é também importante como modelo: o regime pode ser copiado em outras regiões, adaptando-se às necessidades dos novos atores. O segundo movimento a que se fazia alusão é exatamente aquele em direção à regionalização – não apenas no que tange à segurança, e onde a segurança coletiva, prima facie, é um termo importante, mas também em outras áreas como meio ambiente, comércio, migração, etc. São estes dois fenômenos importantes que abrangem vários temas do campo teórico em que aqui se fundamenta e que corroboram para a justificar esta pesquisa.

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METODOLOGIA De forma ampla, o método utilizado nesta pesquisa já foi mencionado, e pouco difere do estilo recorrente de se pesquisar no campo de relações internacionais: uma revisão do modo como a literatura vêm tratando o tema em questão; um levantamento bibliográfico das principais referências sobre os conceitos relevantes para o objetivo aqui proposto; o estabelecimento de um framework para o manejo teórico das hipóteses; e, finalmente, a verificação empírica através do estudo de caso, inédito no sentido de que trata uma organização de segurança como regime regional de segurança coletiva. Se aceitas as premissas que fundamentam esta pesquisa, a saber, a de que a institucionalização importa mesmo em questões de segurança, a de que a teoria de regimes internacionais é uma eficaz problematização das instituições de segurança, a de que estados tem incentivos a cooperar quando crêem dirimidos o jogo de soma-zero e os ganhos relativos, então recai-se sobre a abordagem institucionalista de relações internacionais. O presente estudo não quer acreditar-se descompromissado de filiação teórica alguma; tampouco a crença na teoria de regimes internacionais o impedirá de considerar criticamente os pilares da teorização, de modo a permitir que se verifique a plausabilidade do arcabouço teórico à realidade (e não o contrário, é dizer, querer distorcer a realidade até que se ajuste a teoria). As críticas nesta pesquisa são sempre bem vindas. O método utilizado para o desenvolvimento desta pesquisa é, portanto, antes do mais, os métodos de pesquisa institucionalistas em teorias de relações internacionais. Por isso, para além das implicações abstratas que qualquer dedução lógica em qualquer teoria poderia alcançar, aqui tem-se a preocupação de incluir o estudo de caso empírico de instituições de segurança, as quais virtualmente seriam regimes regionais de segurança coletiva. Mas também a escolha desse caso deve ser justificada. A escolha da OCS advém do fato dela abrigar, por um lado, a Rússia, gigante asiático sempre presente nos estudos de segurança coletiva anteriores e que vem sendo paulatinamente esquecida pelos teóricos do pós-Guerra Fria, e, por outro, a China, que vem sendo foco das atenções mais por seu crescimento econômico do que por seus investimentos em defesa nacional – e que, na verdade, é o grande proponente de tal organização internacional. A validade desta pesquisa passa, portanto, pela verificação da

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existência ou não de um regime de segurança coletiva regional na Ásia. Ademais, empresta-se aqui uma justificativa para o estudo de uma comunidade de segurança naquela região, posto que serve também para legitimar sua escolha aqui: é uma região que importou um modelo de institucionalização advindo da teorização sobre países liberais, geralmente de capitalismo e industrialização avançados, porém sua realidade política e social difere bastante do modelo ocidental do Atlântico norte. Mais importante, a democratização nestes países é comprometida, e a preocupação central para a cooperação em questões de segurança decorre de questões internas mais do que externas. (ADLER & BARNETT, 1998a, p. 20) Inicialmente, previa-se que outros arranjos regionais de segurança pudessem ser objetos de estudo desta pesquisa. Dois problemas impediram sua inclusão já nesta pesquisa. Do ponto de vista metodológico, há um duplo impedimento no tocante à comparabilidade: nem a natureza própria dos eventuais arranjos passíveis de análise permitiam um amplo estudo contrastivo, tampouco a natureza dos estudos sobre esses arranjos permitiam uma estrutura que comparasse tais casos. O segundo problema é o grau de complexidade do debate teórico sobre a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Essa organização, ela sim, pode servir de base para estudos comparativos em teorias de regimes internacionais, pois já fora objeto de teóricos importantes desta vertente. Porém, o fato de ter sido objeto de várias pesquisas com distintas orientações metodológicas requer um esforço analítico peculiar, e merece um estudo exclusivo. Um estudo de caso sobre a OTAN parece ser bem vindo num futuro breve. A organização aponta quatro motivos bastante fortes para ser foco de um estudo comparativo com o que se fez aqui. O primeiro deles é que, sem dúvida, este é o caso de maior grau de institucionalização. Em segundo lugar, comprova o enfoque regional atento ao qual está este estudo. O terceiro ponto para a escolha da OTAN é o mecanismo de defesa coletiva instalado através do capítulo V de sua carta, o qual poderia corroborar para a hipótese de que esta organização é o âmago de um regime de segurança coletiva. Por conseguinte, a OTAN, num olhar superficial, pareceria caber dentro do tipo de instituição advogado aqui. O último dos motivos é que a OTAN é tida como caso modelo em várias teorias de relações

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internacionais2: para realistas, era claramente uma aliança militar contra um inimigo definido (Moscou); para institucionalistas, sua permanência e reformulação após o fim da Guerra Fria é perfeitamente explicada por seus argumentos, de que as teorias realistas não dão conta de explicar; para teóricos de segurança coletiva, a persistência não apenas da organização mas também tão mecanismo previsto pelo artigo V revelam a preeminência da segurança coletiva como princípio atuante no comportamento internacional; para teóricos da paz democrática, a democracia era um valor central na formação da OTAN, pois mesmo que nem todos membros eram democráticos a aversão ao modelo comunista os empurrava mais para perto das democracias; para construtivistas, a formação de uma identidade comum européia precede a formação de uma comunidade de segurança através desta organização, e explica o surgimento de tantas outras nesta região. Por fim, cabe também aqui mais uma consideração metodológica, quanto à revisão da literatura em relações internacionais pelo eixo da segurança. A justificativa aqui é bastante difícil, pois se mesmo tendo escolhido apenas algumas escolas de pensamento para contrapor os modos pelos quais consideram (ou não, notadamente no caso realista) instituições de segurança, o resultado final se apresenta resumido e simples (embora tendo sido feito o maior esforço para que não ficasse incompleto e simplista). O que importa dizer é que é suficientemente difícil escolher quais teorias incluir ou excluir, sendo o ideal incluílas todas, mas completamente inviável. Optou-se, pois, por tratar das principais escolas segundo o debate preeminente delas em uma das revistas acadêmicas de segurança internacional mais relevantes, a International Security3. Desse modo – e ciente de que poderia contemplar mais abordagens teóricas do que apenas neo-realismo, liberalinstitucionalismo, teoria da segurança coletiva e teoria construtivista – fez-se aqui a escolha pelo debate mais propulsor do tema entre a primeira dessas escolas e as demais. Na verdade, a escolha aqui foi pela principal referência acadêmica do tema, seguindo a

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Não exatamente pelos mesmos argumentos, aqui levantados de uma maneira muito simplista, os autores de diferentes filiações teóricas clamam a OTAN como caso modelo. Alguns exemplos podem ser encontrados em MEARSHEIMER (1994), KEOHANE & MARTIN (1995), KUPCHAN & KUPCHAN (1991, 1995), RUSSET (1993), ADLER & BARNETT (1998a). 3 Segundo um dos artigos precursores do renascimento dos estudos de segurança quando do desfecho da Guerra Fria: “The founding of International Security, which became the main scholarly forum for the field.” (WALT, 1991, p. 216)

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publicação americana, e pelo verdadeiro debate que se travou entre algumas teorias de relações internacionais que ganharam corpo naquele momento, muito em função dela; a escolha de quais teorias seriam essas, deixou-se a cargo também dela.

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ANÁLISE PARTE I: PROSPECÇÃO DA LITERATURA A institucionalização da Segurança Internacional no centro do debate teórico de Relações Internacionais O debate entre teóricos de relações internacionais ganhou tão mais força quanto mais exemplos empíricos de cooperação e, grosso modo, de governança global institucionalizada foram suscitados. Os desafios à leitura realista do comportamento internacional dos atores – o que significa, para os acadêmicos identificados com esta corrente interpretativa, os estados – eram levantados por seus críticos, o que permitiu que novas escolas ou abordagens teóricas pudessem ser melhor forjadas. Nesse esforço epistemológico, a preocupação inicial dos debatedores do realismo era demonstrar como seu modelo interpretativo era capaz de explicar certos pontos escuros deixados de lado por aquela escola, ou ainda, como ela assumia erros lógicos na construção de seus argumentos os quais tornavam opacas suas predições. Assim, centrava-se cada uma dessas novas abordagens em certos tópicos para os quais sua teoria era fortuitamente “mais” explicativa, ainda que reivindicasse ser útil para compreender o comportamento dos atores no cenário internacional em quaisquer dos temas em que operam as relações internacionais. Dito de outro modo, a “lupa” de cada uma das correntes teóricas era capaz de explicar melhor a atuação internacional em um campo de ação dos estados (ou de outros atores, para as escolas que ignoram o estatocentrismo) do que em outros, e nele buscava fundamentar-se. São os próprios autores neo-realistas que primeiro acusam as abordagens concorrentes de explicarem apenas certos nichos do sistema internacional, enfatizando que o poder explicativo do neoliberalismo se centrava no comércio internacional, ou que a teoria da estabilidade hegemônica circundava temas como estabilidade e ação coletiva, e eram inúteis em contextos de ausência de hegemon. Na verdade, são eles também que assumem para si a tarefa de explicar a segurança internacional – embora, espertamente, assumam também que esta é a preocupação central do ator-estado no cenário internacional, deixando as atuações estatais em outros campos marginalizadas, e, que, portanto, sua abordagem cumpre o papel de versar sobre as relações internacionais em sentido genérico: 10

a segurança, a defesa e a guerra. Munidos desta suposição, os neo-realistas lançam o desafio a seus debatedores: quais outras interpretações para o comportamento dos estados no plano internacional são possíveis para questões de segurança? Seriam as outras escolas capazes de se dirigir ao tema da segurança e sobrevivência do estado com a mesma capacidade elucidativa que advogam ter para com seus temas prediletos, e mais, teriam a mesma capacidade que tem a abordagem realista? O principal argumento liberal institucionalista pelo qual deveria ser sua teoria de relações internacionais levada a sério em todos os campos que elas toquem, inclusive em termos de segurança, é que ela provê informações e lidam com o problema da incerteza. “Realist writers from Kautilya on have stressed the significance of information (intelligence); if institutions can provide useful information, realists should see them as significant. The logic of institutionalism theory is directly applicable to security problems as realists define them” (KEOHANE & MARTIN, 1995, p.44)

Esta seção, que abre a pesquisa, estrutura-se da seguinte maneira: depois de brevemente ter introduzido as divergências e provocações entre realistas (a principal corrente teórica de relações internacionais no momento desse debate) e liberaisinstitucionalistas (seus principais debatedores dentro desse contexto, instituições e segurança), segue-se uma apresentação de como o debate se instaurou em uma das principais revistas científicas do assunto, International Security. As partes da terceira à sexta trazem as premissas e os principais argumentos das escolas debatedoras, a saber, o neo-realismo, o institucional-liberalismo, a teoria da segurança coletiva, a teoria crítica e o construtivismo. Por fim, conclui-se indicando que estas escolas e ainda mais este esquema resumido não contemplam todo o debate sobre a institucionalização da segurança, mas elucidam uma importante distinção dentre as teorias, que serve ao objetivo da pesquisa na medida em que tratam da quebra da hegemonia realista e introduzem os argumentos dos institucionalistas e dos teóricos da segurança coletiva.

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Instituições na principal revista acadêmica de Segurança Internacional O artigo de John Mearsheimer The False Promise of International Institutions foi um dos três publicados sob a rubrica Get Real4 da publicação do inverno americano de 1994-95 de International Security5. Como o título sugere, ele desacredita do poder das instituições internacionais para produzir efeitos no comportamento internacional. Não na edição seguinte, mas logo na subseqüente, os editores do jornal trimestral do Center for Science and International Affairs da Havard University publicam quatro artigos em resposta à provocação de Mearsheimer, bem como lhe dão o direito de réplica já nesta edição6. O conjunto dos artigos, reunidos sob a rubrica Promises, Promises: Can Institutions Deliver?7, foram: The Promise of Institutionalist Theory de Robert Keohane e Lisa Martin, The Promise of Collective Security de Charles Kupchan e Clifford Kupchan, The False Premise of Realism de John Ruggie, Constructing International Politics de Alexander Wendt e, finalmente, A Realist Reply de John Mearsheimer. O editorial da edição que deu impulso ao debate da institucionalização da segurança comentava sobre o escrito de Mearsheimer: “It is an article of faith among most Western policymakers and many international relations theorists that international institutions are important sources of stability in world affairs: it is widely believed that international institutions promote peace. In a powerful and provocative assessment of three leading ‘institutionalist’ theories – liberal institutionalism, collective security, and critical theory – John Mearsheimer of University of Chicago contends that institutions do not affect the prospects for war and peace n significant ways. All three theories are flawed, he argues, and there is remarkably little empirical evidence to support the claim that institutions affect state behavior.” (International Security, vol. 19, n 03, p.03)

Em seguida, as respostas dos já citados autores foram assim apresentadas pelo editorial de sua edição: 4

Os outros dois artigos publicados sob esta mesma rubrica são Realist as Optimists: Cooperation as Self-Help de Charles Glaser e Realism and The End of The Cold War de William Wohlforth. Outros dois artigos completam a lista de publicados, estes sem rubrica alguma. 5 A referência completa é International Security, 1994 (winter), vol. 19, n 03. 6 A referência completa é International Security, 1995 (summer), vol. 20, n 01. 7 Havia ainda mais quarto artigos publicados sobre rubricas diversas nesta edição.

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“[…] Robert Keohane and Lisa Martin of Harvard’s Government Department challenge the ‘illusory’ divide between security and economic issues, examine the question of relative gains, and review the empirical work that supports institutionalists’ arguments. They conclude that ‘institutions sometimes matter’ in international relations, and argue that ‘it is a worthy task of social science to discover how’. Charles Kupchan of the Council on Foreign Relations and Georgetown University, and Clifford Kupchan, Senior Foreign Policy Adviser to Congressman Harry Johnston, take issue with Mearsheimer’s dismissal of the peace-causing potential of collective security. They make the case that ‘regulate, institutionalized balancing predicated on the notion of all against one provides more stability than unregulated, self-help balancing predicated on the notion of each for his own’. In a third challenge to Mearsheimer’s realist view, Yale University’s Alexander Wendt explains two basic claims of critical international relations theory: that the fundamental structures of international politics are social, rather than strictly material as realists argue; and that these social structures shape actors’ identities and interests, rather than just their behavior, as rationalists argue. Columbia University’s John Gerard Ruggie discusses the policy implications of Mearsheimer’s ‘anti-institutionalist posture.’ He argues that realism has ‘failed to grasp the subtle yet integral role of institutionalist objectives in [postwar] US foreign policy, including security policy’. As a result, Ruggie argues, realism ‘is not only wanting but potentially dangerous as a guide to the post-Cold War world.’ Mearsheimer offers a brief realist’s reply to these institutionalist arguments.” (Idem,

vol. 20, n 01, p.03) Como já anteriormente dito, a mobilização dos acadêmicos identificados com o realismo teve início com a observação empírica de maiores esforços pela cooperação e de mais expectativas em torno de instituições internacionais. Mearsheimer abre sua critica à confiança no institucionalismo recordando que arranjos de segurança na Europa pós-Guerra Fria, bem como em outras regiões, se baseiam em instituições internacionais e, assim, rejeitam a lógica de equilíbrio de poder (MEARSHEIMER, 1994, p.5). Isto permeia não apenas a comunidade acadêmica, mas também, ou antes dela, os policymakers. O então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton reitera que “em um mundo onde a liberdade, e 13

não a tirania, está em marcha, o cálculo cínico de pura política de poder simplesmente não procede”. Seu Conselheiro de Segurança Nacional Anthony Lake e seu Secretário de Estado Warren Christopher vão ao encontro desse discurso, propagando uma postura mais wilsoniana segundo a qual as instituições e os almejos nelas depositados não deveriam parar nas fronteiras da Guerra Fria. Margaret Thatcher e o Secretário do Estrangeiro Britânico Douglas Hurd também depositam expectativas sobre as organizações européias, a cooperação entre oriente e ocidente europeu e a prospecção da paz (CLINTON; LAKE; WARREN; THATCHER; e HURD; apud MEARSHEIMER, 1994, pp. 5-6). Claro, não apenas os realistas, mas principal e previamente outros teóricos se interessaram pelas instituições internacionais. Os institucionalistas advogam que tais organismos são poderosos instrumentos para a estabilidade, isto é, para a ausência de guerras e crises. Robert Keohane acentuou que evitar conflitos militares dependeria de um padrão contínuo de cooperação institucionalizada (KEOHANE, The Diplomacy of Structural Change: Multilateral Institutions and State Strategies; apud MEARSHEIMER, 1994, p. 6). John Ruggie exprime ainda mais otimismo em relação à participação das normas e instituições multilaterais para estabilizar as conseqüências esperadas com o fim da Guerra Fria: “de fato, tais normas e instituições aparecem para desempenhar um papel significante na gerência de uma vasta gama de mudanças regionais e globais no sistema mundial contemporâneo” (RUGGIE, Multilateralism: The Anatomy of na Institution; apud MEARSHEIMER, 1994, pp. 6-7). Enquanto o realismo mantém que instituições refletem a distribuição de poder, as escolas que defendem o institucionalismo, segundo Mearsheimer, crêem na independência que as instituições adquirem, encarando-as como variáveis independentes, capazes de afastar dos estados a possibilidade da guerra como meio para alcançar seus interesses. As instituições alterariam assim as preferências estatais e, conseqüentemente, seu comportamento. Os realistas, porém, argumentam que elas são criadas a partir de cálculos egoístas das grandes potências e não têm efeitos independentes sobre o comportamento internacional dos estados, antes corroborando para eles do que os alterando. Para Mearsheimer, todas as correntes que consideram eventuais efeitos das instituições internacionais são, em sentido amplo, entendida como institucionalistas, como, por

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exemplo, os liberais institucionalistas, os teóricos da segurança coletiva e a teoria crítica (MEARSHEIMER, 1994, pp.7-8). Mas o que são, afinal, instituições internacionais?

Neo-Realismo e Cooperação Mearsheimer move do conceito mínimo mais aceito, de “reconhecidos padrões de comportamento e práticas em torno dos quais as expectativas convergem”, para uma definição mais estreita, a qual enfatiza os limites para ação estatal condicionados por tais instituições: “um conjunto de regras que estipula os modos pelos quais estados deveriam cooperar e competir uns com os outros”. O autor ainda ignora os esforços da teoria dos regimes internacionais e trata instituições como sinônimos de regimes ou de multilateralismo8. Muito a seu gosto, e desafiando desde a definição de instituições os institucionalistas, ele avança dedutivamente para a constituição da instituição. Segundo ele, as regras que compõem a instituição, embora estejam incorporadas por organizações internacionais formais, não conferem a tais organizações a capacidade de se fazer obedecidas pelos estados: “instituições não são uma forma de governança mundial. Os estados, eles próprios, devem decidir se obedecem a regras por eles criadas”. Advogando em prol das determinantes criadas pela anarquia segundo a derivação tradicional realista, relembra que a cooperação em questão se dá entre estados soberanos e não há uma agência supranacional que comande efetivamente unidades exclusiva e continuamente subordinadas a si (Ibidem, pp.8-9). Falta o estado global, ou, ao menos, o poder de imposição [enforcement] no plano internacional. Desde a perspectiva neo-realista, a cooperação é possível, porém, é difícil de ser atingida, e sempre mais difícil de ser mantida. Segundo as premissas dessa escola de relações internacionais, o sistema internacional condiciona os estados, dando-lhes poucas razões para confiar uns nos outros, pois, como em uma “arena brutal”, a ação internacional é direcionada para a obtenção de oportunidades de extrair vantagens sobre outros (Ibidem, 8

Na nota de número 13, Mearsheimer afirma que “regimes e instituições são tratados como sinônimos neste [naquele] artigo”, e na nota seguinte ele continua dizendo que “o termo ‘multilateralismo’ é virtualmente sinônimo de instituições”. Embora Mearsheimer esteja correto em trazer exemplos da literatura sobre regimes e multilateralismo para endossar sua escolha, porque de fato os acadêmicos se confundiam entre os termos no início da discussão, ele também decide por não levar em conta os esforços subseqüentes que delimitaram os conceitos em questão. Mais abaixo, quando se tratar da teoria dos regimes internacionais e do conceito de regime, haverá mais nuances que ajudam a delimitar as diferenças entre instituições, regimes, cooperação, paz e ordem.

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p. 9). É essa lógica da competição pela segurança que não consegue ser eliminada pelas vantagens da cooperação, e que a torna marginal em termos de política internacional. Cinco são as premissas realistas conflitantes com a cooperação institucionalizada. A primeira é a anarquia do sistema internacional. A anarquia é entendida não como o caos ou o conflito generalizado, mas sim como “um princípio ordenador, o qual diz que o sistema compreende unidades políticas independentes (estados) acima das quais não há autoridade central”. A segunda premissa é que todos os estados possuem capacidade militar ofensiva, e que são, portanto, potencialmente perigosos na interação entre si. Nem podem os estados estar certos sobre as intenções dos outros, o que é a terceira máxima realista. As quarta e quinta premissas são: o maior motivo que orienta as ações internacionais dos estados é a sobrevivência, e, eles são instrumentalmente racionais, isto é, pensam estrategicamente com vistas a garantir sua sobrevivência. As palavras de Mearsheimer conseguem bem expressar o modo como esses pontos de partida tomados pelos realistas restringem a possibilidade de cooperação: “None of these assumptions alone mandates that states will behave competitively. In fact, the fundamental assumption dealing with motives says that states merely aim to survive, which is a defensive goal. When taken together, however, these five assumptions can create incentives for states to think and sometimes to behave aggressively. Specifically, three main patterns of behavior result.” (Ibidem, pp.10-11)

O primeiro dos três padrões de comportamento esperado, dadas estas premissas assim descritas sobre o sistema internacional, é que os estados temem uns aos outros. A capacidade ofensiva dos estados, de um lado, e a ausência de autoridade central capaz monitorar ou punir faz com que haja pouca oportunidade para confiar uns nos outros. Segundo esse cenário, os estados devem estar relutantes em depositar confiança nas ações internacionais e, enquanto preocupado com sua própria sobrevivência – e antevendo que cada um dos outros também esteja –, devem antecipar-se ao perigo. Muito ao estilo supra descrito, Mearsheimer incita os acadêmicos simpáticos a outras escolas a versar sobre o comportamento internacional dos estados em tão hostil arena:

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“States do not compete with each other as if international politics were simply an economic marketplace. Political competition among states is a much more dangerous business than economic intercourse; it can lead to war, and war often means mass killing on the battlefield and even mass murder of civilians. In extreme cases, war can even lead to the total destruction of a state. The horrible consequences of war sometimes cause states to view each other not just as competitors, but as potentially deadly enemies.” (Ibidem, p.11)

Outro tipo de comportamento esperado é o almejo pela garantia de sua própria sobrevivência9. Os estados, pelos motivos já esboçados, não podem depender de outros para alcançar sua segurança. Os interesses próprios vêm antes de tudo nesse sistema de “self-help”10. Antecipando a crítica comum aos realistas, o autor lança mão do contraargumento: esta lógica procede sempre que os estados interagem no plano internacional, seja a curto seja a longo prazo – pois este poderá não ocorrer se o estado perder fatalmente naquele aspecto. Finalmente, o último comportamento que se imagina ao se deparar com a arena internacional é que os estados sempre se preocupam em maximizar sua posição de poder relativo sobre outros estados. O que se deseja é adquirir mais poder militar às expensas dos potenciais rivais. Há incentivos para buscar sempre mais vantagens, porquanto mais seguro seja o estado que tiver uma grande disparidade de poderio militar a seu favor. A situação ideal, que virtualmente garantiria a sobrevivência, seria tornar-se o hegemon do sistema. A cooperação é assim estruturalmente restringida. Os estados sempre estarão, desde essa perspectiva, preocupados com ganhos relativos, operando no sistema de “self-help”. A cooperação fica, de fato, evitada por uma das partes, posto que ela se preocupa não apenas em obter mais retornos do que se não tivesse cooperado, mas também em tê-los relativamente mais do que aqueles com quem se interage. Em tese, não haveria cooperação em ocasião alguma: sempre um estado vetaria a proposta de cooperar porque teria relativamente menos ganhos, o que poria em risco sua segurança. As exceções hipotéticas seriam quando todas as partes enxergassem ganhos equânimes como fruto da cooperação, optando por ela para se distanciar dos estados não-cooperativos; ou, mais raro ainda, 9

Este tipo de comportamento aparece, paradoxal senão contraditoriamente, similar à quarta premissa da teoria apontada por Mearsheimer. 10 Para ver mais sobre “self-help systems”, ver WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. New York, McGraw-Hill, 1979.

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quando, essas condições atingidas, não houvesse estado algum excluído da interação, situação verdadeiramente benéfica a todos11. O caso de cooperação verdadeiramente possível e desejável em um mundo realista são os resultados da lógica de equilíbrio de poder, segundo a qual alianças são “casamentos temporários de conveniência” (Ibidem, pp.10-13). As duas exceções assinaladas supra, ainda que encontrem uma brecha na construção lógica pela qual tornem possível a cooperação, esbarram em um problema não deduzido até aqui: a trapaça. Estados têm interesse por trapacear porque os ganhos que obtêm desta forma redundam em melhorias militares irreversíveis, e, ao mesmo tempo, uma falha em seu cálculo – inclinando-o erroneamente para a cooperação – lhe renderia uma perda igualmente irretroativa, pondo em risco sua segurança. Não haveria apenas incentivos para a trapaça, senão uma “janela de oportunidades” para se alterar o equilíbrio de poder, um risco especial de deserção12. Não apenas a cooperação pode ser condizente com a ótica realista como também as instituições. De fato, elas servem como “arenas para atuação expressiva de relações de poder”. Instituições são criadas por estados, que as forjam segundo seus cálculos baseados nos interesses próprios, fundamentados na distribuição de poder internacional. Apimentando o diálogo com os artigos de Krasner que abrem e fecham seu livro clássico sobre regimes internacionais (KRASNER, 1983), Mearsheimer vai adiante e reitera: “para realistas, as causas da guerra e da paz são especificamente funções do equilíbrio de poder e as instituições amplamente refletem a distribuição de poder no sistema. Brevemente, o equilíbrio de poder é a variável independente que explica a guerra; instituições são apenas variáveis interventoras no processo.” (MEARSHEIMER, 1994, p.13) Para Mearsheimer, são três as teorias institucionalistas que colidem com as premissas realistas e divergem sobre a importância das instituições: os liberais institucionalistas, a teoria da segurança coletiva e a teoria crítica. O autor neo-realista categoriza nesta última rotulação não apenas os autores que reivindicam para si a defesa de

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Mearsheimer, mais adiante, anuncia que “estados ocasionalmente cooperam em conspiração contra outros estados” (MEARSHEIMER, 1994, p.13). 12 Para ver mais sobre as janelas de oportunidades e a propensão ao risco de deserção dos jogos cooperativos, ver LIPSON, Charles. International Cooperation.1993.

