Regulamento de Trabalhos Arqueológicos (Decreto-lei n.º 164/2014, de 4 de Novembro). Versão anotada

June 6, 2017 | Autor: Jacinta Bugalhão | Categoria: Arqueologia, Patrimonio Cultural, Gestão do Património Cultural, Legislação
Share Embed


Descrição do Produto

19 S EGUNDA S ÉRIE | JANEIRO 2015

A RQUEOLOGIA

E

PATRIMÓNIO I NDUSTRIAL

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE

dois suportes... ...duas

revistas diferentes

o mesmo cuidado editorial

revista impressa

Iª Série (1982-1986)

IIª Série (1992-...)

(2005-...)

revista digital em formato pdf

PUBLICIDADE

edições

[http://www.almadan.publ.pt] [http://issuu.com/almadan]

EDITORIAL E-FAITH (European Federation of Associations of Industrial and Technical Heritage), tem em curso uma campanha para celebrar 2015 como Ano Europeu do Património Industrial e Técnico, reunindo várias iniciativas por toda a Europa (ver http://www.e-faith.org). Em Portugal, pode dizer-se que essa celebração já se iniciou em 2014. Em Maio, realizou-se no Porto o II Congresso Internacional sobre Património Industrial, numa iniciativa da Universidade Católica apoiada pela Associação Portuguesa para o Património Industrial (APPI) e pelo The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH). Poucos dias depois, em Junho, coube ao Museu Nacional de Arqueologia e à Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI) organizar em Lisboa uma Jornada de Arqueologia Industrial para reflectir sobre o presente e o futuro da Arqueologia e do Património pré-industriais e industriais. Considerando a oportunidade e a importância da temática, a Al-Madan associa-se a este movimento europeu reunindo em dossiê especial um conjunto de artigos que desenvolve as apresentações à Jornada lisboeta. São contributos certamente relevantes para o indispensável diálogo científico multidisciplinar, no sentido da precisão e clarificação de conceitos, métodos e práticas, com a consequente afirmação da reivindicada especificidade na área das ciências arqueológicas e patrimoniais, tanto nos planos da investigação e da salvaguarda, como nos da valorização, divulgação e sociabilização. Esta Al-Madan impressa dá ainda destaque a reflexões sobre o panorama museológico português e internacional, no que respeita aos museus ditos “tradicionais” e, particularmente, quanto ao presente e futuro que se perspectiva para os ecomuseus, face aos riscos e desafios hoje enfrentados pelas instituições que adoptaram este paradigma museal e atendendo às tendências já identificáveis. Para além de estudos e intervenções recentes de natureza muito diversa, a publicação do novo Regulamento de Trabalhos Arqueológicos merece também o devido destaque, com enquadramento histórico e legislativo, análise e comentários ao documento que estruturará toda a futura actividade arqueológica portuguesa. Em paralelo, ao mesmo tempo que se inicia a distribuição deste volume da Al-Madan impressa, fica também disponível na Internet outro tomo da sua “irmã” mais nova, a Al-Madan Online, com conteúdos diferentes e suplementares em formato digital para acesso generalizado e gratuito (ver http://issuu.com/almadan). Apenas no último semestre, esta solução editorial contabilizou um número de visualizações superior a 210 mil e foi procurada por mais de onze mil leitores de praticamente todos os continentes (a excepção é a Oceania), com destaque natural para os de Portugal, mas com boa expressão também no Brasil e em Espanha. No presente volume impresso ou no tomo digital, as páginas da Al-Madan e da Al-Madan Online estão à sua disposição. Votos de boa leitura...

A

Capa | Jorge Raposo Interior da secção de rebaixar rolhas da fábrica de cortiça Mundet & Cª Lda., no Seixal. Fotografia © Câmara Municipal do Seixal / Ecomuseu Municipal do Seixal - Centro de Documentação e Informação, Rosa Reis, 2004.

II Série, n.º 19, Janeiro 2015 Propriedade | Centro de Arqueologia de Almada, Apartado 603 EC Pragal, 2801-601 Almada Portugal Tel. / Fax | 212 766 975 E-mail | [email protected] Internet | www.almadan.publ.pt Registo de imprensa | 108998 ISSN | 0871-066X Depósito Legal | 92457/95 Impressão | A Triunfadora, Artes Gráficas Ld.ª Publicidade | Elisabete Gonçalves Distribuição | Centro de Arqueologia de Almada

Jorge Raposo

Tiragem | 500 exemplares Periodicidade | Anual Patrocínio | Câmara M. de Almada

Redacção | Vanessa Dias, Ana L. Duarte, Elisabete Gonçalves e Francisco Silva

Parceria | ArqueoHoje - Conservação e Restauro do Património Monumental, Ld.ª

Resumos | Jorge Raposo (português), Luisa Pinho (inglês) e Maria Isabel dos Santos (francês)

Apoio | Neoépica, Ld.ª

Modelo gráfico, tratamento de imagem e paginação electrónica | Jorge Raposo

Director | Jorge Raposo ([email protected])

Revisão | Vanessa Dias, José Carlos Henrique, Fernanda Lourenço e Sónia Tchissole

Conselho Científico | Amílcar Guerra, António Nabais, Luís Raposo, Carlos Marques da Silva e Carlos Tavares da Silva

Colunistas | Amílcar Guerra, Víctor Mestre, Luís Raposo e António Manuel Silva

Colaboram neste número | Telmo António, ArqueoHoje, Jacinta Bugalhão, Ida Buraca, João Luís Cardoso, Sílvia Casimiro, Virgílio Hipólito Correia, Rui Maneira Cunha, Francisco Curate, Jorge Custódio, Susana José Dias, Ana Luísa Duarte, Graça Filipe, Deolinda Folgado, Amílcar Ribeiro Guerra, Fernando Robles Henriques, Lígia Marques, Sandra Marques, Vítor Matos, Víctor Mestre, Nuno Neto, César Oliveira, Mafalda Sofia Paiva, Rui Pinheiro, Eduardo Porfírio, Paulo Oliveira

Ramos, Jorge Raposo, Luís Raposo, Paulo Rebelo, Sérgio Rosa, Jorge Russo, Raquel Santos, João Luís Sequeira, Miguel Serra, António Manuel Silva, Sofia Silva, Ana Tavares, Ricardo Triães e Hugues de Varine Por opção, os conteúdos editoriais da Al-Madan não seguem o Acordo Ortográfico de 1990. No entanto, a revista respeita a vontade dos autores, incluindo nas suas páginas tanto artigos que partilham a opção do editor como aqueles que aplicam o dito Acordo.

