Reinterpretando um lugar de memória: planejamento interpretativo para o Engenho Massangana (Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco)

June 29, 2017 | Autor: H. de Vasconcelos... | Categoria: Cultural Heritage, Museum, Museology
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REINTERPRETANDO UM LUGAR DE MEMÓRIA: PLANEJAMENTO INTERPRETATIVO PARA O ENGENHO MASSANGANA (CABO DE SANTO AGOSTINHO, PERNAMBUCO)

Henrique de Vasconcelos Cruz Ribeiro [email protected]

Cristiano Felipe Borba do Nascimento [email protected]

FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO RECIFE - PE

REINTERPRETANDO UM LUGAR DE MEMÓRIA: PLANEJAMENTO INTERPRETATIVO PARA O ENGENHO MASSANGANA (CABO DE SANTO AGOSTINHO, PERNAMBUCO)

Resumo Este artigo discute o potencial turístico cultural da paisagem agroindustrial do litoral Sul de Pernambuco – região marcada pela convivência da economia canavieira e seu patrimônio construído (engenhos que remontam ao século XVII) com o apelo turístico de suas praias e, mais recentemente, com o processo de emergência do Complexo Industrial Portuário de Suape, um dos mais prósperos no Brasil. Defende-se que o patrimônio arquitetônico e paisagístico local pode conviver de modo sustentável com equipamentos culturais e industriais contemporâneos, desde que interpretados e contextualizados nas iniciativas de conservação patrimonial. Esta idéia se baseia na experiência de requalificação física e funcional do conjunto do engenho Massangana, no município do Cabo de Santo Agostinho, desenvolvido pela Fundação Joaquim Nabuco, do Recife. Além de ter sido um elemento de destaque no circuito de produção e escoamento da produção açucareira dos séculos XVIII e XIX, Massangana ainda guarda a particularidade de ter servido de moradia para o abolicionista Joaquim Nabuco nos seus primeiros anos de vida. Hoje, o conjunto está localizado dentro do território de Suape, denotando uma confluência de potencialidades para a sua afirmação como estudo de caso para a discussão. No projeto de Massangana, propõe-se a implantação de um memorial à figura e às idéias de Nabuco, ao mesmo tempo em que se prevê a implantação de um centro de interpretação da paisagem cultural da região – dos ciclos do açúcar, a escravidão, a abolição e a retomada do desenvolvimento econômico portuário e industrial atual.

Palavras chave: Interpretação do Patrimônio; Engenho Massangana; Joaquim Nabuco (18491910)

1. Introdução A paisagem do litoral da Zona da Mata Sul de Pernambuco é hoje cenário de um rápido processo de industrialização e desenvolvimento econômico. Os grandes responsáveis por tal cenário no momento são os atrativos naturais do litoral (com praias tidas como das mais bonitas do Brasil, como as de Cupe, Muro Alto, Porto de Galinhas e Maracaípe) e o então chamado Complexo Industrial Portuário de Suape, equipamento logístico que vem atraindo um volume de investimentos até então inédito no Estado. Por outro lado, ainda é notável a presença de estruturas remanescentes do seu passado canavieiro – usinas, casas-grandes e capelas de engenho, fortes e vilas centenárias, como de Nazaré, no Cabo de Santo Agostinho. A justaposição de elementos naturais e construídos dota a região de uma paisagem complexa, condição muitas vezes tida como conflitante ou contraditória. O visitante, se não avisado, tende a se ver em meio a um cenário que parece em constante transformação e sem um perfil de ocupação nitidamente definido. Se os investimentos em novas plantas industriais, infraestrutura (redes de energia, transporte, abastecimento, etc.) e equipamentos turísticos (hotéis, pousadas, resorts e comércio especializado) já são uma realidade – e pode-se dizer, surgem de forma quase que espontânea, dadas as demandas intrínsecas às condições da região – o mesmo não pode ser dito do aparato cultural. Por tal carência, entende-se que o passado da Mata Sul deve ser contado em paralelo ao entendimento da sua condição atual, de modo que os visitantes – sejam eles turistas, investidores ou pesquisadores – possam compreender toda a complexidade do contexto visitado. O que este artigo apresenta é uma iniciativa de dar início a este outro processo na região: de redescoberta e interpretação da sua história e cultura. O caso tomado como referencial é o Engenho Massangana. A ação sobre Massangana visa dotar os edifícios remanescentes do antigo engenho de infraestrutura adequada para funcionar como um núcleo de formação, difusão cultural e reflexão sobre a história da zona da mata litorânea pernambucana, desde a sua ocupação colonial da monocultura canavieira (notavelmente agressiva ao meio-ambiente original) até a sua condição atual – de destino turístico internacional, com zonas de renovação e preservação ambiental e em franco crescimento industrial.