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uma teoria crítica, mas também os autores construtivistas13. Essa junção decorre do fato de serem estas duas abordagens defensoras de críticas ferrenhas a praticamente todas as premissas realistas e neo-realistas. Segundo Mearsheimer, esta ambiciosa teoria visa transformar a política internacional em um mundo não apenas de cooperação, mas também de paz. Isto seria possível através de uma nova percepção dos atores em relação aos ambientes e aos demais com quem se interage; percepção esta que acompanharia a mudança do discurso e das idéias. Para os teóricos da segurança coletiva, o desafio é a prevenção da guerra. Mantêm que a força continua imperando na política mundial e que os estados devem se preservar contra potenciais agressores. As ameaças de guerra podem ser reduzidas se os estados aceitarem a se recusar a utilizar a força como meio de alterar o status quo bem como confiar uns aos outros para rejeitar a opção bélica, e que os estados “responsáveis” devem agir em nome da coletividade (em vez de si próprios) quando atuarem em direção aos estados agressores. (Ibidem, p.14) Os liberais institucionalistas crêem que os estados operam, grosso modo, num mundo pintado como os realistas descrevem. A grande diferença decorre das vantagens alcançadas com a cooperação, a qual, dissonante da prescrição de comportamento adequado pelo realistas, pode ser muito desejada se resolvido o problema da trapaça. São as instituições quem conseguem desfazer os mecanismos permissíveis à trapaça. (Ibidem, p.14)

Liberal Institucionalismo e instituições: evitar trapaça e prover informações As causas da paz e como obtê-la não são a preocupação inicial dos liberais institucionalistas, que se centram em explicar como é possível a cooperação em casos nos quais os interesses dos estados não são fundamentalmente opostos. A definição de cooperação que Mearsheimer retoma sob a rubrica de liberal institucionalista é a dada por Helen Milner em International Theories of Cooperation: “comportamento direcionado a

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Em uma extensa nota de rodapé, a de número 128, ele elenca várias produções da “teoria crítica”. Alguns dos autores são Richard Ashley, Robert Cox, Friedrich Kratochwil & John Ruggie e Alexander Wendt. Alguns autores incluídos nesta rubrica por Mearsheimer dizem advogar pela teoria crítica em sentido amplo, mas pela teoria construtivista em sentido estrito, como o último deles. Não estranhamente, embora Mearsheimer tenha se dirigido alegadamente a três vertentes teóricas, quatro foram as respostas endereçadas de volta a ele. Esta questão será tratada infra, quando abordada a resposta de Wendt à provocação de Mearsheimer.

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um objetivo o qual encampa ajustes de políticas recíprocos de modo que todos os lados terminam melhores do que eles estariam em caso contrário” (MILNER; apud MEARSHEIMER, 1994, p.15). Para os liberais institucionalistas, segundo Mearsheimer, as instituições podem gerar estabilidade internacional, haja visto que permitem a cooperação segura, e que esta evitaria incentivos para romper com o status quo. Mais assertivamente, o autor neo-realista define assim a lógica causal dessa abordagem divergente: “Liberal institutionalists claim to accept realism’s root assumptions while arguing that cooperation is nevertheless easier to achieve than realists recognize. Robert Keohane, for example, writes in After Hegemony that he is ‘adopting the realism model of rational egoism’.14 He continues: ‘I propose to show, on the basis of their own assumptions, that the characteristic pessimism of realism does not necessarily follow. I seek to demonstrate that realist assumptions about world politics are consistent with the formation of institutionalized arrangements… which promote cooperation’. In particular, liberal institutionalists emphasize that states ‘dwell in perpetual anarchy’, and must therefore act as rational egoists what is a self-help world.” (MEARSHEIMER, 1994, p.16)

As instituições resolvem o problema do dilema do prisioneiro porque convencem os estados a agir conjuntamente. A proposta liberal institucionalista é: cooperar, com a certeza de que o outro cooperará – o segundo melhor resultado, individualmente, do dilema – em vez de agir de forma egoísta – o melhor resultado individual – com o risco de que o outro faça o mesmo – o pior resultado. Esta certeza advém da capacidade das instituições de impedir trapaceadores e proteger vítimas. Portanto, para esta escola, não há mudanças das normas fundamentais do comportamento estatal; também não se altera a natureza anárquica 14

De fato, Mearsheimer faz uma distinção entre as teorias estruturalistas, trazendo o liberal institucionalismo para perto do neo-realismo, e as demais. No debate aqui reproduzido, também outras premissas realistas são esposadas pelos liberais institucionalistas mas não pelos teóricos da segurança coletiva ou pelos críticos: “Ambas a segurança coletiva e a teoria crítica desafiam a crença realista de que estados agem de uma maneira auto-interessada, e argumentam, em vez disso, em prol do desenvolvimento de normas que requeiram que os estados ajam mais altruisticamente. O liberal institucionalismo, por outro lado, aceita a visão realista de que estados agem com base nos próprios interesses, e se concentram em regras que facilitam a cooperação entre os estados”. (Ibidem, p.8, nota 17). Keohane & Martin abrem seu artigo considerando acertada a descrição do autor neo-realista: “ele corretamente declara que liberais institucionalistas tratam estados como racionais e egoístas, operando em um mundo no qual acordos não podem ser hierarquicamente impingidos, e que institucionalistas apenas esperam a cooperação inter-estatal ocorrer quando houver interesses comuns significantes. [...] Como o realismo, a teoria institucionalista é utilitária e racionalista”. (KEOHANE & MARTIN, 1995, p.39)

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do sistema internacional. “Instituições podem mudar o cálculo dos estados sobre como maximizar ganhos. Especificamente, regras podem fazer com que estados decidam por sacrifícios de curto prazo necessários para resolver o dilema do prisioneiro e assim obter ganhos de longo prazo. Instituições, enfim, podem produzir cooperação.” (Ibidem, pp. 1718). De que modo as instituições conseguem tal feito? Primeiramente, pela repetição institucionalizada das interações entre os estados. A “sombra de futuro” constrange o comportamento trapaceador do estado que não será aceito em novas interações. Similarmente, o estado cooperativo poderá devolver a trapaça. A boa reputação de um e a má de outro repercutirão e serão levadas em conta por outros estados no futuro. Segundamente,

os

estados

se

envolvem

em

diferentes

áreas,

criando

uma

interdependência15; em última análise, os três modos pelo qual a repetição das interações opera para diminuir a possibilidade de trapaça se aplicam também em arenas diferentes, com maiores custos de não cooperação. Terceiramente, através das regras, e facilitada pela estrutura organizacional, a quantidade de informações disponíveis sobre um e outro estado é aumentada, o que aumenta a percepção que os estados têm das ações internacionais e, portanto, de descobrir a trapaça. Finalmente, os custos de transação dos acordos individuais são diminuídos com as instituições. De um modo geral, os neo-realistas não acreditam ser de muita utilidade esta abordagem porque, em questões de segurança, o custo de ser trapaceado é essencialmente alto – põe a segurança estatal em cheque – e não pode ser trocado pelo benefício da cooperação. Os liberais institucionalistas se dirigem aos neo-realistas buscando, eles também, demonstrar que a lógica realista é falaciosa. De início, a dita capacidade ofensiva dos estados não procede no mundo real. Os estados, em sua grande maioria, sabem que não é possível atingir uma condição real de poder militar que atemorize os demais. “Uma vez que ninguém acredita que Suíça, Argentina ou a Inglaterra contemporânea verdadeiramente buscam se tornar ‘o mais formidável poderio militar do sistema’, o que Mearsheimer presumidamente argumenta é que estados com esta capacidade sempre se orientam com tal

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Para mais informações sobre a interdependência e cooperação institucionalizada, o que os autores desenvolvem com o conceito de interdependência complexa, ver NYE, Joseph & KEOHANE, Robert . Power and Interdependence: World Politics in Transition. Little, Brown and Company, 1977.

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finalidade.” (KEOHANE & MARTIN, 1995, p.41) Não são todos os estados que se apresentam como ameaças uns aos outros, ou ao sistema internacional.16 Mearsheimer indica que, mesmo em questões econômicas, a teoria liberal institucionalista está errada em ignorar as preocupações com ganhos relativos. Ao assumir as premissas centrais neo-realistas – anarquia do sistema, poderio militar dos estados, ação estatal baseada nos interesses nacionais – deve se confrontar com a propensão natural de ganhar mais do que outros com quem se coopera. Os estados tendem a querer ver suas companhias ter ganhos comparativos na interação com outros estados; este padrão não é exclusivo para temas de segurança, antes disso, advoga Mearsheimer, opera nos mais diversos campos da interação internacional. Os liberais institucionalistas vão ao encontro da forma como os neo-realistas descrevem suas preocupações com ganhos relativos. Para eles é importante assinalar as condições sob as quais os ganhos relativos são importantes, e, como atuam as instituições quando se tem temas claramente distributivos. Para a primeira questão, Keohane & Martin retomam Duncan Snidal – que já havia sido lembrado por Mearsheimer, como se verá infra – e afirmam que os ganhos relativos tendem a ter pouco ou nenhum impacto na cooperação se os ganhos absolutos são substanciais, por um lado, ou se há um número bastante grande de estados envolvidos na negociação cooperativa, por outro. (SNIDAL, Relative Gains and The Patterns of International Cooperation; apud KEOHANE & MARTIN, 1995, p.44) Quanto às situações em que os ganhos relativos estão no centro da relação interestatal, os liberais institucionalistas, exatamente na contra-mão dos neo-realistas, argumentam que as instituições são ainda mais importantes. Perante a teoria dos jogos, o problema do dilema do prisioneiro poderia ser resolvido com mais informações e com a repetição dos jogos, de forma que reduzisse a incerteza das ações do estado com quem se coopera e os incentivos a trapacear; nos jogos de coordenação, quando os problemas de múltiplos equilíbrios são recorrentes, é mister atingir a forma de cooperação mais adequada 16

Embora essa crítica de fato faça parte da desconstrução da argumentação teórica realista e neorealista que culmina com as três suposições refutadas pelos liberais institucionalistas – temor recíproco dos estados; busca pela sobrevivência; e, melhoria da posição relativa – fica claro que Keohane e Martin se valem desta brecha para apimentar a discussão, como explicitado em seguida: “Institucionalismo, ao contrário, procura declarar previamente as condições sob as quais suas proposições se aplicam. Nossa teoria pode, conseqüentemente, ter menos apelo àqueles que requerem simplesmente ‘verdades’, mas teorias científicas críveis deveriam especificar as condições sob as quais elas são esperadas por sustentar a priori”. (Ibidem, p.41)

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dado os anseios dos estados em questão, e a discordância sobre este ponto de equilíbrio distributivo é a principal barreira neste modelo – a qual pode ser resolvida via instituições ou outros modos preferenciais. “Entretanto, nas situações complexas envolvendo vários estados, instituições internacionais podem avançar no sentido de prover ‘constructed focal points’ que fazer resultados cooperativos particularmente proeminentes.” (KEOHANE & MARTIN, 1995, p.45) “States using strategies of reciprocity are engaged in Exchange with one another and so require information about the value of their exchanges. Institutionalized reciprocity and distributional concerns are simply two sides of the same coin, reflecting the difficulties of cooperating in a system lacking centralized enforcement and pointing to the need for reliable sources of information if states are to achieve gains from cooperation” (Ibidem, p.46)

A literatura de relações internacionais tem poucas discordâncias em afirmar que instituições auxiliam a divisão da negociação cooperativa em questões distributivas. Porém, o que Mearsheimer levanta é a pertinência desta observação também dentre os argumentos realistas, posto que requer que os estados abdiquem da lógica de equilíbrio de poder. (MEARSHEIMER, 1995, p.96) Além disso, mesmo que a lógica de ganhos absolutos funcionasse perfeitamente para assuntos não-realistas? Seria tão discernível assim o que pertenceria a um ou outro grupamentos de temas? A resposta neo-realista é que os temas estão interligados uns aos outros, inclusive, senão mais do que outros, economia e segurança. Alguns liberais institucionalistas, de fato, recorrem a esta divisão em duas dimensões autônomas umas às outras. Porém, esta não é a visão predominante entre os teóricos. Este é um tema que Keohane & Martin fazem questão de aclarar, bem como a suposição de que os acadêmicos liberais institucionalistas se preocupam exclusivamente na resolução da trapaça para argumentar em prol das instituições. E deste modo advogam incluir-se no debate e conferir poder amplamente explicativo para sua teoria: “a teoria institucionalista deveria ser altamente aplicável a questões de segurança porque seus argumentos circundam o papel das instituições em prover informações”. Os liberais institucionalistas procuram assim sanar um problema grave do mundo realista (uma das cinco premissas assinaladas por Mearsheimer), qual seja, a incerteza sobre as intenções dos demais estados. Na verdade, eis a grande falácia da lógica realista e neo-realista: somente 23

se os estados assumirem a postura de worst-case – sobre o quê não concordam os liberais institucionalistas – é que o cálculo feito por eles é de fato racional; os cálculos essencialmente realistas desrespeitam a regra utilitária da maximização com o propósito de evitar os terríveis e improváveis resultados do comportamento internacional (KEOHANE & MARTIN, 1995, pp.43-44). A crítica de Mearsheimer sobre este ponto, e na verdade sobre uma série de outros senão todos eles, é que a construção liberal institucionalista tal qual apresentada “está repleta de argumentos realistas” e que “virtualmente todas as tarefas das instituições assinaladas por Keohane & Martin podem ser realizadas sem elas”.17 (MEARSHEIMER, 1995, pp.86-87) De fato, parece plausível a argumentação realista. Porém, para os liberais institucionalistas, uma vez resolvido o problema de trapaças no sistema internacional, não preocupariam os ganhos relativos. Mearsheimer sintetiza: “se estados não podem trapacear uns aos outros, não precisam temer-se, e, portanto, não precisam se preocupar com poder relativo”. (MEARSHEIMER, 1994, p.20) Para os renitentes neo-realistas, isto não desfaria a busca por ganhos relativos, dado que as disparidades podem ser transformadas em vantagem militar. Além do mais, os liberais institucionalistas enfaticamente não afirmam ser esperada a cooperação em situações das quais os estados não se beneficiem – em termos de interesses próprios utilitários – do comportamento cooperativo através de instituições. “Quando estados podem conjuntamente se beneficiar com a cooperação, por outro lado, nós esperamos governos tentarem construir tais instituições. Instituições podem prover informações, reduzir custos de transação, fazer os comprometimentos mais creditáveis, estabelecer pontos para a coordenação, e, em geral, facilitam a reciprocidade” (KEOHANE & MARTIN, 1995, p.42) Mearsheimer então lança mão de ajustes na teoria liberal institucionalista que a repararia; deixando-a bastante similar à proposta realista. Preocupado com tópicos nos quais estados não se preocupariam com ganhos relativos, o autor retoma Robert Powell e afirma que quando os custos para a guerra são baixos – situações em que o arsenal favorece 17

Toda a crítica de Mearsheimer em sua réplica concentra em demonstrar que a “variante mais recente do liberal institucionalismo é o realismo com outro nome”. Segundo ele, “a teoria original argumentava que instituições poderiam independentemente facilitar a cooperação entre estados através do auxílio que oferecem aos estados para superar certos dilemas de ação coletiva [...] Entretanto, uma leitura atenta da resposta de Keohane e Martin revela que o liberal institucionalismo em sua última versão não mais é uma clara alternativa ao realismo.” (MEARSHEIMER, 1995 p.85)

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a ofensiva – as considerações sobre ganhos relativos são intensas e as instituições não conseguem atuar como prescrevem os liberais institucionalistas (POWELL, Absolute and Relative Gains; apud MEARSHEIMER, 1994, pp.22-23). As instituições atuariam com sucesso nos casos mais próximos do oposto disso. Já na versão de Duncan Snidal, ainda segundo o autor que vem sendo utilizado como referência, a estrutura do sistema internacional constrangeria as ações internacionais do seguinte modo: o aumento do número de estados – caminhando mais para lá em um espectro da uni ou bipolaridade para a multipolaridade – diminui a preocupação com ganhos relativos (SNIDAL, Absolut Gains and Patterns of International Cooperation; apud MEARSHEIMER, 1994, p.23). O ceticismo do autor neo-realista o leva a responder que estas condições não são verificadas pela observação empírica. Também recorda que a lógica de ganhos relativos não se restringe a temas realistas, mas a praticamente toda a gama de temas internacionais, inclusive o comércio internacional. Com mais densidade teórica, dirige outra crítica: nem o argumento defensivo-ofensivo de Powell tampouco a leitura estruturalista de Snidal são modos exclusivamente liberais institucionalistas de lidar com o assunto e não podem ser invocados como alternativas ao modelo realista. Keohane & Martin relembram que os estados são quem criam as instituições internacionais, e que, portanto, não faria sentido algum pensar que eles gastam recursos, humanos e financeiros, e negociações políticas para “estruturas que não fazem diferença”. (KEOHANE & MARTIN, 1995, p.48) Mais importante, a teoria liberal institucionalista anuncia que as instituições são criadas pelos estados em virtude dos seus efeitos antecipados nos padrões de comportamento. Nesse sentido, as instituições devem ser levadas em consideração, pois são significantes na política internacional. Obviamente, os neo-realistas não esposam desta conclusão. Na verdade, Mearsheimer reitera que as grandes potências utilizam as instituições para favorecer seus interesses, e que, portanto, não surpreende que elas gastem seus recursos para mantê-las. O ponto é que elas não conseguiriam alterar o comportamento dos estados, e, antes disso, corroboram para suas práticas (MEARSHEIMER, 1995, p.86). Para a dupla de autores liberal institucionalistas, isto pode ser especialmente verdade para o processo de criação de instituições, mas não diz nada sobre o comportamento vindouro das mesmas:

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“Institutionalist theory conceptualizes institutions both as independent and dependent variables: ‘institutions change as a result of human action, and the changes in expectations and process that result can exert profound effects on state behavior” (KEOHANE & MARTIN, 1995, p.46)

Segurança Coletiva: Concertos como instituições válidas? A teoria da segurança coletiva, embora assuma que a força continua operando nas interações entre os estados, contém um caráter prescritivo muito acentuado. Julga ser possível evitar a guerra ao comprometer os estados a agirem segundo os interesses coletivos (de defesa) quando da ameaça de ou transgressão ao status quo. “Embora a teoria enfatize a contínua importância da força militar, é explicitamente anti-realista. Seus proponentes expressam um desgosto pela lógica do equilíbrio de poder e alianças tradicionais, bem como um desejo de criar um mundo onde aqueles conceitos realistas não têm papel.” (MEARSHEIMER, 1994, p.27) Talvez pelos insucessos da primeira tentativa de operacionalização da segurança coletiva18, qual seja, a Liga das Nações, Mearsheimer chama atenção para o fato de que mesmo entre os teóricos da segurança coletiva reservas quanto aos preceitos da abordagem e dúvidas sobre se poderia ser atingida na prática são comuns. Uma vez que os estados devem renunciar o uso militar da força, as guerras de agressão19 são proscritas, e sobre os meios pacíficos de resolução de conflitos é depositada esperança. Resta a incógnita de quantos países agressores poderiam ser contidos eficazmente pela segurança coletiva. Claro, a resposta depende do número de potências aderidas ao acordo de segurança coletiva, a distribuição de poder entre elas, geografia e se o agressor é uma potência ou não. Inis Claude, em Power and International Relations, trata o assunto:

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Na verdade, também a Organização das Nações Unidas é muito criticada por não ter nunca eficazmente desenvolvido um verdadeiro mecanismo de segurança coletiva devido à paralisia da guerra fria. Expectativas sobre se conseguirão, de fato, estabelecer um mecanismo de prevenção da guerra e de eventual reação automática a ataques de agressores são feitas sobre a Organização do Tratado do Atlântico Norte – antes e depois da redefinição do conceito de segurança – e sobre a Comission on Security and Cooperation in Europe, por exemplo. 19 E, depois, ao longo do desenvolvimento do direito internacional público, em que se apóia a teoria, não somente as guerras de agressão, mas o uso da força não autorizado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, foi também proscrito.

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“Collective security assumes the lonely aggressor; the violator of the world’s peace may be allowed an accomplice or two, but in principle the evil-doer is supposed to find himself virtually isolated in confrontation with the massive forces of the international posse comitatus.” (CLAUDE; apud MEARSHEIMER, 1994, p.29. Grifo do original)

Os estados abdicam também de agir unilateralmente em resposta a um eventual ataque. Eles devem conceber seus interesses nacionais fundidos com os interesses de outros estados, de modo que um ataque a um membro seja um ataque a todos. O ideal é a criação de um comprometimento coletivo automático. Todos os estados se sentiriam cooptados a participar do intento, pois logo que ficar evidente que eles respondem coletivamente – com mínima liberdade de ação –, não haveria agressor, por mais relutante ou poderoso, algum inclinado a enfrentar só uma deterrência universal. Além da rejeição da força militar e do comprometimento com a ação responsável e coletiva, um terceiro elemento desfecha os preceitos da teoria: estados devem confiar uns aos outros. Embora esta premissa seja a mais importante, ela é desafiada pela observação empírica de que há muitos agressores – afinal a existência de estados não comprometidos com a paz rende dúbia a capacidade de se ter confiança na segurança coletiva. A grande falha apontada pelo autor neo-realista se relaciona exatamente com a confiança. Mearsheimer chama ainda atenção para outro problema. Não apenas os múltiplos agressores, mas também os caronas podem minar os incentivos dos estados “responsáveis” para confiar na segurança coletiva. A resposta que Charles e Clifford Kupchan dão às críticas neo-realistas começa por redefinir a segurança coletiva: “equilíbrio regulado e institucionalizado baseado na noção de todos contra um provê mais estabilidade do que o equilíbrio não regulado, formado através da lógica de self-help e baseado na noção de cada um por si”. Os autores não querem defender que a segurança coletiva é capaz de evitar a guerra a toda e qualquer condição; no entanto, enfatizam que o equilíbrio institucionalizado é melhor do que o equilíbrio de poder naturalmente produzido em situações anárquicas. “O desafio para os proponentes da segurança coletiva não é, como Mearsheimer escreveu, mostrar que ‘instituições são centrais na administração bem sucedida do poder’ (p.27). É mostrar que há acréscimo de valor: que instituições são melhores do que sua ausência e que oferecem

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melhorias ao equilíbrio sob anarquia do mundo de self-help”. (KUPCHAN & KUPCHAN, 1995, pp.54) Para os realistas e neo-realistas, estados temem uns aos outros porque têm capacidades militares ofensivas, em um mundo anárquico, sem nunca ter a certeza das intenções dos outros. A teoria da segurança coletiva nada fala sobre as duas primeiras condições do temor recíproco. Sobre a certeza das intenções, a teoria é prescritiva e requer que estados não agridam e utilizem a força apenas para defesa coletiva. Mas, exatamente porque a teoria lida com estados agressores, fica patente que não se pode estar completamente certo sobre o comportamento estatal. Há ainda um conjunto de demandas pelas quais é provável que a segurança coletiva seja ineficaz para lidar com grandes potências agressivas. Algumas delas estão listadas: dificuldade de identificar o agressor; a possibilidade de que o agressor não seja malevolente mas sim benevolente; o improvável confronto entre países “amigos” historicamente ou a ação conjunta de países “inimigos” de longa data; dificuldades de distribuir o fardo de levar a cabo a intervenção coletiva; a dificuldade em garantir uma resposta rápida (idealmente imediata) a agressões; a relutância em aderir ao sistema de segurança coletiva porque cada conflito local se transforma em conflito internacional; o comprometimento automático em reagir, o qual pressupõe a ausência de debate doméstico pela possibilidade de não aderir à guerra, ainda que defensiva; a guerra passa a ser vista como repulsiva, e daí é paradoxal exigir que estados responsáveis ajam em prol de estados ameaçados através de uma guerra. À luz dos argumentos realistas, estes motivos seriam mais que suficientes – e a teoria de segurança coletiva não se dirige a eles segundo os neorealistas – para que não se atinja, na prática, nenhum ou, ao menos um, dos elementos que formam a segurança coletiva. Tendo ignorado tanto estratégias de equilíbrio de poder quanto eventuais alianças podem por em risco um estado que confiou em um sistema de segurança coletiva falho. Dada as críticas e a falta de argumentos empíricos, alguns teóricos caminharam para dois modelos repensados de segurança coletiva. Em primeiro lugar, as operações de paz despontam, e as palavras são de William Durch, como uma “alternativa à segurança coletiva para as quais as Nações Unidas foram desenhadas com a intuição de prover, mas não puderam.” (DURCH, Building on Sand: UN peacekeeping in The Western Sahara; apud MEARSHEIMER, 1994, p.34) As operações de paz são intervenções de terceiros 28

estados em guerras civis ou disputas entre potências menores – com o consentimento das partes –, com as intenções de evitar o estouro da guerra ou de parar uma que já teve início. Há dois problemas: intervenções de paz são impensáveis em situações de guerra entre potências, e, a proibição do uso da força fere o princípio clássico da segurança coletiva. Em segundo lugar, a segurança coletiva pode ter dado espaço para um concerto, definido por Charles e Clifford Kupchan em Concerts and Collective Security como uma “forma atenuada de segurança coletiva” ou “versão híbrida razoável de segurança coletiva”. (KUPCHAN & KUPCHAN; apud MEARSHEIMER, 1994, p.35) Apesar dos esforços de Kupchan & Kupchan, concertos são freqüentemente associados ao equilíbrio de poder realista. Um concerto é um arranjo pelo qual as grandes potências que não têm incentivos para lutar umas contra as outras concordam com uma série de regras que coordenam suas ações recíprocas, bem como suas ações para com as potências menores do sistema, geralmente estabelecendo uma esfera de influência. (MEARSHEIMER, 1994, p.35). Concertos, alegadamente, surgem após guerras entre potências, e duram poucos anos, enquanto o equilíbrio é instável, até que se atinja o novo status quo. Os realistas argumentam que, não importa se operação de paz ou concerto, seus efeitos para a promoção da paz são marginais; antes ainda, não são, uma ou outro, consoantes com a segurança coletiva. Na leitura dos teóricos da segurança coletiva, a estabilidade é produto da cooperação, enquanto a interpretação feita pelos neo-realistas supõe a estabilidade fundada na competição. Mearsheimer, segundo Kupchan & Kupchan, teria se focado apenas na versão idealista da segurança coletiva, que é uma variante preocupada com comprometimentos legalmente compulsórios de reação automática e conjunta a uma agressão. (KUPCHAN & KUPCHAN, 1995, p.53) Para a dupla de autores, “Any institution that is predicated upon the principles of regulated balancing and all against one falls into the collective security family. Concerts do retain an undercurrent of competitive, self-help balancing. But they operate in a regulated, norm-governed environment and are predicated on the logic of all against one, not each for his own.” (Ibidem, p.53)