3

ÍNDICE EDITORIAL CURTAS

ARQUEOCIÊNCIAS

...3

Mortalidade Infantil na Ermida do Espírito Santo (Almada): entre o afecto e a marginalização | Francisco Curate, Fernando Robles Henriques, Sérgio Rosa, Vítor M. J. Matos, Ana Tavares e Telmo António ...68

...6

CRÓNICAS

DE …

PRÉ-HISTÓRIA ANTIGA | Luís Raposo ...8

ARQUEOLOGIA CLÁSSICA | Amílcar Guerra ...12 ARQUEOLOGIA PORTUGUESA | António Manuel S. P. Silva ...15

HISTÓRIA DA ARQUEOLOGIA PORTUGUESA

PATRIMÓNIO | Victor Mestre ...19 Cinquenta Anos Depois: Abel Viana e a Arqueologia portuguesa | João Luís Cardoso ...159

OPINIÃO Que Futuro Para os Ecomuseus? | Graça Filipe e Hugues de Varine ...21 Museu: a Fénix sempre renascida | Luís Raposo ...37 Regulamento de Trabalhos Arqueológicos (Decreto-lei n.º 164/2014, de 4 de Novembro): versão anotada | Jacinta Bugalhão ...40

NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO ArqueoHoje, Conservação e Restauro do Património Monumental | ArqueoHoje ...169

ARQUEOLOGIA Neoépica, Ld.ª: principais intervenções em 2013 | Nuno Neto, Paulo Rebelo e Raquel Santos ...170

Escavação Arqueológica do Alambor do Castelo Templário de Tomar: arranjo urbanístico da envolvente ao Convento de Cristo | Susana José G. Dias ...49

Projeto Arqueológico do Outeiro do Circo (Beja): campanha de 2014 | Miguel Serra, Eduardo Porfírio e Sofia Silva ...172 Arqueologia Preventiva: um exemplo na Zona de Proteção Especial do Mosteiro de Pombeiro | Rui Pinheiro ...59

Análises Químicas de Ânforas Identificadas em Conimbriga | César Oliveira, Ida Buraca, Virgílio Hipólito Correia e Ricardo Triães ...175 LIVROS

4

II SÉRIE (19)

JANEIRO 2015

...177

RECORTES

...178

dossiê

ARQUEOLOGIA E PATRIMÓNIO INDUSTRIAL (Um)a História da Expressão “Arqueologia Industrial” | Paulo Oliveira Ramos ...76

O Território e o Tempo da Arqueologia Industrial. Intervenção e investigação: realidades de hoje, perspectivas de futuro | Jorge Custódio ...80

Arqueologia Industrial: fontes, métodos e técnicas | Rui Maneira Cunha ...96 Os Moinhos da Boa Sentença (Oeiras): arqueologia e salvaguarda | Sílvia Casimiro e Sandra Marques ...106 A Fábrica de Azeite de Purgueira da Quinta da Alorna, em Almeirim | João Luís Sequeira ...112

A Tecnologia do Vapor Naval Como Contributo Para a Arqueologia Náutica e Subaquática | Jorge Russo ...124

Conjunto de artigos que dão sequência às intervenções proferidas na “Jornada de Património Industrial” promovida pela Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI) no dia 19 de Junho de 2014. Numa organização conjunta com o Museu Nacional de Arqueologia, a Jornada reuniu neste último especialistas nacionais e permitiu tratar aspectos teóricos e estudos de caso nas áreas da Arqueologia e Património industriais.

Património Industrial: um património para os tempos modernos | Deolinda Folgado ...134 O Projecto do Museu da Levada de Tomar: a musealização como processo de salvaguarda de Património técnico e industrial | Graça Filipe ...137

O Museu Metalúrgica Duarte Ferreira: da inovação industrial à preservação do legado | Lígia Marques ...147

A Ilustração Científica Como Forma de Promoção do Património Industrial | Mafalda Sofia Paiva ...153

5

OPINIÃO

RESUMO Comentário à recente publicação do novo Regulamento de Trabalhos Arqueológicos a vigorar em Portugal (Decreto-Lei, n.º 164/2014, de 4 de Novembro), que actualiza documento legal de 1999. Enquanto técnica envolvida no processo, a autora faz uma breve retrospectiva das várias fases de revisão, com o propósito de as documentar historicamente. Apresenta ainda algumas anotações ao diploma. PALAVRAS CHAVE: Arqueologia; Legislação do património.

Regulamento de Trabalhos Arqueológicos (Decreto-lei n.º 164/2014,

ABSTRACT Comments on the recent publication of the new Rules and Regulations of Archaeological Work in Portugal (Law No. 164/2014, of 4 November), which updates the 1999 legislation. As an expert working in the field, the author traces a brief retrospective of the different revision phases and documents them historically. She also presents some annotations to the law.

de 4 de Novembro)

versão anotada

KEY WORDS: Archaeology; Legislation on Heritage.

Jacinta Bugalhão I

RÉSUMÉ Commentaire sur la récente publication du nouveau Règlement des Travaux Archéologiques en vigueur au Portugal (Décret-Loi, n°164/2014, du 04 novembre), qui actualise le document légal datant de 1999. En tant que technicienne intégrée par le processus, l’auteure fait une brève rétrospective des différentes phases de révision, avec le propos de les documenter historiquement. Elle présente également certaines annotations au diplôme. MOTS CLÉS: Archéologie; Législation du Patrimoine.

o culminar de um longo processo de revisão, foi publicado a 4 de Novembro de 2014 o novo Regulamento de Trabalhos Arqueológicos (RTA). Pretende-se com este artigo fazer uma breve retrospectiva do processo de revisão, com o propósito de a documentar historicamente e apresentar algumas anotações ao diploma legal. Importante é salientar que, quer o historial do processo de revisão, quer as “anotações” ao próprio RTA, são de natureza estritamente pessoal, não se pretendendo, aqui, nem fixar a história, nem impor doutrina. Atendendo ao meu profundo envolvimento em fases substantivas essenciais da redacção deste regulamento, não seria possível, nem correcta, uma apreciação distanciada. Em contrapartida, considera-se ser de alguma utilidade a descrição do processo legislativo, nomeadamente da sua “etapa técnica”, pois trata-se de um exercício que contribui para a contextualização do resultado final, permitindo a sua compreensão e o escrutínio mais fundamentado. Mas, principalmente, poderá ser proveitosa uma explicação mais desenvolvida do articulado do RTA, efectuada pelo legislador, neste caso, por uma das suas “autoras morais”.

N

ANTECEDENTES

I Direção-Geral do Património Cultural, UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

40

II SÉRIE (19)

JANEIRO 2015

Em Portugal, o Estado assume um papel fundamental na salvaguarda do Património arqueológico, em consequência do reconhecimento do seu interesse público. Os contornos dessa função foram evoluindo ao longo dos tempos, mas consolidaram-se na persistência de um conjunto de atribuições e competências que, em conjunto, se consubstanciam na “tutela arqueológica”. Esta tutela é exercida pela administração pública (central, regional e local), tendo os modelos de distribuição e organização destas competências variado ao longo do tempo.



A regulamentação

da actividade arqueológica (conjuntamente com o inventário, a gestão dos espólios, o apoio à investigação), é um elemento essencial da