A iniciativa se justifica por uma característica particular: foi em suas terras que o abolicionista Joaquim Nabuco (1949-1910) viveu a sua primeira infância (década de 1850), experiência essencial para a formação do seu caráter e das suas idéias políticas segundo o próprio. Massangana ainda é favorecido institucionalmente – seu território se situa no Complexo de Suape e se encontra cedido pelo Governo do Estado de Pernambuco em comodato à Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), órgão do Ministério da Educação que, além de promover a preservação da memória sócio-cultural das regiões Norte e Nordeste, tem como seu patrono o personagem principal da história do engenho. Por outro lado, enquanto conjunto edificado e paisagístico, Massangana apresenta algumas peculiaridades que transformam a intervenção em um problema de projeto de intervenção tão complexo quanto interessante: o sítio atual se compõe de um agrupamento de três edifícios de épocas distintas: uma capela de características coloniais, uma casa grande de finais do século XIX e um bloco de hospedagem da década de 1980. Além disso, registros físicos, iconográficos e textuais apontam para a presença de ocupações anteriores – a senzala, o curral, a fábrica de açúcar e um porto fluvial – constituindo vestígios arqueológicos adjacentes às edificações remanescentes. Mais recentemente, pela sua localização no território de Suape, o entorno do engenho tem sido uma zona atrativa tanto para ocupação de instalações industriais como para a instalação de algumas comunidades de moradores de caráter irregular. Tais situações, do modo como vêm acontecendo, contrapõem-se às noções de sustentabilidade e responsabilidade ambiental que emergem como paradigmas fundamentais para o pleno enquadramento do projeto ante as exigências institucionais atuais. A presença de tais condicionantes e ameaças, portanto, exige um projeto abrangente, que lide tanto com as potencialidades como com os limites de Massangana. A experiência de Massangana como centro de interpretação da paisagem agroindustrial é apresentada. Inicia-se pela situação histórica da região e do conjunto de Massangana em si. Na seqüência, é apresentado o projeto de requalificação. Ao final, são discutidos suas potencialidades, riscos e as dificuldades enfrentadas pela iniciativa para se concretizar como experiência sustentável.

