Regulação ambiental e responsabilidade estatal por expropriação regulatória no Direito internacional do investimento estrangeiro

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Regulação ambiental e responsabilidade estatal por expropriação regulatória no Direito internacional do investimento estrangeiro José Augusto Fontoura Costa1 Fernanda Sola2 Introdução Embora

o

Brasil

internacional

de

não

seja

proteção

parte

e

de

nenhum

promoção

acordo

recíproca

de

investimentos, nem tenha jamais se submetido a arbitragens internacionais entre investidores e Estados, na medida em que o país passou a exportar mais capital, inclusive por meio dos chamados investimentos diretos, a ideia de aderir ao

sistema

do

Direito

internacional

do

investimento

estrangeiro tem voltado à tona. O presente artigo discute um dos aspectos polêmicos desse

sistema:

os

efeitos

negativos

dos

acordos

de

investimento sobre as políticas ambientais nacionais, dada a

possibilidade

de

caracterização

de

expropriação

regulatória. Para histórico

tanto,

será

e

principais

das

feita

uma

breve

apresentação

características

da

do

proteção

internacional dos investimentos estrangeiros e, em seguida, a exposição do tema da expropriação regulatória, com ênfase em alguns casos com forte componente ambiental. Ao fim, se conclui que as novas tendências do Direito internacional

do

investimento

estrangeiro

tem

mostrado

crescente sensibilidade para os temas ambientais, embora ainda seja visto com cautela.

1

Professor do Departamento de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e da Universidade Católica de Santos. Bolsista produtividade do CNPq. 2 Professora colaboradora da Universidade Federal de São Carlos. Doutora em Ciências Ambientais pelo PROCAM/USP e mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos.

1. Formação e características do Direito internacional de proteção do investimento estrangeiro Embora

o

Direito

internacional

costumeiro

e

as

estruturas jurídicas coloniais garantissem os investimentos na explotação de recursos naturais e na oferta de serviços públicos antes da Segunda Guerra Mundial, a estrutura das relações internacionais a partir do término deste conflito implicou a necessidade de uma reformulação dos instrumentos normativos

e

institucionais

de

proteção

dos

capitais

investidos no exterior. Ao recrudescimento do conflito, ainda que frio, entre países

capitalistas

e

socialistas

no

eixo

leste-oeste

agregaram-se as tensões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento – ou entre industrializados e atrasados, como

se

dizia

diversidade

de

na

época



categorias

no

de

eixo

países,

norte-sul. que

Essa

propiciou

a

formação de grupos pautados por identidades históricas e comunidades de interesses, também provocou a dissolução do consenso

outrora

existente

a

respeito

de

um

Direito

internacional eurocêntrico e predominantemente esteado no costume. Desde uma perspectiva geral, esse contexto de tensões foi

o

grande

impulsionador

de

grandes

transformações

jurídicas, com a substituição dos costumes por diversas convenções

multilaterais

que

consolidaram

verdadeiros

códigos internacionais, naqueles temas em que era possível estabelecer consensos (HIGGINS, 1999; SIMMONS, 2008). Isso ocorreu,

portanto,

em

áreas

como

direito

diplomático,

diretos dos tratados, direito do mar e, até mesmo, direito ambiental. Houve

campos,

porém,

em

que

tais

convergências

de

opiniões e ajustes de interesses não foram possíveis. O direito ao desenvolvimento e a proteção dos investimentos estrangeiros estão entre estes temas.