Trata-se portanto de uma tutela essencialmente administrativa, submetida evidentemente aos respectivos órgãos de soberania (governo, governo regional, autarquia), que asseguram a tutela política. A regulamentação da actividade arqueológica (conjuntamente com o inventário, a gestão de espólios, o apoio à investigação), logo, os documentos legais que a concretizam, é um elemento essencial da construção do conceito de “tutela arqueológica”. Sem pretender ser exaustiva, num assunto que não poderá aqui ser objecto do devido aprofundamento, datará de 1932 o primeiro esboço de regulamento, que refere: a cientificidade da actividade arqueológica, a obrigatoriedade de obter autorização oficial para realizar escavações, a qualificação de quem as dirige, a sua fiscalização por parte do Estado, o destino do espólio, a carta arqueológica nacional, e também algo semelhante com a reserva (ou prioridade) científica. Ou seja, de uma assentada, em sete artigos e muito poucas linhas, quase tudo o que ainda hoje interessa na regulação da actividade arqueológica pela tutela. Em 1960 é publicado o primeiro regulamento propriamente dito (embora ainda sem esse epíteto), no qual se pormenorizam as exigências académicas e curriculares impostas ao director dos trabalhos (a “direcção” dos trabalhos é claramente referida) e da equipa, e se fixa a obrigatoriedade de entrega de um relatório. Em 1965, surge a primeira referência na lei ao financiamento organizado da actividade arqueológica, o “plano nacional de escavações e trabalhos arqueológicos”. Como é do conhecimento geral, data de 1978 a publicação do primeiro RTA assim titulado. Este diploma densifica os conceitos anteriormente esboçados e regulamenta do ponto de vista da tramitação processual a actividade arqueológica e as relações entre os seus intervenientes e o Estado. Inclui as primeiras referências legais à publicação dos resultados dos trabalhos arqueológicos e à conservação dos sítios “pós-intervenção”. Em 1979, é publicada uma alteração a este RTA/78, na qual são diferenciados os relatórios preliminares e finais. O RTA/78 vigorou até 1999 e foi um dos principais instrumentos de consolidação da actividade arqueológica e da definição da profissão de arqueólogo, como hoje as conhecemos. Em 1982, o Estado Português ratificou a Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico, redigida em Londres em 1969, que inclui referências aos princípios a respeitar na regulamentação da actividade arqueológica, que Portugal já genericamente cumpria através da implementação dos diplomas anteriormente referidos. A criação do Instituto Português de Arqueologia (IPA), em 1997, despoleta a definição de um novo modelo de gestão fortemente marcado pelas orientações da Arqueologia preventiva e que se consubstanciou num conjunto de diplomas legais: em 1997, a ratificação da Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico (Malta, 1992), a regulação da actividade arqueológica em meio subaquático e a regulação das carreiras de pessoal específicas da área funcional de Arqueologia; em 1999 a revisão do RTA; em 2001, a revisão da Lei de Bases do Património Cultural. Assim, no RTA/99, a

construção do conceito de

«tutela arqueológica».

perspectiva da Arqueologia preventiva é dominante, pretendendo-se “acautelar a salvaguarda e estudo do património arqueológico ameaçado por intervenções humanas de diversa natureza e dimensão, que passa, assim, a merecer atenção prioritária” (Decreto-Lei n.º 270/99, de 15 de Julho, preâmbulo). Outros objectivos igualmente enunciados são a desburocratização, o incentivo à interdisciplinaridade, a conservação dos sítios arqueológicos e dos espólios recolhidos, o estudo e publicação dos resultados dos trabalhos arqueológicos. Os efeitos concretos da “estratégia IPA” já foram explicitados em trabalho anterior (BUGALHÃO, 2011), importando contudo salientar o carácter eminentemente programático deste conjunto legislativo e, nomeadamente, do RTA/99. Tratou-se de um regulamento com um propósito: alterar a realidade de acordo com um programa teórico que se pretendia implementar – a Arqueologia preventiva (RAPOSO, 1997). Como (um dos) instrumento(s) estratégico(s), pode afirmar-se que o RTA/99 foi bem sucedido: a actividade arqueológica no final do século XX alterou-se muito significativamente, quer a nível quantitativo, quer a nível qualitativo. Esta capacidade de alteração da realidade que regulamentava tornou-se contudo a razão da desqualificação do RTA/99 como instrumento regulamentador. Ou seja, a alteração da realidade foi de tal forma profunda que o RTA/99 se tornou, rapidamente, desajustado, insuficiente, na opinião de alguns, obsoleto. A criação superou o criador e o clamor exigindo a revisão do RTA/99 instalou-se na comunidade arqueológica (principalmente nos sectores da Arqueologia por contrato e empresarial, crescentemente predominante), escassos anos após o início da sua vigência. Interessa contudo referir que, embora o objectivo primeiro do RTA/ /99 – implantação generalizada de procedimentos de Arqueologia preventiva – se possa considerar grosso modo alcançado, os restantes e

41

OPINIÃO não menos relevantes, permaneceram em grande parte por cumprir: a qualificação científica da actividade arqueológica, a implementação da investigação e publicação associadas e decorrentes dos trabalhos arqueológicos e a gestão de espólios são áreas de concretização muito discutível do RTA/99, não obstante as evoluções positivas verificadas. Por outro lado, o objectivo algo subliminar e latente do diploma, a “moralização” do sistema, também ficou aquém das expectativas, igualmente mercê do enorme crescimento da actividade arqueológica. Aumentou o sentimento de igualdade perante a lei; as regras eram mais claras e pendiam sobre todos. Mas o incumprimento das normas constantes no RTA/99 é permanente e quase generalizado (BUGALHÃO, 2011: 23-24) e as sucessivas administrações competentes têm optado (eventualmente bem) por não assumir um papel excessivamente sancionatório ou punitivo (ou a tal estão constrangidas pelas suas próprias limitações). Para além disso, o exercício das funções de tutela que no quadro do RTA/99 estão acometidas aos órgãos da administração pública central – inventário, licenciamento, fiscalização, gestão e conservação de espólios, apoio à investigação – sofreu nos últimos dez anos inúmeros ataques, quer no sentido da sua desestruturação, quer no enfraquecimento dos recursos ao seu dispor (BUGALHÃO, 2013). Tome-se por exemplo o caso do Inventário: como pode o Estado punir os incumpridores, com respeito pelo princípio da equidade, se não possui forma, nem instrumentos para, de forma exacta e permanente, saber quem são e em que grau o são? Por essa razão, durante muito tempo, e embora reconhecendo justeza na reivindicação, considerou-se que mais importante que rever o RTA/99 seria dar-lhe devido cumprimento… Desde os primeiros anos de vigência do RTA/99 até à sua revogação em 2014, e como forma de colmatar as suas insuficiências, o IPA e mais tarde o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR) e a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), foram emitindo (e publicitando nos seus sites oficiais) “circulares” destinadas aos arqueólogos. Embora muito contestadas por alguns sectores devido à sua alegada ilegalidade, estes documentos, para além de cumprirem uma função de informação, explicitação e pormenorização da visão da tutela sobre os diplomas legais em vigor, constituem elementos relevantes para a compreensão das lacunas regulamentares sentidas e, logo, para aspectos relevantes a abordar no processo de revisão do RTA.

HISTÓRIA

DE UMA REVISÃO

FASE 1 As primeiras reflexões sobre a revisão do RTA/99 terão ocorrido no IPA entre 2003 e 2005 (REAL e ALFARO, 2006). Num trabalho informal e infelizmente não documentado no Arquivo da Arqueologia

42

II SÉRIE (19)