2. Breve histórico e descrição da região a paisagem da Zona da Mata Sul de Pernambuco Suape se constituía, desde os primórdios da colonização brasileira, em um dos atracadouros mais importantes para os ciclos econômicos do litoral pernambucano. Durante muito tempo, era um terminal complementar ao porto natural do Recife, que estava localizado mais ao Norte, no embarque de pau-brasil, no tráfico de escravos ou no escoamento do açúcar. O porto, como terminal logístico, sempre esteve ligado à cultura da cana-de-açúcar em Pernambuco desde o século XVI. O sistema espacial e funcional do engenho de açúcar, ou engenho-bangüê, era constituído não só por suas edificações básicas – a casa-grande (moradia do senhor de engenho), a capela (dedicada ao santo de devoção do proprietário), a senzala (moradia dos escravos) e a moita, ou fábrica (onde se dava o processo de fabricação do açúcar). Pela necessidade da força mecânica para moagem da cana e a facilidade de transporte, os conjuntos agroindustriais coloniais sempre estavam associados ao sistema de corpos d’água e a pontos de escoamento para a Europa. A junção desses fatores configurava as condições ideais para a implantação dos engenhos. A Zona da Mata Sul, inclusive, sempre foi a região canavieira mais produtiva de Pernambuco não só por apresentar melhores solos e mais altos mais regulares índices pluviométricos que Mata Norte (mais seca e de menor produtividade), mas também porque possuia mais cursos d’água. Entretanto, após a saída do governo holandês do Brasil na segunda metade do século XVII, a produção açucareira vive sua primeira fase de declínio. A companhia holandesa passara a produzir açúcar nas Antilhas, com técnicas mais aprimoradas e mais agilidade no seu refino e comercialização. Embora continuasse produzindo em quantidade, o açúcar pernambucano perdia valor paulatinamente, constituindo uma crise do sistema vai se agravando até os finais do século XIX, quando muitos engenhos passaram a parar de moer e só funcionar como fazendas de cana para outros maiores. Esta tendência é aprofundada com os efeitos da revolução industrial. Quando chegam as primeiras máquinas de moagem a vapor, instaura-se o sistema das usinas de açúcar e álcool no estado. Os antigos engenhos passaram a ser absorvidos pelas usinas. A industrialização do processo de moagem, por outro lado, não foi acompanhado pela automatização da colheita. A topografia acidentada da Zona da Mata dificultava a implantação de máquinas e a produção açucareira pernambucana passa a ser ultrapassada, também pela de outros estados brasileiros, como São Paulo e, mais recentemente, Mato Grosso do Sul. A implantação de novas condições infra-estruturais em Suape, na década de 1970, era apontada, naquele momento, como decisivo para a superação do longo período de estagnação da economia

pernambucana. Apostava-se na diversificação de atividades e no poder de atração que o terminal logístico, estrategicamente situado em relação às rotas náuticas, poderia trazer para o estado. Após um longo processo de amadurecimento, Suape desponta, de fato, na primeira década dos anos 2000 como um dos mais importantes portos da América Latina, atraindo desde indústrias de tecnologia, até refinarias de petróleo e petroquímicas até estaleiros. Componentes estruturadores da ambiência da paisagem do açúcar (espaço cultural) e do arranjo (organização da ambiência) da Zona da Mata Sul, portanto, não se restringe só à história do açúcar. Tão pouco é uma paisagem dominada apenas pelo presente industrial de Suape. Os canteiros de obra e seus tratores estão lado a lado com os canaviais; as novas estradas convivem com os resquícios dos caminhos e as linhas de comunicação que ligavam as moendas até o mar; as visões das instalações industriais, o maquinário de alta tecnologia convivem com as caldeiras das usinas, com casas grandes e capelas dos séculos XVIII e XIX – as capelas sobrevivem a sobreposição dos avanços tecnológicos e a permanência da cultura canavieira original. Pode-se dizer que a paisagem se caracteriza pela materialização dos processos das ações sobre o território, tanto quanto pelos seus resultados. Os edifícios dos engenhos remanescentes ficam como testemunhas de um passado eminentemente rural, mas que termina por culminar no desenvolvimento dos setores logísticos e industriais que hoje são representados por Suape. Em outras palavras, o desenvolvimento de Suape e as suas intervenções físicas e visuais no território, também são componentes da mesma paisagem. Ela é dinâmica por natureza e, entende-se, que tal particularidade precisa ser bem interpretada, para que se entenda a própria história do lugar.