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Eles vão além, e afirmam que mesmo a definição de concerto dada por Mearsheimer é pertinente a teoria para que advogam: “He insists that concerts are ‘largely consistent with realism’ and logically incompatible with collective security, but writes that concerts entail ‘coordinated balancing’ among ‘great powers that have no incentive to challenge each other militarily [and] agree on a set of rules to coordinate their actions’ (p.35). These features are fundamental attributes of collective security and stand in stark contrast to the inescapable competition and self-help strategies of realist balancing under anarchy.” (Ibidem, pp.53-54)

A teoria da segurança coletiva busca convencer que tal instrumento tem duas vantagens: maior efetividade na formação de concertos20 contra os agressores e mais confiabilidade e cooperatividade no ambiente internacional. A primeira delas se explica na medida em que a segurança coletiva exitosa confronta os agressores com força preponderante em vez de meramente igual; eventualmente, o pior resultado da segurança coletiva é próximo ao melhor resultado dos concertos e contra-balanços sob a anarquia, posto que quando estados não diretamente afetados pela ameaça renegam seus compromissos internacionais, restaram ainda os estados afetados de um ou outro lados do conflito, muito próximo ao que ocorreria no mundo realista. Mas já foi anunciada supra a crítica comum ao pior resultado da segurança coletiva: para os neo-realistas, contar com a assistência alheia renderia despreparo por parte dos membros da instituição, e caso seus membros desistam de seus compromissos o resultado para os estados agredidos é tenebroso (KUPCHAN & KUPCHAN, 1995, p.55). A tal situação assim aventada, Kupchan & Kupchan respondem que a falência da segurança coletiva ocorre gradualmente, podendo os estados se prepararem para o confronto sós, e que a prudência deveria fazer com que eles não se mobilizassem, em qualquer situação, apenas o suficiente para contribuir com o mínimo vencedor da coalizão. Este argumento, de fato, parece estar inclinado mais às premissas e cenários neo-realistas de poderio militar, de sobrevivência e temor recíproco dos estados. Porém os autores adicionam a este argumento o fato de serem as capacidades 20

É mister recordar que a réplica de Mearsheimer enfaticamente afastou a possibilidade de considerar concertos como uma das formas válidas de segurança coletiva, respondendo estes a lógica de equilíbrio de poder. (MEARSHEIMER, 1995, p.88)

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militares dos estados condicionadas não apenas pela ameaça do ambiente em que estão, mas também por uma complexa mistura de considerações econômicas e políticas.21 Adicionalmente, a possibilidade de caronas é sempre presente nos problemas de ação coletiva, e, para os autores, não há indício de que isto seria diferente sob a anarquia. A segurança coletiva ainda seria desejável porque transforma o ambiente internacional em algo mais propício para confiança e cooperação. Isso responde também a uma crítica de Mearsheimer, a saber, a de que a segurança coletiva é uma teoria incompleta porque não explica como os estados podem confiar uns nos outros. Ela promove a confiança à medida em que os estados, por um lado, se sentem seguros sob os auspícios dos compromissos internacionais contraídos, e, por outro, se desmotivam a iniciar uma guerra de agressão, dada a retaliação compulsória, conjunta e rápida. Do mesmo modo que o medo e a desconfiança, no mundo realista, é crescente como uma espiral de hostilidade, sob as ações orientadas pela segurança coletiva a confiança transborda de estado em estado, de interação em interação ao longo do tempo. (Ibidem, pp.57-58) Também o problema dos ganhos relativos é melhorado com a segurança coletiva: quando não se julga possível que os ganhos relativos alheios não poderão ser utilizados ameaçadoramente contra eles no futuro, um estado se preocupa mais com ganhos absolutos. Portanto, os estados estariam mais inclinados a cooperar, mesmo que não se preocupassem apenas com ganhos absolutos. Por fim, as instituições também seriam útil para reformular os interesses nacionais, em um modo pelo qual ajam mais amistosamente. “As instituições irão forjar, e não apenas ser forjadas por, a distribuição de poder”. (Ibidem, pp.57-58) As instituições, ao contrário do que gostam de dizer os neo-realistas, ganham certa autonomia e resistem ao desfazimento dos supostos equilíbrios de poder puramente realistas. O desfecho da contra-crítica aos neo-realistas diz respeito à natureza dos estados no sistema internacional. Para esta escola, “as grandes potências são criadas iguais”, e buscam sempre tirar vantagens umas dos outras tementes de possíveis futuras explorações caso não o façam. Segundo essa perspectiva, claramente, os estados decididos pela segurança 21

Mormente esquecido pelos teóricos estruturalistas, o apelo que os autores fazem aqui é exatamente em um nível infra-nacional: lidam com políticas públicas e formação doméstica de preferências em política externa. Eles continuam e afirmam que “não há uma razão um-para-um entre ameaça externa e nível de força” (KUPCHAN & KUPCHAN, 1995, pp.53-54); pelo contrário, a depender das percepções dos atores domésticos e das condições para se obter um resultado idealmente ótimo, as respostas a ameaças externas em termos de militarização pode ser super ou subestimadas.

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coletiva estão em perigo; as organizações de segurança coletiva não seriam irrelevantes mas perigosas. Ao contrário, da ótica dos teóricos da segurança coletiva, “as grandes potências não são criadas iguais”: embora seja verdade que o equilíbrio de poder e outras considerações estruturais são levadas em conta por elas, políticas domésticas, crenças e normas também atuam na formação de suas preferências internacionais. (Ibidem, pp.59-60) “Our contention that it is not only power politis but also the nature of both domestic and international societies that affects great-power behavior is the basis for our optimism about the promise of collective security” (Ibidem, p.60)

Teoria Crítica e Construtivismo: instituições e novas posturas internacionais A teoria crítica, segundo o tratamento dado por Mearsheimer, assim como a segurança coletiva – e diferentemente do liberal institucionalismo – discute a paz. O meio para atingi-la é a alteração do comportamento internacional, transformando o “sistema internacional” ou a “arena internacional” em “sociedade mundial” na qual os estados se orientem por normas de confiança e compartilhamento. Alexander Wendt se dirige a descrição neo-realista da teoria crítica com algumas ressalvas. Segundo ele, “os dizeres da construção social são iguais aos da teoria dos jogos: analiticamente neutros entre conflito e cooperação.” (WENDT, 1995, p.76) A confusão é feita porque existem componentes descrito e explicativo na teoria. Para explicar a guerra e a paz, o elemento descritivo da teoria defendida por Wendt é a extensão em que os estados se desdobram sobre realpolitik em detrimento de aceitarem os constrangimentos legal-institucionais sobre suas autonomias. Mas concordar com a descrição realista não pressupõe comungar do mesmo elemento explicativo: A razão pela qual estados se interpõe em meio a guerras dependem da estrutura – do conhecimento ou da percepção que eles têm sobre o comportamento internacional, se pensam em termos de um ambiente dividido, distributivo, a guerra de todos contra todos hobbesiana é mais propensa a ser encarada como futuro, se pensam confiantemente nas interações e compartilham certas identidades, então a segurança coletiva lhes parece mais plausível – e da ação – embasada consoante com a reciprocidade, ou seja, a militarização alheia causa preocupações dessa ordem para um estado, bem como 32

as políticas de securitização desencadeiam maiores comprometimentos em direção a uma comunidade de segurança. (Ibidem, p.77) Os teóricos dessa corrente de relações internacionais crêem que o modo como o mundo é pensado e o discurso utilizado para interpretá-lo culminam por forjar as práticas internacionais. Isto é, as idéias, enquanto produtos humanos, são também reproduzidas e induzem, assim, o comportamento em uma ou outra direção. Mais especificamente, o realismo, porque vem sendo a teoria dominante para compreender a política internacional, modela o modo como os estados enxergam a realidade a sua volta, delimitando o comportamento internacional. Mearsheimer recorda que, por sua natureza, a teoria crítica se opõe a discursos hegemônicos (MEARSHEIMER, 1994, p.38). Os teóricos tentam encontrar contradições no discurso recorrente, e, a partir delas, revolucionar primeiro o modo como se interpreta o mundo e, depois, as ações estatais. A crítica que os realistas fazem vão no sentido de confrontar esta escola que busca desmistificar a previsão do comportamento internacional sem oferecer, em troca, modelos que prevejam as ações estatais no futuro22. Como afirma Robert Cox em Production, Power, and World Order: “Critical understanding focuses on the process of change rather than on its ends; it concentrates on the possibilities of launching a social movement rather than on what that movement might achieve.” (COX; apud MEARSHEIMER, 1994, p.38)

As instituições, segundo a ótica da teoria crítica, têm a finalidade de prescrever normas com a capacidade de alterar o modo de pensar do atores relevantes. Os acadêmicos reiteram que a idéia de mudança pacífica deve vir através de expectativas compartilhadas de que ela é possível. Nesse sentido, a teoria crítica se aproxima bastante da segurança coletiva: “estados iriam identificar-se positivamente uns com os outros de modo que a segurança de cada é percebida como a responsabilidade de todos” (WENDT, Anarchy is What States Make of It; apud MEARSHEIMER, 1994, p.39). Porém, para os críticos, não

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Wendt, por outro lado, vai reiterar que a previsibilidade neo-realista se embasa em derivações da estrutura que não são coerentemente feitas: “Possibilidade não é probabilidade. Anarquia em si não é causa estrutural de nada. O que importa é sua estrutura social, a qual varia a depender das anarquias.” Afinal, o que levaria então Mearsheimer a afirmar, sem se dar conta de estar embutindo a qualidade social em sua visão estruturalista, que “alguns estados são especialmente amigáveis por razões históricas ou ideológicas”? (WENDT, 1995, pp.76-78)

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haveria agressor no mundo pós-realista, nem fariam sentido preocupações com ganhos relativos ou ameaças de poderio militar, posto que os estados agiriam em consonância com o discurso pacífico. Uma vez que para os críticos são as idéias e os discursos que orientam as ações internacionais dos estados, ou melhor, de seus cidadãos e líderes, e não fatores estruturais como defendem os neo-realistas (e os liberais institucionalistas), então a “realidade social é constituída pela consciência intersubjetiva” (FISCHER, Feudal Europe, 800-1300: Communal Discourse and Conflictual Practices; apud MEARSHEIMER, 1994, p.40). Embora tenham um apelo societal bastante forte, esses teóricos não julgam que tais transformações possam ocorrer de baixo para cima; antes disso, as elites têm papel fundamental em disseminar uma nova linguagem e um novo código social, em geral, e um novo discurso sobre relações internacionais, em particular. Mearsheimer retomou dois trechos de autores, que considera críticos, os quais valem ser lembrados aqui: “Robert Cox’s description of the state illustrates how this process of thinking about the world determines how it is structured. ‘The state’, he writes, ‘has no physical existence, like a building or a lamp-post; but it is nevertheless a real entity. It is a real entity because everyone act as thought it were.’ Alexander Wendt’s discussion of anarchy provides another good example: ‘structure’, he writes, ‘has no existence or causal powers apart from process.’ States, in fact, can think about anarchy in a number of different ways. ‘Anarchy is what states make of it.’ Moreover, ‘self-help and power politics are institutions… not essential features of anarchy.” (COX, Post-Hegemonic Conceptualization; e WENDT, Anarchy is What States Make of It; apud MEARSHEIMER, 1994, p.40)

Em sua resposta ao autor de Back to the Future, Alexander Wendt desconstrói as ambigüidades feitas quando se trata toda uma gama de autores sob a legenda da teoria crítica. Wendt sintetiza muito bem a correntes que se inserem de algum modo dentre a teoria crítica de relações internacionais, e, com isso, auxilia a balizar as premissas da assim dita teoria crítica: “Critical IR ‘theory’, however, is not a single theory. It is a family of theories that includes postmodernist (Aslhey, Walker), constructivists (Adler, Kratchkil, Ruggie, and now

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Katzenstein), neo-Marxists (Cox, Gill), feminists (Peterson, Sylvester), and others. What unites them is a concern with ho world politics is “socially constructed”23, which involves two basic claims: that the fundamental structures of international politics are social rather than strictly material (a claim that opposes materialism), and that these structures shape actors’ identities and interests, rather than just their behavior (a claim that opposes rationalism). However, having these two claims in common no more makes critical theory a single theory than does the fact that neorealism and neoliberalism both use game theory makes them a single theory. Some critical theorists are statists and some are not; some believe in science and some do not; some are optimists and some pessimists; some stress process and some structure” (WENDT, 1995, pp.71-72)

Wendt afirma esposar de todas as cinco premissas neo-realistas elencadas por Mearsheimer, a saber, a anarquia da política internacional, estados têm capacidades ofensivas, não se pode saber as intenções de terceiros estados, estados visam a sobrevivência, e, são racionais nesta persecução. Para o autor, ainda há dois outros preceitos comuns: os estados são as unidades de análise e a importância da teorização sistêmica. Na verdade, um pouco na contramão do esperado pelos teóricos comprometidos com esta escola, Wendt afirma que o neo-realismo é insuficientemente estrutural. (Ibidem, p.72) Obviamente, há diferenças no modo como encaram a estrutura, o que, em última análise, impõe o ponto de divergência inicial entre ambas: “construtivistas pensam que os interesses estatais são, em importante parte, construídos por estruturas sistêmicas, não exógenas a elas; isto leva a um estruturalismo sociológico antes de micro-econômico.” (Ibidem, p.73) Segundo Mearsheimer, “a confusão surge, entretanto pelas diferentes utilizações do termo ‘estrutura’.” Os neo-realistas definem a estrutura em termos materiais, essencialmente,24 o que difere do conceito de Wendt, e confere pouco grau de comparabilidade. (MEARSHEIMER, 1995, p.91) Para Wendt, a estrutura é formada por três elementos. Primeiramente, os entendimentos compartilhados, as expectativas comuns e

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Reproduz-se aqui a nota de rodapé número 4, que se insere no original de Wendt: “This makes them all ‘constructivists’ in a broad sense, but as the critical literature has evolved, this term has became applied to one particular school”. (Ibidem, p.71) 24 Exceções sejam cumpridas àqueles que adicionam poder econômico dentre os recursos materiais, sobre o que a nem literatura realista nem seus críticos são consensuais.

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o conhecimento têm papel importante na natureza da estrutura social; isto é o que diferencia se os estados tenderão a atuar segundo o dilema de segurança, se perceberem o ambiente como ameaçador e assumirem o worst-case, de um lado, ou segundo a comunidade de segurança, se compartilharem expectativas de confiança, de outro25. Segundamente, as estruturas sociais incluem recursos materiais, porém, “elas não explicam nada”, (WENDT, 1994, p.73) sem o conhecimento compartilhado, o qual varia e não é reduzível a capacidades. Finalmente, exatamente explicando como se interligam as estruturas sociais e os recursos de que são dotados os estados, existem as praticas; isto é, os processos nos quais se encontram as estruturas assimiladas pelos atores conforme suas percepções. Sinteticamente, Wendt desafia o estruturalismo neo-realista enfatizando o papel das idéias: “Thus, to ask ‘when do ideas, as opposed to Power and interest, matter?’ is to ask the wrong question. Ideas always matter, since power and interests do not have effect apart from the shared knowledge that constitutes them as such. The real question, as Mearsheimer notes (p.42), is why one social structure exist, like self-help (in which power and self-interest determine behavior), rather than another, like collective security (in which they do not).” (Ibidem, p.74)

A argumentação que lança mão o autor neo-realista para desconstruir a teoria crítica de relações internacionais é de que sua lógica é, na melhor das hipóteses incompleta, e, na pior, internamente contraditória. A abordagem da teoria da crítica em relações internacionais é incompleta na medida em que ignora o processo pelo qual discursos são criados, tornam-se hegemônicos e perdem prestígio. Às vezes, no entanto, os defensores desta abordagem comentam como surgem e desaparecem os discursos, e nesses casos eles paradoxalmente consideram que mudanças no mundo material alteram os discursos. (MEARSHEIMER, 1994, p.42) “Discursos, aparentemente então, acabam por ser não determinantes, mas principalmente um reflexo dos desenvolvimentos no mundo objetivo.” (Ibidem, p.43) 25

Wendt vai além na conceituação de sistema segundo sua ótica, e na diferença conseqüente das atuações internacionais: “This dependence of social structure on ideas is the sense in which constructivism has na idealist (or ‘idea-ist’) view of structure. What makes these ideas (and thus structure) ‘social’, however, is their intersubjective quality. In other words, socially (in contrast to ‘materiality’, in the sense of brute physical capabilities), is about shared knowledge.” (WENDT, 1995, p.73)

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A outra falha que Mearsheimer aponta, mencionada supra, é que a teoria crítica busca superar o discurso realista por um novo, que enfoque harmonia e paz entre as nações, mas ela própria afirma que é impossível saber o futuro. Estas mesmas críticas Mearsheimer ira repetir sob lamentos de não terem sido respondidas por Wendt26. (MEARSHEIMER, 1995, pp.91-92) Os críticos prefiguram o fim do discurso realista após seiscentos anos de hegemonia, desde 1300 até 1989, sem explicar como surgiu, manteve-se ou perdeu valor; nem mesmo arrisca dizer pelo que será substituído exatamente, e qual futuro se pode esperar. Para Mearsheimer, estes seis séculos tiveram momentos tão diversos entre si que não podem ser invocados como período hegemônico de um discurso. Tampouco, julga o neo-realista, parece ser o período feudal, grosso modo os cinco séculos anteriores a 1300, movido por uma lógica diferente da realista. Finalmente, ele não encontra motivos para crer que o fim da Guerra Fria gerará um ambiente menos hostil como defendem a teoria crítica. A defesa que John Ruggie escolheu por fazer quando da provocação de Mearsheimer circunda os momentos da história da política externa americana do pós-Guerra. Segundo Ruggie, os policymakers dos Estados Unidos ignoraram os apelos dos influentes pensadores realistas ao longo dessas décadas e optaram por posturas consonantes com os preceitos institucionalistas27: “Postwar America pursued its interests and sought to manage the changing international balance of power; that no one questions. But in doing so, U.S. policymakers also had certain institutional objectives in mind, as evidenced by their stance toward the United Nations, the creation of NATO, and European unification. And at every turn, they faced opposition for this stance from realist anti-institutionalists.” (RUGGIE, 1995, p.62)

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“Mesmo se mudarmos discursos e movermos para além do realismo, um problema fundamental com o argumento de Wendt permanece: porque sua teoria não pode predizer o futuro, ele não pode saber se o discurso que ultimamente substituiria o realismo seria mais benigno do que o realismo.” (MEARSHEIMER, 1995, p.92) 27 Mearsheimer, asperamente, refuta os argumentos levantados por Ruggie, julgando-os ora corretos ora incorretos, sempre distantes do debate no seguinte sentido: nenhum deles responde a pergunta central de que se as instituições podem independentemente alterar o comportamento dos estados, para algo mais cooperativo e indutivo à paz. Em suas palavras: “A resposta de Ruggie não prove uma defesa forte da teoria institucionalista, porque simplesmente não se dirige à questão central sobre as instituições levantada em False Promise.” (Ibidem, p.83). Isto pode ou não ser verdade, a depender dos olhos com os que se lê seu pequeno artigo; de qualquer modo, o próprio título de seu artigo sugere que sua preocupação fora antes contraargumentar com a lógica neo-realista do que argumentar em favor dos preceitos institucionalistas contra as críticas de Mearsheimer.

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A decisão de apoiar, durante o governo Roosevelt, a um modelo organizacional de segurança institucionalizada na seqüência da II Guerra Mundial, em vez de optar pelo regionalismo que estava em discussão como proposta de ingerência americana em termos de segurança internacional, evidencia a opção prima facie pela institucionalização universal28 da segurança. A facilitação da criação de uma forma mais modesta de mecanismo de segurança coletiva dentro das Nações Unidas, as operações de paz, quando da crise de Suez, durante a administração Eisenhower. (Ibidem, p.64) Também dessa administração, os arranjos de não-proliferação nuclear foram, assegura Ruggie, eficientes em institucionalmente coagir estados na persecução da obtenção e beneficiamento de material nuclear. A criação da OTAN durante o governo Truman, que desde sempre esteve mais inclinada a se parecer com algo próximo de uma aliança militar, redundou, no fim, em uma forma institucional bastante similar aos comprometimentos de segurança coletiva. (Ibidem, p.65) Por fim, o comportamento em relação à unificação européia foi divergente quanto ao esperado pelos realistas; deu amplo espaço para manobra de uma coalizão que, em última instância, resultava em ganhos relativos do bloco para com os Estados Unidos. Os benefícios da opção institucionalista em termos de política internacional de segurança extrapolam os exemplos amiúde citado, por uma razão óbvia, não s consegue mensurar, salvo para os adeptos da história contrafactual, quais prejuízos teriam se criado se não houvesse tamanha institucionalização do comportamento internacional. (Ibidem, pp.67-68)

Obviamente, o debate não se restringiu ao modo esquemático e breve como aqui apresentado. Tampouco foram estes artigos a única produção sobre a institucionalização da segurança. No entanto, são eles emblemáticos na medida em que içaram os temas de segurança, cooperação e instituições ao mais alto ponto da discussão de seu tempo, com reverberações até o presente; além do mais, contribuíram para o enriquecimento das teorias pelos seus esforços didáticos de discernimento, por um lado, e de suavização e flexibilização, de outro. Sobretudo no tocante ao tema e objetivos da pesquisa, elucidaram como críticos diversos apontaram as falhas da tradição realista ao ignorarem as instituições de segurança. 28

Se bem que, e Ruggie vê isso com bons olhos, “Roosevelt adotou um design híbrido para as Nações Unidas: uma organização de segurança coletiva baseada no concerto de poder, para ser usada por, mas contra, os membros permanentes do Conselho de Segurança”. (RUGGIE, 1995, p.63)

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Também introduziram os argumentos gerais da teoria liberal-institucionalista – de onde surgirá a teoria dos regimes internacionais – e da teoria da segurança coletiva – que buscaram teorizar o surgimento de um conceito oficial aqui relevante, justamente a segurança coletiva. Conforme já mencionado anteriormente, a decisão de selecionar os autores e suas produções sobre instituições e segurança é difícil e certamente implicaria uma análise muito mais ampla do que a apresentada. No entanto, já que não se dispõe de tempo e espaço para essa questão pertinente – mas que não é ainda o tema dessa pesquisa – optou-se pela decisão mais sintética e mais embasada: reproduziu-se um debate verdadeiro que ocorreu no seio da International Security, sem excluir ou incluir artigo algum que, de fato, participou do debate aqui comentado.

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Regimes Internacionais: balizando os conceitos e a teoria A ordem na política internacional e, sobretudo, certos mecanismos pelos quais se produzia a estabilidade observados a partir do último quartil do século XX pareciam não se encaixar na tradição realista de relações internacionais. Ao se depararem com certa “anomalia” – segundo a ótica realista – do sistema internacional os acadêmicos logo se centraram na discussão sobre mecanismos institucionais que incentivavam a cooperação ou, ao menos, ajudavam a produzir tal ordem (KEOHANE, 1982, p.141). Muitas das abordagens que surgiram para dar conta de tamanha tarefa são tradicionalmente reunidas sob uma rubrica bastante interessante, do ponto de vista de sua complexidade: a teoria de regimes internacionais que, iniciada com o artigo seminal de John Ruggie, International Responses to Technology: Concepts and Trends, publicado em 1975, ganhou corpo e dialogou com a produção realista e com outros críticos desta. O surgimento das organizações internacionais tal qual tem-se atualmente – leia-se organizações interestatais – , cujo começo pode ser situado no período entre as duas guerras mundiais, gerou um campo de estudo que o refletia, e que desde então só tem ganhado importância, talvez até mesmo mais do que o próprio objeto, em tempos recentes (KRATOCHWIL & RUGGIE, 2006, p.37). A preocupação com os regimes se espalhou ao sabor da insatisfação com os conceitos realistas para a explicação da ordem internacional. O caráter mais cooperativo dos estados de industrialização avançada do ocidente europeu não era explicado pelas derivações da anarquia ou pela competitividade descrita como “soma zero”. Instrumentos como o equilíbrio de poder e as alianças militares não mais davam conta de explicar o comportamento dos estados; assim mesmo, “o comportamento internacional [era] institucionalizado” (RUGGIE, 1975, p.559). De início, os teóricos dos regimes internacionais não abandonam de todo as premissas realistas. Eles assumem que a ação estatal é influenciada por normas e que o comportamento assim orientado não conflita, contudo, com a busca pelos interesses nacionais (HAGGARD & SIMMONS, 1987, p.491). As primeiras interpretações sobre formação dos regimes internacionais se fundamentam fortemente na escolha racional, sob tradição utilitarista. Os atores, que continuavam a ser estados racionais que agiam segundo 40

seus interesses, deveriam, conforme certas circunstâncias, buscar estabelecer regimes através dos acordos mútuos (KEOHANE, 1982, p.141). Esta seção se presta a apresentar o estado da arte dos estudos no campo da teoria de regimes internacionais útil aos objetivos aqui comprometidos, quais sejam, verificar a utilidade do conceito para a compreensão da regionalização da segurança, de um lado, e fornecer um quadro de referência para regimes de segurança coletiva regional. Primeiro, a evolução do conceito de regimes internacionais é discutida, a partir da definição recorrente e de outras duas que contribuíram bastante para a robustez da teoria. Segundo, a preocupação em explicar a criação e extinção de regimes forneceu uma gama de explicações, algumas das quais serão retomadas aqui. Isto á origem ao terceiro tópico desta seção: a adaptabilidade e manutenção de regimes internacionais. Quarto, um modo paralelo de compreender regimes internacionais, como parte dos estudos sobre organizações internacionais e governança, é introduzido; isto porque fomenta a discussão epistemológica e ontológica de que se ocupa o quinto e último tópico desta seção.