JANEIRO 2015

Portuguesa, a então Direcção do IPA, Fernando Real e Catarina Tente, recorrendo aos contributos dos vários sectores técnicos do Instituto (Extensões, Inventário, Avaliação de Impacto Ambiental, Gabinete Jurídico) e também a alguns contributos espontâneos, nomeadamente de empresas de Arqueologia, elaboraram um primeiro documento de trabalho. Este documento, de natureza ainda muito preliminar e bruta, está, na sua estrutura, muito colado à redacção do RTA/99. No entanto, inclui já referências aos problemas essenciais que se vinham sentido, nomeadamente: os requisitos académicos para a direcção de trabalhos arqueológicos no contexto do processo de Bolonha, o alargamento da responsabilidade dos trabalhos arqueológicos para pessoas colectivas, o enquadramento dos trabalhos de âmbito académico (mestrados e doutoramentos), a compatibilização entre a Arqueologia preventiva e de investigação, a prioridade científica, a segurança e os acidentes de trabalho, o sancionamento de incumprimentos do RTA. Incluía ainda a clarificação de aspectos processuais como: renúncia à direcção de trabalhos, distinção entre relatórios de progresso, preliminares e finais, elementos de relatórios específicos de trabalhos no âmbito de avaliação de impacto ambiental (AIA) ou subaquáticos, imposição de prazos para apreciação de relatórios (e não apenas para a sua entrega), disponibilização pública dos relatórios. Este processo não teve desenvolvimento significativo, tendo ficado “na gaveta” provavelmente devido ao contexto relacionado com a desagregação da estrutura IPA. FASE 2 Em Outubro de 2008, o Subdirector do então IGESPAR, João Pedro Ribeiro, retoma o processo de revisão do RTA/99. Apoiado por João Muralha (Chefe de Divisão), Ana Carvalho Dias (assessora) e Leonor Alfaro (jurista), trabalham sobre o documento anterior e produzem uma versão que é colocada a consulta e discussão das entidades interessadas em Janeiro / Fevereiro de 2010. Esta segunda versão, embora mais trabalhada, não se distingue significativamente da anterior. Contudo, introduz alguns elementos novos: primeiro esboço de tipificação das entidades que intervêm na actividade arqueológica (que contratam, que são contratadas ou subcontratadas, que enquadram), papel dos cadernos de encargos, tentativa de reinstauração da revista Informação Arqueológica. O elemento mais curioso neste documento é a inadequada tentativa de resolução, no âmbito do RTA, da confusão de competências entre o IGESPAR e as Direções-Regionais de Cultura (DRC) implantada pela reforma orgânica do sector do Património cultural do Estado, em 2007. Conforme foi referido, esta versão do RTA revisto foi posta à discussão das entidades interessadas no início de 2010. Nesta fase, João Pedro Ribeiro foi coadjuvado por Maria Miguel Lucas (assessora). Foi contactado um conjunto muito alargado de entidades, estando registadas participações, formais e informais, das DRC, Instituto dos Mu-

seus e da Conservação, Associação Profissional de Arqueólogos, Associação dos Arqueólogos Portugueses, universidades do Minho, Porto, Coimbra, Lisboa, Nova de Lisboa, Évora e Algarve, Instituto Politécnico de Tomar e algumas empresas de Arqueologia (Arqueohoje, Crivarque, Dryas, Era, Archeoestudos e Arqueologia e Património), bem como um conjunto alargado de arqueólogos que também se pronunciaram informalmente. Não é possível aqui explicitar o conteúdo de cada um destes contributos (alguns dos quais públicos: ASSOCIAÇÃO…, 2010), muito díspares e frequentemente discordantes entre si. FASE 3 Na posse de todos estes contributos, durante os meses de Março a Junho de 2010, prosseguiram os trabalhos de revisão. Paralelamente à elaboração de uma “versão perdida” e rapidamente descartada (em que o RTA era transformado numa espécie de “constituição da Arqueologia portuguesa” que tudo definia e tudo abrangia, em que declarações de princípio se misturavam com definições estratégicas muito discutíveis), por iniciativa de João Muralha, foi envolvido neste processo um conjunto de arqueólogos da então Divisão de Arqueologia Preventiva e de Acompanhamento (DAPA): Ana Martins, Gertrudes Zambujo, José Correia, Manuela Deus, Pedro Barros, Samuel Melro e Sandra Lourenço. Estes técnicos, todos eles profundamente envolvidos na gestão quotidiana da actividade arqueológica desenvolvida essencialmente pelas Extensões Territoriais do IPA / IGESPAR, recorrendo à sua muito vasta experiência e reflexão acumuladas, elaboraram uma nova e muito válida versão do RTA. Nesta fase, no que respeita aos requisitos curriculares pós-Bolonha para a direcção de trabalhos, é abandonada a visão hierarquizada dos trabalhos arqueológicos: para dirigir qualquer tipo de trabalho é exigido o 2.º ciclo de estudos. É pela primeira vez introduzido o conceito de divulgação de resultados dirigida ao público em geral. São aprofundadas e explicitadas as implicações da renúncia à direcção científica, as regras de depósito de espólio e de organização das colecções. São definidos com clareza os objectivos, prazos e conteúdos dos relatórios preliminares, de progresso e finais. Neste momento, ocorre a minha primeira colaboração significativa neste processo, por iniciativa de João Muralha e com concordância de João Pedro Ribeiro. De salientar ainda os contributos de João Marques e Alexandra Estorninho. Sobre a “versão das extensões”, e tendo sempre em consideração os contributos da discussão pública, o RTA foi reorganizado e complementado com novos conceitos e normas de clarificação. A figura de direcção científica, com todos os seus direitos e deveres, foi claramente estendida às fases subsequentes ao trabalho de campo, nomeadamente à publicação e depósito do espólio. Foi esclarecido em definitivo o carácter solidário e não hierarquizado da co-direcção científica.

Foi introduzido o conceito de adequação curricular à direcção de cada trabalho arqueológico específico. É proposta a criminalização da realização de trabalhos arqueológicos sem autorização. Foi elaborado o artigo sobre a reserva científica e suas interconexões com os projectos de investigação. Foi plasmada uma definição abrangente de espólio arqueológico. Foi introduzido um novo artigo relativo aos trabalhos arqueológicos de investigação programada, que vingou e que constitui o cerne da actual regulação destes (Circular n.º 1/ /2012). Foram fixados os conceitos de entidade contratante e enquadrante e esclarecida a responsabilidade sobre a segurança durante os trabalhos. Foram harmonizados os prazos relativos à entrega de relatórios, publicação de resultados, depósito e incorporação de espólio e reserva científica, conforme as categorias de trabalhos. Foi proposto um regime tendencialmente livre de disponibilização pública dos relatórios após a sua aprovação, que não resistiu às fases posteriores. Esta “terceira versão” é ainda sujeita, em Junho de 2010, a revisões na DAPA / IGESPAR com alterações de pormenor somente, sendo remetida para o Gabinete do Secretário de Estado da Cultura (SEC), no qual decorreu um processo de revisão jurídica até Outubro do mesmo ano. Este processo terá sido bloqueado pela inexistência de um processo legal de credenciação de empresas de Arqueologia. Em Junho de 2011, João Pedro Ribeiro, antes de abandonar funções no IGESPAR, remete oficialmente a sua proposta de revisão do RTA para o Gabinete do SEC. Contudo, o contexto político não era propício, os obstáculos mantinham-se e o processo não teve seguimento. FASE 4 A revisão do RTA é retomada apenas em Outubro de 2012 por iniciativa da então Subdirectora da DGPC, Ana Catarina Sousa, a partir da versão de Maio de 2010. Os trabalhos de revisão foram assegurados pela signatária e por Leonor Alfaro (jurista), sob a supervisão de Ana Catarina Sousa. O texto é novamente sujeito a revisão, uniformização de redacção, explicitação de conceitos e terminologia, num esforço de simplificação e clarificação. O principal contributo desta fase foi sem dúvida a solução encontrada para a definição dos requisitos académicos para a direcção científica, no contexto do processo de Bolonha. Nesta fase, também é redigido o preâmbulo que expõe a fundamentação e contextualização do RTA proposto, com destaque para a caracterização da actividade arqueológica como forma maior de produção de conhecimento histórico e para a necessidade de promover e até impor padrões elevados de exigência científica. Salienta-se também a intenção de inclusão do RTA no conjunto de instrumentos e infra-estruturas ao dispor do Estado e dos cidadãos para a gestão do Património arqueológico, com referências ao sistema Endovélico, ao Arquivo da Arqueologia Portuguesa, à Biblioteca de Arqueologia, à Revista Portuguesa de Arqueologia e à série monográfica Trabalhos de Arqueologia.

