Motricidade 2012, vol. 8, n. 3, pp. 4-18
© FTCD/FIP-MOC doi: 10.6063/motricidade.8(3).1152
Relação entre orientações motivacionais, ansiedade e autoconfiança, e bem-estar subjetivo em atletas brasileiros Relationship between achievement goals, anxiety and self-confidence, and subjective well-being in Brazilian athletes M.G. Fernandes, J. Vasconcelos-Raposo, H.M. Fernandes ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
RESUMO O presente estudo pretendeu investigar a relação entre orientações motivacionais, ansiedade e autoconfiança e bem-estar subjetivo (afetos positivos e negativos, e satisfação com vida) através da técnica de análise de caminhos. A amostra foi constituída por 169 atletas brasileiros (140 do sexo masculino e 29 do sexo feminino) com idades compreendidas entre os 17 e os 59 anos, de diferentes modalidades desportivas e níveis competitivos. Os questionários TEOSQ, CSAI-2, EBES e SWLS foram aplicados no dia anterior à competição, no local de treino dos atletas. Os principais resultados suportaram parcialmente o papel mediador da ansiedade e autoconfiança na relação entre orientações motivacionais e bem-estar subjetivo. Tendo em consideração índices de modificação do modelo estrutural, foram ainda especificados coeficientes de regressão entre a orientação para o ego e os afetos negativos, e entre a orientação para a tarefa e as dimensões positivas do bem-estar (afetos positivos e satisfação com a vida). Os resultados foram discutidos tendo em contas as implicações teóricas e práticas destas relações. Palavras-chave: orientações motivacionais, ansiedade competitiva, bem-estar subjetivo, análise de caminhos
ABSTRACT The present study aimed to investigate the relationship between achievement goals, anxiety, selfconfidence and subjective well-being (positive and negative affect, and satisfaction with life) through path analysis. The sample consisted of 169 Brazilian athletes (140 males and 29 females), aged between 17 and 59 years, of different sports and competitive levels. The questionnaires TEOSQ, CSAI-2, EBES and SWLS were applied the day before the competition, on-site training of athletes. Main results partially demonstrated that anxiety and self-confidence mediated the relationship between motivational orientations and subjective well-being. Based on modification indices of the structural model, regression coefficients were specified between ego orientation and negative affect, and between task orientation and the positive dimensions of well-being (positive affect and satisfaction). Results were discussed taking into account the theoretical and practical implications of these relationships. Keywords: achievement goals, competitive anxiety, subjective well-being, path analysis
Submetido: 18.02.2012 | Aceite: 17.09.2012 Marcos Gimenes Fernandes. Departamento de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, Brasil. José Vasconcelos-Raposo. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal. Helder M. Fernandes. Cidesd - Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano, UTAD, Vila Real, Portugal. Endereço para correspondência: Marcos Gimenes Fernandes, Departamento de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Santa Cruz, Campus Soane Nazaré de Andrade, Rodovia Jorge Amado, Km 16, Bairro Salobrinho, CEP 45662-900, Ilhéus, Bahia, Brasil. E-mail:
[email protected]
Orientações motivacionais, ansiedade e bem-estar subjetivo | 5
Os estudos da ansiedade competitiva (AC)
testaram diversos modelos do CSAI-2 suge-
e seus principais fatores de influência têm sido
ridos previamente na literatura, numa amostra
frequentemente examinados na Psicologia do
de atletas de diferentes modalidades esportivas
Desporto (Woodman & Hardy, 2001), usando
(n = 375). Os resultados das análises fatoriais
um modelo multidimensional em que a AC é
confirmatórias indicaram melhores índices
constituída por uma dimensão cognitiva e uma
de ajustamento para o modelo do CSAI-2R,
dimensão somática (Martens, Vealey, & Burton,
suportando a utilização dessa versão reduzida
1990). Segundo esses autores, a ansiedade
para avaliar a ansiedade competitiva em atletas
cognitiva engloba as expectativas negativas,
brasileiros.
por parte do atleta, acerca do seu desempenho,
Com o objetivo de aprofundar as questões
enquanto a ansiedade somática se refere aos
relacionadas à AC, vários estudos têm inves-
aspetos fisiológicos da experiência e manifes-
tigado a relação entre a AC e outras variá-
tada através da função autonômica (aumento
veis cognitivas e motivacionais (Ntoumanis
da frequência cardíaca, sudorese, dilatação da
& Biddle, 1998). De forma geral, o estudo da
pupila, etc). Em 1990, Martens, Vealey e Burton
motivação tem sido objeto de diversas inves-
desenvolveram o Competitive State Anxiety Inven-
tigações na Psicologia. Especificamente, a
tory (CSAI-2), um teste psicométrico específico
psicologia educacional tem-se ocupado da
para mensurar a AC em competições esportivas.