Conceituando regimes internacionais Antes de avançar no tema de como os regimes atuam para moldar o comportamento internacional, faz-se necessário conceituá-los. Regimes internacionais são definidos por Stephen Krasner como “princípios explícitos ou implícitos, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área de relações internacionais” (KRASNER, 1983, p.1). Embora seja possível a leitura de que os termos assim apresentados mantenham certa hierarquia, fica difícil distingui-los uns dos outros29. Princípios são crenças de fatos e causas, e incluem também a retidão; normas são os padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações; e, finalmente, regras são prescrições ou proscrições especificas para a ação (Ibidem, pp.1-2).

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Stephan Haggard e Beth Simmons compilam alguns dos artigos mais importantes que levantam tal crítica (HAGGARD & SIMMONS, 1987, p.492): The Force of Prescriptions de Friedrich Kratochwil, publicado em International Organization 38 (Autumn 1984); International Organization: A State of Art on The Art of The State, de John Ruggie e Friedrich Kratochwil, International Organization 40 (Autumn 1986); International Regimes: Toward A New Theory of Institutions, de Oran Young, World Politics 39 (Outubro de 1986); e no livro After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy, de Robert Keohane, Princeton University Press, 1985.

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A definição é razoavelmente abrangente ao conferir ao regime a possibilidade de ser explícito ou implícito, e, porque o vislumbra também desta última forma, permite capturar a convergência das expectativas dos atores e, portanto, comporta determinados padrões complexos de comportamento que não seriam levados em conta por outra abordagem (essencialmente calcada em regimes “tácitos”). A possibilidade posta por Krasner de haver regimes de um ou outro modo – uma vez mais: explícitos ou implícitos – demonstra a importância conferida à convergência das expectativas na tomada de decisão estatal em política internacional. Os princípios e normas podem não ser tão tácitos, as regras, menos ainda30, mas a convergência das expectativas é importante para a constituição de um regime. No entanto, críticas podem ser feitas no sentido de se procurar compreender o quão constrangido é, de fato, o comportamento estatal por estas regras voláteis. No mesmo International Regimes organizado por Krasner e iniciado com seu artigo citado supra, há ainda outra definição importante de regime, encontrada no artigo de Puchala & Hopkins. Embora parecida com aquela, esta confere ainda mais peso para o comportamento esperado dos atores: “um regime existe em cada issue-area das relações internacionais [...] e sempre que houver regularidade no comportamento, alguns tipos de princípios, normas ou regras devem existir para conferir tal regularidade” (PUCHALA & HOPKINS, 1983, p.62). Contrastando uma e outra definição, a primeira parece prestar maior atenção à normatividade dos regimes ao pressupor a existência não apenas de um ou dois dos elementos seguintes, mas dos quatro – não existe regime na ausência de princípios ou de normas ou ainda de regras e procedimentos de tomada de decisão, definidos segundo seus termos, pela versão de Krasner, enquanto que pela descrição de Puchala & Hopkins apenas algum ou alguns de um destes componentes basta. Além do mais, os processos de tomada de decisão são, par excellence, o mecanismo pelo qual a ação dos estados no plano internacional tem espaço para a convergência. Esse é o lócus no qual os três outros elementos atuam moldando o comportamento estatal em torno das expectativas centrípetas. Na verdade, ao seguir a definição da citada dupla de autores, corre-se o risco de meramente

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Tal polêmica fica ainda mais apimentada quando se lembra de que, no original em inglês, há uma ambigüidade provocada pela adjetivação (“explicit or implicit”), a qual pode servir ou para os princípios ou para os princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão. Aqui optou-se pela por aquela possibilidade, o que já é suficiente para dirigir algumas criticas relacionadas a existência de regimes não tácitos.

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deduzir regimes a partir de comportamento padronizado, sem sucesso em explicar como eles o mediam, constrangem-no ou o influenciam. Assim, ainda que o conceito proposto por Krasner seja alvo de críticas quanto aos regimes não-tácitos, fica claro, ao contrastá-lo com a definição de Puchala & Hopkins, que alguma sorte de normas e regras são essenciais para reorganizar a ação internacional dos estados, e, consequentemente, atrair as expectativas dos atores. Uma terceira possibilidade de entender regimes internacionais é lembrada por Stephen Haggard & Beth Simmons. Retomando Oran Young, eles tratam regimes como “acordos multilaterais entre estados que desejam regulamentar as ações nacionais dentro de um issue-area” (HAGGARD & SIMMONS, 1987, p.494). Vistos dessa forma, os regimes definem a gama de ações estatais possíveis através de injunções explícitas. Assim, fica patente que a mudança de um regime se explica pela vontade dos estados em concordar com a alteração clara das regras (claras) que regulam seu comportamento. Fica sombreado o papel das organizações internacionais, onde se poderiam tomar lugar vários fóruns multilaterais nos quais se materializariam as tomadas de decisões, que carregariam consigo princípios e normas. A virtude desta definição é ancorar novamente o debate sobre regimes em torno de algo mais concreto e discernível, os acordos multilaterais tácitos – o que não era preocupação para Krasner e que era ignorado por Puchala & Hopkins. No processo de construção da teoria dos regimes internacionais, a contribuição desta leitura que enfatiza o formalismo e a explicitude não foi pequena. Através dela, o conceito de regime pode mais facilmente se distinguir de termos até então intercambiáveis a ele: “This definition also allows a sharper distinction between the concept of regime and several cognates, such as cooperation. Regimes are examples of cooperative behavior, and facilitate cooperation, but cooperation can take place in the absence of established regimes […] Regimes must also be distinguished from the broader concept of ‘institutions’, the essential feature of which is ‘the conjunction of convergent expectations and patterns of behavior or practice’. Regimes aid the ‘institutionalization’ of portions of international life by regularizing expectations, but some international institutions such as balance of power are not bound to explicit rights and rules. ‘Convergent expectations’ may or may not be tied to explicit agreements – they might, in fact, arise in a milieu characterized by substantial conflict.

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Finally, we should distinguish between regimes and ‘order’ or ‘stability’. Regimes may facilitate order and stability but are not coterminus [sic] with them. In some instances, regimes may unintentionally contribute to instability, as when commitments to maintain parties under Bretton Woods regime in the late 1960s produced chaotic exchange markets.” (Ibidem, pp. 494-495)

Criação de regimes internacionais Amparada pelas últimas tentativas de explicar os regimes e por outras aqui menos importantes, a conceituação mais recorrente, a de Krasner, encontra mais solidez e os regimes internacionais passam definitivamente para a agenda de estudos. Uma parte da literatura sobre regimes se ocupa então em explicar seu surgimento. De um lado, abordagens enfatizam a capacidade de oferta de regimes. Sobretudo a Teoria da Estabilidade Hegemônica busca explicar a criação de regimes pela oferta 31. A concentração de poder pelo hegemon é condição suficiente – o estado dominante teria anseios em prover bens públicos, pois ele é um dos grandes beneficiários desta obtenção – e necessária – somente a hegemonia seria capaz de dotar um estado com recursos políticos, econômicos, pessoais e tecnológicos suficientes para a criação de um mecanismo de cooperação32 que resolve, minimamente, o problema de ação coletiva33. Existem teóricos que enfatizam o

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Na verdade, a Teoria da Estabilidade Hegemônica, em sua origem, não parecia se preocupar com a oferta de regimes internacionais, senão com o alcance da ordem e estabilidade internacionais. Somente depois de autores oriundos da Teoria de Regimes Internacionais, sobretudo Keohane, e das respostas de autores ligados àquela teoria, como Robert Gilpin, é que o conceito passou a ser entendido como produto da hegemonia. 32 Robert Keohane sintetiza os argumentos da Teoria da Estabilidade Hegemônica da seguinte forma: “concentration of Power in one dominant state facilitates the development of strong regimes, and that fragmentation of power is associated with regime collapse”. Para esta discussão, ver Robert O. Keohane, “The Theory of Hegemonic Stability and Changes in International Economic Regimes, 1967-1977”, in Ole R. Holsti, Randolph Siverson, e Alexander George, eds., Change in The International System (Boulder: Westview, 1980). 33 Irá haver certamente inúmeros caronas. Os regimes são também importantes por isso: certas vezes, são eficazes em tornar o bem algo exclusivo e, portanto, atenuam o problema dos estados que não cooperam mas se beneficiam, incentivando-os a também atuarem coletivamente para não se privarem dos resultados positivos futuros. Nem sempre os regimes consiguem atingir os estados desta maneira, todavia, eles podem às vezes operar sobre a excludabilidade do bem em questão. O regime não atua, nem seria desejo de estado algum que assim fosse, na (não-)rivalidade do bem, isto é, na diminuição da fruição do mesmo a cada vez que algum estado se vale dele; caso o bem se torne mais rival, os estados competiriam pela sua fruição e evitariam a partilha. Eis porquê o hegemon se beneficia ao prover o bem público: ele se interessa em fruir dele, e quando o fizer não compete com outros estados; quanto mais puder distribuir a tarefa de atingi-lo com outros atores, menos custo terá na obtenção de algo tido como essencial a ele, e nesse sentido o regime auxilia a incentivar estados a cooperarem com o projeto hegemônico – tanto mais será distributiva a tarefa quanto mais

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fato de somente o hegemon reunir os fatores necessários para a criação de um regime, e daí derivam que seu comportamento no sistema internacional é predatório. Outros recorrem ao fato de que o ator hegemônico se volta para o problema de ação coletiva não em virtude de sua capacidade para tanto senão em decorrência de sua vontade de resolvê-la, e daí preconizam um comportamento benevolente34. Ainda mais em condições de hegemonia perfeita, mas também nas nuances desta, os mesmos atores são provavelmente demandantes e ofertadores de regimes (KEOHANE, 1982, p.142). De outro lado, encontram-se análises que se focam na demanda por regimes, sugerindo que o desejo por cooperação existe e decorre de certos fatores, e que seguramente os regimes são capazes de diminuir os custos de transação e aumentar a informação. Argumentando que a estabilidade hegemônica falha ao não explicar como mudanças estruturais não caminham juntas com mudanças nos regimes internacionais, ao não dar conta de explicar as durações diferentes de instituições dentro de um mesmo issuearea e ao evitar explicar porquê havia menos regimes internacionais durante o suposto período de maior liderança hegemônica, Keohane apóia-se em uma tradição da teoria micro-econômica, focando-se nos constrangimentos e incentivos que afetam as escolhas feitas pelos atores (Ibidem, pp.142-144). Segundo sua hipótese: “Changes in the characteristics of the international system will alter the opportunity costs to actors of various courses of action, and will therefore lead to changes in behavior. In particular, decisions about creating or joining international regimes will be affected by system-level changes in this way: in this model the demand for international regimes is a function of system characteristics.”35 (Ibidem, p.145) excludabilidade puder ser conferida ao bem em questão. Para esta discussão, ver Helen Milner, “International Political Economy: Beyond Hegemonic Stability”, Foreign Policy, Spring 1998, pp.112-123. 34 Na verdade, a Teoria da Estabilidade Hegemônica surge apontando o hegemon como ator benevolente; ele arcaria sozinho inclusive com custos indesejados pelos outros atores (KINDLEBERGER, 1981, p.243; KINDLEBERGER, 1973, 304), posto que a opção da cooperação institucionalizada, noção mais próxima de regime, não estava exatamente compreendida pelos primeiros defensores da teoria. Mais adiante, outros teóricos percebem um espaço por onde o hegemon consegue excluir outros potenciais beneficiários, sendo o único capaz de resolver o problema de ação coletiva e, assim, retirar benefícios dos demais atores; antes disso, estes autores lembram que, como único capaz de levar o projeto à cabo, o ator hegemônico consegue moldar o formato de resolução do problema consoante a seus interesses (GILPIN, 2002, pp. 89 e 394). Para esta discussão, ver Duncan Snidal, “The Limits of Hegemonic Stability Theory”, in International Organization, vol. 39, nº 4, Autumn 1985, pp. 579-614. 35 KEOHANE, Robert. The Demand for International Regimes. International Organization, Vol. 36, No. 2, International Regimes (Spring, 1982), pp. 145. Keohane faz tal afirmação com a intenção de

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A anarquia – a falta de instituições que possam governar em última instância e modelar a política internacional – e a incerteza fazem parte do mundo em que operam os regimes internacionais. A resposta institucionalista para essas características do sistema internacional é a cooperação. Resta imaginar, então, qual demanda pode haver para a criação de regimes, demanda esta diferente e separada da demanda pela cooperação. A resposta é uma (outra) analogia com o mundo do mercado: assim como nas situações de market-failure, nas quais atividades econômicas descoordenadas pela ausência de autoridade hierarquizante conduz a resultados ineficientes e requerem algo de governança, os defeitos institucionais (ou, antes disso, a ausência de instituição governante) no mundo da política internacional requereria uma correção proporcionada pelos regimes internacionais (Ibidem, pp.150-151). “A demanda por regimes internacionais a qualquer preço dado varia diretamente com a vontade dos estados por acordos e com a habilidade do regime verdadeiramente facilitar a realização de tais acordos.”36 Fazendo uma leitura invertida dos três elementos do Teorema de Coase os quais evitariam o sub-ótimo de Pareto, Keohane finalmente elenca as condições das quais a ausência de ao menos uma explicaria o modo como regimes facilitariam acordos: falta de um conjunto claro de prescrições legais que estabeleçam liability para as ações; informação imperfeita (custosa); e custos de transação (ibidem, p.154).

Adaptabilidade e alteração Das perguntas “o que são regimes?”, “como têm sido estudados?” e “por quê são criados (e extintos)?” move-se para outra: “como os regimes são alterados?”. A primeira das dimensões mais importantes já foi anunciada acima. Não é qualquer simples mudança demonstrar os limites da análise estruturalista em sua modelo. Em seguida, ele lança mão da caracterização de um tipo de regime que reitera a frase acima transcrita: regimes impostos são aqueles acordados sob constrangimento advindo dos atores mais poderosos; os custos de oportunidade dados em função do peso relativo do negociador e da necessidade, por parte do estado em vias de decidir pela adesão ou não, do regime. 36 KEOHANE, Robert. The Demand for International Regimes. International Organization, Vol. 36, No. 2, International Regimes (Spring, 1982), pp. 152. Ele continua traçando analogias com os ditames microeconômicos liberais na página seguinte: “[…] where the demand for agreements is positive at some level of feasible cost, and the supply of agreements is not infinitely elastic and free, there may be a demand for international regimes if they actually make possible agreements yielding net benefits that would not be possible on an ad hoc basis.”

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dos elementos sustentadores do regime que decretam sua inexistência. Ao contrário, os procedimentos de tomada de decisão dos fóruns multilaterais, ou mesmo das ações unilaterais estatais, geralmente podem ser alterado segundo os ditames do acordo internacional em torno do qual gravita o regime ou do estatuto ou outros documentos da organização internacional que eventualmente está no centro da dinâmica dele. Também as regras – os termos do tratado internacional ou as decisões emanadas de organizações internacionais – para as quais os estados devem se atentar freqüentemente se alteram ao longo do tempo. De fato, a capacidade de um regime se adequar a novos incentivos do ambiente – o que pode garantir sua manutenção e existência – advém da flexibilidade com que ele consegue se adaptar através de novas regras e procedimentos de tomada de decisão. Isto possibilita a adaptação necessária para regime muito rígido, o qual pode ser entendido como oneroso pelos atores por ele tocados se as condições em que se inserem se alterarem sem que eles as acompanhem minimamente. Quanto aos princípios e normas, diferentemente, alterações ferem potencialmente a natureza do regime, transformando-o em um outro. Um regime é embasado pelas normas gerais que dizem, em última instância, para onde convergem as expectativas dos atores – se elas se alteram, não apenas a conduta dos estados se alteram, o que era esperado, mas a direção para onde essas novas condutas se orientariam também se reconfiguram. Semelhantemente, os princípios que regem a dinâmica do regime, quando modificados, determinam novas formas de interação interestatal, alterando o escopo, a forma organizacional ou o método de alocação dos recursos. Uma mudança deste tipo, relacionada a novos princípios ou normas, pode ser entendida como uma mudança do regime; enquanto uma mudança daquele tipo, quando as regras e os procedimentos de tomada de decisão são alterados, pode ser vista como uma mudança dentro do regime (KRASNER, 1983, p. 04). A outra dimensão importante para explicar a mudança dos regimes é exatamente esta que define as formas de atuação dos estados. Escopo, forma organizacional, método de alocação dos recursos e também a força dos regimes podem explicar como regimes alteram ao longo do tempo (HAGGARD & SIMMONS, 1987, p.494). O escopo refere-se à variedade de tópicos que um regime pode cobrir. De uma forma geral, os regimes tendem a surgir como respostas institucionais a problemas pontuais, e, portanto, cuidam de um tópico inserido “em uma determinada área das relações internacionais”, conforme concluía a 47

definição de Krasner. No entanto, quando um regime se altera, não raro ele incorpora um novo issue-area, sem abandonar completamente o anterior. O escopo jurisdicional de um regime não é desimportante para seu sucesso. “Jurisdição excessivamente ampla impõe custos administrativos e complexidades, mas acordos excessivamente restritivos podem permitir pequeno espaço para barganha e issue-linkage” (Ibidem, p.497). Um escopo inadequado é tido como ineficiente, e as externalidades a ele associadas podem inclusive ser uma causa de mudança do regime. A forma nas quais os regimes se organizam variam, e podem explicar, em parte, tanto o sucesso de um regime como a demanda por mudanças estruturais. Há aqueles em que acordos per se são quase auto-suficientes para atingir o objetivo a que se propõe, como por exemplo mecanismos de trocas de informações, cooperações técnicas ou diminuição ou impedimento de certas ações cujas conseqüências são externalidades negativas. Há também aqueles que requerem intervenções mais assertivas dos estados, mas ainda assim, a exemplo do primeiro grupo, são relativamente descentralizados. A maioria dos regimes, no entanto, necessita de um aparato administrativo central mínimo, seja para a coleta e distribuição das informações, seja para a monitoria das ações estatais ou para a solução de controvérsias. Tipos de cooperações mais complexos precisam de estruturas organizacionais mais elaboradas e virtualmente mais autônomas, e, à medida em que a institucionalização aumenta, as explicações fundamentadas na anarquia do sistema internacional se tornam bastante enganosas (KEOHANE & NYE, 1993, p.55). Ainda sobre a forma organizacional, os princípios de representação têm importante papel para o modelo de organização do regime: princípios de membership, acima de tudo, influem na agenda internacional e na distribuição de recursos da organização internacional eventualmente em questão. O modo de alocação dos recursos, ele próprio, é bastante importante para engajar tanto a entrada de novos membros como para a manutenção do comprometimento, e por conseqüência, as adaptações de regimes. Dois modelos podem ser contrapostos: alocação orientada pelo mercado e o modo autoritário de distribuição dos recursos. Embora eles quase nunca apareçam puros em quaisquer de suas formas, este último parece ser mais freqüente. O controle direto dos recursos e sua distribuição pelas autoridades de um regime está associado a formas organizacionais mais complexas e autônomas, enquanto Oran Young chama a atenção para regimes orientados pelo mercado que se harmonizam com a 48

alocação privada de recursos, desincentivam o controle nacional e facilitam contratos privados. “Sistemas empresariais [...] não são arranjos institucionais operando fora ou na ausência de regime. Tais sistemas claramente requerem estrutura tácitas de direitos de propriedade ou de uso.” (HAGGARD & SIMMONS, 1987, p. 498)37 A extensão da cooperação e, principalmente, a natureza do tópico do regime irão determinar em parte a preferência pela alocação de mercado ou autoritária. Finalmente, o enfraquecimento do regime, ou até mesmo sua falência, é visto como uma diminuição do comprometimento com as injunções do regime, particularmente em instâncias nas quais os interesses imediatos ou “míopes” colidem com as regras dos regimes. A força ou fraqueza de um regime, portanto, está ligada ao grau de aquiescência de suas regras pelos estados. Obviamente que a discussão sobre regimes não se esgota nos temas aqui levantados, mas de forma mais ou menos esquemática foram cobertos: o surgimento empírico de mecanismos de cooperação internacional e seus desdobramentos na academia, o conceito recorrente de regimes internacionais bem como dois exemplos alternativos importantes para a delimitação teórico-metodológica do regime, as teorias sobre o surgimento de regimes, e a chaves conceituais para a mudança dos regimes. Embora os autores tratados supra divirjam em muitos pontos chaves, suas hipóteses, grosso modo, não se invalidam umas às outras. Existe uma discussão epistemológica e ontológica que aponta, contudo, para novos modos de enxergar regimes internacionais.

Outro modo de compreender os regimes: Organizações, Governança e Regimes Internacionais Há um outro modo de sintetizar as discussões acerca de regimes, que não passa por sua definição embora não invalide sua evolução. Para Friedrich Kratochwil & John Ruggie, em um artigo importante dentre os que propõem uma revisão epistemológica e ontológica, os autores consideram a Teoria de Regimes de Internacionais como parte de uma teorização mais ampla, a de Organizações Internacionais. Há no mínimo cinco formas claras em que o 37

Haggard & Simmons citam o trecho transcrito acima de Oran Young, Compliance and Public Authority, p.55.

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problema da governança internacional – o foco primordial dos estudos de organizações internacionais – foi concebido; e, apenas um deles são os regimes internacionais. O fato de que o campo de estudo das organizações internacionais está em constante busca por sua variável dependente corrobora, na visão dos autores, para essa superposição de campos de estudos (KRATOCHWIL & RUGGIE, 2006, p. 38). A primeira forma de se depreender as organizações internacionais são as instituições formais. Por esse modo de pensar, a governança internacional é o que as organizações internacionais fazem, e, por sua vez, suas atribuições formais importam para o que elas fazem. O segundo foco desse campo de estudo são os processos institucionais, isto é o real processo de tomada de decisão dentre de uma organização internacional. “A capacidade de explorar padrões de influir forja determinados resultados organizacionais”: poder e prestígio de estados, formação e funcionamento de grupos, posições de liderança, etc. podem gerar um comportamento internacional compulsório favorável a certos interesses. Centrar-se no potencial ou real papel dessas organizações é outro modo de compreender a governança internacional. Esta pode ser entendida, então, como a capacidade de resolução de problemas, ou como as conseqüências institucionais do insucesso ante a tentativas de resoluções para os neo-funcionalistas, ou ainda como a capacidade de refletir e modificar as características do sistema internacional. Os regimes internacionais, embora fossem o fenômeno mais estudado à época da publicação do artigo, não era senão apenas outra forma de se estudar as organizações internacionais. A grande contribuição que este modo pode apresentar, não apenas à comunidade epistêmica mas também, senão principalmente, aos policy-makers, foi o elemento normativo. O estudo dos regimes internacionais também contribui para descolar os conceitos de organização internacional e de governança internacional um do outro, e com isso, pode dar importância ao papel daquela nesta, de sorte que pela primeira o estudo das organizações internacionais se debruçou verdadeiramente sobre seu âmago, qual seja, a governança internacional38. Importantes mudanças no sistema internacional durante a década de 1970 poderiam levar a se

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Ou como mais bem escrito se vê no original: “for a time the field of international organization lacked any systematic conception of its traditional analytical core: international governance. The introduction of the concept of regimes reflected an attempt to fill this void. International regimes were thought to express both the parameters and the perimeters of international governance”. (KRATOCHWIL & RUGGIE, 2006, p. 40)

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confrontarem ao estilo beggar-thy-neighbor; certamente não houve incentivos sistêmicos ou força de organização internacional individualmente que pudessem evitar que isto ocorresse. De fato, alguns poderiam aventar que a erosão da hegemonia estadunidense teria impactos no sentido de desincentivar o confronto. Mas outros prefeririam dizer – e, na verdade, esta explicação não é por meio algum incompatível com a primeira – que regimes constrangem e condicionam o comportamento internacional, apesar das mudanças sistêmicas ou da erosão de lideranças ou organizações, gozando de certo grau de autonomia. Finalmente, outro importante modo de enxergar as organizações internacionais é através da dicotomia conflito e cooperação. Algumas abordagens recentes à época do artigo apresentavam um modo de conciliar duas categorias distintas e quase sempre consideradas opostas. Sobretudo, os autores estavam falando da teoria da escolha racional. As diferenças que distinguiam uma categoria da outra agora passam a ser aplicadas como determinantes situacionais, em vez de estruturais; e o conceito de regime parecia permitir uma simbiose poderosa do ponto de vista analítico. (Ibidem, pp. 38-41)

Discussão Epistemológica e Ontológica Há temas importantes que tratam da revisão do modo pelo qual se tem tradicionalmente analisado regimes internacionais. Algumas críticas, embora bastante importantes, já são levantadas pelos próprios autores tradicionais e, quase consensualmente são entendidas como irremediáveis. Dentre estas estão, por exemplo, a imprecisão do conceito e a dificuldade de se hierarquizar os componentes do regime, ou como operar em contextos de regras que contradizem os princípios e normas dos quais se originam 39. Mas a discussão que parece mais cara aos críticos lida com uma contradição entre epistemologia e ontologia. A conceituação recorrente de regimes, e muitas das outras também, deposita sobre o objeto estudado um componente intersubjetivo importante, haja visto a ênfase em expectativas convergentes, o que reforça a idéia de que os princípios e normas são guiados por formas de comportamento social compartilhadas. Disso resulta que a ontologia de 39

Quando pensam em hierarquia de componentes do regime, Kratochwil & Ruggie não se referiam a hierarquia entre um princípio e uma norma ou uma regra. Eles tinham em mente regras contraditórias entre si derivadas de princípios aparentemente não contraditórios, como as provisões de salva-guarda do GATT, pensadas consoante o princípio de salvaguardar a balança de pagamentos, que se chocava com a regra da nação mais favorecida, arquitetado sob o princípio de que o comércio liberalizado era positivo para o bemestar global (Ibidem, p.45).