43

OPINIÃO FASE 5



O RTA/2014 contém na sua natureza e motivação uma diferença significativa relativamente ao seu antecessor. Trata-se de um regulamento reactivo e pragmático, por contraposição ao carácter programático,



estratégico e prospectivo do RTA/99.

Outro aspecto fundamental nesta fase, embora apenas ao nível da formalização, foi a introdução da submissão electrónica dos pedidos de autorização para trabalhos arqueológicos, via Portal do Arqueólogo, em funcionamento desde 2012. O Portal do Arqueólogo foi um passo decisivo para a desburocratização, aumento de eficiência e eficácia no licenciamento de trabalhos arqueológicos, especialmente num panorama tão pouco propício de dispersão de competências por várias entidades. Só o Portal do Arqueólogo tem permitido que as autorizações tácitas não sejam uma realidade total! Só se lamenta, por um lado, que a plataforma não esteja associada digitalmente ao sistema Endovélico (o que aumentaria muito as suas potencialidade na gestão da informação) e, por outro, que funcione como uma front page do mesmo Endovélico, apagando a sua existência autónoma, nomeadamente ao nível dos conteúdos disponíveis online. A versão do RTA resultante desta fase dos trabalhos de revisão foi colocada à consulta e discussão das DRC em Dezembro de 2012, para além de consultas informais a arqueólogos da DGPC e a esta exteriores. Em Janeiro de 2013, mais uma vez em véspera de abandono de funções na DGPC, Ana Catarina Sousa remete a sua proposta de revisão do RTA para o Gabinete do Secretário de Estado da Cultura. Até Março de 2013 decorre a apreciação jurídica do diploma no Gabinete do SEC, sendo submetido ao órgão legislativo (neste caso, ao Gabinete do Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares), em Junho de 2013.

44

II SÉRIE (19)

JANEIRO 2015

E FINAL

Na Presidência do Conselho de Ministros, em Junho de 2013, inicia-se o processo de circulação do diploma (consulta junto dos gabinetes ministeriais) que decorreu até Agosto de 2014. Esta fase foi acompanhada por Maria Catarina Coelho, Directora de Bens Culturais da DGPC, coadjuvada por Leonor Alfaro (jurista) e Filipa Neto (arqueóloga). Refira-se também o acompanhamento permanente de juristas do Gabinete do SEC, nomeadamente de Filipe Serra. No processo de circulação participaram a Secretaria de Estado do Mar, a Agência para a Modernização Administrativa, a Secretaria de Estado do Tesouro, a Secretaria de Estado do Ensino Superior e a Comissão Nacional para Protecção de Dados (por solicitação da DGPC). No cômputo geral, não foram relevantes as alterações produzidas nesta fase. Ocorreram consideráveis alterações formais que indiciam alguma insipiência do discurso jurídico da proposta apresentada. Foram introduzidas definições (opção ponderada mas afastada nas fases anteriores do processo), infelizmente com pequenas imprecisões. Caem a obrigatoriedade de associação ao Endovélico do futuro repositório digital de relatórios e a possibilidade de criminalização das intervenções não autorizadas. Cai também a autonomia das DRC na apreciação de relatórios preliminares e de progresso, até aqui praticada (Circular da DGPC, 2012-08-16). É introduzida uma referência aos elementos legalmente exigidos “em matéria de ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional” para trabalhos arqueológicos em meio subaquático, que peca por falta de clareza. Um pouco mais gravosas são as introduções da obrigatoriedade de apresentação do consentimento prévio da Direção-Geral do Tesouro e Finanças para os trabalhos realizados em “propriedade do Estado”, e de comunicação pela DGPC ao proprietário do terreno e “demais interessados” dos resultados dos trabalhos arqueológicos. Em ambos os casos são imposições absurdas (só congemináveis por alguém que desconheça em absoluto a actividade arqueológica e a sua gestão), mas principalmente inúteis, burocratizantes e inoperantes. Após este longo processo, o novo RTA é aprovado em Conselho de Ministros a 11 de Setembro, promulgado pelo Presidente da República em 28 de Outubro, e publicado em Diário da República em 4 de Novembro de 2014. Entrou em vigor cinco dias depois.

RTA,

VERSÃO ANOTADA

O RTA/2014 contém na sua natureza e motivação uma diferença significativa relativamente ao seu antecessor. Conforme Ana Catarina Sousa bem referiu e fundamentou (SOUSA, 2013) e o preâmbulo do diploma refere, este regulamento surge na sequência das significativas alterações da realidade arqueológica portuguesa ocorridas nos últimos 15 anos. Trata-se portanto de um regulamento reactivo e pragmático, por contraposição ao carácter programático, estratégico e prospectivo



Genericamente,

o RTA/2014 é um bom regulamento, alicerçado num correcto diagnóstico e com propostas no sentido de uma



do RTA/99. No mesmo sentido, convém também sublinhar que o RTA/2014, ao contrário do anterior, está solidamente baseado numa prática concreta de gestão da actividade arqueológica. Concorde-se mais ou menos com as soluções encontradas, este RTA decorre da experiência da tutela e dos arqueólogos portugueses – os seus autores – durante a vigência do regulamento anterior. Com base num diagnóstico bastante exacto da realidade, que está feito, pretende-se encontrar respostas eficazes, mas difíceis e nada óbvias. Acresce que a realidade é dinâmica e está a mudar: desde 2011 a actividade arqueológica, o número de arqueólogos e de empresas de Aarqueologia regridem consistentemente. Será que redigimos um RTA que, à semelhança do anterior, está condenado à rápida desactualização? Creio que não, pois, como já foi referido, grande parte do programa do RTA/99 permaneceu por cumprir e é retomado e especificado na nova redacção: questões como o cumprimento das obrigações regulamentares por parte dos arqueólogos (e agora também entidades contratantes e enquadrantes), o défice de investigação e publicação científica, a gestão ordenada e sustentada de espólio e colecções, etc. Ainda no preâmbulo, a referência a “…maior exigência da tutela sobre a gestão da atividade arqueológica, dos padrões de qualidade dos registos e da interpretação e divulgação dos resultados da intervenção”, deve ser interpretada como um objectivo de princípio, que pretende fixar um projecto de intenções, mas de concretização difícil no quadro da desestruturação e dispersão das funções de tutela e do desinvestimento público, com consequências transversais nas infra-estruturas públicas da gestão da actividade arqueológica. Por outro lado, a qualidade da actividade arqueológica depende de muitos factores exógenos ao RTA e até à tutela. A capacidade da tutela para impor o cumprimento deste RTA é, como se sabe, muito limitada. A definição de prazos de apreciação de relatórios é uma das boas novidades relativamente ao aumento de exigência e rigor. A resposta das entidades contratantes e enquadrantes a uma maior responsabilização em todas as fases da actividade arqueológica é uma incógnita. Parte significativa do sector empresarial defendia soluções mais radicais para o papel das empresas de Arqueologia, nomeadamente o acesso à titularidade / responsabilidade sobre os trabalhos arqueológicos. Preferiu-se uma solução de compromisso, que carece agora de “teste em produção” para aferir da sua eficácia. A menção às áreas do “ambiente, do ordenamento do território ou da reabilitação urbana” sublinha a sua maior relevância estratégica na actividade arqueológica actual, com provável persistência no futuro. São estas as linhas fundamentais da sustentabilidade da Arqueologia e da profissão de arqueólogo, no futuro próximo. Por fim, merece menção a intenção de suprir uma falha claramente diagnosticada: este RTA pretende associar à actividade arqueológica a obrigação de divulgação, sensibilização e educação patrimonial, dirigidas ao público em geral, não especializado, enfim, ao todo social. Genericamente considera-se o RTA/2014 um bom regulamento, alicerçado num correcto diagnóstico e com propostas no sentido de uma

melhor funcionalidade do sistema de gestão.