compreensão de processos denominados de
Este se tornou um dos principais instrumentos
objetivos de realização/orientações motivacio-
de avaliação da ansiedade-estado de atletas,
nais (Ames, 1992; Dweck, 1986). Baseados na
proporcionando uma pletora de estudos com
teoria social-cognitiva, Dweck e Leggett (1988)
objetivo de examinar a ansiedade no contexto
e Nicholls (1989), defendem que a perceção de
competitivo (Jones, 1995).
orientações cognitivas para objetivos (orien-
Posteriormente, Cox, Martens e Russell
tação motivacional) pode ser subdivida em dois
(2003) aplicaram o CSAI-2 numa amostra de
tipos de perspetivas. No caso da orientação
calibração constituída por 503 atletas com o
para o ego, os indivíduos avaliam o seu desem-
objetivo de refinar o instrumento. A análise
penho através da comparação com outros indi-
inicial indicou índices de ajustamento (vali-
víduos (referencial normativo). Por outro lado,
dade fatorial) fracos. Na fase seguinte, elimi-
o indivíduo pode avaliar o seu desempenho
naram 10 itens, resultando num modelo de
voltando-se para a aprendizagem e o seu aper-
17 itens (CSAI-2R), mantendo a estrutura dos
feiçoamento (autorreferência), o qual é deno-
três fatores originais. Esta reespecificação foi
minado como orientação para a tarefa. Uma
aplicada numa amostra de validação com 331
ampla evidência empírica suporta a validade
atletas, tendo-se verificado bons índices de ajus-
da utilização destes objetivos de realização no
tamento (CFI = .95, NNFI = .94 e RMSEA =
contexto desportivo (e.g., Duda, Chi, Newton,
.054). Perante estes resultados, os autores reco-
Walling, & Catley, 1995; Roberts, 2001), veri-
mendaram que profissionais e pesquisadores
ficando-se primordialmente a utilização do
interessados em avaliar a ansiedade competitiva
instrumento Task and Ego Orientation in Sport
no contexto desportivo, utilizassem o instru-
Questionnaire (TEOSQ; Duda & Nicholls, 1992).
mento CSAI-2R em substituição do CSAI-2
Ntoumanis e Biddle (1998) sugeriram a
original. Recentemente, no contexto despor-
hipótese que o indivíduo com dominância de
tivo brasileiro, Coelho, Vasconcelos-Raposo
orientação para o ego tende a ser mais susce-
e Mahl (2010) validaram a versão CSAI-2R
tível a elevados níveis de ansiedade competi-
numa amostra de 529 futebolistas e Fernandes,
tiva. Esta afirmação foi baseada na explicação
Vasconcelos-Raposo e Fernandes (no prelo)
de Roberts (1992), que entende que ganhar e
6 | M.G. Fernandes, J. Vasconcelos-Raposo, H.M. Fernandes
perder no desporto são situações instáveis e
geral para estados relacionados a situações de
incontroláveis e, portanto podem criar estados
estresse caracterizadas por medos, preocupa-
afetivos aversivos ao rendimento. Por outro
ções e nervosismo. Jones, Swain e Harwood
lado, atletas com orientação para a tarefa não
(1996) reportaram correlações positivas signi-
estariam tão suscetíveis a estados adversos
ficativas entre a ansiedade cognitiva e somática
como, por exemplo, a ansiedade competitiva,
e os afetos negativos. Estes autores ainda rela-
dado possuírem padrões internos de desem-
taram que indivíduos com altos níveis de afetos
penho (independente do resultado) e o obje-
negativos tendem a experimentar altos níveis de
tivo pretendido por estes ser relativamente
ansiedade cognitiva e somática. Recentemente,
controlável. Contudo, existem outros estudos
Mellalieu e Hanton (2008), reportaram corre-
que não confirmaram estas relações teorica-
lações positivas significativas entre os afetos
mente previstas. No estudo de Ntoumanis e
negativos e a ansiedade cognitiva e somática,
Biddle (1998) a orientação para a tarefa não se
bem como entre os afetos positivos e a auto-
relacionou significativamente com as dimen-
confiança. Por outro lado, os mesmos autores
sões do CSAI-2, enquanto a orientação para o
relataram correlações negativas significativas
ego associou-se negativamente com a ansie-
entre a autoconfiança e os afetos negativos.