Por um lado, as tentativas de consolidar uma nova ordem

econômica

internacional

(NOEI)

articulada

pelos

países em desenvolvimento na Assembleia Geral da ONU e na Conferência

das

Nações

Unidas

para

o

Comércio

e

o

Desenvolvimento (UNCTAD) nunca receberam apoio ou anuência dos países desenvolvidos e tampouco foram além da condição de listas programáticas e não vinculantes de direitos e ações desejáveis (ABELLÁN, 2003; BROWNLIE, 1982). De fato, o último documento a encontrar ampla aceitação de países desenvolvidos, socialistas e em desenvolvimento foi a Res. 1803 da AGNU, de 1962, em que se reconhece a soberania permanente

sobre

os

recursos

naturais,

garantidas

as

compensações em caso de nacionalização ou socialização de ativos estrangeiros (COSTA, 2010; SCHRJIVER, 1997) Não obstante, havia justificado temor de investidores privados estrangeiros em transferir seus ativos para países que não contavam com estabilidade política ou um marco jurídico

robusto.

O

temor

das

nacionalizações

e

socializações era generalizado e, com o enfraquecimento do Direito internacional costumeiro e a ausência de consensos que

possibilitassem

convenções

multilaterais

eficientes

sobre a matéria, buscaram-se alternativas. Não é o caso, aqui, de retomar em detalhes as várias tentativas e possibilidades que foram utilizadas ao longo das décadas de 50 a 80 do século passado. Basta ressaltar que o fortalecimento dos Direitos internos de vários países em desenvolvimento e a utilização de instrumentos privados, sobretudo contratos bem desenhados. É nos anos 1960, porém, que nascem os instrumentos que irão marcar, nos últimos vinte anos, a história recente da regulação internacional da proteção dos investimentos estrangeiros: os acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos (APPRIs) e o Centro

Internacional

Investimentos (ICSID).

para

a

Solução

de

Disputas

sobre

Os APPRIs, em sua grande maioria, se compõem de pelo menos

18

itens

estabelecimento

(COSTA, do

2010),

âmbito

entre

pessoal

e

os

quais:

material

(1)

mediante

definições amplas, quase sempre abertas, de investidores e investimentos, (2) cláusulas de tratamento nacional e de nação

mais

justo

e

favorecida,

equitativo

e

(3)

padrão

proteção

mínimo

de

integral,

tratamento

inclusive

em

situações de guerra e desordem interna, (4) regras contra a expropriação e estabelecimento de padrões de indenização e (5) sistema de solução de controvérsias entre investidores e Estados, frequentemente apontando o ICSID. Embora tais acordos

sejam

“bilateral

muito

conhecidos

investment

treaties”,

por é

BITs,

abreviação

preciso

lembrar

de que

podem ser multilaterias, como é o caso do Tratado da Carta de

Energia

(TCE),

e

podem

ser

parte

de

um

tratado

de

liberalização comercial, como o Capítulo 11 do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). Como nem todos APPRIs são BITs, portanto, entende-se melhor utilizar os termos separadamente. Há, conforme dados da UNCTAD, mais de 3.100 acordos internacionais sobre investimentos, dos quais mais de 2.800 são BITs (2012, p. 84). O ICSID também resultou das preocupações próprias do período pós-guerra. Aqui, particularmente, se põe a questão dos novos Estados, fruto da

descolonização impulsionada

pelas superpotências do leste e oeste contra os interesses das formas anteriores de imperialismo. À época, não era mais possível se valer dos vínculos coloniais e a própria ideia de países industrializados esposando os interesses de seus nacionais, mediante os meios tradicionais da proteção diplomática,

soava

como

uma

reminiscência

incômoda

da

diplomacia de canhoneira. Aos investidores estrangeiros, portanto,

restava

apenas

meios

defesa.

Isso

de

a não

utilização

de

significava,

seus porém,

próprios que

os

Estados não se importassem com as empresas de seus cidadãos e,

particularmente,

que

não

buscassem

favorecer

a

estruturação jurídica da divisão internacional do trabalho: são expressão disso a difusão de leis que protegiam os investimentos estrangeiros em diversos Estados e a criação dos APPRIs. A criação do ICSID, que é parte integrante do Grupo Banco Mundial, vem nesse sentido. As chamadas arbitragens mistas, entre um particular e um Estado, foram o instrumento encontrado para levar as controvérsias

a

um

foro

internacional

e

imparcial.