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regimes internacionais não consegue ser entendida negligenciando a intersubjetidade. Em contradição com isto, “a posição epistemológica prevalecente na análise de regimes é quase toda positivista em orientação” (Ibidem, 42). A essência do positivismo fundamenta-se na separação entre sujeito e objeto, e, um passo adiante, foca-se nas forças objetivas que geram a interação social. Uma reconciliação entre ontologia intersubjetiva e epistemologia positivista objetiva é simplesmente inconcebível; resulta que alguns autores simplesmente ignoram essas críticas, enquanto outros tentam descrever regimes fora de condições subjetivas como a convergência de expectativas, outros ainda tentam explicar regimes de uma ótica que privilegie a mútua construção entre sujeito e objeto, favorecendo uma epistemologia alternativa intersubjetiva. Para a maioria dos autores cujas críticas se situam mais ou menos próximas do descrito supra há um desdobramento desta contradição igualmente questionável. O paradoxo da normatividade é que para os positivistas ela se aplica perfeitamente, enquanto seus críticos a refutam com dois argumentos. Por um lado, eles advogam que normas guiam ou inspiram comportamento social, mas não são capazes de determiná-lo como querer fazer crer os positivistas. Por outro lado, a violação de normas não as refutam, o que torna-se ainda mais problemático no plano internacional anárquico do que no plano doméstico, para o qual as sansões estatais podem atuar corretivamente. Kratochwil & Ruggie se esforçam para não deixar que o afastamento da visão positivista através deste dois argumentos não levem à explicação uníssona da anarquia estrutural e insistem “que, assim, como a epistemologia tem que se encaixar à ontologia, também o modelo explanatório precisa ser compatível com a natureza básica da empreitada científica particular em questão” (Ibidem, p.44). A solução que propõem Kratochwil & Ruggie para os problemas até agora apresentados passa por elevar a quantidade e qualidade dos estudos de abordagem organizational-design, a qual tenciona lidar com tipos específicos de arranjos institucionais – como “simples normas de coordenação, realocação de direitos internacionais de propriedade ou controle autoritário de organizações formais” – além de adicionar três elementos de epistemologia interpretativa importantes, a saber, transparência do comportamento estatal e expectativas, legitimidade e políticas epistêmicas (Ibidem, pp.4647). Mais incisivamente nesta proposta, mais também ao longo das criticas feitas, percebe52

se claramente uma proposta não-positivista, baseada em uma epistemologia alternativa (já que os autores concebem plausível a ontologia de regimes internacionais) que consiga retornar os estudos dos regimes a algo mais próximo do estudo de organizações internacionais. Os autores não comentam o quão diferente esta nova abordagem deve ser dos primeiros estudos de instituições formais ou dos seguintes estudos sobre funções organizacionais. O foco da discussão acadêmica em torno de regimes internacionais esteve, no mais das vezes, atrelado à idéia de que estes possibilitariam uma mediação entre a busca de interesses nacionais pelos estados e a determinação estrutural das possibilidades de manobra em termos de política internacional. Embora tenha nascido por conseqüência de um esforço inicial de Ruggie e conte com conceituações importantes do mesmo autor e de outros – como os já citados Puchala & Hopkins – no sentido de ressaltar o caráter subjetivo dos regimes, a teoria de regimes internacionais orbita em torno da chave conceitual de Krasner, qual seja, a de que o regime seria uma variável interveniente, capaz de mediar as vontades estatais e as possibilidades internacionais. Assim, “A análise de regimes tentou preencher uma lacuna definindo um foco que não fosse nem amplo como estrutura internacional nem tão estreito como estudo das organizações internacionais. Os analistas de regimes levaram em conta que os padrões da ação estatal são influenciados por normas, mas que esse comportamento guiado por normas era totalmente consistente com a busca dos interesses nacionais. Portanto, a literatura sobre regimes pode ser vista como uma experiência no sentido de conciliar as tradições realistas e idealista” (HAGGARD & SIMMONS, 1987, p. 492 in: INOUE & SCHLEICHER, 2004, p.4)

Inoue & Schleicher propõem uma discussão a qual começa por retomar a categorização das diferentes abordagens de regimes internacionais de Haggard & Simmons e culmina por sugerir novos métodos de pesquisa nesta campo epistemológico. Dessa forma os primeiros autores definem seus objetivos: “O primeiro é mostrar que o conflito no seio da negociação do Protocolo de Biossegurança é mais do que um litígio comercial. Parece ser, de fato, um choque entre duas visões diferentes de progresso inseridas em uma única civilização. O segundo é apontar –

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após demonstrada a insuficiência da teoria ‘clássica’ de Regimes Internacionais e analisado o caso da formação do regime internacional de biossegurança – alguns caminhos pelos quais a idéia de regimes poderia caminhar: i)relações entre conhecimento e poder (política);ii) caráter mutuamente constitutivo entre agente e conhecimento científico, ou seja, a interatividade entre objeto e sujeito e as relações agente-estrutura;iii) o conflito epistemológico representado por posturas intersubjetivas distintas dos atores relevantes no processo de negociação, sintetizado pelos debates positivismo versus interpretação e cientificismo versus precaução” (INOUE & SCHLEICHER, 2004, p.4)

Depois de tratar as definições e as dimensões de mudanças de regimes, o artigo de Haggard & Simmons termina por apresentar quatro abordagens teóricas para as variações de regimes, as quais são sintetizadas por Inoue & Schleicher com o intuito de apontar as insuficiências do debate principal40. Primeiramente, o estruturalismo, tido como a teoria da estabilidade hegemônica, não consegue vislumbrar regimes internacionais na ausência de hegemon. A abertura do sistema internacional dependeria da capacidade de um ator forte – tão forte que dificilmente poderia ser imaginado em situações multipolares – em prover a estrutura necessária para conexões multilaterais. Segundamente, diante da manutenção e adaptabilidade de regimes durante a contemporânea era multipolar, o funcionalismo – cuja pedra de toque é certamente After Hegemony de Keohane – tenta demonstrar que os incentivos obtidos com os regimes e os custos para criação de novos regimes (em contraposição à modificação daqueles já existentes) transformam-nos perenes. Além disso, o funcionalismo trouxe outra importante contribuição à teoria: a idéia de que a cooperação emerge da potencial discórdia, em vez do compartilhamento de interesses. Terceiramente, a teoria da escolha racional, a teoria dos jogos, malgrado as críticas quanto a uma “modelagem de laboratório” distante da realidade, “demonstra como a busca do interesse individual leva a um resultado subótimo para o grupo”. (INOUE & SCHLEICHER, 2004, p.6) O dilema do prisioneiro, ao considerar os estados racionais, egoístas e maximizadores de utilidade chama atenção para como a coordenação do comportamento internacionais poderia gerar espaços 40

Para clarificar a análise que aqui se quer fazer, pode ser útil trazer a colocação da dupla de autores acerca das abordagens: “Se for entendido à luz do terceiro debate das Relações Internacionais (Neo-Realismo & Neo-Institucionalismo), o estruturalismo corresponderia ao realismo, as abordagens de teoria dos jogos e funcionalismo seriam um meio termo entre o realismo e liberalismo e, por fim, o cognitivismo seria um ponto ‘fora’ do contínuo do debate da Teoria de Relações Internacionais (TRI) na década de 1980”. (INOUE &

SCHLEICHER, 2004, p.4)

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para cooperação. Finalmente, o construtivismos ressalva que o método positivista, utilizado pelas abordagens precedentes, não é compatível com um dos preceitos mais aceitos por seus acadêmicos: a suposta convergência das expectativas. Para os autores construtivistas, agente e estrutura constituem-se mutuamente.

Feita essa retomada das principais tradições em se abordar regimes, pode-se avançar para quais são os novos caminhos propostos pela dupla de autores brasileiros41. A primeira questão remete à força motriz da geração de regimes [ambientais]; seria ela o poder ou o conhecimento? De um lado, a abordagem estruturalista de regimes internacionais enfatiza sobremaneira a distribuição de poder, e aponta uma condição ideal para a criação de regimes. De outro, autores construtivistas – das ciências sociais em geral ou de relações internacionais em particular –, como Ulrich Beck, Anthony Giddens e Peter Haas, através dos conceitos de sociedades de risco, expert knowledge systems e comunidades epistêmicas42, buscam explicar “uma origem não sistêmica para os interesses estatais e identifica[m] uma dinâmica para cooperação persistente independente da distribuição de de poder internacional. (HAAS, Peter, Epistemic Communities and International Policy Coordination, p.4; in: INOUE & SCHLEICHER, 2004, p.14) Por fim, os autores chamam atenção para o “esforço conciliador” de John Ruggie já no artigo seminal da teoria de regimes internacionais, International Responses to Technology. Deste artigo se depreende que a tensão estado-ciência, grosso modo, o primeiro dotado de poder e o segundo de conhecimento, possibilita três arranjos cooperativos: cognitivos, regimes internacionais e organizações internacionais formais – elencados sob um continuum desde arranjos capitaneados exclusivamente pela ciência até aqueles organizados puramente através de interesses políticos; o regime internacional seria exatamente algo intermediário. A segunda questão permeia não somente o campo das relações internacionais senão todas as ciências sociais. Autores ligados à idéia da mútua modelagem de agente e estrutura preconizam que o objeto das ciências sociais, seja ele qual for, está em permanente transformação, de uma maneira em que ele próprio é a causa ou a mediação de uma ação e certamente será resultado dela. Inoue &

Schleicher sintetizam a discussão com uma retomada do conceito de reflexividade social, segundo o qual, “os indivíduos seriam capazes não apenas de refletir as estruturas 41

Tornar explicito a intencao dos dois autores: explicar o regime de biosseguranca de cartagena. Para mais informações ver BECK, Ulrich, Risk Society: towards a new modernity, London: Sage, 1992; GIDDENS, Anthony, As consequências da Modernidade, São Paulo: UNESP, 1991; e HAAS, Peter, Epistemic Communities and International Policy Coordination, International Organization, v.46, n.1, Winter 1992. 42

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normativas e institucionais em que estão inseridos, ou que eles criam através da continuidade de práticas sociais estendidas no tempo, mas também modificá-las através de um processo de reflexão, que dá um caráter dinâmico às práticas sociais”. ( INOUE & SCHLEICHER, 2004, p.15)

A terceira e última questão para a qual os teóricos de regimes internacionais devem se atentam ao problematizar seus temas é a tensão positivismo versus interpretação. A crítica que fazem os autores é, na verdade um apelo, a maior esforço no sentido de autoreflexão crítica, isto é, a capacidade de compor análises conforme os métodos rígidos de pesquisa e não apenas segundo premissas ou hipóteses que se tenha sobre um determinado objeto. “Explorar tais discussões é importante por duas razões. A primeira é que ela revela diferentes visões acerca da objetividade do conhecimento científico e suas implicações para a política. Em segundo lugar, a ontologia no campo das Relações Interancionais é em grande medida, esforço da reflexão humana. Em outras palavras, nas Relações Internacionais a discussão acerca da objetividade do conhecimento teria um duplo caráter, epistemológico e ontológico, com profundas implicações para a validade do método. Portanto, a realidade que se conhece, e que é objeto e/ou resultado da investigação, está sujeita a reflexão, assim como a própria reflexão está sujeita a revisão. Por fim, é necessário relembrar que o conhecimento científico é também uma forma de poder, ou melhor, a ciência seria um conflito entre discursos, ou metanarrativas, que buscam afirmação e consolidação.” (INOUE & SCHLEICHER, 2004, p.16)

Finalmente, a conclusão a que chegam Inoue & Schleicher não se distancia muito das proposições construtivistas: “Torna-se mais claro para o analista que os Regimes Internacionais não são um dado, ou uma variável interveniente ou independente: são algo a ser interpretado e desvendado em um contexto social especifico, como propõe Kratochwil & Ruggie. A epistemologia dos Regimes Internacionais depende fortemente de como é definida a ontologia e vice-versa, pois nas ciências sociais em geral ambos possuem um caráter recursivo. Assim, se todas as categorias tomadas como ‘dados’ ou ‘variáveis’ na análise de regimes (Estados, Regimes Internacionais, Sistema Internacional, Anarquia, etc.) são socialmente construídas, então

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necessariamente há de se recorrer a um método interpretativo para compreender a formação de um Regime Internacional.” (INOUE & SCHLEICHER, 2004, p.17)43

Certamente, há quem se posicione a favor ou contra a utilidade do conceito de regime internacional. Mais pertinente, há vários modos de se problematizar a conceituação. O que importa verdadeiramente é a contribuição dos regimes para o campo de segurança internacional, e sua riqueza analítica será bem aprofundada, recorrendo sempre que necessário ao esboço agora feito e a seção que se centra nos regimes de segurança internacional.

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Outra conclusão importante a que chegam os autores corrobora para com a idéia discutida na nota 9 supra: “após ter demonstrado que os Regimes Internacionais não são um ‘dado’, trabalhou-se a idéia de que o conhecimento científico também não o é. De forma mais clara: não há como analisar formação de Regimes Internacionais Ambientais exclusivamente por intermédio de um método positivo e objetivo, como foi discutido a partir das três dimensões mencionadas: poder/conhecimento, agente/estrutura e positivismo/interpretação. A partir desta figura natural que é a ‘Precaução’ inevitavelmente apareça em diversas análises cientificistas como irracional. Contudo, qual a validade da ‘racionalidade cientificista’ quando há legitimidade suficiente para demonstrar que o irracional, a ‘loucura’ para Foucault, pode não ser a exceção? O que seria então a normalidade: a ‘loucura’ precaucionária ou o progresso cientificista?”

(INOUE & SCHLEICHER, 2004, p.18)

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Conceituação de segurança internacional e suas implicações teóricas A formação de relações internacionais enquanto área de estudo e disciplina acadêmica esteve relacionada à segurança e a guerra (CROFT et al., 1999, p.10; BOOTH, 2004, p. 02), e foi exatamente a partir do momento em que o estudo da segurança se revestiu de abordagens teóricas oriundas dela que adquiriu consistência e profundidade, rigorosidade e sofisticação metodológica (WALT, 1991, pp. 211, 219 e 221). O casamento entre segurança e relações internacionais forneceu, para algumas das teorias destas, capacidade de desenvolvimento de instrumentos analíticos poderosos, os quais, por sua vez, retornaram para aquela prognósticos de resolução no campo teórico e nas ações práticas. Nesta seção analisar-se-á o conceito e a evolução de segurança internacional, bem como dispositivos teóricos para sua obtenção. A segurança internacional, no plano acadêmico, não é um termo consensual, tendo sido ao longo de sua evolução muitas vezes indissociada do fenômeno da guerra. Embora seja causa da propulsão das relações internacionais como cátedra, os estudos maciços na área de segurança internacional tiveram grande impulso apenas nos anos cinqüenta e sessenta, visto que antes disso eram, em geral, os militares que tinham a primazia de discutir o assunto. Durante “a idade de ouro dos estudos de segurança internacional”, os ditos estudos estratégicos concebiam a possibilidade de uma guerra nuclear, e idéias como contenção, deterrência, dissuasão e first strick faziam sentido. O peso da revolução nuclear e os efeitos de uma guerra não-convencional em plena era de destruição em massa, porém, caíram por terra na medida em que a possibilidade histórica de um enfrentamento nuclear diminuía, misperception se chocava à racionalidade de teoria da deterrência e contraexemplos se tornavam mais a regra do que a exceção. O Vietnã significou o embasamento empírico de que os estudos estratégicos estavam no caminho errado. Nos anos setenta, houve um renascimento dos estudos de segurança, apostando novamente na guerra convencional, mas não ignorando a possibilidade da uma guerra estratégica. A partir desse movimento, historicidade e comparabilidade foram dadas ao tema através de estudos de caso. (Ibidem, p. 214 e 216) Nesta seção, primeiramente, abordar-se-á o conceito de segurança, desde a definição tradicional, que persiste ainda fortemente nas pesquisas de relações internacionais, 58

passando por abordagens mais amplas ou profundas, até concepções práticas ou políticas bastante genéricas. Em seguida, apresentar-se-ão dois quadros analíticos, os quais apresentam as dimensões sobre as quais discorrem as diversas teorizações sobre segurança internacional. Depois, alguns dos meios de obtenção da paz e de dirimir os problemas de segurança de que lançam mão certas abordagens teóricas são relembrados, quais sejam, a segurança coletiva, as comunidades de segurança e os regimes internacionais. Por fim, o dilema de segurança é revisto, com a finalidade de elucidar como os três métodos podem mitigá-lo e amenizar a difícil escolha, que pode involuntariamente conduzir para uma espiral de hostilidades.

Conceituando Segurança Internacional A segurança internacional desde então vem sendo foco de pesquisadores dentro do campo de relações internacionais. Certamente, é este quem aborda, de várias maneiras diferentes aquela, subordinando-a enquanto sub-campo de um arcabouço teórico que compreende também esferas econômica, ambiental, humanitária, etc. (CROFT, et al., 1999, p.12) Especialmente, o que difere os estudos mais recentes dos anteriores é a concepção de segurança internacional por detrás do texto. A concepção tradicional, minimalista, presta atenção exclusivamente ao fenômeno da guerra; de acordo com ela, “estudos de segurança poderiam ser definidos como ‘o estudo da ameaça, uso e controle de força militar’ ” (NYE & LYNN-JONES; apud WALT, 1991, p. 212). Na medida em que se avança por uma agenda de pesquisa mais abrangente adicionam-se medidas pré-militares – controle de armas, diplomacia, gerenciamento de crises – concernentes à possibilidade da guerra, cujo fundamento elementar é a estrutura de poder bélico, denominadas o mais das vezes por statecraft. (Ibidem, p. 213). O foco, contudo, ainda é a guerra: tudo o mais incorporado por essa visão se relaciona aos meios pacíficos de obtenção de um fim certamente atingível pela via militar. O estado ainda é o cerne das questões tratadas como segurança por essa concepção. Dito de outra forma, a segurança internacional é vista em termos de segurança nacional, e a orientação contra suas ameaças advém do chamado dilema de segurança. Novas sortes de ameaças além das militares, consideradas especialmente a partir do fim da Guerra Fria, põem em cheque a exclusividade da segurança nacional. O fim da disputa entre as potências socialista e capitalista marca uma nova agenda de pesquisa entre 59

os pesquisadores – e de ação, entre os policymakers – a qual retira a primazia dos estudos realistas de segurança, em detrimento de abordagens cuja gama de ameaça extrapolava os limites tradicionais (HERZ, 2006, p. 27). Mais adiante (e os ataques de 11 de setembro são um marco de referência comumente citado para tanto), outros esforços foram feitos no sentido de alongar o conceito de segurança para novos referentes. (SMITH, 2004, pp. 27, 31 e 57) À expansão conceitual da segurança corresponde uma diversificação da natureza das ameaças e dos sujeitos de segurança. Assim, um modo recorrente de categorizar as tentativas de redefinir segurança é dividir as abordagens a partir das dimensões de ampliação do significado através da inclusão de dimensões outras que não militares – uma ampliação da natureza das ameaças em relação ao estado – e de aprofundamento do conceito, reconhecendo-o como derivativo das premissas intelectuais, ideológicas ou políticas de quem o concebe44. Steven Smith, em seu artigo The Constested Concept of Security, resume seis abordagens que ampliam e aprofundam o conceito de segurança: a Escola de Copenhage, os Estudos de Segurança Construtivistas, Críticos, Feministas, Pós-estruturalistas e a Segurança Humana. A Escola de Copenhage desenvolve a idéia de “securitização”, que era entendida como a capacidade de incluir um item dentro da agenda de segurança (Ibidem, p. 34). O ato discursivo aqui tem uma função especial: a rotulação de algo como pertinente ao domínio da segurança legitima o uso de medidas especiais pelo senso e importância e urgência conferido por esse status. Para Barry Buzan, Ole Waever e Jaap de Wilde, os estudos de securitização tinham em foco a avaliação de para quem a securitização servia, isto é, quem securitiza, em que tópicos, com quais referentes e por quê. Outra abordagem que oferece distinta concepção de segurança são os Estudos Construtivistas de Segurança, cuja centralidade reside no fato de importar para este nicho as premissas do construtivismo social. A segurança, assim, é um constructo, um produto da compreensão humana intersubjetiva: “segurança é o que estados fazem dele” – para parafrasear a máxima de Alexander Wendt. Um dos estudos importantes dentro desse 44

No sentido da distinção entre broadening e deepening de Broadening the Agenda of Security Studies, Keith Krause e Michael Williams, recém empregada supra. Para Booth, a ampliação do conceito decorre de seu aprofundamento, na medida em que a contestação da natureza do objeto pesquisado – uma nova ontologia –, da crença do que compreende o “verdadeiro” conhecimento – uma nova epistemologia – e da inatividade prática das teorias solving-problem – uma nova orientação em direção à práxis – é capaz de abranger a gama de referentes de segurança e de ameaças possíveis. (Booth, 2004, p. 14)

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contexto é Security Communities de Emmanuel Adler e Michael Barnett, cuja importância reside no fato de que o ator-estado pode passar a conceber a segurança através da comunidade em vez do poder. (Ibidem, p. 38) Dentre os Estudos Críticos de Segurança, termo cunhado por Ken Booth, há vários teóricos cujas percepções são diferentes, mas convergem no descontentamento em relação aos estudos ortodoxos de segurança, buscando um foco nos indivíduos, na comunidade e na identidade. Uma implicação importante desses estudos é que, ao afirmarem-se criticamente em face a estrutura, processos e ideologia prevalecentes, eles reforçam o caráter derivativo dos conceitos de segurança, relembrando que eles provém de uma particular posição política ou teórica. A reconfiguração que pretendem fazer os simpáticos a essa perspectiva parte de baixo para cima, pois a interligação entre os três conceitos chaves – segurança, comunidade e emancipação – demonstra que a primeira somente pode ser alcançada quando dimensões próximas ao indivíduos como as últimas estão em questão. Herança da aplicação dos estudos críticos à teoria de relações internacionais, cujo expoente é Robert Cox, os Estudos Críticos de Segurança definem não apenas uma agenda de pesquisa, mas também uma agenda de ação prática, através da emancipação – teoria e práxis se mesclam com a finalidade de intervir nos estudos de segurança bem como em seu objeto (BOOTH, 2004, pp. 15-16) Outra abordagem relevante dentre aquelas que se propõem a ampliar os tipos de ameaças à segurança bem como a aprofundar os referentes de segurança de modo a atingir o indivíduo são os Estudos Feministas de Segurança. A idéia de que partem esses estudos: embora as conseqüências (do estudo e da prática) das relações internacionais seja axiomático, no que tange a questão de gênero, a disciplina omite um deles, o feminino. Há, alegadamente, uma sobreposição entre os estudos feministas e os críticos, mas aqueles ainda adicionariam preocupações de segurança esquecidas quando gênero é omitido. (SMITH, 2004, pp. 46-47) Os Estudos Pós-estruturalistas de Segurança são a alternativa mais radical à literatura tradicional, porque negam o conhecimento reclamado que domina os estudos de segurança. A busca pela desconstrução é um tema importante. Os métodos de ciência sociais não são necessariamente válidos para os pós-estruturalistas, muito menos há posições apriorísticas ou hipóteses teóricas ex ante. Esta negação é tão forte que, 61

comumente, choca-se mesmo com as outras abordagens que se opõem aos estudos ortodoxos no campo da segurança. (Ibidem, p. 49) A Segurança Humana, por ser um termo oficial, fornece uma história diferente. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – o PNUD – foi o mentor intelectual do termo oficial, levantando a bandeira no Relatório de Desenvolvimento Humano de 1994, o qual se dedicou à segurança humana, categorizando quatro pilares da segurança humana – universalidade, interdependência de seus componentes, centralidade no indivíduo e preventibilidade – e sete grupos de ameaças – econômico, político, alimentar, ambiental, pessoal, aspectos de saúde e da comunidade. O termo permeia não apenas a ONU, mas também a União Européia e a Organização dos Estados Americanos; orientou ainda a agenda de política externa de vários países, como Canadá, Japão, Noruega e Chile. A insegurança humana seria resultado de qualquer ameaça de privação às capacidades básicas nestas dimensões; para mitigá-la, seria necessário reconhecimento de riscos, prevenção, proteção e compensação – as duas primeiras são medidas ex ante, e as últimas, ex post. (KING & MURRAY, 2001, p. 586) Os principais problemas deste conceito, comum à maioria dos termos oficiais, mesmo àqueles sobre os quais a academia depois se debruça, são a inconsistência da definição, a falta de significado quando se tem um conceito excessivamente abrangente45, a dificuldade de estabelecer relações causais porque o conceito compreende já uma inumerável gama de variáveis dependentes (PARIS, 2001, pp. 88, 93), incompatibilidade entre dados nacionais diversos, dificuldades de sistematização de dados (KING & MURRAY, 2001, pp. 590-591). Na busca de uma definição mais precisa, bem como de mesurar46 a segurança humana, concepções como esta emergem: segurança humana de uma população é a expectativa de anos fora do estado de pobreza generalizada47 (Ibidem, p. 592). Paris conclui apontando as contribuições do conceito de segurança humana para a prática e teorização de segurança internacional.