3. O Engenho Massangana1 O engenho Massangana surge no contexto histórico e sócio-econômico do final do século XVIII e o início do século XIX, quando grandes engenhos foram sendo desmembrados em outros menores, dados a filhos, netos e sobrinhos, e com o passar dos séculos, a sua interiorização e avanço da produção avança para o litoral sul e foi se tornando cada vez mais necessária, devido à escassez das matas fornecedoras de lenha para as fornalhas, e também de terras. Atravessando as terras do engenho, é encontrado o riacho Massangana, que lhe dá o nome. Por isso, se entendido dentro do conjunto de equipamentos açucareiros do século XIX, Massangana se mostra como um daqueles exemplares componentes da rede de engenhos, ligado ao sistema de escoamento da produção através dos trilhos e dos rios, que iam até Suape. A referência mais antiga do engenho data de 1774, no relatório do Governador da Capitania de Pernambuco, José Cesar de Menezes, enviado a Lisboa, onde declara que o padre Manuel de 1

Para a realização deste histórico do Engenho Massangana, foram utilizados documentos pertencentes ao acervo da Fundação Joaquim Nabuco.

Mesquita e Silva é proprietário de Massangana (PIRES e SILVA, 1994). Na década de 1810, José Felix da Rocha Falcão, é identificado como de sua propriedade. Em 1849, o engenho pertence ao casal Joaquim Aurélio Pereira de Carvalho e Anna Rosa Falcão de Carvalho, ano em que tornamse padrinhos de batismo de Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, filho do importante político José Thomaz Nabuco de Araújo. Neste mesmo ano Joaquim Nabuco passa a morar com os padrinhos. Vive em Massangana até 1857, ano da morte de sua madrinha, quando volta a morar com sua família no Rio de Janeiro. Além de ser batizado na capela do engenho, Joaquim Nabuco passa por experiências que mudariam sua visão da escravidão: “Massangana ficou sendo a sede do meu oráculo íntimo para impelir-me, para deter-me, sendo preciso, para resgatar-me a voz, o frêmito sagrado, viria sempre de lá”, afirma em seu livro de memória Minha Formação. Após a morte de Anna Rosa, o engenho passou para a propriedade de seu sobrinho Paulino Pires Falcão, membro da Guarda Nacional, oficial da Imperial Ordem da Rosa e cavaleiro da Ordem de Cristo. Foi quando estava de posse do engenho, que Paulino realizou diversas transformações que deram início à decadência do conjunto. No início do século XX, o engenho passa a ser propriedade da empresa Brennand Irmãos e Cia, sendo incorporada ao patrimônio da Usina Santo Inácio. As primeiras tentativas de preservação do conjunto arquitetônico de Massangana ocorrem durante a gestão de Aníbal Gonçalves Fernandes, na Inspetoria Estadual dos Monumentos Nacionais. Em agosto de 1929, envia um ofício ao proprietário da Usina Santo Inácio, informando da importância de preservar a capela de São Mateus presente no engenho: a capela de São Mateus está hoje ligada à história de Pernambuco e foi considerada um edifício histórico, cuja conservação nos interessa a todos nós pernambucanos. Muito penhorado vos ficaria si tomásseis a vosso cargo os reparos indispensáveis de que carece a mesma capela que é hoje um patrimônio da terra comum (FERNANDES, 1930: 74-75).

No ano seguinte, o escritor Múcio Carneiro Leão, publica no jornal carioca Correio da Manhã, artigo denunciando o estado de abandono dos edifícios do Engenho Massangana. Em 1949, durante a realização de diversos eventos comemorativos ao centenário de Joaquim Nabuco, um dos destaques foi uma visita de autoridades e da família Nabuco a Massangana; uma romaria; o registro da presença de uma escrava que conheceu Joaquim Nabuco. Foram publicadas várias matérias ilustradas em jornais do Recife e do Rio de Janeiro sobre os eventos. Na década de 1960, a partir da publicação de diversos artigos de intelectuais pernambucanos em jornais do Brasil, os poderes públicos iniciaram uma mobilização no sentido de preservar efetivamente Massangana.