Internacional porque evitava os desconfortos de enfrentar o judiciário

nacional

do

investidor

ou

o

do

Estado,

que

poderiam, pelo menos por hipótese, favorecer os interesses de uns ou outros: a arbitragem do ICSID, fundada em um tratado internacional, não se vincula ou submete a nenhum sistema

jurídico

interno.

Imparcial

na

medida

em

que

buscava na reputação e na qualidade técnica de árbitros indicados

pelas

partes

evitar

qualquer

tendência

a

favorecer reclamantes ou reclamados. Criado pela Convenção de Washington de 1965, o ICSID visa facilitar a solução arbitral de controvérsias entre investidores e Estados mediante o estabelecimento de um quadro serviços

normativo

claro

próprios

da

e

efetivo,

arbitragem

complementado

institucional

e

por que

auxiliam partes e árbitros. Em vigor desde 1967, porém, viu pouco movimento até o início dos anos 1990: o primeiro caso registrado teve de esperar por cinco anos, até 1972, e depois foi seguido por longos hiatos pontuados por uns poucos punhados de casos. O ano de 1991, porém, foi o último a testemunhas a completa ausência de registros, pois houve um forte crescimento nos anos seguintes, até que se alcançou um patamar de aproximadamente trinta casos anuais. Entre

outras

principalmente,

possíveis ao

incremento

causas, do

isso

número

de

se APPRIs

deve, e

à

extensão

de

sua

possibilitar

cobertura

casos

em

material,

que,

mesmo

de

maneira

ausente

um

a

contexto

radical de crise política ou econômica, se discutem os limites regulatórios da administração pública. De fato, é possível levar um caso ao ICSID a partir de qualquer forma de consentimento por escrito e, portanto, que pode ser oferecido em compromisso específico para a arbitragem,

em

cláusula

contratual

ou

em

lei

de

investimento, como se imaginava Pierre Lalive (1969) no tempo em que a Convenção de Washington foi firmada. Não obstante,

a

grande

maioria

dos

casos

são

fundados

em

consentimento estatal dado mediante cláusulas de solução de controvérsias

em

APPRIs

e

aplicam

as

regras

constantes

desses tratados. Há, portanto, uma evidente relação causal entre o aumento do número desses acordos e de sua cobertura geográfica para o crescimento e consolidação do ICSID como uma

alternativa

viável

para

a

solução

de

controvérsias

entre investidores e Estados. Não obstante, tal incremento da utilização do ICSID não seria possível sem que reclamações contra a atividade regulatória

e

administrativa

estatal

fossem

normalmente

aceitas. É nesse ponto, aliás, que se destaca a questão de se o sistema conformado pela junção dos APPRIs ao ICSID pode

implicar

uma

redução

da

capacidade

regulatória

em

matéria ambiental. Como destacam Gus van Harten (2007a; 2007b)

e

Martin

Loughlin

(HARTEN;

LOUGHLIN,

2006),

a

atitude dos investidores que buscam a arbitragem mista se aproximou sobremaneira da dos jurisdicionados que buscam os tribunais internos em busca de proteção contra as leis e os atos da Administração. Deste modo, a existência de padrões mínimos indicados nos APPRIs, bem como regras específicas a respeito das expropriações e de direitos dos investidores, implica uma forma de proteção que é, no mínimo igual a dos

empresários

nacionais,

dada

a

cláusula

de

tratamento

nacional, e não poucas vezes melhor do que esse. Uma

observação

mais

detalhada

dos

padrões

de

expropriação e seus impactos sobre a regulação ambiental, portanto,

deve

ser

empreendida

para

que

se

compreenda

melhor a influência do sistema internacional de proteção dos investimentos e investidores estrangeiros estruturado pelos APPRIs e pelo ICSID. 2.