melhor funcionalidade do sistema de gestão. Procurou-se e, na opinião da signatária, conseguiu-se um documento claro, com poucas áreas cinzentas [ver RTA/2014: versão anotada nas páginas seguintes]. Sejamos realistas, para os problemas mais complexos, dificilmente as soluções regulamentares são óbvias ou fáceis. Por outro lado, sabe-se que leis boas não resolvem tudo. É necessário que a sua aplicação seja determinada, assertiva, consistente por parte de quem promove, a tutela. É igualmente importante que o “público-alvo”, neste caso e em primeiro lugar a comunidade arqueológica, se identifique com o RTA e adira às suas propostas.

BIBLIOGRAFIA ASSOCIAÇÃO Profissional de Arqueólogos (2010) – Revisão do Regulamento de Trabalhos Arqueológico. Comentário à proposta de revisão do RTA enviada pelo IGESPAR em 29 de Janeiro de 2010. Disponível em file:///F:/DGPC/RTA_2012/ Publica%C3%A7%C3%A3o/APA_Rev_RTA_2010.pdf (acedido em 2014-11-08). BUGALHÃO, Jacinta (2011) – “Os Desafios da Arqueologia Portuguesa nas Últimas Décadas”. Arqueologia e História. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses. 60-61: 19-43, Dossiê “Materiais para um Livro Branco da Arqueologia Portuguesa”. BUGALHÃO, Jacinta (2013) – “A Arqueologia na Nova Orgânica do Património Cultural”. Arqueologia e História. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses. 62-63: 147-151. CIRCULAR n.º 1/2012 de 7 Setembro. Projetos de Investigação Plurianual de Arqueologia. Direção-Geral do Património Cultural. Disponível em http://www.patrimoniocultural.pt/static/data/patrimonio_arqueologico/ circular_n_1.pdf (acedido em 2014-11-08). RAPOSO, Jorge (1997) – “Instituto Português de Arqueologia. Entrevista com João Zilhão”. Al-Madan. Almada. II Série. 6: 78-98. REAL, Fernando e ALFARO, Leonor (2006) – “Legislação e Regulamentos em Preparação em 2005”. Praxis Archaeologica. Associação Profissional de Arqueólogos. 1: 9-13. Disponível em http://www.aparqueologos.org/ (acedido em 2014-11-08). SOUSA, Ana Catarina (2013) – “A Revisão do Regulamento de Trabalhos Arqueológicos e os Contextos Sociais da Arqueologia Portuguesa no Século XXI: uma breve reflexão”. Revista Património. Lisboa: Direção-Geral do Património Cultural. 1: 36-42.

45

Regulamento de Trabalhos Arqueológicos (RTA) 2014 versão anotada Artigo 2.º (definições) Foram introduzidas algumas imprecisões: a entidade enquadrante não pode ser uma entidade individual (uma pessoa); no Portal do Arqueólogo refere-se a alegada integração dos dados do Endovélico, quando o Portal funciona, no máximo, com interface; na Reserva científica verifica-se contradição entre a definição e o n.º 6 do artigo 10.º sobre o mesmo assunto. A entidade contratante é um conceito relativamente claro: refere-se a qualquer pessoa ou instituição que despolete, tome a iniciativa e, frequentemente, suporte financeiramente, o trabalho arqueológico. A entidade enquadrante é a instituição, pública ou privada, que assume a gestão e a organização da intervenção arqueológica, apoiando o arqueólogo na sua tarefa de direcção científica. Pode ser uma empresa de Arqueologia, uma unidade de investigação, uma autarquia, uma associação, etc. É fundamental esclarecer que nem uma nem outra figura são indispensáveis à realização de trabalhos arqueológicos. Embora pouco frequentes, continuam a executar-se trabalhos em que não existem nem entidade contratante, nem enquadrante. Artigo 3.º (categorias) Grosso modo reproduz o modelo anterior. A categoria B integra agora todos os trabalhos de valorização e conservação e restauro de sítios arqueológicos, classificados ou não. A categoria C integra agora também as acções de manutenção e conservação regular de sítios arqueológicos “expostos”. Embora por vezes estes trabalhos aparentem, pela sua simplicidade, dispensar o enquadramento na figura legal de trabalho arqueológico, a verdade é que, frequentemente, pelo seu grau de intrusão, reúnem todas as características para entrar no âmbito de vigência do RTA. Artigo 4.º (requisitos para direcção de trabalhos arqueológicos) Já foi referida a adaptação ao modelo de Bolonha através da definição do grau de mestre (2.º ciclo) como habilitação mínima. A única excepção refere-se à direcção de trabalhos não intrusivos, por mestrando ou doutorando, em co-direcção com

46

II SÉRIE (19)

JANEIRO 2015

arqueólogo habilitado (o orientador, ou outro) em contexto de trabalho académico. Para além da exigência genérica do 2.º ciclo, foi ultrapassada a questão da área científica do curso (ou da sua denominação), remetendo os requisitos para a fixação de um número determinado de créditos curriculares (ECT) na área científica de Arqueologia. Esta solução, conformada com o espírito de Bolonha, confere liberdade de formação e a construção de currículos multidisciplinares ou especializados aos futuros arqueólogos, que, contudo, sabem exactamente que formação académica precisam de receber se pretendem futuramente dirigir trabalhos arqueológicos. Mantêm-se os requisitos anteriormente estabelecidos para os detentores de habilitação anteriores ao processo de Bolonha e para os detentores de direcções científicas anteriores. Quanto à experiência comprovada de trabalho de campo, é para todos e fixada em 120 dias (para um mestre, cerca de um mês por ano de formação académica). A direcção científica está absolutamente vedada a quem não possua grau académico superior. No processo de revisão caiu a norma que permitia à administração a avaliação de casos que não se enquadrassem no articulado, pelo que poderão verificar-se situações de vazio legal para detentores de habilitações antigas e/ou obtidas em país estrangeiro. A introdução do conceito de adequação curricular à direcção de cada trabalho arqueológico específico formaliza uma prática anterior que se refere à contextualização da apreciação curricular em função das realidades arqueológicas em causa. Um currículo pode ser considerado adequado à direcção de um trabalho, mas não necessariamente de qualquer trabalho arqueológico. A apreciação é feita pelas entidades de tutela (actualmente, DGPC e DRC). Artigo 5.º (direcção científica) Com a introdução do conceito de co-responsabilidade solidária, e contrariamente a algumas correntes de opinião divergentes, os co-responsáveis são iguais em direitos e deveres. Não há responsável e co-responsável; não há coordenador e responsável de campo; enfim, não há hierarquia na co-responsabilidade científica. Há um responsável ou vários co-responsáveis. São reiterados os critérios para o exercício de várias direcções científicas em simultâneo, cuja efi-