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Haveria alegadamente uma coalizão que se beneficiaria da inocuidade do conceito, pois este permitiria que diversas concepções de segurança se aproximassem contra a visão tradicional, palpada nas ameaças militares. (PARIS, 2001, pp. 88, 95) 46 Os autores derivam a segurança humana como anos de segurança humana populacional, em função de renda, saúde, educação (os três componentes do Índice de Desenvolvimento Humano), liberdade política e democracia. 47 Os autores definem segurança como o estado em que privações não atingem o indivíduo; portanto circundada por duas fortes características, a saber, orientação para riscos futuros e os riscos de estar abaixo de um limite crítico de privação (p. 592). Por pobreza generalizada, os autores entendem, a o estado no qual o

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“Human security has been described as many different things (…) As a rallying cry, the idea of human security has successfully united a diverse coalition of states, international agencies, and NGOs. As a political campaign, the human security coalition has accomplished a number of specific goals, such as the negotiation of the land mines convention. But as a new conceptualization of security, or a set of beliefs about the sources of conflict, human security is so vague that it verges on meaninglessness - and consequently offers little practical guidance to academics who might be interested in applying the concept, or to policymakers who must prioritize among competing policy goals. Efforts to sharpen the definition of human security are a step in the right direction, but they are likely to encounter resistance from actors who believe that the concept's strength lies in its holism and inclusiveness. Definitional expansiveness and ambiguity are powerful attributes of human security, but only in the sense that they facilitate collective action by the members of the human security coalition. The very same qualities, however, hobble the concept of human security as a useful tool of analysis. On the other hand, human security could provide a handy label for a broad category of research a distinct branch of security studies that explores the particular conditions that affect the survival of individuals, groups, and societies – that may also help to establish this brand of research as a central component of the security studies field.” (PARIS, 2001, p. 102)

Quadros Analíticos de Referência Há algumas ferramentas analíticas que permitem entrever em que distam umas teorias de outras e são, eventualmente, importantes pontos e partida para novas agendas de pesquisa. Um modo de sistematizar diversas concepções de segurança internacional é desenvolvido por Croft et al. (1999, pp. 18-23) Para esses autores algumas dimensões são chaves para o entendimento das premissas de que partem as escolas que se dedicam ao estudo da segurança: o referente, a natureza das ameaças, a eventual utilidade da guerra e os meios para alcançar a paz. Primeiramente, identificar a quem se refere a segurança, qual o ator para o qual a orientação em termos de segurança é feita é crucial para conceituá-la. Na tradição realista, e junto com ela em outras tantas que a absorveram enquanto indivíduo se encontra privado, isto é, abaixo de qualquer limite de qualquer capacidade básica em qualquer área de bem-estar (p. 594). Na busca por uma definição mais precisa do conceito, os autores lançam mão de cinco dimensões (para cada qual correspondendo um indicador e um limite abaixo de que os indivíduos se encontram privados de uma capacidade sua) essenciais para a obtenção da segurança humana porque são importantes o suficiente para seres humanos lutarem ou arriscarem suas vidas e propriedades por elas. Essas dimensões estas citadas na nota 3 supra. (p. 593)

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paradigma dominante, o referente de segurança internacional é par excellence o estado. Ele é o ator relevante nas relações internacionais e é ele quem deve fornecer segurança a si próprio. Assim, para a tradição realista, o estado é referente e fornecedor de segurança em âmbito internacional. Para os liberais-institucionalistas, por exemplo, o referente segue o mesmo, mas ainda que os estados sejam os responsáveis pela criação de instituições internacionais, são elas e não eles quem podem fornecer alternativamente melhorias aos problemas securitários. Mesmo outras (poucas) abordagens renovadoras, cuja concepção de segurança é bastante mais abrangente porque inclui dimensões como pobreza, desenvolvimento, meio ambiente, etc, têm ainda no estado o grande referencial. É apenas via estado que os indivíduos cuja segurança está ameaçada por um renque enorme de aprisionamentos têm as resoluções estendidas. Outra visão se desvincula completamente do estado-ator e circunda o individuo enquanto referente de segurança internacional, como algumas das abordagens contestadoras vistas supra. Como bem ilustra a passagem, “in principle, four or more distinct securities may be at issue simultaneously: the security of the individual citizen, the security of the nation, the security of the regime, the security of the state. For a society composed of communal groups, with distinctive ethnic or religious identifications, their perceived securities may also be at stake, making the interplay and competition among the various players even more complex and unresolvable.” (JOBS; apud CROFT et al., 1999, p. 20)

Além da questão de produtores (fornecedores) e receptores (referentes) de segurança, a natureza das ameaças influi fortemente sobre a definição de segurança. Depositar sobre a guerra a maior ameaça à segurança redunda em uma concepção minimalista de segurança internacional. Ainda que mantenham o estado como referencial, outras possibilidades de ameaça requerem uma concepção mais ampla do que a anterior: econômicas, políticas, societais ou ambientais, por exemplo. Uma ameaça (ao estado por si próprio ou por responsável de seus cidadãos) pode tanto restringir as opções de políticas de um governo ou de uma entidade privada dentro de um estado quanto degradar a qualidade de vida de seus habitantes. (ULLMAN; apud ibidem, p. 21) Ameaças transnacionais podem tanto suscitar respostas estatais como supranacionais ou locais, por exemplo, armas nucleares, problemas ambientais, ou crime transnacional. Para pós-positivistas, a percepção 64

de ameaça é também uma construção social, realizada junto com a construção do outro; disto decorrem dois paradigmas distintos: ou o outro e a ameaça são indissociáveis entre si e distintos do sujeito, aproximando todos os atores a eventuais inimigos, ou a ameaça são todos, inclusive o sujeito, quando se tem problemas essencialmente globais, como de ordem ambiental, por exemplo. A leitura que fazem os teóricos de relações internacionais sobre a utilidade da guerra e a possibilidade da paz, para os autores, resulta em diferentes respostas ao problema da segurança. Os métodos pelos quais virtualmente se mitiga a guerra, isto é, os meios para alcançar a paz, serão tratados infra. Paris fornece um bom esquema para discernir os estudos de segurança internacional: uma matriz com duas dimensões, a saber, natureza das ameaças e referente de segurança, que gera quatro categorias diferentes de abordagens. O quadrante superior esquerdo representa estudos que concebem o estado como referente e as ameaças como riscos militares tradicionais à segurança nacional – o realismo se enquadra aqui. No quadrante superior direito, o estado permanece como referente, mas a natureza das ameaças de segurança redefinida pode incorporar outras dimensões não-militares, como econômicas ou ambientais – pesquisas na linha de Jessica Tuchman Mathews, Redefining Security, encaixam-se aqui. No quadrante inferior esquerdo têm-se as ameaças tradicionais cujo referente são sociedades, grupos e indivíduos – guerras civis e conflitos étnicos estão presentes dentre estes estudos. E, finalmente, no quadrante inferior direito estão os estudos que concebem as ameaças não tradicionais (bem como as tradicionais) e o referente são indivíduos e sociedades em vez do estado – e para isso é especialmente importante o conceito de Segurança Humana. (PARIS, 2001, pp. 98-100) Um eventual problema da matriz é que, ao admitir apenas duas dimensões, o referente e a natureza da ameaça, não inclui o fornecedor de segurança, induzindo até mesmo a fundir o referente e o fornecedor em um só ator. Por exemplo, em qual quadrante dever-se-ia colocar os estudos institucionalistas, que têm no estado o principal referente mas não o fornecedor de segurança?

Respostas ao problema de segurança É claro que cada concepção de segurança é permeada pelas forças das afiliações acadêmico-teóricas de cada autor. Os referentes de segurança são essencialmente os atores 65

que a escola assim compreende neste e em outros sub-campos da teoria de relações internacionais. Na descrição da natureza da ameaça, de certa forma, é perene um viés seletivo dentre todas as ameaças reais o qual permite reter apenas aquelas para as quais o alvo coincide com o referente. Seguramente um desastre natural que assolasse toda a humanidade ameaçaria a segurança de um estado qualquer; ainda assim, a tradição realista continuaria a listar como ameaça apenas aquilo que diz respeito direta e militarmente aos estados. Também em relação ao fornecedor de segurança esse colamento entre opção por uma corrente teórica e descrição teórica é forte. Mais importante aqui é perceber que para cada abordagem de relações internacionais corresponde um fornecedor de segurança, e, por conseqüência um método para sua obtenção. Croft et al. argumentam que as elaborações complexas a que se chegou atualmente para a obtenção de um estado pacífico, cujas condutas dos atores não são constrangidas ou obrigadas por nenhum agente, já estavam todas, de algum modo, lançadas na Paz Perpétua de Immanuel Kant, retomada assertivamente pelos liberais durante o primeiro debate de relações internacionais. Nesse sentido há três possibilidades para um mundo naturalmente pacífico (CROFT et al, 1999, p. 24). A primeira delas é a abolição da anarquia internacional através da centralização da autoridade; muitas vezes as capacidades dessa autoridade mundial, uma sorte de governança global ou federação de estados kantiana, se assemelham bastante àquelas dos estados nacionais, a saber, um sistema de lei vigente para todo o território, tribunais mundiais e uma força policial. A segunda possibilidade prevê que os benefícios do comércio conduzem à pacificação, vista como a maximização do ganho total a partir da otimização individual feita racionalmente em busca dos interesses particulares, contrastando com as perdas da guerra. Finalmente, a teoria da paz democrática sugere que democracias operam com mais restrições que as tornam mais pacíficas na conduta internacional entre si, e, ainda que não necessariamente hajam assim com países não democráticos, tendem a serem menos violentas ou letais nestas últimas relações do que na interação entre países autoritários (RUSSET, 1993, p. 11), advogando que quanto mais houver democracias, tanto mais áreas de paz haverá. A democratização completa, assim, pode virtualmente refutar integralmente a guerra. Para além dessas perspectivas utópicas kantianas, há outro grupo de métodos de obtenção da paz, sendo a paz entendida como a situação de não-guerra, como estabilidade e 66

cooperação. Em vez de um estado de comportamento inerentemente pacífico, em uma situação na qual os constrangimentos são desnecessários, estas outras três possibilidades prevêem que a cooperação internacional minimiza o recurso da violência, em uma situação na qual a guerra é desnecessária, mas os constrangimentos são essenciais. São eles: a segurança coletiva, a comunidade de segurança e os regimes de segurança. A teoria da segurança coletiva encara com otimismo a possibilidade de evitar a guerra. A idéia básica por trás do termo é a de comprometer os estados a agirem segundo os interesses coletivos (de defesa) quando da ameaça de ou transgressão ao status quo. A abdicação o uso da força é o centro da mecânica a segurança coletiva, tudo o mais agindo para motivar o abandono do belicismo e punir o violador desta regra de ouro. A resposta a um eventual ataque é desde antemão planejada coletivamente: a situação ideal desconhece a guerra, mas a previsão dessa situação gera uma reação coletiva coordenada previamente em lugar de uma retaliação militar unilateral. Os estados devem conceber seus interesses nacionais fundidos com os interesses de outros estados, de modo que um ataque a um membro seja um ataque a todos. O ideal é a criação de um comprometimento coletivo automático. A punição coletiva e coordenada contra o agressor desencoraja a ação revisionista ou expansionista de estados que assim preferissem agir: o resultado é a diluição do dilema de segurança seja porque um estado deseja agir em benefício próprio contra o coletivo ou porque os estados interpretam errado as possíveis ações defensivas dos outros. O efeito da segurança coletiva é tal que os estados não passam a agir agressivamente a não ser que verdadeiramente o desejem (não apenas entendam que essa é uma estratégia de defesa sob a anarquia), mas a reação a isso é atemorizador. Os estados concordam, através e regras e normas, em manter a estabilidade, e, se necessário, contrabalançar contra a agressão. (CROFT et al., 1999, p. 26) A rejeição da força militar, o comprometimento com a ação responsável e coletiva, e a confiança nas ações dos estados são, assim, os três pilares que fundamentam a segurança coletiva desdém Woodrow Wilson até a redefinição de segurança o pós-Guerra Fria. Os teóricos em defesa da segurança coletiva afirmam que o equilíbrio institucionalizado é melhor do que o equilíbrio de poder realista naturalmente produzido sob anarquia. Há um acréscimo de valor, posto que instituições são melhores do que sua ausência e que oferecem melhorias ao equilíbrio sob anarquia do mundo de self-help. 67

(KUPCHAN & KUPCHAN, 1995, pp.54) Diante das críticas de insucesso histórico da Liga das Nações e das Nações Unidas, dois mecanismos globais de segurança coletiva, alguns teóricos apontam para as operações de paz como um mecanismo de segurança coletiva que constrange o ator bélico e abdica do uso da força para responder ao dilema de segurança. As comunidades de segurança são também um meio de obtenção da paz. Haver uma região transnacional formada por estados que compartilhem uma mesma identidade faz com que seus membros passem a ter expectativas de resolução pacífica de conflitos. O conceito é retomado de Karl Deutsch, para quem havia uma “comunidade de segurança pluralística sempre que estados se integravam ao ponto de ter um senso de comunidade, o qual, por sua vez, criava a segurança de que o estabelecimento de suas diferenças excluiria a guerra”. (ADLER & BARNETT, 1998a, p. 03) Além desse tipo pluralístico (ou cibernético, ou ainda transacionalista) há comunidades de segurança amalgamada, com a união de duas unidades sob um novo governo único, como os Estados Unidos, mas esse não é o foco desses estudos enquanto possibilidade de obtenção de paz. Há três pontos de ligação que forjam, como que passo a passo, o estabelecimento de uma comunidade de segurança. O primeiro deles são algumas condições precipitadoras, sem quais fica difícil o estabelecimento do senso de comunidade – mudanças na tecnologia, economia e no ambiente, ou, mais especificamente, desenvolvimento de novas interpretações da realidade social e ameaças externas comuns. O segundo, as variáveis de estrutura – poder e conhecimento – e de processo – como o aprendizado social proveniente de experiências comuns. Por último, se chega à confiança mútua e identidade coletiva – que são, em essência, a fonte de expectativas de mudança pacífica. (ADLER & BARNETT, 1998b, pp. 37-47) As comunidades de segurança são, na verdade, uma sorte de meio para obtenção da paz, entendida como a situação de não guerra, mas são também uma pacificação da conduta estatal, de modo que, ao menos em parte, a natureza do estado corrobora para interação internacional pacífica. Os regimes de segurança são os princípios, regras e normas que permitem restringir o comportamento dos estados, na crença de que o mesmo acontecerá aos demais. (JERVIS, 1982, p. 173) O cálculo feito pelo atores é simples: a normatização, dada a convergência das expectativas, facilita a cooperação, que é desejável porque provê ganhos de longo prazo. Sem o regime, os estados se comportam segundo seus interesses egoístas de curto 68

prazo. No campo da segurança, os regimes são difíceis de serem alcançados, porém ainda mais valiosos, e ambas considerações decorrem do fato da sobrevivência dos estados estar envolvida. Há, portanto, algumas características que diferem os regimes de segurança dos demais: maior competitividade, os resultados da falha do regime são irreversíveis e podem ser fatais, os métodos de institucionalização podem ser utilizados não apenas para fins de cooperação defensiva mas também ofensiva, e a incerteza é maior, posto que os estados tendem a ser menos transparentes e tem mais incentivos a trapacear do que em outras esferas das relações internacionais. (Ibidem, 174). Todas essas questões atuam inclinando as escolhas do dilema de segurança para um resultado abaixo do ótimo paretal. O maior beneficio das instituições de segurança é exatamente aumentar o grau de confiança, através da informação, dos incentivos e punições previamente normatizados, da repetição dos jogos, do transbordamento para outras áreas de contato interestatal. (KEOHANE & WALLANDER, 1999, p. 23) Para Keohane & Wallander, uma tipologia das instituições de segurança pode ser criada a partir de duas dimensões: ameaça versus risco (a que corresponde coordenação versus cooperação) e inclusividade versus exclusividade. Assim, arranjos de segurança coletiva são inclusivos quanto à aceitação de membros e lidam com ameaças, já conferências diplomáticas e “instituições de gerenciamento de segurança”, também inclusivas, atêm-se aos riscos. Ou, pelas instituições exclusivas, coalizões extra-territoriais tendem a cooperar contra ameaças externas enquanto alianças e alinhamentos são coordenações de estados contra uma ameaça concreta. Há maior chance de sucesso em cada um dos últimos casos para cada dimensão, isto é, nas conferências diplomáticas e nas tais instituições cujos escopos tendem a ser mais universal e os riscos menos graves ou nas alianças e alinhamentos excludentes que combatem ameaças sérias. Nelas, e quanto maior o grau de institucionalização há maior sucesso em mitigar os problemas advindos do dilema de segurança. As instituições de gerenciamento de segurança são mais institucionalizadas do que as conferências diplomáticas; analogamente, alianças são mais institucionalizadas do que alinhamentos. (Ibidem, p. 27) A distinção entre ameaças e riscos se desdobra em instituições voltadas, respectivamente, para a coordenação – de identificação das ameaças inimigas e retaliação conjunta – e cooperação – para obtenção de informação e gerenciamento de disputas, a fim de evitar o dilema de segurança. 69

O dilema de segurança e a cooperação O dilema de segurança está no âmago da política internacional, isto porque a incerteza é a condição essencial das relações humanas, e não poderia deixar de sê-lo nas relações interestatais. (BOOTH, 2008, p.01) A anarquia, que rege estas relações, é um mundo de incerteza, medo e armas. Um dilema é a escolha necessária entre duas proposições assumidas como válidas. O dilema de segurança lida assim com estas: a impossibilidade de compreender os motivos e as intenções dos decision-makers de outros estados, e, não se pode prever o uso de armas por outros estados. Um estado, assim, se pergunta o que eles planejam e como responder a essa ação imprevisível. O dilema de segurança é, na verdade, uma previsão e prescrição de ação estratégica realizada em dois níveis. O primeiro nível pode ser entendido como um dilema de interpretação, isto é, o resultado da tentativa de prever a ação de outro ator dada a condição de incerteza de seus motivos, intenções e capacidades: seriam eles defensivos – busca pela segurança em um mundo de incerteza – ou ofensivos – procura por alterar o status quo em seu favor? O segundo nível é o dilema de resposta, ou seja, reagir em deterrência ou confiança ao comportamento alheio. (Ibidem, p. 04-05) Como a segurança nacional está em questão, o dilema de segurança geralmente é respondido pelos atores com desconfiança e prudência. Assim, o resultado provável e, da ótica realista, desejável do dilema de segurança é o paradoxo de segurança: o dilema de resposta é confrontacional porque o dilema da interpretação erroneamente foi lido como ofensivo, apesar de nenhum dos estados ter optado pela espiral de hostilidade que se desencadeia. O paradoxo de segurança é a “situação na qual dois ou mais atores, procurando apenas melhorar sua própria segurança, provoca através de suas palavras ou ações um aumento de tensão mutua, resultando em menos segurança geral”. (Ibidem, p. 09) A tradição realista preconiza que os resultados negativos do dilema são inevitáveis. Compreender o dilema de segurança como tal estratégia em dois níveis permite localizar com maior propriedade o que desencadeia o fatalismo desse dilema, e, eventualmente resolvê-lo. A “sensibilidade do dilema de segurança” é a intenção e a capacidade de um ator perceber corretamente a complexidade das intenções militares dos outros. Portanto, se aceito que a natureza das relações internacionais não é malévola, mas que, em lugar disso, a incerteza e o medo conduzem os estados à espiral de hostilidade, a sensibilidade do dilema 70

pode dirimir as causas que levam a escolha pelo lemma confrontacional e não pelo outro e mitigar o problema com base na confiança e não na violência. A lógica do dilema de segurança é vista de distintos modos pela literatura em relações internacionais. A forma tradicional é a fatalista, pela qual a insegurança está sempre presente na política internacional e a ação humana é restrita a trabalhar dentro dos constrangimentos da necessidade. Outra lógica é a mitigadora, a qual crê na melhoria dos problemas de insegurança e dá conta do comportamento voluntarista dos atores e do maior espaço para cooperação. Uma terceira lógica ainda é possível, transcendental, pela qual a sociedade pode se tornar aquilo que ela quer ser, posto que é auto-constituída e tão aberta no futuro quanto foi no passado. (Ibidem, pp. 10-11) Por esta última possibilidade, pensa-se que novas estruturas e processos de vida social global podem reinventar a sociedade sem que precise viver sob o dilema de segurança, fundada no cosmopolitismo atual em prol de uma cidadania global futura. Enxergar a lógica mitigadora da insegurança não é apenas um olhar mais otimista das relações internacionais. É, antes disso, a percepção de que a anarquia em vez de repelir um prognóstico positivo requere a ordenação e a convergência das expectativas. Aprendizagem, processos, instituições e normas contribuem para uma ordem previsível, o que significa, para o campo da segurança internacional, maior confiança, mais cooperação e capacidade de resolução pacífica de conflitos. O clamor por dirimir o dilema de segurança se atina para o diálogo, através da diplomacia, e para a construção de normas, através de regimes internacionais, como meio de amenizar a dinâmica da insegurança. Mesmo autores importantes dentro da ótica realista, como Tucidides e Hobbes podem ter atentado para a capacidade mitigadora da moderação e da justiça (bem como outras habilidade do dito statecraft) reduzir o conflito, para aquele, e para os meios, alguns derivados da lei natural, de calar o conflito internacional, para este. (Ibidem, p. 15) Seguramente, o pensamento mitigador encontra grande respaldo histórico e teórico em filósofos preocupados com questões de direito e de teologia do século XVII, que trabalharam concomitante ao aparecimento e consolidação do sistema vestfaliano de estados pela clarificação de direitos e deveres dos estados em suas mútuas relações. Entre esses autores que pensaram no desenvolvimento de uma sociedade benéfica mútua estão Hugo Grotius, e, depois Emerich Vattel, David Hume e os pensadores da Escola Inglesa já na segunda metade do século XX. 71

A importância dos regimes esteve durante muito tempo entendida como sua eficácia em dirimir problemas advindos do dilema de segurança. Isto é simbolizado pela recorrência de artigos que se destinavam a responder, afirmativa ou negativamente, a seguinte pergunta: regimes importam? O mesmo deve ser feito em relação à segurança coletiva, isto é, indagar qual a capacidade do mecanismo em mitigar o dilema de segurança. Outras possibilidades para desafiar o dilema são frequentemente levantadas pela literatura, e não é consenso que regimes e segurança coletiva são ferramentas, teóricas ou práticas, úteis para a resolução de problemas de segurança. Mas as possibilidades para melhor compreensão de muitos os problemas que se apresentam neste campo acadêmico são exploradas nesse estudo. A próxima seção se ocupa de regimes de segurança, especificamente.

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Regimes de Segurança Nesta seção recordar-se-á, em primeiramente, os requisitos necessários para a obtenção de regimes de segurança. Posteriormente, a adaptabilidade, processo caro às instituições de segurança, que alegadamente agem de encontro aos interesses nacionais. Finalmente, apresentar-se-á alguns regimes de segurança internacional.

Condições para a obtenção de regimes de segurança Os regimes de segurança foram classicamente definidos por Jervis como “aqueles princípios, regras normas que permitem restringir o comportamento dos estados, na crença de que o mesmo acontecerá aos demais. (JERVIS, 1982, p. 173) Algumas condições são essenciais para se alcançar um regime de segurança. Em primeiro lugar, não apenas o hegemon, mas os atores mais poderosos em geral devem desejar seu estabelecimento, o que implica a conformidade com o status quo e a abdicação do revisionismo. Em segundo lugar, os estados devem partilhar os mesmos valores para a consecução da cooperação e segurança mútua. Terceiro, os atores devem acreditar no regime como meio de obtenção da segurança em vez do expansionismo. Em quarto lugar, finalmente, os atores devem encarar a busca individual pela segurança como mais custosa do que a coletiva. Embora essas condições sejam raras, se houver a confluência delas há uma pressão enorme para a formação do regime. Claramente, os pontos um e três lidam com motivações diferentes que culminam em um mesmo desfecho, o expansionismo militar: um é o desejo de beneficiar-se às expensas dos outros, ou seja, um beneficio egoísta da não cooperação enquanto os demais a buscam; já o outro é o resultado fatalista da incerteza anárquica, isto é, diante da incapacidade de interpretar correta e seguramente as ações alheias, deve-se assumir o pior e preparar-se para tanto, militarmente, em busca de ganhos relativos irreversíveis. O paralelo interessante aqui se traça entre os modos pelos quais os regimes e a segurança coletiva agem no comportamento internacional. Ao pensar nas condições necessárias para a obtenção de um regime de segurança, Jervis havia pensado, na verdade, nas condições permissíveis para o desenvolvimento de um mecanismo mitigador do dilema de segurança. O argumento não cai na tautologia na medida em que o grau de institucionalização restringe as opções de 73

política internacional, enquanto o momento de criação dos regimes requer uma atuação internacional inclinada a cooperação. Ou seja, as condições necessárias para a criação de um regime são umas, e são diferentes para sua manutenção – estas menos raras do que aquelas. De maneira análoga, a segurança coletiva pressupõe a abdicação o uso da força, especialmente no momento de sua concepção; mas os constrangimentos contra o agressor desencoraja a ação revisionista ou expansionista de modo que a instalação de um mecanismo de segurança coletiva necessita de suporte tácito, mas seu funcionamento posterior pode ir contra algum estado divergente dessa lógica. Enquanto os estados não-revisionistas tendem a desejar um regime em situações em que as armas e políticas defensivas e ofensivas não são distintivas, o que aumenta se atacar for pouco oneroso comparativamente a defender. Mas nessa situação, também a desconfiança é alta. Os estados facilmente buscam regimes quando o discernimento entre ações defensivas e ofensivas é claro, mesmo que estas sejam mais baratas ou eficazes do que aquelas. Outra situação de fácil formação de regime ocorre quando o discernimento é comprometido, porém o ataque é custoso. Ou seja, os estados tendem a buscar regimes quando conseguem ter informações claras, ou, na ausência dessas, quando sabem que a possibilidade de sofrerem ataques é baixa. (Ibidem, p. 178) Fazendo uma leitura das condições levantadas por Keohane para a criação de regimes internacionais, de natureza geral, aplicada para a área de segurança tem-se um cenário menos raro, no qual as chances de surgimento de regimes é maior. Para Keohane, a cooperação é a chave para mitigar os problemas da anarquia e da incerteza, e por isso os estados tendem a cooperar salvo se houver incentivos para agir em sentido contrário. (KEOHANE, 1982, pp. 150-151) E, a área de segurança, exatamente pela importância vital que assume para os estados e indivíduos, requer comportamento cooperativo ainda mais do que em outras áreas, onde os benefícios da cooperação são menores. (Idem, 1995, p. 45) Portanto, se a cooperação é essencialmente bem-vinda em tópicos de segurança, e se os estados tendem a desejar a cooperação, qual seria a demanda específica por regimes de segurança? Nas situações de falta de um arcabouço legal que forneça liability para as ações internacionais, quando há problemas de informação ou custos de transação para cooperações ad hoc superam a cooperação repetida e institucionalizada, a existência de regimes seriam mais desejadas do que a simples cooperação. O problema de informação é 74

sempre presente em questões de segurança, pelo que o regime seria desejado. Mas isso não explica a demanda exatamente porque é perene e universal. A maior possibilidade de obter regimes de segurança advém, pois, quanto maior a confiança provocada pela normatização jurídica internacional (pelas regras binding de direito internacional público) e quanto melhor o custo/benefício da cooperação repetida e institucionalizada vis-à-vis à situação pontual. Com efeito, o grau de institucionalização tende a facilitar a cooperação e restringir de modo mais eficaz o comportamento internacional desviante, e, portanto, corrobora para a criação de um regime (em torno de uma organização internacional). Para Keohane & Wallander, há três dimensões de institucionalização. Comunalidade é o “grau de expectativa sobre o comportamento apropriado compartilhado pelos participantes”. Especificidade nada mais é senão “o grau de especificidade e de rigidez das regras existentes, governando práticas de oficiais, obrigações de estados e legitimando procedimentos para mudança de política coletiva”. E diferenciação se refere a capacidade de uma instituição assegurar “diferentes papéis para diferentes membros”, organizando a divisão das responsabilidades de forma legítima e coletiva. (KEOHANE & WALLANDER, 1999, p. 24) Os autores afirmam neste momento que a institucionalização facilita o surgimento de regimes, mas pode-se traçar um paralelo entre estas dimensões de institucionalização e o processo de criação de regimes. A comunalidade se referiria a chance de se atingir princípios comuns que orientam a direção para onde as expectativas dos atores deveria convergir. A especificidade é claramente próxima das noções de normas e regras. Por fim, a diferenciação se relaciona com a participação funcional e especializada dos membros, o que pode ser lido como favorável ao processo de tomada de decisão. Historicamente, essa institucionalização foi encontrada em exemplos sempre lembrados pela tradição realista, como o Concerto Europeu e a OTAN. A crítica feita é que os institucionalistas tomaram exemplos clássicos de mecanismos realistas (temporários) de contenção da guerra e atribuíram a eles características institucionalistas. Jervis se esforça para trazer os concertos, sobre cujo significado os realistas depositavam grandes expectativas para explicação de sua teoria, como um modelo de regime de segurança. Para ele, um concerto é sim um regime porque a restrição à ação estatal advém da internalização das normas prescritas pelo regime, e não, como nos casos de equilíbrio de poder clássico, 75

ela surge das ações bloqueadoras dos outros estados e das antecipações recíprocas dessas ações. Como ele sugere, no equilíbrio de poder “o sistema restringe os atores, em vem de seres os atores auto-restringidos”. (JERVIS, 1982, p 185)