Possíveis

efeitos

dos

APPRIs

sobre

políticas

ambientais Como

se

expropriações

observou, como

investimentos

um

os

meio

APPRIs de

estrangeiros

dispõem

proteger das

sobre

as

investidores

nacionalizações

e e

socializações. A noção geral, portanto, é a da tomada de ativos (normalmente direitos de

propriedade, mas também

posições contratuais, ações e quotas sócias, entre outros) pertencentes

a

um

investidor

estrangeiro,

com

sua

transferência para o Estado ou outras entidades públicas. Embora

essas

tomadas

de

propriedade

tenham

sido

relativamente incomuns ao longo dos anos 1990, recentemente vem sendo utilizadas por alguns países da América do Sul em face de empresas estrangeiras concessionárias da explotação de recursos naturais. Não

obstante,

a

cláusula

de

proteção

contra

a

expropriação é mais ampla, de maneira a abranger formas menos ortodoxas de privação da riqueza, para usar o termo proposto por Weston (1975), a respeito das quais não se identifica, desde logo, a transferência dos ativos para outras entidades, mas sua perda ou a redução de seu valor. Esta noção termina por abranger situações que receberam diferentes

denominações,

como

“creeping

expropriation”,

“regulatory taking, “indirect takink”, “measures tantamout

to

expropriation”

e

“de

expropriation”3.São

facto

expressões que colocam o foco em aspectos diferentes, sendo que

algumas

teriam

enfatizam

declaradas

o

outras

caráter

velado

funções,

mas

de

medidas

serviriam

que para

ocultar a expropriação, e outras que invocam o caráter efeito indireto, sem enfatizar a malícia. Alguns exemplos interessantes de meios indiretos de provocar a perda da propriedade, além da bem conhecida utilização dos tributos com finalidades confiscatórias, são a proibição do ingresso no país de pessoal administrativo da empresa estrangeira e a fixação de preços máximos para os

bens

maneiras

e

serviços

produzidos.

Há,

empregadas

para,

efetivamente

portanto, sem

várias

realizar

a

transferência forçada dos ativos ou declarar o objetivo de nacionalizar os bens de estrangeiros, provocar a perda dos investimentos pelos estrangeiros. As primeiras noções de proteção contra a expropriação indireta, paulatina ou de fato nasceram em vista desses subterfúgios, o que parece ser bastante razoável, pois se coloca na perspectiva da vedação geral da fraude. Não obstante, definições de expropriação que buscam atingir esse alvo, terminam por acertar onde não miraram, alcançando instrumentos regulatórios voltados a finalidades legítimas, mas que, como não poderia deixar de ser, reduzem o valor de ativos. Decerto, manter nos textos dos APPRIs definições de expropriação que apontem a transferência da titularidade da propriedade ou exija a caracterização de intenções ocultas tornaria relativamente fácil circundar as proibições. Deste modo, a própria definição de expropriação regulatória acabou se tornando

bastante ampla.

Vejam-se

dois exemplos de tais normas: 3

Essas expresses podem ser traduzidas por “expropriação paulatina", "expropriação regulatória", "expropriação indireta", “medidas equivalentes à expropriação" e "expropriação de fato". No Brasil é comum o uso da expressão "desapropriação indireta", o qual não se utilizará para manter a diferenciação dos institutos.

1. O TCE, Artigo 13, define expropriação nos seguintes termos: Investimentos de investidores de uma Parte Contratante na Área de qualquer outra Parte Contratante não deve ser nacionalizada, expropriada ou submetida a medida ou medidas que tenham efeito equivalente ao da nacionalização ou expropriação (daqui por diante referida como “Expropriação”), exceto se tal Expropriação for: (a) para fins de interesse público; (b) não discriminatória; (c) realizada de acordo com o devido processo legal e (d) acompanhada do pagamento de compensação pronta, adequada e efetiva. 2. O Art. 1110 do NAFTA, por seu turno, estabelece que: 1. Nenhuma Parte pode, direta ou indiretamente, nacionalizar ou expropriar um investimento de um investidor de outra Parte em seu território ou tomar uma medida equivalente à nacionalização ou expropriação de tal investimento (“expropriação”), a menos que; (a) para fins públicos, (b) de modo não discriminatório, (c) em conformidade com o devido processo legal e com o Artigo 1105 (1) e (d) feito o pagamento da compensação de acordo com os parágrafos 2 a 6. Não é difícil confirmar, portanto, que nesses tratados a