cácia dependerá da capacidade de fiscalização da tutela. Embora a direcção científica seja exclusiva do arqueólogo, alguns dos seus deveres são partilhados, solidariamente, com as entidades contratante e enquadrante, nomeadamente os relativos à “salvaguarda, proteção e conservação sustentadas dos bens imóveis e móveis intervencionados e identificados até à conclusão dos trabalhos e depósito do espólio”. Como já foi referido só o futuro poderá elucidar o sucesso desta norma. Mas é óbvia a intenção do legislador em comprometer e responsabilizar as diversas entidades que intervêm na actividade arqueológica na boa conservação do espólio e dos sítios, após a intervenção arqueológica. Artigo 6.º (autorização para trabalhos arqueológicos) Institui-se a possibilidade, já praticada, de comunicação não escrita da autorização, em caso de urgência, para trabalhos de categoria C e D. O n.º 4 deste artigo contém uma imprecisão imposta na fase de circulação do diploma. O objectivo era determinar um prazo para apresentação de elementos em falta nos pedidos de autorização para trabalhos arqueológicos (PATA) submetidos, em qualquer categoria. Na versão publicada do RTA, esta norma foi “misturada” com a obrigatoriedade da prévia aprovação de projectos para as categorias A e B (n.º 5), o que altera o conteúdo da regra. A alínea b) do n.º 7 faz novamente referência à necessidade de adequação curricular do arqueólogo que dirige os trabalhos, bem como da restante equipa, às exigências científicas dos contextos a intervencionar. No n.º 8, finalmente, termina a vigência da autorização por ano civil, herdeira da já quase extinta “arqueologia de Verão”. A validade de duração anual da autorização é bem mais adequada à realidade actual. Como contraponto da sua maior responsabilização em todo o processo, a autorização é agora notificada também à entidade enquadrante (n.º 9). O arqueólogo é responsável por garantir que não há violação dos direitos de propriedade no decurso dos trabalhos arqueológicos que dirige, sendo escusada a prova documental (n.º 10). Infelizmente esta norma que acabava com um nó processual anterior (na actualidade, são maioritárias as situações em que o arqueólogo nem contacta com o proprietário) é complementada com

uma imposição, completamente anacrónica. A obrigatoriedade de obtenção de consentimento prévio da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) quando o trabalho decorre em propriedade do Estado tem tudo para correr mal. Porque: acrescenta burocracia de e para serviços públicos; os prazos de resposta da DGTF podem não ser compatíveis com os prazos da actividade arqueológica; implica a determinação do que é ou não propriedade pública: monumentos classificados afectos a entidades públicas, vias públicas urbanas ou não e outros espaços públicos, áreas de servidão pública, domínios públicos, baldios e florestas públicas? Qual é a utilidade e exequibilidade desta norma? Existe algum clamor social por violação da propriedade pública no âmbito de trabalhos arqueológicos? Será mais uma norma a não cumprir, como tantas outras? Artigo 7.º (instrução do pedido de autorização) A amplificação deste artigo em relação ao antecedente espelha a complexificação da actividade arqueológica e multiplicidade de contextos em que esta se enquadra na actualidade. A instrução de um PATA varia muito conforme o trabalho decorra em território urbano ou rural, em meio terrestre ou subaquático, no âmbito de AIA ou de um projecto em monumento classificado, em área condicionada arqueologicamente por instrumentos de ordenamento e gestão do território, ou decorrente de licenciamento urbanístico municipal, etc. No fundo, parece mais complicado do que de facto é. A expressão chave, neste caso é “quando aplicável”. Cabe ao arqueólogo que dirige os trabalhos saber quais os documentos relevantes para a instrução do seu PATA. Novidades são: as “declarações das entidades contratante e enquadrante”, vinculando estas ao trabalho arqueológico e garantindo a sua responsabilização perante o conjunto de deveres que o RTA lhes impõe; e o “plano de divulgação pública dos trabalhos arqueológicos junto da comunidade”, documento que explicita quais as formas previstas de divulgação dos resultados dos trabalhos junto do público em geral. O n.º 2 inclui uma referência aos elementos legalmente exigidos “em matéria de ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional” para trabalhos arqueológicos em meio subaquático. Trata-se de uma norma opaca e pouco explícita, sendo imprevisível a sua forma de aplicação. No n.º 4, enquadra-se a já referida submissão electrónica dos PATA, via Portal do Arqueólogo, verdadeiro passo na direcção do futuro, que carece agora de alguma adaptação em face das exigências processuais do novo RTA.

Artigo 8.º (projectos de investigação plurianual em Arqueologia) Este artigo pretende o enquadramento da actividade arqueológica de investigação, tendo por base dois critérios fundamentais: o mérito científico dos projectos e a gestão sustentada e criteriosa do bem público e finito que é o Património arqueológico. O normativo em causa havia já sido implementado através da Circular n.º 1/2012. O que deve ser explicado é que o modelo foi concebido para o RTA (em Maio de 2010). Contudo, devido ao atraso no processo de revisão e à necessidade absoluta de implementar um modelo de gestão adequado, avançou avant la lettre, através da circular. Distinguem-se claramente a apreciação técnica efectuada pela tutela e a avaliação de mérito científico, garantida por peritos de reconhecida idoneidade científica integrados no “Painel Nacional de Avaliação” independente em relação à tutela (n.º 3). A constituição do Painel pretende-se plural e o mais universal possível, aumentando as possibilidades de selecção de cada painel de avaliação de projecto, considerando a eventual existência de incompatibilidades, conflitos de interesse ou proximidade institucional, entre avaliadores e avaliados. Procurou-se evitar contradições com sistemas de avaliação pré-existentes (n.º 4) através da isenção de apreciação para projectos já previamente sujeitos a validação científica por entidade pública ou privada, nacional ou estrangeira, com competências, atribuições e actividade reconhecida na área da investigação científica. Também os projectos de carácter exclusivamente não intrusivo ficam isentos de avaliação científica, contribuindo para o descongestionamento do modelo de gestão. Separam-se também os planos da validação científica e do financiamento, mantendo-se a denominação histórica de “Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos” para o programa de financiamento por concurso, infelizmente suspenso há vários anos (n.º 5). Artigo 9.º (renúncia à direcção científica) A renúncia à direcção científica, embora não prevista no regime anterior era já uma prática corrente, em consequência da dinâmica e da instabilidade próprias da actividade arqueológica portuguesa actual. A regulamentação deste recurso era um imperativo. Procurou-se limitar a utilização da renúncia, remetendo-a para um plano excepcional, e simultaneamente definir as condições e implicações desta situação, garantindo a salvaguarda patrimonial e da informação arqueológica em causa (n.ºs 4 e 5).