dade cognitiva (r = -.19) e positivamente com
No entanto, a evidência científica ainda não
a autoconfiança (r = .25). Por sua vez, Rodri-
esclareceu a relação causal entre estas dimen-
gues, Lázaro, Fernandes e Vasconcelos-Raposo
sões. Robazza, Bortoli, Nocini, Moser e Arslan
(2009) verificaram, num estudo com alpinistas,
(2000) demonstraram que a ansiedade-traço
uma relação positiva e significativa entre a
atua como preditora do afeto negativo quer
orientação para o ego e a ansiedade cognitiva (r
numa situação de avaliação normativa, quer
= .33), enquanto a orientação para a tarefa não
ideográfica. Um estudo realizado por Cerin
se relacionou significativamente com as dimen-
(2004) sugeriu que os afetos positivos podem
sões do CSAI-2.
atuar como preditores da direção da ansiedade
Uma possível explicação para esta incon-
cognitiva e somática.
sistência de resultados é a de que os atletas
De acordo com Diener, Emmons, Larsen e
podem diferir na interpretação cognitiva dos
Griffin (1985), os afetos positivos e negativos
seus sintomas de ansiedade, percecionando-
podem ser integrados num modelo multidi-
-os como facilitadores ou dificultadores do seu
mensional de bem-estar subjetivo, no qual
desempenho em função das suas características
estes fatores são integrados numa dimensão
individuais (Jones, Hanton, & Swain, 1994;
afetiva a par de uma dimensão cognitiva (satis-
Jones & Swain, 1995). Segundo estes últimos
fação com a vida). Gouveia, Milfont, Fonseca
autores as diferenças individuais na interpre-
e Coelho (2009) demonstraram numa grande
tação dos sintomas de ansiedade podem estar
amostra brasileira que a satisfação com a vida
associadas a variáveis denominadas de afetos
se correlaciona positivamente com os afetos
positivos e afetos negativos (Watson & Clarke,
positivos e negativamente com os afetos nega-
1984; Watson, 1988). Para estes autores, afetos
tivos. Contudo, uma análise extensiva da lite-
positivos e negativos são estruturas afetivas
ratura especializada da Psicologia do Desporto
que refletem uma tendência individual para
revela que a dimensão cognitiva do modelo de
exibir estados de humor adaptativo ou aversivo.
bem-estar subjetivo tem sido negligenciada.
Afetos positivos associam-se a estados de entu-
Embora alguns estudos indiquem possíveis
siasmo e motivação caracterizados por completa
associações entre a ansiedade competitiva e
concentração e aceitação de desafios, enquanto
os afetos (positivos e negativos), o mesmo
afetos negativos dizem respeito a uma visão
não se verifica para a satisfação com a vida.
Orientações motivacionais, ansiedade e bem-estar subjetivo | 7
Assumindo que a dimensão da participação e
que a ansiedade cognitiva se relacione negativa-
competição desportiva constitui uma impor-
mente com a satisfação com a vida assim como
tante e valorizada dimensão da vida dos atletas,
positivamente com a autoconfiança.
torna-se fulcral compreender quais as possíveis
Diante das evidências e limitações empíricas
influências que as orientações motivacionais e
apresentadas, o objetivo principal do presente
as emoções pré-competitivas exercem no seu
estudo foi investigar a relação entre orienta-
bem-estar e qualidade de vida.
ções motivacionais, ansiedade e autoconfiança
Para os propósitos do presente estudo
competitiva, e bem-estar subjetivo (afetos posi-
tomamos como referência o estudo de Robazza
tivos e negativos, e satisfação com a vida) em
et al. (2000), uma vez que este se apresenta
atletas brasileiros, através da análise de cami-
como aquele que provavelmente reflete melhor
nhos (path-analysis). Deste modo, a definição
o tipo de compreensão que atletas, treinadores
das relações causais dos modelos estruturais
e alguns psicólogos que intervêm na prepa-
baseou-se em pressupostos teóricos e empí-
ração de atletas têm sobre a relação entre ansie-
ricos (e.g., Ames, 1992; Duda, 1989; Duda &
dade e rendimento desportivo. Com base nas
Nicholls, 1992; Ntoumanis & Biddle, 1998;
propostas existentes na literatura foi concebido
Robazza et al., 2000). De um modo geral,
um modelo teórico que estabelece o tipo de
testou-se o papel central e fulcral das dimensões
relação entre orientações motivacionais, ansie-
do CSAI-2R (ansiedade cognitiva, ansiedade
dade, bem-estar subjetivo e satisfação com a
somática e autoconfiança) na mediação entre as
vida. Assim, a teoria preconiza a existência de
orientações motivacionais e o bem-estar subje-
correlações negativas entre orientação para a
tivo dos atletas. Um primeiro modelo (Modelo
tarefa e ansiedade cognitiva, somática e afetos
1, ver Figura 1) assumiu que as três dimensões
negativos e uma relação positiva com a auto-
do CSAI-2R atuam a um mesmo nível inter-
confiança, afetos positivos e satisfação com a
médio entre as orientações motivacionais e as
vida. De acordo com a teoria proposta, estas
dimensões afetiva (afetos positivos e negativos)
relações desenvolvem-se através da acumulação
e cognitiva (satisfação com a vida) do bem-estar.