definição

de

expropriação

é

ampla

e

estruturada

de

maneira a abarcar qualquer forma de redução do valor de ativos

que

decorra

da

atividade

legislativa

ou

administrativa do Estado. É assim na grande maioria dos APPRIs.

Ressalte-se,

a

propósito,

que

o

pagamento

da

compensação não seria devido a irregularidades em termos de ausência de interesse público, caráter discriminatório ou desrespeito aos procedimentos estabelecidos pelo Direito: a compensação é requisito da licitude da medida em tela,

devendo

ser

contemplada

em

conjunto

com

as

demais

condições. Levada a seu limite máximo, tal compreensão do que venha

a

ser

compensar medidas

uma

poderia

expropriação engessar

legislativas

e

que

um

implica

universo

dever

de

inesgotável

de

administrativas

o

perfeitamente

compatíveis com a normalidade. Qualquer regulação ambiental que restrinja algum direito com impacto econômico poderia ser

causa

de

expropriação

regulatória;

isso

abarca

praticamente qualquer norma de proteção do meio ambiente... Como, porém, tem sido a efetiva relação entre proteção ambiental e expropriações regulatórias? O estudo de alguns casos

levados

à

arbitragem

mista

podem

ser

bastante

reveladores.

2.1 Metalclad: A primeiro caso que chamou a atenção para esse tema ficou conhecido pelo nome da reclamante: Metalclad. Tratase de uma empresa estadunidense que adquiriu a mexicana Coterin, de San Luis Potosi, com a finalidade de construir e

operar

uma

instalação

de

tratamento

de

lixo

tóxico.

Obtidas as licenças e iniciada a construção, o governo municipal interviu, em razão de protestos ambientalistas, exigindo uma nova permissão, que foi, mais tarde, negada. A Metalclad iniciou, em 1996, um procedimento utilizando o mecanismo complementar do ICSID4, do qual saiu vencedora em 20005. Isso provocou algum alarde, pois ambientalistas e mesmo países passaram a ver os APPRIs com maior cautela.

4

O mecanismo complementar é um sistema que possibilita o acesso às regras e serviços do ICSID para Estados que não são parte da Convenção de Washington, ou seus investidores (COSTA; CARREGARO; ANDRADE: 2007). Dos membros do NAFTA, apenas os Estados Unidos são parte do ICSID. 5 Laudo disponível em http://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=CasesRH&acti onVal=showDoc&docId=DC542_En&caseId=C155, consultado em 15 de julho de 2012.

Além

da

preocupação

com

o

alcance

do

conceito

de

expropriação, os países também passaram a atentar para o tratamento justo e equitativo, pois se considerou que o México

haveria

deixado

conformidade com

de

cumprir

o Artigo 1105,

suas

obrigações

em

já que a obrigação de

transparência teria sido deixada de lado (GANZ, 2004).

2.2 Ethil Corporation Entrementes,

A

Ethyl

Corporation,

uma

empresa

americana, havia iniciado um procedimento contra o Canadá em 1997, conforme as regras da UNCITRAL6, contra uma lei que

bania

o

aditivo

MMT

da

gasolina.

Alegava-se

expropriação regulatória, mas não houve decisão de mérito, pois o judiciário canadense revogou a medida reclamada.