Adaptabilidade e hibridização A grande questão em torno das instituições de segurança esteja, talvez, em torno da adaptabilidade das mesmas. Isso porque ao assumir que instituições restringem o comportamento internacional, não haveria razões para os estados corroborarem para e mesmo desejarem sua criação, que ao fim poderia, potencialmente, voltar-se contra eles. A idéia básica de que partem os institucionalistas é que a institucionalização, mesmo de mecanismos essencialmente realistas, como alianças militares, promove a autonomia mínima da instituição em questão, que é capaz de flexibilizar-se e adaptar-se para novas situações, obrigando estados a reformularem seus interesses nacionais em termos de benefícios coletivos (de curto prazo) e benefícios individuais (também coletivos) de longo prazo. “The core of our analyses is based on recognition that security institutions, like any institutions, vary both in their levels of institutionalization and in their forms. Major wars, and long struggles such as the cold war, generate alliances, which are institutionalized security coalitions designed to aggregate capabilities and coordinate strategies to cope with perceive threats. When threats disappear, the original raison d’être of alliances would appear to have vanished and we might expect the institutions to be discarded. But when threats disappear, other security problems remain. Hence, efforts may form their functions to cope with the more diffuse set of security problems we characterize as risks, and thus to transform alliances into security management institutions […] In the contemporary case of NATO, it appears that an alliance is being transformed into a security management coalition.” (KEOHANE & WALLANDER, 1999, p. 22)

A noção de portabilidade é importante. É a facilidade com a qual regras e práticas de uma instituição podem ser adaptas para outras situações. (Ibidem, p. 34) “Especificamente, instituições abrangentes que combinam funções relacionada com riscos e

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ameaças são mais provável de ter mais regras e repertórios que são portáveis depois que a ameaça declina do que aquelas mais focadas. “We call institutions that combine risk-directed managements functions with threatsdirected power aggregation functions hybrid institutions. Hybrid security institutions deal both with security problem created by external threats or problems and problems posed by risks, mistrust, and misunderstandings among members.” (Tribidem)

Além da portabilidade, três condições podem auxiliar a transformação de alianças ou alinhamentos em instituições de gerenciamento de segurança: a mudança no ambiente de ameaças para riscos, o grau de institucionalização anterior (alianças tem maior portabilidade do que alinhamentos), e, a condição híbrida da aliança anterior. (Ibidem, p. 36)

Concerto europeu pós-napoleônico Há os que advogam que há vários fatores que confluíram para a transformação de uma aliança em instituição de gerenciamento de segurança – dentre eles interesses comuns, de longo prazo, a complexidade da competição em vários tópicos – com a primazia do fato de ter sido uma aliança híbrida. (Tribidem) Mas as divergências a respeito do Concerto são grandes: dentre os institucionalistas, nem todos crêem que foi um regime, e os que assim julgam diferem quanto a sua duração. Para realistas, foi o único exemplo de equilíbrio de poder, e durou, como se espera para tal mecanismo, pouco tempo, oito anos, até o reestabelecimento de um novo equilíbrio. (MEARSHEIMER, 1994, p. 36) Para os teóricos da segurança coletiva, foi certamente um exemplo do mecanismo, operando entre 1815 e 1848. (KUPCHAN & KUPCHAN, 1995, p. 57) Mesmo para Jervis, escrevendo sobre regimes de segurança e utilizando apenas este caso como exemplo, a duração é a mesma de que para a maioria dos realistas, entre 1815 e 1823. O principal benefício do Concerto foi a regulação do conflito entre as potências, que “moderaram suas demandas e comportamentos ao considerar os interesses uns os outros para estabelecer suas políticas.” (JERVIS, 1982, p. 179) O que o próprio Jervis chama atenção para esse caso é que o regime influenciou o comportamento internacional dos estados de modo que sua

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continuação foi possível mesmo com a atenuação das condições que propiciaram. O peso dessa autonomia do regime, a sua força, decorre de pelo menos três características, a saber, a expectativa de continuidade por parte dos atores envolvidos que investiram nele; o princípio que o orientava era visto como duradouro (manutenção do status quo); e a institucionalização, ainda que precária, através das constantes conferências entre os representantes. (Ibidem, pp. 182-183)

Versailles e a Liga das Nações A Liga das Nações pode ser entendida como um alinhamento feito para lidar com riscos que não desenvolveu em uma instituição de gerenciamento de segurança porque não se tornou nunca uma aliança híbrida. (KEOHANE & WALLANDER, 1999, pp. 37-39) Mas parece mais fazer sentido pensá-la como segurança coletiva fadada ao insucesso. (COATE et al., 1997, 23) A Liga das Nações raramente é pensada como regime; embora alguns pensem em regime de segurança coletiva, o termo mais usual para ela é sistema de segurança coletiva.

A ONU no Pós-Segunda Guerra A ausência de uma aliança institucionalizada durante a guerra entre as duas superpotências que emergiram pode ter contribuído para falta de cooperação entre elas e impediu a criação de uma instituição de gerenciamento de segurança. (KEOHANE & WALLANDER, 1999, p. 40) Outra visão acentua o sistema de segurança coletiva que emergiu com a ONU. (COATE et al., 1997, 28) Já a segurança coletiva, princípio máximo do espírito que moveu a confecção da Carta de São Francisco, não pôde ser testada durante a Guerra Fria devido ao engessamento das decisões do Conselho de Segurança. (KUPCHAN & KUPCHAN, 1995, p. 57)

Détente A détente soviético-americana da década de 1970, baseada na percepção de que uma guerra entre as duas superpotências deflagraria a mútua destruição. Através dos acordos assinados em maio de 1972, em Moscou, quais sejam, o Strategic Arms Limitation Talk I – SALT I –, Anti-Ballistic Missile – ABM – e o Basic Principles Agreement – BPA – teve 78

início uma série de encontros entre representantes e especialistas de ambos lados, o Standing Consultative Commission – SCC. Esses acordos foram motivados por princípios bastante claros, a redução do armamento nuclear e a reciprocidade, e configuravam uma série de normas e regras. Embora o grau de institucionalização não fosse exemplar, o SCC se encontrava periodicamente para tomada de decisões. Certamente, durante quase toda a década de 1970 esteve em marcha um regime de relaxamento das tensões da guerra nuclear entre as duas potências globais, que funcionou basicamente agindo na troca de informações e na ação recíproca. (BOOTH & WHEELER, 2001, pp. 115;121)

OTAN Teóricos da tradição realista predisseram que a OTAN veria seu fim, senão em dias, em poucos anos após o fim das tensões leste-oeste. A organização não apenas continua a existir como vem crescendo e ampliando suas funções, abrangendo novas áreas (como a Europa central e oriental) e aumentando suas conexões (com outras instituições, por exemplo, a ONU). (KEOHANE & WALLANDER, 1999, p. 21) A OTAN pode ser considerada um modelo de aliança altamente institucionalizada, em vias de se adaptar para algo próximo de uma instituição de gerenciamento de segurança. É interessante ressaltar as características de uma aliança: elas “têm regras, normas e procedimentos que permitem seus membros a identificar ameaças e efetivamente retaliálas”. (Ibidem, p. 28) A OTAN, que surgiu como um alinhamento, logo se transformou em uma aliança cujo peso da institucionalização foi crescente, através de ameaças externas e também de ameaças internas – o que, em última instância a permitiu desde o início do processo de institucionalização um caráter híbrido. Na década de 1990 a ameaça definida soviética deixou de ser o principal problema de segurança. (ibidem, p. 43) Conceber a OTAN como uma aliança parece ser também a estratégia realista: “OTAN provê um bom exemplo do pensamento realista sobre instituições.” (MEARSHEIMER, 1995, p. 13) É tida como uma manifestação a distribuição de poder (bipolar) na Europa, e por isso manteve a estabilidade continental. Na verdade, não fora a organização mas o equilíbrio de poder o grande mantenedor. Outros podem ver a OTAN num contexto mais abrangente, em que a tensão soviético-americana gerou, seja pela deterrência, seja pela détente, um engessamento das 79

relações de tal modo que fica comprometido falar em um regime de segurança. “A demanda por um regime de segurança diminui com a aparente estabilidade do equilíbrio estratégico”. (JERVIS, 1982, p. 194) Esta percepção é corroborada pela revolução estratégica da era nuclear, bem como seu paradoxal ápice, a doutrina MAD (Mutual Assured Destruction – sigla em inglês para Destruição Mútua Garantida).

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PARTE II: ESTUDO DE CASO Um quadro de referências para o estudo de regimes regionais de segurança coletiva O fim da Guerra Fria deflagrou um processo pelo qual a segurança e ordem internacionais deixaram de ser vistas apenas como um fenômeno universal em lugar da regionalização da segurança. A ONU, que expressa a tentativa mais exitosa (em que pese todas as críticas que se pode tecer a ela) de universalização da política internacional de segurança não conseguiu, mesmo após o fim do engessamento da tensão bipolar, a primazia da coordenação da conduta internacional acerca da segurança. A idéia de seu concedido monopólio em matéria de segurança, muito defendida em seus primórdios e persistente por vários anos, dá lugar ao clima de aceitação das instituições regionais, atraindo-as para o compartilhamento de tarefas. O crescente interesse, tanto da parte dos policy-makers quanto da comunidade acadêmica, em arranjos regionais de segurança fez com que a tentativa inconclusa (para não dizer frustrante) das Nações Unidas de levar a cabo o projeto de segurança coletiva fez com que a própria organização acatasse a divisão desta tarefa com atores regionais. A hipótese geral é que há ação regional na esfera da segurança, para além do Conselho de Segurança da ONU. Na esteira desse desenvolvimento, e segundo a premissa de que o compartilhamento de tarefas com arranjos regionais de segurança podem contribuir para a manutenção da paz e segurança internacionais, algumas perguntas inquietam os teóricos: qual o papel das instituições regionais; quais suas limitações; quê fatores determinam sua efetividade; quê critérios determinam a divisão de tarefas; como coordenação e accountability podem ser alcançados, dentre outras questões. Esta seção se presta a articular os três pilares que fundamentam esta pesquisa, a saber, a regionalização da segurança, o uso qualificado de segurança coletiva e a aplicabilidade do conceito de regimes internacionais. Começa-se por analisar as variáveis que influem na regionalização da segurança bem como a natureza dos arranjos regionais que se criam. Depois, apresenta-se o debate acerca da noção de segurança coletiva, discernindo: o uso prático-político (em cujo âmbito o termo foi cunhado) do científico; o

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uso específico requerido pela teoria de segurança coletiva do de outras correntes acadêmicas; e, finalmente, o uso de segurança coletiva do de defesa coletiva. Por fim, os elementos básicos de um regime de segurança são reorganizados à luz da regionalização da segurança e do uso qualificado de segurança coletiva; e disto se extrai uma matriz para pensar os regimes regionais de segurança coletiva.

A regionalização da segurança vista desde suas variáveis e sua natureza São sete as variáveis que podem influir na opção pela regionalização dos arranjos de segurança, as quatro primeiras delas sendo os benefícios tipicamente alcançados com a regionalização ao passo que as outras três tendem a ser limitações desse processo (ALAGAPPA, 1997, p. 422): i)

Interesse maior dos atores envolvidos em conflitos que lhe dizem respeito diretamente, isto é, a formação de comunalidade;

ii)

Legitimidade proveniente de duas direções: maior chance de proximidade ideológica ou pragmática na conduta internacional e menores chances de dissenso em virtude do pequeno número de atores;

iii)

Conhecimento local dos problemas inerentes a região;

iv)

Desenvolvimento de expertise local;

v)

Mandato legítimo segundo aceitação pública e sobretudo acordos prévios, do ponto de vista doméstico e especialmente internacional;

vi)

Imparcialidade e formação de posições comuns;

vii)

Falhas organizacionais e falta de recursos (especialmente financeiros)

Instituições regionais frequentemente se apóiam nas Nações Unidas, de quem se espera aquiescer maior legimitidade com a concessão de seu mandato exclusivo de segurança internacional. Os arranjos regionais podem ser entendidos com “a cooperação entre governos e organizações não-governamentais48 em três ou mais países independentes e próximos geograficamente com vistas a obter benefícios mútuos em um ou mais issue-area.” 48

Alagappa em seguida explicita que a dinâmica da cooperação entre ONGs é muito diferente daquela dos atores estatais e opta, assim, por focar-se nesta.

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(Ibidem, p. 423) Os arranjos regionais podem ser específicos ou multi-temáticos49. Estes são organizações regionais que abarcam uma série de áreas das relações internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização da União Africana (OUA) e a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Já os primeiros, específicos, são as alianças contra uma ameaça externa específica (arranjos de defesa coletiva), um arranjo de segurança coletiva para manter a ordem entre os membros ou um regime, como, por exemplo, a regulação da atividade nuclear. Por esta distinção de Alagappa, pode-se perceber como os regimes e os arranjos de segurança regionais estão próximos em alguma medida, segundo a natureza específica. É importante ter isso em mente para se pensar tais arranjos como orientados segundo um princípio bastante relevante: a segurança coletiva. Como se quer demonstrar abaixo, há um regime que emerge da Organização de Cooperação de Shanghai cujo princípio mais importante é a segurança coletiva e cuja principal norma é o combate ao terrorismo, extremismo e separatismo na Ásia Central. Esposando das mesmas expectativas do que as instituições em geral, os arranjos regionais podem facilitar a comunicação e a socialização dos valores, o compartilhamento de informações, aumentar o conhecimento consensual, aumentar o poder através da centralização de recursos e a ação coletiva. Estas instituições podem se valer de várias estratégias (Ibidem, p. 427): i)

Estabelecer normas que forjam uma identidade de estados e regulam seu comportamento;

ii)

Assegurar as relações através de transparência e redução da incerteza, isto significa mitigar o dilema de segurança;

iii)

Criar uma comunidade em que o uso da força é restringido, e os conflitos são levados para a arena política;

iv)

Deterrence, isto é deter o comportamento agressor de um estado membro ou não através de segurança coletiva ou defesa coletiva;

v)

Não-intervenção, quando uma instituição não procura se envolver;

49

Para maiores discussões sobre a sinergia dos issue-areas e seu encadeamento, ver Ernest Haas, “Why Collaborate? Issue-Linkage and International Regimes”, World Politics, Vol. 32, n. 03, 1980, pp. 364367.

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vi)

Isolação, quando uma instituição entende que seu envolvimento faz o conflito local transbordar a área original (sendo a intervenção, oposta à isolação e à não-intervenção, entendida como práticas de segurança e defesa coletivas ou como a interposição de forças de operação de paz, ou seja, práticas de contenção de conflitos);

vii)

Intermediação, como a resolução pacífica de conflitos por conciliação ou mediação;

viii)

Internacionalização, que significa a mobilização de recursos de atores externos para apoio de suas próprias estratégias.

Certamente, uma instituição (de segurança regional bem como outras) se vale de várias dessas estratégias ao mesmo tempo. No que tange a deterrence, Alagappa fornece uma distinção que serve para lançar a reflexão sobre segurança coletiva: enquanto esta se define pelas medidas políticas, diplomáticas, econômicas e militares que melhor se aplicam para a manutenção da ordem entre estados membros, evitando que tensões e conflitos internos deflagrem o uso da violência, o mecanismo de defesa coletiva se baseia em uma ameaça comum, identificada como uma agressão externa de um país ou grupo de países. A defesa coletiva é uma aliança como foram o Pacto de Vársovia ou a OTAN. O discernimento entre uma e outra, segurança e defesa coletiva, é importante mas não significa que são mutuamente excludente, como demonstra, por exemplo, as provisões do Tratado do Rio (TIAR).

Reorganizando a noção de segurança coletiva A noção de segurança coletiva não é um ponto pacífico na literatura de relações internacionais. Tampouco fora da academia sua definição é precisa. De fato, três distinções são aqui importantes: entre o registro político e acadêmico da expressão; entre o uso que advoga a teoria de segurança coletiva vis-à-vis outras vertentes da área de relacoes internacionais; e, finalmente, entre o conceito de segurança coletiva e defesa coletiva, cujo primeiro referencial, o de Alagappa, encontra-se introduzido supra. A expressão segurança coletiva encontra primeiro respaldo na sua aparição datada historicamente: durante a negociação de Versailles e os debates acerca da política 84

internacional após o horror da Primeira Guerra Mundial. Isto significa dizer que o nascimento do termo se deu no âmbito político, ao cabo de um projeto prático do então presidente americano Woodrow Wilson que previu um mecanismo de segurança e defesa universais em que os agressores não teriam mais incentivos de atacar porque a retaliação seria maciça dos demais estados do sistema internacional. Era o princípio de segurança que norteava a nascente Liga das Nações. Com efeito, no caso da Liga e das Nações Unidas, segurança e defesa coletivas se confundem por dois motivos principais: porque se inserem num uso prático-político do termo, em que várias disputas de interesses nacionais e ideologias distintas se conflitavam, e, porque nestes casos de segurança coletiva universais a sua distinção de um mecanismo de defesa compulsório e imediato de reação de todos os membros contra o agressor fica mais esfumaçada. Brevemente, a segurança coletiva se referia a idéia de cooperação e desincentivo à agressão, ao passo que a defesa coletiva, quase sinônima sua e cujo limite não se pode precisamente localizar, remetia ao mecanismo de retaliação ele próprio. A resposta acadêmica a esse esforço político cujas experiências foram os projetos dos policy-makers para a segurança internacional depois das duas Guerras Mundiais foi o surgimento de uma teorização acerca do fenômeno. A teoria da segurança coletiva teve seu primeiro grande expoente na figura de Inis Claude, não muito depois da expressão política nortear os princípios da Carta das Nações Unidas. Esta teoria se baseia em três premissas: a abdicação da força militar por parte dos estados, o comprometimento com a ação responsável e coletiva (abdicação da reação unilateral, de um lado, e adesão incondicional a reação quando do ataque a outro membro, de outro), e, confiança dos estados uns aos outros. A esta altura, ainda que postos em definições mais lapidadas, a diferença entre segurança e defesa coletivas era pequena. A teoria assim classicamente definida caiu em descrédito com a inoperância desse mecanismo na ONU (e com as demais críticas que se faz à organização como um todo). Todavia, a teoria da segurança coletiva ressurgiu exatamente no mesmo momento em que as teorias neo-institucionalistas primeiro desafiaram os neo-realistas, ganhando prestígio à mercê da idéia de que a segurança coletiva era uma forma mais institucionalizada de aliança militar, e, portanto, mais eficaz (e menos freqüente seria o uso a força nesse contexto). O que muitos críticos levantaram foi o limbo em que se meteu esta teoria: nem equilíbrio de poder, nem instituição de cooperação 85

e sem nenhum caso empírico comprobatório. De toda sorte, com o fim da Guerra Fria, a redefinição do conceito de segurança da OTAN e a unificação européia em curso, muitos teóricos se apoiaram na segurança coletiva evocando operações de paz e concertos como formas hibridas de instituições movidas por esse princípio.50 Por fim, a distinção mais contemporânea no âmbito do conceito de segurança internacional é feita dela com relação à defesa coletiva. Um importante parâmetro, talvez o mais recorrente, já foi citado recorrendo a Alagappa: segurança coletiva é um tipo de arranjo cooperativo com evita a desestabilização entre seus membros, ao passo que defesa coletiva é um mecanismo previsto em estatuto ou resolução de uma instituição com vistas ao combater uma ameaça externa. Assim, pode-se conceber uma instituição de segurança coletiva sem mecanismo de defesa coletiva, ou, ao contrário, uma instituição de segurança que preveja a defesa coletiva. Outros teóricos vão dizer que a segurança coletiva é o mecanismo de cooperação que afasta ameaças (internas e externas) pela possibilidade de retaliação, sendo a defesa coletiva uma modalidade de segurança coletiva. Na essência, defesa se refere ainda à ameaça externa, mas sua existência significa que a segurança coletiva orienta tal arranjo que a compreende, pois sem a segurança não existe a defesa (o contrário não precisa ser necessariamente verdade). Finalmente, não raro, na análise discursiva pode-se encontrar alusões a segurança coletiva mesmo quando não há qualquer significação na direção ilustrada até aqui; nestes casos, como por exemplo nos regimes de não-proliferação nuclear, o termo apenas expressa que se visa a alcançar a paz a uma coletividade de estados. No caso da Organização de Cooperação de Shanghai a distinção entre segurança coletiva e defesa coletiva é extremamente pertinente: tendo sido criada a partir da preocupação especial de estabelecer fronteiras claras após a dissolução da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e manter a integridade territorial, sendo praticamente justaposta à Organização do Tratado de Segurança Coletiva (apenas a China não é membro desta) e mantendo com ela permanente diálogo, a OCS certamente é uma organização de segurança coletiva, mas não prevê um mecanismo de defesa coletiva à ameaça externa.

50

Para uma discussão mais esclarecedora sobre a teoria da segurança coletiva, ver supra pp. 26-32.

86

Regimes regionais de segurança coletiva Se retomarmos as definições de regimes e de regimes de segurança em especial, temos que algumas características devem ocorrer para a existência de um regime. O primeiro grupo de elementos básicos advém da definição de regimes internacionais de Krasner: i)

Princípios;

ii)

Normas;

iii)

Regras;

iv)

Procedimentos de tomada de decisão;

O segundo bloco de elementos indispensáveis aos regimes regionais de segurança coletiva são aqueles elencados por Jervis: v)

(auto-)Restrição do comportamento estatal baseada na crença de que o mesmo acontecerá com os demais estados;

vi)

Conformidade com o status quo e a abdicação do revisionismo (atores mais poderosos em geral devem desejar seu estabelecimento); Partilhar os mesmos valores para a consecução da cooperação e segurança mútua (o que está contido nos itens i e ii);

vii)

Os atores devem encarar a busca individual pela segurança como mais custosa do que a coletiva; O regime deve ser visto como o meio de obtenção da segurança mais eficaz, em vez do expansionismo (o que está contido nos itens vi e vii).

Se a ausência de quaisquer destes elementos impede a formação de regimes, Keohane levanta três outros elementos que, para além da simples cooperação, aumentam a demanda por regimes: viii)

Problemas de informação;

ix)

Falta de um arcabouço legal que forneça liability para as ações internacionais;

x)

Custos de transação de cooperações ad hoc superam os da cooperação repetida e institucionalizada. 87

Desta forma, pode-se organizar os elementos dos regimes regionais de segurança coletiva em três grandes grupos: regionalização da segurança, segurança coletiva e regimes de segurança. A tabela abaixo tenta sintetizar esses elementos. Alguns elementos da tabela abaixo são indispensáveis para a obtenção de regimes regionais de segurança coletiva. São eles a existência de uma comunalidade de interesses regionais específicos, legitimada interna e externamente, com um mandato legal (enquanto sujeito de direito internacional público) para tal, comunalidade esta refletida na estabilidade e pacificação dos conflitos internos que orientam os princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão de uma instituição que acabam por constranger o comportamento revisionista de seus estados membros e encerram em uma busca por segurança coletiva.

88

Tabela 1 – Elementos dos regimes regionais de segurança coletiva segundo as contribuições teóricas em regionalização da segurança, segurança coletiva e regimes de segurança. Comunalidade Legitimação Conhecimento local Expertise local Mandato Imparcialidade Falhas organizacionais Específica Multi-temática Anarquia (internacional) Identidade política, legitimidade e desigualdades sócio-econômicas Prevenção Contenção Interrupção

Variáveis favoráveis Regionalização da segurança

Variáveis desfavoráveis

Natureza Fontes de insegurança Características do arranjo Gerência de conflito Uso retórico (discursivo e político) Segurança Coletiva

Estabilidade interna e pacificação de conflitos Mecanismo de defesa coletiva

Regimes Internacionais genéricos

Princípios Normas Regras Procedimentos Constragimento dos estados pelo regime

Regimes de segurança

Regimes de Segurança

Conformidade com o status quo Busca coletiva pela segurança Informação Aumentam a demanda por Liability regimes Custos de transação Ameaças externas Manutenção e adaptabilidade Estabilização interna Hibridização

Fonte: confecção do autor.