Por fim, pretendeu-se garantir que um arqueólogo não fique involuntariamente preso a situações que conflituem com os seus direitos laborais e idoneidade deontológica (n.º 2). Está contudo subjacente que a renúncia deve ser evitada, e que no momento da assunção de uma direcção científica devem ser devidamente ponderadas pelo arqueólogo as condições do exercício dessa responsabilidade até à sua extinção (após aprovação de relatório, publicação, depósito de espólio e salvaguarda dos vestígios imóveis objecto de intervenção). Artigo 10.º (reserva científica) Este artigo pretende explicitar um conjunto de conceitos pouco claros e polémicos na actividade arqueológica portuguesa. Em primeiro lugar excluiu-se a expressão “prioridade científica”. A reserva científica é um direito e um dever, extensível a todas as categorias de trabalhos arqueológicos; exerce-se fundamentalmente sobre informação e consubstancia-se essencialmente num prazo para estudo e publicação dos dados em reserva. Devido à necessidade de compatibilizar este princípio legal com a legislação da livre concorrência, os sítios podem permanecer sob reserva científica, mas a intervenção sobre eles não está vedada a outrem, uma vez que outros arqueólogos poderão ser autorizados a aí dirigir trabalhos de categoria C e D durante esse período. Nestas situações, o direito de reserva científica do responsável de projecto e/ /ou director científico exerce-se através da emissão de parecer sobre os trabalhos a realizar (n.º 6, alínea a). A prática dirá da eficácia desta norma. Artigo 11.º (escavação de contextos funerários) Neste artigo, que decorre do correspondente no RTA/99 e integra muitas das práticas já hoje correntes, há a referir a ampliação da sua abrangência: de necrópoles já assim reconhecidas, para “contextos onde se presume a existência, ou sejam identificados, vestígios osteológicos humanos” (n.º 1). O especialista de Antropologia é sujeito a prévia avaliação curricular pela tutela (n.º 2). Reconhecendo-se a especificidade e extrema sensibilidade deste espólio, impõe-se o princípio de protecção da integridade dos restos humanos conservados (n.º 3), nem sempre fácil, limitando-se ao estritamente necessário a intervenção em cemitérios históricos. Regulamenta-se o conteúdo dos relatórios de Antropologia (n.º 5) e os direitos e deveres do antropólogo (n.º 6).

47



Para os problemas mais complexos,

dificilmente as soluções regulamentares

A responsabilidade da segurança durante os trabalhos é remetida para as entidades contratante e enquadrante; pertence ao arqueólogo apenas quando estas não existam. Salienta-se assim que actualmente, na maioria das situações, o arqueólogo não tem controlo directo pela gestão do espaço e condições em que decorrem os trabalhos arqueológicos. Artigo 13.º (suspensão e cancelamento de autorizações)

são óbvias ou fáceis. E sabe-se que leis boas não resolvem tudo. É necessário que a sua aplicação seja determinada, assertiva e consistente por parte da tutela. E que a comunidade arqueológica



Artigo 12.º (segurança)

se identifique com o RTA e

adira às suas propostas.

Nada a referir. Artigo 14.º (relatórios) Tipificam-se os vários tipos de relatórios, especificando-se os seus objectivos, características e prazos. Era importante que futuramente se respeitassem as terminologias definidas no RTA, evitando-se a proliferação de nomenclaturas díspares. Relativamente aos prazos, refira-se a frequente intercepção entre este regulamento e outra legislação que poderá impor prazos distintos e que, por isso, devem ser respeitados – processos de AIA, processos de licenciamento, intervenção em monumentos classificados, etc. (n.º 3, alínea a). Salienta-se a harmonização de prazos entre a entrega do relatório final e o depósito do espólio. Artigo 15.º (conteúdo dos relatórios) São definidos os conteúdos dos relatórios conforme os tipos. Reitera-se para este artigo o referido a propósito da instrução de PATA (Art. 7.0). A abundância dos elementos mencionados relaciona-se com a diversidade e complexidade da actividade arqueológica actual. Por outro lado, verifica-se igualmente um aumento da diversidade de especialidades a participar em trabalhos arqueológicos, o que é positivo. Artigo 16.º (aprovação dos relatórios) A grande novidade deste artigo é a imposição de prazos à administração para apreciação de relatórios, pretendendo-se assim aumentar os níveis de exigência e a dignificação da actividade arqueológica. Veremos se a tutela estará à altura da exigência que impõe aos cidadãos. Também neste caso a notificação da aprovação do relatório é estendida à entidade enquadrante. Artigo 17.º (publicação de resultados) Neste artigo salienta-se a harmonização de prazos entre a publicação de resultados, a incorporação

48

II SÉRIE (19)

JANEIRO 2015

do espólio e conclusão do período de reserva científica. Sublinha-se a referência propiciatória à Revista Portuguesa de Arqueologia, à série monográfica Trabalhos de Arqueologia e à Biblioteca de Arqueologia. Quanto a esta última ensaia-se um esboço de “depósito legal obrigatório” para edições de Arqueologia. A entrega de todas as edições pelos seus autores, ainda que em versão digital, se bem-sucedida, constituirá um fantástico instrumento de actualização permanente desta infra-estrutura ao serviço de todos. Relativamente ao n.º 4, infelizmente a norma foi truncada durante a fase de circulação. Na actualidade há muitas intervenções arqueológicas que não carecem de publicação científica clássica, nomeadamente todas aquelas que registam resultados nulos ou negativos. Nestes casos, e eventualmente noutros com resultados muito escassos, é suficiente a publicitação no sistema Endovélico, disponível online. Estava previsto que esta forma de divulgação fosse proposta no relatório final à aprovação da tutela. Infelizmente, o trecho “mediante proposta apresentada pelo diretor científico e aprovada pela DGPC” desapareceu, deixando assim latente a ideia que esta forma de “publicação” é opção livre do director científico. Não era este o espírito do legislador. Como se não bastasse, também na fase de circulação foi incluído o n.º 5, norma absolutamente inútil se considerada a disponibilização online pelo sistema Endovélico dos resultados dos trabalhos arqueológicos, redigidos pelo próprio director científico (via Ficha de Sítio / Trabalho Arqueológico). Os recursos ao dispor das entidades de tutela são escassos e não devem ser malbaratados em tarefas burocráticas completamente escusadas! Sabe-se que a publicação científica é um aspecto crítico da actividade arqueológica nacional. Veremos se o novo RTA logrará contribuir para a melhoria da situação actual.

Artigo 18.º (espólio arqueológico) Neste artigo salienta-se a necessidade de confirmar o estatuto de Património nacional dos bens arqueológicos provenientes de trabalhos arqueológicos, complementando-o com estabelecimento inequívoco da sua propriedade pública (do Estado). Embora esta questão só possa ser definitivamente resolvida no âmbito da revisão da Lei de Bases do Património, e a propriedade pública dos bens arqueológicos provenientes de trabalhos arqueológicos esteja subjacente a toda a legislação aplicável em vigor, há sempre quem levante dúvidas sobre o assunto, de tempos a tempos. Numa linha de continuidade em relação ao RTA/ /1999, é reafirmado o conceito de espólio arqueológico extensível aos “bens arqueológicos móveis […], respectivo inventário e demais documentação produzida no decurso dos trabalhos de campo e gabinete”. Espera-se que a vigência deste novo RTA seja mais bem-sucedida a este respeito do que o anterior, pois a entrega de documentação e registos de campo e gabinete no acto de depósito do espólio, embora fixada na lei deste 1999, é uma prática muito rara entre a comunidade arqueológica nacional. É feita uma breve referência às condições de organização do espólio no acto do depósito. Definem-se com algum pormenor os prazos, critérios e responsabilidade da incorporação museológica das colecções arqueológicas. Também neste articulado se salienta a harmonização de prazos entre a entrega do relatório final e o depósito do espólio; e entre a publicação de resultados, a conclusão do período de reserva científica e a incorporação do espólio. A gestão sustentada de espólios e colecções é outra das fragilidades estruturais da nossa Arqueologia. Espera-se que o novo RTA, complementado com uma actuação assertiva da tutela, inverta o panorama actual.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.