2.3 Corn Products International Em

2003

companhia

ativo

com

litisconsórcio

essa

subsidiária,

um

a

procedimento

americana

Arancia contra

Corn o

iniciou,

em

Products,

sua

México,

pois

um

imposto sobre o xarope de milho de alta concentração de açúcar

haveria

discriminatória tornava

os

prejudicado em

preços

favor

de

muito

suas

atividades,

produtores

elevados

sendo

nacionais,

para

o

pois

mercado

de

refrigerantes. O fundamento, além do desrespeito à cláusula de

tratamento

expropriação

nacional,

regulatória

seria nos

a

termos

existência

de

do

1110

Artigo

uma do

NAFTA. O laudo final foi prolatada em 2008. Embora o tribunal arbitral tenha decidido em favor dos reclamantes, pois

na

rejeitou

ausência

de

a

caracterização uma

tomada

da

física

expropriação, efetiva

ou

6 As Regras de Arbitragem da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL), conhecidas geralmente como Regras da UNCITRAL, são uma alternativa relativamente comum ao ICSID. Para seu conteúdo, veja-se http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/arbitration/arb-rulesrevised/arb-rules-revised-2010-e.pdf, consultado em 15 de julho de 2012.

transferência

de

propriedade,

comprovar

uma

privação

utilização

dos

seus

as

completa

direitos7.

A

companhias ou

muito

decisão

deveriam ampla

seguiu,

da

nesse

aspecto, o raciocínio do tribunal no caso Fireman's Fund Insurance Company v. Mexico8.

2.4 Archer Daniels Midland O caso foi levado por empresas americanas e uma joint venture mexicana ao ICSID em agosto de 2004. A reclamação tem por foco impostos sobre o xarope de milho com elevada concentração de glicose, os quais teriam violado os Artigos 1102 (tratamento nacional), 1106 (proibição de requisitos de desempenho) e 1110 do NAFTA. A

decisão9,

indenização

de

de US$

2007,

condenou

33.510.091,

reclamado era responsável por

o

pois

México

a

entendeu

desrespeito ao

pagar que

o

tratamento

nacional e à proibição de requisitos de desempenho, mas não havia expropriação. O tribunal aponta para o teste dos efeitos como o indicado

pela

doutrina

e

outras

decisões

necessáriopara caracterizar a expropriação, de

como

modo que

“uma expropriação ocorre se a interferência é substancial e priva o investidor de todos ou a maior parte dos benefícios do investimento” (§ 240). Remete o fundamento a várias decisões da Corte Permanente de Justiça Internacional e da

7

Para a versão integral do laudo, visja-se http://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=CasesRH&acti onVal=showDoc&docId=DC1012_En&caseId=C29, acessado em 15 de julho de 2012. 8 Disponível em http://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=CasesRH&acti onVal=showDoc&docId=DC624_En&caseId=C207, consultado em 15 de julho de 2012. 9 Laudo disponível em http://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=CasesRH&acti onVal=showDoc&docId=DC782_En&caseId=C43, consultado em 15 de julho de 2012. Opinião concorrente disponível em http://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=CasesRH&acti onVal=showDoc&docId=DC783_En&caseId=C43, consultado em 15 de julho de 2012.

Corte Internacional de Justiça, bem como outros casos de investidores contra Estados,como LG&E v. Argentina (ICSID) e Pope & Talbot (UNCITRAL), lembrando que no contexto do NAFTA o único caso em que se

verificou a expropriação

regulatória foi o Metalclad, no qual houve a “completa frustração da operação” (Metalclad, § 113). Como no caso em tela houve apenas redução dos lucros, não houve incidência do Artigo 1110.

