Regras e Normas nas Relações Internacionais

July 8, 2017 | Autor: A. Magalhães Barata | Categoria: International Relations, Norms, Relações Internacionais, Normas, Norms in International Relations, Regras
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Universidade Federal de Uberlândia
Instituto de Economia
Mestrado em Relações Internacionais






Regras e Normas nas Relações Internacionais






Professores: Flávio Pedroso Mendes
Sandra Aparecida Cardozo
Aluna: Ana Laura Magalhães Barata






Uberlândia
2015
Universidade Federal de Uberlândia
Instituto de Economia
Mestrado em Relações Internacionais






Regras e Normas nas Relações Internacionais






Artigo necessário para a conclusão da disciplina Teoria das Relações Internacionais no curso de mestrado em Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia.
Linha de Pesquisa: Economia Política Internacional



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Uberlândia
2015
"Os regimes internacionais são definidos como princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisões ao redor dos quais expectativas dos atores convergem em uma data área-tema."
Stephen Krasner
O entendimento do que significa 'regime' é de extrema importância para assimilação das regras e normas nas Relações Internacionais. Tomando Krasner como referência, diversos desdobramentos acontecem a partir dessa presunção, principalmente em teorias críticas. Enquanto representante da escola norte americana de Economia Política Internacional (COHEN, 2007) Krasner acredita que as normas são padrões de comportamento, fator também existente na percepção de Keohane e Nye (1977), que adicionam os efeitos da cooperação provenientes dos regimes estipulados por instituições. Hedley Bull (1977) similarmente entende as instituições como asseguradoras de regras, sendo estas importantes na sustentação da sociedade internacional. Diferentes escolas de pensamento reconhecem diferentes categorias de normas (FINNEMORE e SIKKINK, 1998) e trazem a dúvidas de como elas influenciam a política internacional. Uma possível padronização ajudaria, portanto, no direcionamento das abordagens ao olhar para as instituições sociais como objetos dinâmicos onde as padronizações seriam, na verdade, mutáveis de acordo com os novos arranjos da política que se modificam ao longo do tempo.
O reconhecimento de uma norma se dá de maneira indireta por meio de evidências de motivações políticas, por exemplo, ou através da quantidade de atores que assentem perante a um determinado assunto. Existem normas de diversas abrangências que podem ser, então, analisadas no nível regional ou até global. O importante é reconhecer que em sua função está enquadrado o constrangimento do comportamento dos estados, transformando-os em atores que acabam sendo limitados ou pelo menos coagidos a agir de determinada maneira, principalmente no sistema internacional. Este cenário aborda a conexão entre as normas domésticas e internacionais como interligadas, particularmente quando a segunda influencia diretamente na primeira. Existe um jogo de dois níveis na trajetória da existência de uma norma, e a atuação daquelas no nível doméstico é maior no começo, perdendo força quando é institucionalizada no parâmetro internacional. (FINNEMORE e SIKKINK, 1998).
O ciclo de vida de uma norma começa com seu nascimento, seguido pela sua aceitação em larga escala e precedida por sua internalização onde cada um desses estágios justifica melhor sua influência no comportamento dos estados. O nascimento de uma norma se dá através da tentativa de persuasão de um líder com embasamento institucional ou que age através de uma plataforma organizacional cuja ideologia traz determinado interesse, que ao tentar convencer uma massa de países em aceitá-la considerando-a legítima, cria um processo de impacto em larga escala para que esta norma tenha cada vez mais seguidores. A internalização vem como consequência de longo prazo, e a norma que era algo novo é transformada em um hábito socialmente construído. É relevante ressaltar a importância da legitimação desta norma para que ela chegue ao estágio de internacionalização, por isso a necessidade de vinculação com algum aparato institucional. Quando não proeminente desta forma, as normas internacionais surgem como resultado da evolução de uma norma doméstica onde uma característica de determinado local se torna tão considerável que chega ao nível máximo de abrangência, como direito de voto da mulher, por exemplo, que começou para resolver um conflito social regional e hoje é sufrágio universal na maioria dos países democráticos. A abrangência das normas também é passível de estudo. Noções como globalização e interdependência dos países enfocam argumentos que expandem a concepção homogênea das regras internacionais. O papel das organizações também é relevante neste aspecto, principalmente porque elas contribuem para a manutenção das normas como regras institucionalizadas.
Considerando a hipótese de que uma norma internacional é proveniente da evolução de uma norma doméstica, não é tão difícil entender a influência de uma pela outra e vice versa. Além da abordagem de Finnemore e Sikkink na importância do compartilhamento de identidades e interesses como algo constituinte das normas, o que é caracterizado como um viés construtivista, é interessante entender a noção liberal de que o constrangimento causado pelas normas também afeta outros atores políticos. (MORAVISK, 1995). Ao considerar as duas possibilidades ao mesmo tempo, ou seja, o fator de constrangimento e de elemento constituinte das normas internacionais é criado um diálogo entre as noções racionais e construtivistas de captura mais abrangente do papel múltiplo das normas, além do entendimento de como as organizações internacionais moldam políticas domésticas (CHECKEL, 1997). O processo de aceitação de normas internacionais que afetam internamente os estados é chamado de empoderamento. Este procedimento não envolve apenas os estados como um ator uno, mas seus desdobramentos domésticos, como os tomadores de decisões políticas, e o interesse das elites, sendo que a internalização dessas normas acontece através destes agentes. A noção liberal também é interessante, afinal considera fatores de composição dos estados ainda menores, como indivíduos, grupos da sociedade, e principalmente, as instituições.