Somente em 27 de Junho de 1972, o Engenho, agora composto apenas pela sua Casa-grande, a Capela de São Mateus, um pequeno Arruado e as Ruínas da Moita, veio a se tornar propriedade da União, passando a pertencer ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA, que o transformou no Museu Massangana. Em 05 de julho de 1983, a propriedade, já denominada Parque Nacional da Abolição, foi doada pelo órgão ao Estado de Pernambuco. A Fundaj passa a administrar o engenho em 1984, através de comodato. Ao longo dos anos, percebe-se em vários momentos, as construções de Massangana como um lugar de memória, sendo apreendido por movimentos sociais diferentes. Hoje, o sítio do Engenho Massangana possui 10 ha e está situado no município do Cabo de Santo Agostinho (hoje o quinto maior município da Região Metropolitana do Recife), às margens da estrada PE-060, principal via de acesso ao litoral Sul do Estado e ao Complexo Industrial Portuário de Suape. Nos últimos anos, o Engenho Massangana vinha servindo como espaço voltado para a realização de encontros, seminário e reuniões e ações educacionais da Fundação Joaquim Nabuco junto à comunidade (escolas, universidades e público interessado em geral). Todas essas atividades, porém, foram suspensas a partir de 2003, com exceção das esparças visitas escolares. De acordo com a Legislação Estadual de proteção dos bens culturais, instituída em 18 de Setembro de 1979 através da Lei Nº. 7.970, o Sítio Histórico do Engenho Massangana recebe sua primeira forma de proteção legal a partir de 17 de Agosto de 1983, data do seu pedido de tombamento, vindo o conjunto a ser tombado pelo Estado de Pernambuco em 22 de dezembro de 1983. é um conjunto tombado em âmbito estadual pela FUNDARPE (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco). Em relação à legislação municipal de proteção, atualmente a lei em vigor é a Nº. 2.179/2004 de 12 de Abril de 2004, Lei de Uso e Ocupação do Solo, a área do Engenho Massangana está inserida na “Zona de Interesse Histórico XIV – Engenho Massangana”. Esta lei não determina parâmetros urbanísticos para as regiões de interesse histórico, ficando a análise das intervenções sendo feita caso a caso. No território de Suape, porém, Massangana se encontra na Macrozona de Desenvolvimento Industrial (MDI), correspondendo às áreas de potencial ocupação de novos empreendimentos e expansão das atividades industriais. Sendo assim, o entorno do engenho tem sido uma zona atrativa tanto para ocupação de instalações industriais como para a instalação de algumas comunidades de moradores de caráter irregular.

O sítio atual apresenta um agrupamento de vários edifícios de épocas distintas: Casa Grande (edificação de finais do século XIX, com linhas de inspiração neoclássica e área de 765 m²); a Capela de São Mateus (edificação de características coloniais, provavelmente de finais do século XVIII e início do século XIX, com área de 115 m²); um bloco de pequenas unidades de para hospedagem de visitantes (edificação da década de 80 do século XX, construída sobre um antigo arruado de casas dos trabalhadores da usina da qual Massangana fez parte até a década de 1970, com área de 642 m²); e mais o pequeno edifício de controle de acesso ao terreno do engenho (edificação do século XX com área de 65 m²). Ainda, registros físicos, iconográficos e textuais apontam para a presença de ocupações anteriores adjacentes às edificações remanescentes – a senzala, o curral, a fábrica de açúcar e um porto fluvial – constituindo potenciais áreas para prospecção de vestígios arqueológicos. A edificação que mais se destaca, é a da Casa Grande, não só pelo seu porte, mas por apresentar características peculiares. Construída em tijolo de alvenaria maciça, é composta por dois elementos volumétricos bem definidos: um corpo principal, que abriga as áreas nobres da edificação e é coberta com duas águas com sótão e clarabóia; e um segundo corpo edificado, contíguo ao primeiro e mais baixo, conformando um pátio posterior para edificação, fechado descoberto, que deveria abrigar o que seriam as funções complementares (serviços, cozinha, banheiros, etc.). A composição das fachadas prioriza a elevação sul como principal, de forma simétrica, com janelas e portas em veneziana e vidro com molduras em massa, marcada no eixo central da composição pela porta de acesso e a clarabóia do sótão. Há registros fotográficos de coberta em telha metálica e posteriormente telha cerâmica tipo canal cobrindo a varanda. Os sistemas construtivos dos dois edifícios principais – casa grande e capela – são tradicionais, como a alvenaria estrutural tanto em tijolo maciço como pedras calcárias, com superfícies argamassadas em cal, saibro e areia. As cobertas são de telha cerâmica tipo canal e madeiramento em caibros roliços e ripas de embiriba. A importância histórica do Engenho Massangana é um assunto indiscutível. A preservação do lugar onde Joaquim Nabuco passou os primeiros anos de sua vida, os da sua formação decisiva como ele próprio concluiu tempos depois, é extremamente necessária, não só como homenagem à figura desse homem, mas também como forma de resguardar o passado pernambucano, os engenhos, as capelas rurais, o sistema escravocrata e mais tudo aquilo que o açúcar significou para Pernambuco até hoje.