2.5 Cargill Em mais um caso referente aos impostos mexicanos ao xarope

de

milho

com

alta

concentração

de

frutose,

a

americana Cargill pediu em 2005, utilizando o mecanismo complementar do ICSID, compensação com fundamento no NAFTA, Artigos

1102

favorecida),

(tratamento 1105

nacional),

1103

(nação

mais

mínimo

tratamento),

1106

(padrão

de

(proibição de requisitos de desempenho) e 1110. O laudo10, de 2009, condenou o reclamado ao pagamento de US$ 77.329.240 por haver atuado em desconformidade com os Artigos 1102, 1105 e 1106. No

que

se

refere

à

expropriação,

reafirma

a

necessidade de que a privação da propriedade seja radical, invocando o direito internacional costumeiro e decisões em arbitragens de investimento. No caso, o tribunal afirma que a

empresa

tinha

outros

negócios

no

México,

não

sofreu

qualquer restrição no uso de suas instalações ativos e, porém, não se identificaram quaisquer esforços sérios em buscar

formas

restrição

é

alternativas

apenas

de

temporária

lucro. e,

por

Além

disso,

a

essas

razões,

o

tribunal negou a incidência do Artigo 1110.

10

Laudo disponível em http://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=CasesRH&acti onVal=showDoc&docId=DC1992_En&caseId=C60, consultado em 15 de julho de 2012.

2.6 Vattenfall Em

2011

abandonar

a

o

Parlamento

utilização

Federal

de

energia

da

Alemanha

nuclear

decidiu

até

2022,

iniciando-se a desativação das usinas já em 2011. A partir do anúncio dessa emenda, a 13ª, da Lei de Energia Atômica, várias empresas expressaram sua intenção de buscar soluções judiciais

para

conglomerado

as

de

perdas

energia

sofridas. sueco

Particularmente,

Vattenfall

iniciou

o um

procedimento no ICSID, o qual se encontra nos primeiros passos da formação do tribunal arbitral, sendo denominado Vattenfall AB and others v. Federal Republic of Germany (ICSID Case No. ARB/12/12)11. Embora o valor da compensação pedida não tenha sido divulgado, estima-se que esteja entre 700 milhões de euros até mais de um bilhão (BERNASCONIOSTERWALDER; HOFFMANN, 2012). Não é o primeiro caso iniciado pela Vattenfall contra a Alemanha. Em 2009 a discussão referente à construção de uma usina termoelétrica a carvão em Hamburgo-Moorburg, às margens

do

Elba,

foi

levada

ao

ICSID

(ICSID

Case

No.

ARB/09/6) e teve a arbitragem iniciada, chegando a haver uma

sessão,

em

Paris,

em

setembro

de

2009.

Depois

de

suspenso o procedimento, em 11 de março de 2011 foi emitido o laudo arbitral que incorpora a solução encontrada pelas partes12. A pretensão da reclamante decorreu, também, do TCE e buscou compensação contra o rigor excessivo com que a autoridade ambiental hamburguesa haveria fixado os padrões de qualidade da água, obtendo, no final, uma permissão pautada por um sarrafo mais baixo. (BERNASCONI-OSTERWALDER; HOFFMANN, 2012).

11

Disponível em http://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=GenCaseDtlsR H&actionVal=ListPending, consultado em 15 de julho de 2012. 12 Disponível em http://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet, consultado em 15 de julho de 2012.

2.7 Análise Como se observou inicialmente, a redação do NAFTA, do TCE e de vários BITs poderia levar à compreensão de que qualquer instrumento de política ambiental pudesse gerar dever

de

compensar

em

razão

da

caracterização

de

expropriações regulatórias. A preocupação com uma perda da capacidade

de

legislar

e

administrar,

portanto,

generalizou-se com o resultado do caso Metalclad. Não

obstante,

jurisprudência

as

decisões

arbitral

nelas

analisadas, referida,

bem

como

a

aponta

para

a

limitação da noção de expropriação, interpretada de maneira menos extensiva do que seria possível. Com efeito, em todos os casos referentes ao xarope de milho, considerou-se que não se caracterizou a expropriação em razão do caráter parcial dos efeitos do tributo sobre as companhias e suas atividades.

A

dificilmente

questão poderia

da

limitação

servir

de

dos

base

efeitos, para

porém,

afastar

o

instituto no caso das usinas nucleares da Vattenfall. Por outro lado, fica também claro que não é necessário caracterizar a expropriação para que se gere um diver de indenizar.