O estudo das instituições apresenta a importância das forças sociais bem como os fatores culturais, normas e valores não derivados do cálculo de interesses dos atores (KEOHANE, 1988). 'Instituição' é um termo vago, e pode ser utilizado para caracterizar organizações, como a ONU, e o Banco Mundial, por exemplo. Utilizando a definição de Keohane, instituições são padrões gerais ou categorizações de atividades para um arranjo humano particular, sendo formal ou informalmente organizados, e que estipula o comportamento, constrange atividades e molda expectativas dos agentes existentes, principalmente, para promover a cooperação. Instituições são práticas sociais que exercem papéis reconhecidos como um conjunto de regras que regulam determinados objetos. (YOUNG, 1989). Outra forma de classificar as instituições é através do ponto de vista sociológico, considerando-as como um marco da sociedade. (WIGHT, 1992). As instituições estão em todo o lugar, são compostas por um grupo de leis, utilidades e operações que se relacionam de maneira integrada e tem um caráter independente. Evidentemente as instituições são compostas por regras, e na sociedade internacional estas regras pressupõem que os estados não só são compostos por agentes, como são agentes por si só. (ONUF, 2002). As instituições também têm o papel de proteger as regras das mudanças que acontecem na sociedade ao longo do tempo, ora fazendo com que as regras sofram mutações da mesma forma, ou não. O papel das regras é 'fazer' ordem na sociedade. (BULL, 1977). Dito isso, sabe-se que estas regras ditam os padrões de comportamento, e é inegável a importância de regulamentações quando se tem um cenário internacional anárquico. As regras em si são consideradas construções intelectuais cujo papel na vida social demonstra sua efetividade, e funcionam porque as instituições criam as circunstâncias que permitem o funcionamento destas regras em termos de comunicação, administração, interpretação, imposição, e legitimação. As instituições podem agir de maneira bilateral ou multilateral. (RUGGIE, 1998), sendo esta apenas uma questão de números. Qualquer instituição que tenha um propósito cujo impacto seja extremamente abrangente, é necessário haver princípios generalizados de conduta que especifiquem determinados tipos de comportamento, sem focar nas particularidades dos agentes como uma estratégia ampla. Portanto, são caracterizadas desta forma aquelas que refletem propósitos sociais comuns cujo objetivo é instaurar a ordem através de regimes.
Regimes podem ser concebidos como variáveis intervenientes localizadas entre variáveis como interesse ou poder, por exemplo, que resultam em comportamentos específicos. Uma tentativa de analisar regimes é através de uma linha cronológica onde estas variáveis de poder e interesses, consideradas como variáveis causais básicas criam regimes que trazem como resultado um comportamento correspondente e resultados, ou seja, regimes são 'meios' e não 'fins', além de não serem espontaneamente criados por própria iniciativa. Os regimes existem em todas as áreas temáticas, inclusive nas que têm bastante conflito de poder e são exemplos nítidos de anarquia, os estadistas quase sempre se sentem restringidos por princípios, normas e regras que prescrevem e proscrevem diferentes tipos de comportamentos. (PUCHALA e HOPKINS, 1982). O comportamento padronizado inevitavelmente gera expectativas convergentes que auferem condutas convencionais através de normas reconhecidas, o que significa que é intrínseco o funcionamento de normas e procedimentos em comum para que isso aconteça. (YOUNG, 1989).
Claramente existem outras perspectivas de regimes que contratam o pensamento de Krasner sustentado na ideia grociana de que os regimes são de fato atributos inerentes a qualquer padrão de comportamento humano, não só válidos como também disseminados em diversos sistemas políticos. Existe aquelas que consideram o conceito inútil, visão estrutural convencional representada por Susan Strange, ou como um fator que têm relevância apenas em condições restritas, visão estrutural modificada interpretada por Keohane, Strange argumenta que a noção de regime ofusca as relações entre poder e interesse sendo isto um fenômeno mutável e desprovido de padronizações. Não há como uniformizar interesses entre atores diferentes, e o que acontece, na verdade, são mudanças nas variáveis causais básicas que alteram automaticamente o comportamento dos estados sem a necessidade do estabelecimento de regimes. No viés de Keohane, os regimes podem até existir em acordos voluntários entre atores juridicamente iguais, mas a política internacional funciona como um aparato que relaciona entidades soberanas cujo objetivo é a auto preservação. Neste caso, os regimes surgem como coordenadores do comportamento dos estados no sentido de alcançar resultados que favoreça o interesse coletivo na situação única em que se não fosse pelos regimes as ações destes atores não poderiam ser coordenadas. Por causa disso, nessa perspectiva, quando se tem uma situação de soma zero os regimes não são relevantes, afinal não é necessário dizimar as diferenças entre os estados para se chegar a um senso comum.