de vivências emocionais em situações compe-
Por sua vez, o Modelo 2 (ver Figura 2) baseia-
titivas tipificadas por estados de ansiedade
-se no estudo de Ntoumanis e Biddle (1998), o
(cognitiva e somática) e de autoconfiança, que
qual sugere que o efeito das orientações moti-
com o passar do tempo se repercutem no bem-
vacionais na ansiedade cognitiva e somática é
-estar subjetivo dos sujeitos enquanto atletas.
mediado pela dimensão autoconfiança.
Assim, quanto mais intensa for a orientação MÉTODO
para a tarefa, menores serão os níveis de ansiedade cognitiva e somática e maiores os de auto-
Amostra
confiança. Relativamente à orientação para o
A amostra, do tipo não probabilística e
ego, deverão surgir correlações positivas com a
intencional, foi composta por 169 atletas (140
ansiedade cognitiva e somática e negativa com
do sexo masculino e 29 do sexo feminino), de
a autoconfiança. Por sua vez, quanto maiores
diferentes modalidades desportivas, com idades
forem os níveis de ansiedade cognitiva menores
compreendidas entre os 17 e os 59 anos (M =
serão os indicadores de afetos positivos e
31.70, DP = 10.32). Os atletas tinham entre 1
maiores os de afetos negativos. Já no que refere
e 42 anos de prática esportiva (M = 9.14, DP =
à autoconfiança esta deverá estar positivamente
9.33) e entre 1 e 42 anos de experiência compe-
associada a elevados níveis de afetos positivos
titiva (M = 7.25, DP = 8.67). Não se verifi-
e com baixos níveis de afetos negativos. Como
caram diferenças significativas entre sexos para
consequência destas relações será de prever
as variáveis idade, tempo de prática despor-
8 | M.G. Fernandes, J. Vasconcelos-Raposo, H.M. Fernandes
Orientação ao ego
e1
e4
Ansiedade cognitiva
Afetos negativos
e2
e5
Ansiedade somática
Afetos positivos e6
e3
Orientação a tarefa
Satisfação com vida
Autoconfiança
Figura 1. Modelo hipotético 1
e4 e2 Orientação ao ego
Afetos negativos
Ansiedade cognitiva
e1 Autoconfiança
Orientação a tarefa
e5 Afetos positivos
e3
e6
Ansiedade somática
Satisfação com vida
Figura 2. Modelo hipotético 2 (Ntoumanis & Biddle, 1998)
tiva e anos de competição (p > .05). Quando analisada a modalidade desportiva praticada
Instrumentos Os atletas responderam a uma versão
obteve-se a seguinte distribuição: futebol (4%),
brasileira
basquetebol (1%), judo (1%), jiu-jitsu (40%),
& Fernandes, no prelo) do CSAI-2R (Cox,
karaté (2%), corrida (17%), surfe (3%), natação
Martens, & Russell 2003). Este é um instru-
(2%),
remo
mento constituído por 17 itens, agrupados em
(38%) e taekwondo (4%). De um modo geral,
três fatores, da seguinte forma: os itens 2, 5, 8,
73% dos atletas praticavam modalidades espor-
11 e 14 pertencem ao fator ansiedade cognitiva;
tivas individuais, enquanto 27% dos atletas
1, 4, 6, 9, 12, 15 e 17 à ansiedade somática; e,
praticavam modalidades esportivas coletivas.