4. Potencialidades e limites de um projeto de intervenção e utilização Nos últimos anos, a Fundaj decidiu dar um novo direcionamento ao engenho, mantendo as ações educacionais, mas ampliando o seu potencial para transformá-lo em um equipamento cultural mais abrangente, com capacidade para contar a própria história da região em que se insere – por um lado, a gênese da cultura açucareira, a escravidão e o contexto da formação dos ideais abolicionistas de Joaquim Nabuco; por outro, as problemáticas mais recentes, o fim da escravidão, o declínio e a retomada da produção canavieira, e o novo ciclo econômico industrial de Suape. Dentre as iniciativas para a efetivação deste processo, podem ser listadas, para realização ainda no corrente ano: as obras de restauro dos edifícios da casa grande e da capela (que serão ambientadas com móveis e objetos da época de funcionamento do engenho), as obras de reforma do arruado (que deverá ser futuramente substituído por um espaço voltado para abrigar exposições e oficinas) e a instalação de uma exposições no interior da Casa Grande sobre o engenho e a vida de Joaquim Nabuco como parte das comemorações do ano do seu centenário de falecimento. Estão em curso, também, incitativas para que se constitua uma zona de entrono com controle ambiental e que o perímetro protegido seja ampliado para 13,2 ha. Além disso, será brevemente encaminhado o pedido de tombamento do conjunto do Engenho em âmbito federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o que aponta para a necessidade de sua utilização sustentável. A preservação dos Bens integrantes do patrimônio cultural implica no reconhecimento dos seus valores artísticos e históricos, ou seja, do caráter único e insubstituível que o objeto de intervenção possui, admitido-o como obra de arte e/ou documento histórico que deva ser prolongando ao máximo em sua existência. No projeto de recuperação, ora elaborado, tentou-se respeitar ao máximo os valores estéticos e culturais do Bem, a Casa Grande do Engenho Massangana, situada no município do Cabo de Santo Agostinho em Pernambuco, com o mínimo de interferência possível na sua autenticidade, seja ela estética, histórica, dos materiais, dos processos construtivos ou do espaço envolvente. A autenticidade histórica permeia todos os aspectos associados ao Bem, não sendo permitida qualquer intervenção que possa alterar ou falsificar os valores históricos contidos nos materiais, técnicas construtivas, aspectos estéticos e espaciais. A autenticidade estética corresponde ao respeito às idéias originais que orientaram a concepção inicial do Bem e das alterações introduzidas em todas as épocas, que ora agregando valores, ora