Através de regimes ou não, é inegável o papel das instituições na formulação e manutenção de regras e normas nas Relações Internacionais. Entretanto, não é possível analisar as instituições como elementos estáticos na história, mas mutáveis, sujeitos a transformações que de forma cumulativa resultam em novos aparatos ao longo do tempo. Instituições sociais, políticas e econômicas se tornaram maiores, consideravelmente mais complexas e mais importantes para a vida coletiva. (MARCH e OLSEN, 1984). Instituições são objetos de importância que evoluem, e assim sendo, é necessário haver uma transação do entendimento de suas atividades para explicar o comportamento agregado dos atores além daquelas pautadas em regras e normas através de uma modernização desta perspectiva, e então nasce o neo institucionalismo.
Caracterizado como uma perspectiva epistemológica de importância para entender a interdependência entre as instituições, sendo estas consideradas objetos autônomos, a perspectiva neo institucionalizada assume a relevância das instituições no cenário internacional, considerando que não só o estado é afetado pela sociedade, mas o inverso também acontece. Uma instituição é formada por estados e estados são formados por instituições. Na presunção da ordem, o institucionalismo a vê como imposta pela razão quando idéias racionais e atitudes intencionais têm expressão institucional dentro de uma organização hierárquica formal, ou como resultado de competição ou coerção quando é reconhecido o conflito de interesses entre idéias e no processo de interação entre os agentes. O papel do neo institucionalismo é tentar compreender como as instituições surgem, se modificam e interferem no comportamento dos estados. Por não ser uma corrente teórica unificada (HALL e TAYLOR, 2003), mas na verdade abranger três vertentes de pensamento, o neo institucionalismo deve antes ser previamente categorizado de acordo com o que se quer entender sobre as instituições para enfim ser utilizado. Existe o institucionalismo histórico, o institucionalismo da escolha racional, e o institucionalismo sociológico. O primeiro deles aborda a concepção de que as partes diferentes de um sistema que interagem entre si moldam o comportamento coletivo sem a necessidade de abranger os indivíduos ou as características sociais como fatores relevantes. Além disso, traz a idéia de path dependent que remete à importância da trajetória histórica, fazendo valer objetos desde o inicio de um percurso até os desdobramentos futuros. O institucionalismo racional, por sua vez, vê a importância das preferências e maximização dos objetivos para que haja um constrangimento de comportamento na tentativa de manter as expectativas dentro do padrão esperado. Para esta linha de pensamento, as instituições nascem voluntariamente quando é conveniente para os estados que ela esteja ali. Por fim, o institucionalismo sociológico argumenta que o comportamento julgado racional por alguns indivíduos é na verdade um objeto socialmente construído através de valores, identidades e interesses compartilhados, e as instituições são cumpridoras do papel central na aquisição de qualquer objetivo dentro do sistema internacional.
Não há como afirmar que as regras e normas funcionam de maneira aleatória nas Relações Internacionais. É enfático o papel que elas exercem, seja no âmbito doméstico ou no âmbito internacional. Juridicamente, normas são elementos que se exprimem através de regras e princípios cujo objetivo é expressar determinada função. (GOMES, 2005) As regras disciplinam determinada situação, são prescrições especificas que estabelecem pressupostos e conseqüências; são formuladas para serem aplicadas sobre fatos e atos e devem ser cumpridas. (AMARAL JUNIOR, 1993). Ao serem analisadas perante a importância da manutenção da ordem como continuidade da segurança, é desconsiderada a perspectiva realista de que as normas internacionais não são determinantes no comportamento da política estatal, mas o contrário. A política internacional se desenvolve um uma anarquia internacional e não há autoridade dominante sobre os estados, isto é fato, mas não quer dizer que não existem elementos que restringem a maximização de poder na manutenção do stataus quo de cada um deles. A desconfiança e os interesses são regulados por contratos e acordos que manuseiam a divergência de interesses em prol da cooperação, afinal também existem interesses em comum entre os atores. Estes acordos e contratos, por sua vez, devem ser dirigidos por alguma entidade, e então, vem à tona a importância das instituições de aparato internacional. Elas não são apenas subordinadas pelos estados, mas promovem ações que de fato podem ditar as regras do sistema. O novo institucionalismo direciona os estudos do papel das instituições, considerando-as forças autônomas dentro da política interferindo em resultados de uma forma que elas evoluem até desenvolverem vida própria. (HALL e TAYLOR, 2003). Portanto, é necessário haver melhor entendimento sobre o papel das instituições para que assim seja possível transpassar a análise para as regras e as normas isoladamente, tornando possível a constatação de que de fato elas influenciam e constrangem o comportamento dos estados não só internamente, mas também no cenário internacional.



Referências Bibliográficas:
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Ver Krasner p. 96

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