89

O caso da Organização de Cooperação de Shanghai O estudo do caso da OCS, à luz do quadro de referência analítica aqui discutido, oferece um olhar intrigante sobre o conceito de regimes regionais de segurança coletiva. A análise feita se inicia com a descrição da estrutura e do processo de institucionalização da OCS. Em seguida, se discute os temas centrais da organização, quais sejam, cooperação econômica, energia e segurança, com vistas a identificar os elementos que permitiram ou não o surgimento de um regime em torno da instituição. Por fim, indaga-se pela pertinência do conceito de regime regional de segurança coletiva a partir do regime de combate ao terrorismo em torno de um órgão da instituição, o RATS (Regional Anti-Terrorism Structure).

A estrutura da Organização de Cooperação de Shanghai A OCS foi fundada pelo acordo internacional firmado em 15 de junho de 2001 na cidade de Shanghai pelos representantes de seis países: República Popular da China, Federação Russa, República do Cazaquistão, República Quirguiz, República do Tadjiquistão e República do Uzbequistão. Na verdade, a OCS é herdeira da estrutura e princípios

Emblema da Organização de Cooperação de Shanghai

da “Shanghai Five”, a organização internacional precedente, a partir da intenção do Uzbequistão de se juntar aos demais cinco países. A despeito da Carta da organização, adotada em 2002 em São Petersburgo, não conter mecanismo algum de admissão de novos membros51, há alguns membros “observadores”, cujo status foi criado a partir de uma resolução do Summit de 2004 de Tashkent, capital do Uzbequistão. A Mongólia (que faz fronteira apenas com a Rússia ao norte e com a China ao Sul) foi o primeiro país a receber o status de membro observador, 51

Conforme o artigo 13 da Carta da organização, os critérios para admissão de novos membros são decididos pelo Conselho de Chefe de Estado (CHS, para a sigla em inglês).

90

ainda segundo aquele documento. No ano seguinte, durante o Summit de Astana, capital cazaque, receberam o mesmo status Índia, Paquistão e Irã. Este último país requereu o posto de membro pleno em 24 de março de 2008, enquanto o então chefe de estado do penúltimo, Pervez Musharraf, declarou a mesma intenção. Os movimentos de Mongólia e Índia na mesma direção são mais tímidos. Também a posição de dialogue partner foi criada a partir de uma resolução, em um documento de 2008 chamado “Regulations on the Status of Dialogue Partner of the Shanghai Cooperation Organisation”, em conformidade com o artigo 14 da Carta da organização de 2002, sendo Sri Lanka e Belarus os dois países que receberam esta posição no último Summit, realizado em Yekaterinburg, Rússia. Desde o Summit de 2005 em Astana há um diálogo direto entre OCS e a República Islâmica do Afeganistão (SCO-Afghanistan Group Contact), pois os países membros entendiam que a reestabilização da segurança desse país era essencial para eles próprios. Os princípios que regem a organização prefiguram, genericamente, a conduta das relações mútuas dos países da OCS. Eles formam o conjunto dos princípios em que se apóia o regime de combate ao terrorismo da RATS bem como informariam outros eventuais regimes que emergissem da organização. Segundo o artigo II da Carta da organização, os princípios são os seguintes: “a) mutual respect of sovereignty, independence, territorial integrity of States and inviolability of State borders, non-aggression, non-interference in internal affairs, non-use of force or threat of its use in international relations, seeking no unilateral military superiority in adjacent areas; b) equality of all member States, search of common positions on the basis of mutual understanding

and

respect

for

opinions

of

each

of

them;

c) gradual implementation of joint activities in the spheres of mutual interest; d)

peaceful

settlement

of

disputes

between

the

member

States;

e) SCO being not directed against other States and international organizations; f)

prevention

of

any

illegitimate

acts

directed

against

the

SCO

interests;

g) implementation of obligations arising out of the present Charter and other documents adopted within the framework of SCO, in good faith.”

Os órgãos da organização instituídos pela carta de sua criação podem ser divididos em dois grandes grupos: aqueles permanentes, com sede física perene e corpo burocrático rotativo

composto

por

funcionários

fixos, 91

e,

os

encontros

de

representantes

plenipotenciários dos países membros. Quanto ao primeiro grupo, tem-se o Secretariado da OCS, com sede em Beijing como o órgão burocrático de administração. Também é um órgão perene, com secretariado e staffers, o Comitê Executivo das RATS (a sigla para Regional Anti-Terrorism Structure), identificado pela abreviação RATS EC52. Estabelecido segundo a “Convenção de Combate ao Terrorismo, Extremismo e Separatismo” adotada em 15 de junho de 2001 no âmbito do primeiro Summit, juntamente com o acordo internacional que celebrou a criação da OCS, este órgão tem sede em na capital uzbeque Tashkent. O Secretário-Geral da OCS e o Diretor do RATS EC são nomeados pelo Conselho de Chefes de Estado por um período de três anos.

52

Em alguns documentos, faz-se alusão ao RATS através da sigla RCTS, para Regional ConterTerrorism Structure.

92

Quadro 1 – A estrutura da Organização de Cooperação de Shanghai

Fonte:

Endereço

eletrônico

do

Summit

de

Yekaterinburg

de

2009,

disponível

em

http://en.sco2009.ru/

O principal órgão da OCS é o Conselho de Chefes de Estado (HSC – Heads of State Council), que se encontra anualmente, no âmbito de que se tomam as decisões políticas mais importantes. É o núcleo duro dos procedimentos de tomada de decisão da 93

organização. Em seguida, o Conselho de Chefes de Governo (HGC – Heads of Government Council) ocupa lugar importante, reunindo os primeiros-ministros anualmente: retoma as diretrizes apontadas pelo CHG, atuando como follow-up, e, ademais, decide pelo orçamento da organização. O Conselho de Ministros do Exterior (FMC – Foreign Ministers Council) se reúne anualmente um mês antes do CHS ou quando quaisquer dois membros solicitarem a convocação extraordinária. O Conselho de Coordenadores Nacionais (CNC – Council of National Coordinators) se encarrega de preparar os demais encontros e de articular os órgãos da organização. Se o Conselho de chefes de Estado é o órgão de tomada de decisão mais importante, o RATS é o órgão em que as decisões sobre segurança no tocante ao combate do terrorismo, extremismo e separatismo são delimitadas e implementadas. Assim como na Organização das Nações Unidas a Assembléia Geral é plenária mais importante, estruturando a ação conjunta dos membros em todas suas esferas e preparando o solo acordos internacionais futuros mas é no Conselho de Segurança onde se tomam as decisões mais sérias e urgentes (transparecendo assim mais as intenções da organização e a assimetria de poder dos membros); da mesma forma o RATS é o órgão permanente que reage às questões graves de segurança regional, refinando diretrizes mais amplas tomadas pelos chefes de Estado. Também são órgãos subsidiários da OCS três instituições que respondem ao Secretariado: SCO Business Council (SCO BC), SCO Interbank Consortium (SCO IBC) e SCO Forum (Forum). O primeiro foi adotada pelos chefes de Estado (HSC) em 2006 com vistas a colher pareceres de auxilio aos programas de cooperação econômicos, e tem na Sessão Anual seu encontro mais importante. O segundo órgão, composto pelos representantes dos bancos de desenvolvimento dos seis países, também se encontra anualmente, mas talvez o momento mais importante seja a reunião paralela ao Summit anual dos chefes de governo (HGC), o órgão que criou o SCO IBC em 2005. Finalmente, o Forum é composto pelos representantes dos centros nacionais de pesquisa (SCO National Research Center) desde sua fundação em 2006, com o objetivo de estabelecer uma comunicação com pesquisas acadêmicas que pudesse cotejar as decisões dos órgãos mais importantes da Organização de Cooperação de Shanghai.

94

O processo de institucionalização da organização A OCS formou-se a partir das bases de cooperação da Shanghai Five, cujos primeiros acordos sobre delimitação de fronteiras, foram assinados em 1996. Mas antes disso, e desde sua criação até os dias atuais, a Comunidade dos Estados Independentes (CIS, da sigla para o nome em inglês), criada em dezembro de 1991, teve um papel primordial na cooperação regional – especialmente nos domínios da integração econômica, da segurança e do controle de fronteiras –, bem como desempenhou um papel paralelo o Tratado de Segurança Coletiva que dela emergiu, assinado em 1992 e que originou, uma década depois, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO, da sigla para seu nome em inglês). A CIS nasceu com os problemas emergidos com a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e iniciou, nos Estados da Ásia Central um movimento de auto-determinação e soberania individual. Este tendo sido o principal motor político da emergência da organização, mas relativamente bem sucedido neste intento, a Comunidade teve de concentrar seus esforços na regulação monetária dos países recém-surgidos, não sem dificuldades (crises de valorização se seguiam de hiperinflações, ao passo que alguns países, como Cazaquistão, liberalizaram seus mercados e outros, como Uzbequistão, isolaram sua economia). (GLEASON, 2001, p. 1085) Outra preocupação da CIS era a segurança. A presença militar russa nas fronteiras e até mesmo em algumas partes dos territórios de certos países incomodava os países da Ásia Central, do mesmo modo que as reminescências do plano nuclear soviético, como usinas, tecnologias, e mesmo ogivas, preocupavam os russos. Não demorou muito para que novas identidades étnicas, religiosas, ideológicas e/ou políticas reivindicassem soberania ou pelo menos acesso ao poder. Sobretudo alguns grupos extremistas muçulmanos foram vistos como ameaças. (Ibidem, p. 1987) Em maio de 1992, a conferência da CIS para discussão e adoção do Tratado de Segurança Coletiva, também chamado de Tratado de Tashkent em razão da cidade uzbeque onde se deu o encontro, encerrou num acordo em que os Estados da CIS copiaram o mecanismo de defesa coletiva do artigo V do Tratado do Atlantico Norte: “aggression or threat of aggression against one state would be regarded as aggression against all participants in the treaty.” Não tardou muito até que o mecanismo pudesse ser testado, pois 95

estourou uma guerra civil no Tadjiquistão, mas logo o conflito se resolveu sem que a defesa coletiva fosse acionada. Outro grave problema de segurança tem a ver com as fronteiras: tráfico de drogas e ilicitudes outras. Dois fatores de segurança alegadamente subjazem a criação do Shanghai Five, que foi a primeira tentativa da China de se aproximar desse universo de países oriundos da antiga URSS: a expansão do Taliban e de outros grupos radicais e a inclinação dos países da Ásia Central perante a Rússia. Na verdade, já em 1996, no mesmo ano da criação do grupo, China, Rússia, Cazaquistão, Tadjiquistão e Quirguistão assinaram Treaty on Deepening Military Trust in Border Regions; e no ano seguinte o Treaty on Reduction of Military Forces in Border Regions. Assim, as preocupações de segurança giravam em torno das questões de fronteiras: tráfico, imigração clandestina, grupos extremistas ou separatistas, identidade nacional e política. O que se nota, é uma preocupação de vai da ordem militar em sentido estrito até a ordem política securitizada, o que se torna mais evidente ao longo dos anos. No encontro de 2000, por exemplo, quando o Uzbequistão já era membro observador, os Shanghai Five concordaram em: “deepen interstate cooperation in diplomatic, commercial, military, and technological areas…with new initiatives in combating trafficking of drugs, weapons, fighting terrorism, political extremism and separatism, and in resolving disputes over transboundary resources such as water, energy and transport infrastructure.” (GLEASON; apud AKIN, p. 11)

No ano seguinte, com a decisão uzbeque de se juntar ao grupo, foram assinados o acordo que formalizou a OCS, cuja carta foi adotada um ano depois, no Summit imediato, e um acordo entre China e Rússia, o Treaty of Good-Neighbourliness and Friendly Cooperation.

A organização e seus issue-areas É importante notar que a OCS não é, ao contrário do que almejava ser a CIS e de fato se tornou a CSTO, uma aliança defensiva, mas um mecanismo de cooperação mais amplo, em diversas esferas, sendo o princípio de segurança coletiva o norte da cooperação militar. (LOGINOV; apud AKIN, 12). Nesse sentido, a organização se aproxima de um arranjo regional multi-temático. Há pelo menos três grandes temas, ainda que cada um comporte subtemas, nessa organização: cooperação econômica e comércio, energia e infra96

estrutura de transporte, e, segurança e fronteiras. Nesse sentido, poder-se-ia imaginar vários regimes de naturezas diversas que orbitassem em torno da OCS, assim como o regime de combate ao terrorismo se ancora num órgão específico da organização, o RATS. (Para um esquema dessa divisão, ver o Anexo 3 infra) A cooperação econômica foi um fator importante durante a evolução da CIS, da Shanghai Five e da OCS. Especialmente, a Rássia tentou manter sua área de influência sob os países centrais, ao que se contrapunha o desejo destes de desenvolvimento e independência econômica em relação ao vizinho gigante. A partir da entrada da China, as questões econômicas deixaram de girar em torno de cooperação e regulação monetária e se deslocaram para o comércio. De fato, a economia planificada soviética rendera uma dependência de produtos externos (a economia uzbeque se concentra em algodão, a quirguiz em mineração e a cazaque em petróleo). A China, assim como a Rússia e mesmo o Cazaquistão (que tem ainda muitas reservas mas cuja capacidade de exploração não acompanha o ritmo do desenvolvimento) têm interesses na produção de gás e óleo da região, oferecendo, em contrapartida, tecnologia de exploração e distribuição desses produtos. (ver o anexo 4 infra) Quanto à segurança, áreas de extremismo religioso, separatismo étnico, terrorismo e segurança fronteiriça estão no discurso da agenda do dia. Para além do que fica dito, podese imaginar o conteúdo real desses termos, quais sejam, integridade territorial, soberania extrema e não-interferência nos assuntos internos. O regime de combate ao terrorismo: um regime regional de segurança coletiva De fato, um dos desafios que mais recentemente mobilizou os esforços dos membros da OCS foi o conflito na Geórgia em relação a articulação com os mecanismos europeus de segurança regional, e antes disso, no caso da Tchetchênia, advogando também junto a Organização do Tratado de Segurança Coletiva. Também a China demonstrou preocupações e “impôs” a adoção da One China Policy aos membros da organização, pela qual se reconhece apenas o governo de Beijing como soberano sobre o território continental e insular (taiwanês), e com as questões separatistas do Tibete e dos oigures de Xinjiang. O nascimento da OCS ele próprio se confunde com as preocupações de soberania nacional, uma vez que era um de seus fundamentos mais fortes as demarcações de

97

fronteiras, o que perpassou também os arranjos anteriores (CIS, Tratado de Segurança Coletiva e Shanghai Five) (NAKHLAL, 2004). De fato, o 11 de setembro de 2001 marcou uma nova agenda de controle de fronteiras na Ásia decorrente de três aspectos: segurança nacional, demonstrar adesão ao combate internacional ao terrorismo para a comunidade internacional, evitar reações anti-estadunidenses nos países em que grupos terroristas pudessem ter se alojado. No Summit de 2009, os membros da OCS e o Afeganistão lançaram um plano de ação conjunta para o combate ao terrorismo, tráfico de drogas ilícitas e crime organizado. A preocupação com as fronteiras deve ser lida no sentido militar e também no âmbito dos sistemas políticos – ambas direções relacionadas à segurança. Pelo primeiro, tem-se as questões clássicas de soberania, como a) a soberania sobre o território, b) militarização da região e c) problemas vários de ameaças externas vindas de países vizinhos em disputas ideológicas as mais diversas (não se deve esquecer que tudo isso segue a dinâmica de independência de Estados da antiga URSS). Quanto à manutenção do sistema político, esses países todos têm governos cujo traço de autoridade leva a falar em ditaduras. As intenções de todos esses acordos pré e pós-OCS refletem d) o princípio de não-intervenção nos assuntos internos, e) manutenção do sistema político-ideológico, f) legitimação da repressão (inclusive conjunta) de movimentos separatistas, ou anti-governo, e, g) ingerência dos países mais poderosos, Rússia e China, nos conflitos dos países mais frágeis da Ásia Central, uma vez que sua instabilidade política pode refletir em inflamação de movimentos terroristas, extremistas ou separatistas de minorias étnicas ou religiosas em seus próprios territórios. “Central Asians harbor many concerns over security in their region. Not only is there the concern for personal safety as a result of increased political violence, but also the ever present concern for the security and stability of the governments. Weak central governments in many areas of Central Asia have trouble controlling extremist movements challenging their authority and the violence associated with large scale illegal drug operations.” (AKIN, p. 41)

A RATS foi um órgão previsto pela Carta da OCS. O Acordo de Combate ao Terrorismo de 2001, assinado no âmbito da criação da OCS, previu estabelecimento de uma Regional Conter Terrorism Structure, que seria localizada na capital quirguiz Bishkek, a

98

qual foi incorporada na organização conforme o dispositivo do artigo 10 da Carta de 2002. NO Summit de 2004, finalmente, o órgão foi estabelecido, não no Quirguistão mas no Uzbequistão, em Tashkent. Tem havido um número razoável de treinamentos militares. O primeiro exercício militar conjunto da OCS se deu ainda em 2003, e foi na reunião do Conselho de Chefes de Estado deste ano que a decidiu quando se delineou a criação da Regional Anti-Terrorism Structure, cujos Comitê Executivo e Conselho já estavam previstos na Carta de 2002, que se estabeleceu tal exercício militar conjunto. Ele se organizou em duas fases, uma no Cazaquistão e outra na China. Em 2005, o primeiro exercício militar entre Rússia e China foi intermediado pelo Conselho da RATS em como pelo Encontro de Ministros de Defesa da OCS. Já em 2007, o primeiro exercício militar conjunto da OCS idealizado pelo Comitê Executivo da RATS e levado à cabo pelo órgão reuniu mais de 6.000 soldados nos Montes Urais russos, próximos aos países da Ásia Central. Chamado de “Peace Mission 2007”, causou grande repercussão na mídia local e algum comentário nos meios acadêmicos. (McDERMOTT, 2007). A RATS também foi responsável pela aproximação com a Collective Security Treaty Organisation no final de 2007 quando foi assinado um acordo de cooperação em segurança, drogas e terrorismo. Todas as preocupações da RATS são metas (fundamentais desde sua criação) da OCS como um todo; a estrutura apenas especializou pessoal, criou dinamismo (pois o Comitê Executivo é um órgão perene) e intensificou a realização da cooperação em segurança idealizada ali mesmo ou em outras instâncias da organização: “The more salient support for security expressed in the SCO Charter include “a new security concept anchored on mutual trust, disarmament and cooperative security; a new state to state relationship with partnership instead of alignment at its core, and a new model of regional cooperation featuring concerted efforts of countries of all sizes and mutually beneficial cooperation.” (Press Release do Ministério de Relações Exteriores da República Popular da China; apud AKIN, p. 43)

A tabela abaixo sintetiza alguns dos pontos acerca do regime de segurança coletiva regional da OCS em torno da estrutura regional anti-terrorismo da organização.

99

Tabela 2 – O regime regional de segurança coletiva da OCS: o regime de combate ao terrorismo da RATS Regimes regionais de segurança coletiva Comunalidade

Variáveis desfavoráveis

Conhecimento local Expertise local

Legado de acordos e organizações anteriores

Mandato

Acordo de 2001 e Carta consonantes às disposições da ONU

Imparcialidade Falhas organizacionais Específica

Natureza Multi-temática

Fontes de insegurança Características do arranjo Gerência de conflito

Segurança, soberania territorial e integridade nacional

Não busca legitimação interna; legitimidade externa advém do mandato

Variáveis favoráveis Legitimação

Regionalização da segurança

OCS e RATS

Anarquia (internacional) Identidade política, legitimidade e desigualdades sócioeconômicas Prevenção Contenção

Falta de transparência (externa) Investimento na regionalização e multilateralidade RATS: sob a rubrica de terrorismo OCS: segurança, cooperação econômica e energética

OCS e RATS RATS OCS e RATS Nenhum mecanismo previsto, tampouco proscrito

Interrupção

100

Cont. Tabela 2 – O regime regional de segurança coletiva da OCS: o regime de combate ao terrorismo da RATS

Segurança Coletiva

Uso retórico (discursivo e político) Estabilidade interna e pacificação de conflitos

Nos acordos, declarações da OCS e dos membros Principal meta OCS e essência do RATS

Mecanismo de defesa coletiva

Regimes Internacionais genéricos

Regimes de Segurança Regimes de segurança Aumentam a demanda por regimes

Manutenção e adaptabilidade

Tacitamente (Art. 02 da Carta) não é seu escopo Princípios

Artigo 02 da Carta

Normas

Combate ao terrorismo, extremismo e separatismo Ausência de regras trasparentes

Regras Procedimentos

RATS EC; OSC HSC

Constragimento dos estados pelo regime

Sobretudo os mais frágeis, com vistas a securitizar o "terrorismo"

Conformidade com o status quo Reiterada tentativa de manter Busca coletiva pela segurança coletivamente o status quo Informação Liability

Baixas expectativas

Custos de transação

Altas expectativas

Ameaças externas

Fronteiras e "terrorismo" "extremismo e separatismo"

Estabilização interna

Hibridização Fonte: Confecção do próprio autor.

101

manutenção do sistema político via segurança conjunta de ameaças terroristas ou separatistas

CONCLUSÃO As conclusões a que se chega com esta pesquisa vão por duas searas distintas: de um lado, mais estrito, dizem respeito ao acompanhamento do estudo de caso em questão e adequação de se falar em regimes regionais de segurança coletiva; de outro, mais amplo, referem-se à validade e aos desafios teórico-metodológicos dos conceitos de regimes internacionais e de segurança coletiva. No tocante às primeiras questões, pode-se dizer que a OCS é ainda muito jovem, com o que se entende o ainda imaturo processo de institucionalização. Seguramente, os potenciais para a cooperação a partir dessa organização são muitos e, portanto, mais pesquisas de tipo institucionalista podem tomar lugar. Por ora, não se pode falar em regimes no âmbito dessa organização senão do modo como foi aqui feito: a existência de um regime de segurança coletiva, preocupado com o impacto do terrorismo, do extremismo e do separatismo sobre a integridade e fronteiras nacionais. Mais certo seria afirmar que tal formato de regime mais serve a uma consolidação dos regimes políticos dos países membros sob a rubrica – não falsa, mas se quer enganadora – do combate ao terrorismo. Os “problemas” que enfrentam esses países tocam, de fato, a esfera da segurança, na medida em que comprometem o sistema político (autoritário), a ideologia oficial, a integridade nacional, a soberania estatal e o princípio da não-interferência. Certamente, há um regime de segurança regional (baseado na segurança coletiva); o que não se pode é negligenciar o fato de estarem muitas intenções ainda encobertas. Ainda que a teoria da segurança coletiva esteja em descrédito atualmente (em que pese os bons trabalhos de alguns desses teóricos como Clifford Kupchan) a utilização qualificada do conceito de segurança coletiva, discernindo do uso exclusivo da teoria e do conceito por muito tempo atrelado a este de defesa coletiva. Nesse contexto, o conceito de segurança coletiva parece ser um princípio norteador peculiar de algumas organizações e acordos internacionais, que podem se converter em regimes regionais de segurança coletiva. Se a noção de segurança coletiva é de difícil manejo, a regionalização dos arranjos de segurança é facilmente perceptível empiricamente, assim como são válidos os esforços para teorizar os regimes regionais de segurança.

102

A regionalização da segurança pode, na verdade, jogar água no moinho de teorizações que começaram a ter seu prestigio em queda, exatamente o caso das teorias dos regimes internacionais e da segurança coletiva. Algumas das amostras mais recentes de alguns teóricos proeminentes nesses campos – como o trabalho recente de Keohane et al. Sobre instituições de segurança ou o agora lembrado Kupchan em seu trabalho sobre concertos e o futuro da Europa – demonstram exatamente que as teorias buscam se criticar também e assim renovar parte de seu arcabouço conceitual.

103

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111

ANEXOS Anexo 1: Table 1.1 – Regional institutions and security: a framework for analysis, de Alagappa (1997, p. 428)

112

Anexo 2:

Cont. Table 1.1 – Regional institutions and security: a

framework for analysis, de Alagappa (1997, p. 429)

113

Anexo 3: Figure 2 – Input-Output model of the Shanghai Cooperation Organisation, de AKIN (p. 31)

114

Anexo 4: Table 1 – Internal Trade Among SCO members, de AKIN (pp. 39-40) SCO member state

China Kazakhstan Kyrgyzstan

Top export partners (with percentages of export) Non-SCO states Russia, 15.2% China, 12.8% Russia, 16.7% Kazakhstan, 9.8% China, 4%

Russia

China, 6.2%

Tajikistan

Uzbekistan 8.5% Russia, 6.6%

Uzbekistan

Russia, 22.3% China, 9.9% Tajikistan, 6.2% Kazakhstan, 4.2%

Fonte: CIA World Fact Book, based on 2003 data; apud AKIN, p. 40.

115

Top import partners (with percentages of imports) Non-SCO states Russia, 39% China, 6.2% Russia, 24.7% Kazakhstan 24% China, 10.3% Uzbekistan, 5.5% China, 5.8% Kazakhstan, 4.7% Russia, 20.2% Uzbekistan, 15.1% Kazakhstan, 10.9% Russia 22.3% China 6.5% Kazakhstan, 6.1%

Anexo 5: Dados da República do Cazaquistão53

CAZAQUISTÃO QUADRO GERAL DE INFORMAÇÕES

Nome oficial: República do Cazaquistão Capital: Astana Independência: 16 de dezembro de 1991 Sistema de Governo: República Presidencialista Chefe de Estado: Presidente Nursultan Nazarbayev Chefe de Governo: Primeiro-Ministro Karim Massimov Ministro dos Negócios Estrangeiros: Marat Tazhin

53

Os anexos 5 a 8 encontram fonte nos dados do Ministério de Relações Exteriores do Brasil.

116

Anexo 6: República Quirguíz

REPÚBLICA QUIRGUIZ QUADRO GERAL DE INFORMAÇÕES

Nome oficial: República Quirguiz Capital: Bishkek Sistema de Governo: República presidencialista Presidente: Kurmanbek Bakiyev

117

Anexo 7: República do Tadjiquistão

Tadjiquistão

Nome oficial: República do Tadjiquistão Capital: Dushanbe Independência: 1º de setembro de 1991 Sistema de Governo: República presidencialista Presidente: Emomli Rakhmonov

118

Anexo 8: República do Uzbequistão

Uzbequistão

Nome oficial: República do Uzbequistão Capital: Tashkent Independência: 1 de setembro de 1991 Presidente: Islam Abduganievich Karimov Ministro dos Negócios Estrangeiros: Wladmir Norov Salikhovich

119

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