Nesse

decorrente

da

sentido,

perda

da

destaca-se

propriedade,

que

a

direitos

compensação ou

outros

ativos é um meio de, sendo impossível ou inadequada a restitutio

in

integrum,

recompor

o

patrimônio

pelo

pagamento de quantia equivalente ao valor de mercado dos bens e direitos. A quebra de outras obrigações, como as de oferecer tratamento nacional e respeitar padrões mínimos, podem implicar o ressarcimento pela redução dos lucros; é nesse sentido que se colocam os laudos dos casos do xarope de milho. Conclusões Os casos internacionais de arbitragem de investimento vem

demonstrando

que

mais

do

sistemas políticos e jurídicos

que

um

substituto

para

nacionais deficientes, a

solução

mista

instrumento

de

controvérsias

alternativo

da

também

afirmação

tem

de

sido

direitos

um das

empresas. No estreito universo de casos analisados, mesmo aqueles que não decidem pela existência de expropriações regulatórias,

encontram

outros

fundamentos

para

a

responsabilização do Estado. Isso, per se, não implica que tais

limites

sejam

incompatíveis demonstram

com

que,

indesejáveis metas

uma

vez

ou

necessariamente

ambientais que

se

razoáveis,

ingressa

no

mas

sistema

APPRIs/arbitragem, é preciso ter maior cautela ao legislar e administrar, pois além da proteção judiciária nacional, passa a haver um novo âmbito de solução de controvérsias. A

jurisprudência

arbitral,

por

seu

turno,

vem

se

mostrando tecnicamente consistente e, nos casos analisados, preocupada em colocar o tema da expropriação em termos mais claros e conservadores. De fato, mesmo que os APPRIs tenham uma estrutura que privilegia a proteção dos investidores e, portanto, a sua aplicação pelos tribunais arbitrais tem sido bem feita, o que, aliás, aponta para uma possível adesão brasileira ao sistema do ICSID como razoável. Por

outro

mostrando

lado,

mais

uma

sensível

nova às

geração

de

APRIs

preocupações

vem

se

ambientais,

buscando não apenas deixar de interferir negativamente, mas servir como instrumento de implementação de estratégias de desenvolvimento que tenham foco no meio ambiente. Nesse sentido, houve transformações no modelo de BIT dos Estados Unidos,

instrumento

multilaterais

e

que

tratados

também de

livre

inspira comércio

os

acordos

americanos,

revisado em 2012. A revisão de instrumentos com grande importância na história dos acordos sobre investimentos, como as Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais, de

1976,

e

as

Diretrizes

da

Câmara

de

Comércio

Internacional para o Investimento Internacional, de 1972,

foram revistas em 2011 e 2012, respectivamente, de maneira a se adequarem mais às demandas ambientais (UNCTAD, 2012). Há, também, adaptações técnicas que podem ser feitas em APPRIs e que dão maior segurança aos Estados: exortação à promoção do desenvolvimento sustentável, esclarecimento da

noção

de

expropriação

regulatória

para

excluir

as

medidas não discriminatórias de boa fé, listas de deveres do Estado associadas ao tratamento justo e equitativo e exceções gerais a respeito de políticas públicas de boa fé, entre outras (UNCTAD, 2012). Ao que parece, portanto, o Direito internacional do investimento estrangeiro tem se direcionado a estruturas mais adequadas à proteção ambiental e à implementação de políticas

públicas,

sem

abrir

mão

de

instâncias

internacionais de solução de controvérsias e, em alguma medida, controle das atividades estatais. Deste modo, se é fato que, até o presente, a atitude cautelosa do Brasil em relação ao sistema APPRIs/ICSID pode ter poupado o país de dissabores e deva ser louvada, devese ter em vista que abrir mão de uma maior e mais ativa participação na construção de um novo Direito internacional do investimento, inclusive com a adesão à Convenção de Washington e a retomada do debate de APPRIs, pode ser uma atitude equivocada.

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