subtraindo, resultaram numa outra ambiência, também reconhecida pelos seus valores estéticos e históricos. Garantir a autenticidade dos materiais implica na manutenção da maior quantidade possível de materiais originais, de modo a evitar falsificações de caráter artístico e histórico. Na impossibilidade da manutenção desses materiais, tentou-se utilizar outros compatíveis com os existentes, em suas características físicas, químicas e mecânicas e aspectos de cor e textura sem, no entanto, serem confundidos entre si. Assim também, como a utilização de materiais reversíveis, que possam ser substituídos no futuro e no final de sua vida útil, sem danos ao Bem. Tão importante quanto à manutenção dos materiais e dos aspectos estéticos é a garantia da preservação da autenticidade dos processos construtivos e suas peculiaridades, evitando o uso de técnica que seja incompatível e que descaracterize o sistema existente. A principal contribuição do projeto é a criação de um Centro Interpretativo com foco na temática da produção do açúcar e da abolição da escravatura, cujas ações contribuam para a difusão do pensamento de Joaquim Nabuco, preservando o sítio histórico . O projeto também pretende contribuir para o processo de interiorização do turismo, elevando os níveis de emprego, renda e empreendedorismo, possibilitando o aumento do fluxo de visitantes e de sua permanência nos destinos.

4.1 Uma paisagem dinâmica Nos levantamentos e análises realizadas após as visitas dos dias 8 de dezembro de 2008, 19 e 27 de janeiro e 19 de março de 2009 ficou claro que o desenvolvimento local de Massangana não depende só de ações sobre as edificações ou restritas ao seu perímetro protegido. Ações relacionadas à preservação da paisagem ou à recuperação do riacho (e, consequentemente, do acesso às ruínas) são diretamente dependentes de outras voltadas ao controle sobre o crescimento das suas comunidades de moradores vizinhas – a Vila de Massangana e Serraria – assim como do suprimento de serviços de esgotamento ou tratamento de seus dejetos. Na direção de Serraria, por exemplo, são percebidas várias ocupações esparsas, que já chegam próximas ao limite Norte do perímetro do engenho. Esta tendência é agravada pela pequena distância existente entre este limite e a edificação da capela de São Mateus. A vila de Massangana, a mais próxima, já é bastante consolidada, com praticamente todas as casas em alvenaria (quando originalmente eram em taipa) e, hoje, já chamam a atenção algumas em particular por apresentarem clara tendência à verticalização. Para além das correções da infraestrutura que se fazem necessárias (no caso da permanência e consolidação oficial da

comunidade onde hoje se encontra), ressalta-se a necessidade de ordenar a sua expansão. O crescimento desordenado já implica em interferência na visualização do conjunto de Massangana a partir da margem do riacho. Tal ameaça é acompanhada também pela expansão de ocupações formais. Além das interferências provocadas pelas casas da comunidade, chamam a atenção as alterações sobre o perfil geo-topográfico do entrono e sua cobertura vegetal – são perceptíveis, à distância, ações antrópicas de descaracterização: altas antenas, desmatamento e movimento de terra na encosta. Tais situações, do modo como vêm acontecendo, contrapõem-se às noções de sustentabilidade e responsabilidade ambiental – paradigmas fundamentais para o pleno enquadramento do projeto ante as exigências institucionais atuais. Sendo assim, a permanência nesta zona põe em risco a finalidade de proteger e salvaguardar o patrimônio do Engenho. Tendo em conta todas as condições assinaladas, apresentamos para avaliação uma proposta de expansão dos limites do perímetro do engenho Massangana. Para a sua efetivação, faz-se necessário a cessão de duas porções de terreno já adjacentes à área atual. Uma delas diz respeito ao alargamento da área de acesso ao engenho, a partir da rodovia PE-60. A proposta é que o engenho possa ganhar uma área de cerca de 1 ha, chegando até o limite da faixa de domínio da rodovia, com a intenção de se poder contar com este terreno para a instalação de um bolsão de estacionamento próximo à estrada e distante de qualquer edificação preservada, minimizando a sua interferência sobre o sítio. A segunda porção de terreno desejada compreende no alargamento em 50 m da limite Norte do perímetro, no intuito de contar com uma maior distância com relação à capela de São Mateus. Tal ganho representaria um acréscimo de mais 2,5 ha. Entende-se, ainda, que a integração entre o perímetro do engenho (mesmo que ampliado) e um perímetro exterior mais amplo deve ser desde já tomado como critério para o desenvolvimento dos futuros projetos. Massangana e seu entorno se tornam absolutamente interdependentes quando se deseja atingir um satisfatório grau de sustentabilidade para o empreendimento, sendo que medidas urgentes devem ser tomadas para equiparar as condições verificadas na escala micro a todas essas oferecidas na macro-escala. Tais fatos somados, então, sugerem uma ação imediata no sentido de delimitar uma área de ambiência em torno do bem tombado - um “cinturão de contenção” das transformações da paisagem – um zona de proteção ambiental, regulando interferências sobre a paisagem hoje existente.

Por fim, vale reforçar que acredita-se – e defende-se – que todos os esforços propostos ganham força e se tornam mais facilmente viáveis a partir do estabelecimento de uma forte cooperação com o Complexo Industrial Portuário de Suape – o maior agente de transformação do território envolvente de Massangana no momento. Além do interesse na participação no empreendimento, aventa-se a possibilidade de firmar parcerias técnico-científicas com empresas que desenvolvam medidas interessantes de responsabilidade ambiental, com a transferência de experiências na área de infra-estrutura e a mitigação ou recuperação de impactos.

5. Considerações finais Após o levantamento de dados e as análises, pode-se afirmar que Massangana apresenta um grande potencial para assumir o papel de pólo produtor e difusor de cultura. Tal vocação se deve não só aos valores históricos agregados ao sítio em si, mas pela sua localização estratégica no cenário atual de desenvolvimento metropolitano: aos sistemas de infra-estrutura em uma escala macro – eixos de acessibilidade, suprimento de água e energia – e aos investimentos em turismo e habitação. Apesar disso, medidas urgentes devem ser tomadas para equiparar as condições verificadas na escala micro a todas essas oferecidas na macro-escala. Ficou claro – principalmente após a experiência de análise visual da paisagem circundante – que o desenvolvimento local de Massangana não depende só de ações sobre as edificações ou restritas ao seu perímetro protegido. Ações

relacionadas

à

preservação

da

paisagem

ou

à

recuperação

do

riacho

(e,

consequentemente, do acesso às ruínas) são diretamente dependentes de outras voltadas ao suprimento de serviços de esgotamento ou tratamento de dejetos da sua comunidade de moradores vizinha. Sendo assim, entende-se que a integração entre o perímetro do engenho e um perímetro exterior mais amplo, desde já, deve ser tomado como critério para o desenvolvimento dos futuros projetos. Massangana e seu entorno se tornam absolutamente interdependentes quando se deseja atingir um satisfatório grau de sustentabilidade para o empreendimento. Por fim, acredita-se – e defende-se – que todos os esforços propostos ganham força e se tornam mais facilmente viáveis a partir do estabelecimento de uma forte cooperação com aquele que é o maior agente de transformação do território envolvente de Massangana no momento: o Complexo Industrial Portuário de Suape. Além do interesse na participação no empreendimento, aventa-se a possibilidade de firmar parcerias técnico-científicas com empresas que desenvolvam medidas

interessantes de responsabilidade ambiental, com a transferência de experiências na área de infra-estrutura e a mitigação ou recuperação de impactos. Sendo as discussões motivadas pelo próprio exercício do projeto, os resultados obtidos promovem, inclusive, uma revisão das práticas da preservação comumente utilizadas em bens de natureza semelhante, e aponta para possíveis atualizações de conceituais. Provoca-se, por fim, a construção de uma postura crítica e reflexiva a respeito das capacidades, possibilidades e responsabilidades contemporâneas que podem ser aplicáveis à conservação dos sítios históricos do passado canavieiro nordestino.

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