3, 7, 10, 13 e 16 à autoconfiança. As afirmações
Relativamente ao nível competitivo, 58.5% dos
foram respondidas de acordo com uma escala
atletas afirmaram participar em competições
do tipo Likert de quatro pontos (1 = nada a 4
de nível regional, enquanto os restantes 41.5%
= muito). É possível calcular um escore para
dos atletas afirmaram participar em competi-
cada dimensão, através da soma das respostas
ções nacionais.
dos itens de cada fator dividida pelo respectivo
artes-marciais
mistas
(10%),
(Fernandes,
Vasconcelos-Raposo,
Orientações motivacionais, ansiedade e bem-estar subjetivo | 9
número de itens, podendo os valores variar
números correspondentes às respostas esco-
entre 1 e 4.
lhidas pelo sujeito, podendo variar de 5 a 35.
Os atletas também responderam a uma versão traduzida e adaptada para a língua portu-
Procedimentos
guesa (Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2010)
Após a devida autorização dos organizadores
do Task and Ego Orientation in Sport Questionnaire
das competições e dos técnicos para a coleta de
(TEOSQ; Duda & Nicholls, 1992). Este instru-
dados, os atletas foram informados dos obje-
mento é constituído de 13 itens, agrupados em
tivos da investigação e assinaram um termo
dois fatores: orientação para tarefa − itens 2, 5,
de consentimento livre e esclarecido (TCLE),
7, 8, 10, 12 e 13; e orientação para o ego – itens
sendo garantidos o anonimato e confidenciali-
1, 3, 4, 6, 9 e 11. As afirmações foram respon-
dade de todos os dados recolhidos. Aos atletas
didas de acordo com uma escala do tipo Likert
menores de 18 anos foi solicitado que um
de cinco pontos (1 = discordo completamente
responsável maior de idade assinasse o TCLE.
a 5 = concordo completamente). O escore para
Tendo em consideração os objetivos do
cada dimensão foi calculado através da soma
estudo, alguns cuidados ao nível da recolha de
das respostas dos itens de cada fator divididos
dados foram acautelados, uma vez que as previ-
pelo respetivo número de itens.
sões teóricas requerem que sejam avaliados
Para a mensuração do bem-estar subjetivo,
traços de ansiedade cognitiva e somática assim
os atletas responderam a dois questionários.
como de autoconfiança. Para este efeito foi soli-
Para a mensuração dos afetos positivos e afetos
citado aos atletas que constituíram a amostra
negativo, foram utilizadas as respetivas dimen-
que ao responderem aos questionários tivessem
sões (47 itens) da Escala de Bem-Estar Subje-
em consideração o seu histórico de respostas
tivo (Albuquerque & Tróccoli, 2004). Os itens
afetivas nos momentos que antecedem a
são agrupados da seguinte forma: os itens 3, 4,
competição. Esta preocupação foi reforçada
6,7, 10, 11, 14,15, 16, 18, 21, 22, 24, 25, 26, 29,
pelo fato de que os dados serem recolhidos em
37, 39, 41, 42 e 43 pertencem ao fator afetos
contexto de treino e não pré-competitivo.
positivos; 1, 2, 5, 8, 9, 12, 13, 15, 17, 20, 23,
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê
27, 28, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 40, 44,
de Ética em Pesquisa (Protocolo 425/2010) da
45, 46 e 47 ao fator afetos negativos. As afir-
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC),
mações foram respondidas de acordo com uma
de acordo com a Resolução CNS/MS n.
escala do tipo Likert de cinco pontos (1 = nem
196/1996.
um pouco a 5 = extremamente). O escore para cada dimensão foi calculado através da soma
Análise Estatística
das respostas dos itens daquele fator divididos
Inicialmente procedeu-se a uma estatística
pelos números de itens do fator, podendo os
descritiva (média e DP) das dimensões anali-
valores variar entre 1 e 5. Para a mensuração da
sadas. Coeficientes de assimetria e curtose
satisfação com a vida, os atletas responderam
foram computados para efeitos de análise de
à versão brasileira (Gouveia, Milfont, Fonseca,
normalidade univariada. A confiabilidade das
& Coelho, 2009) da Satisfaction With Life Scale
escalas foi avaliada através da computação de
(Diener et al.,1985). Este instrumento é consti-
alphas de Cronbach. A associação entre variá-
tuído por uma única dimensão com cinco itens.
veis foi determinada através de coeficientes de
As afirmações foram respondidas de acordo
correlação de Pearson. Essas análises estatís-
com uma escala do tipo Likert de sete pontos
ticas foram realizadas usando o SPSS v16.
(1 = discordo totalmente a 7 = concordo total-
A técnica de análise de caminhos foi reali-
mente). Os escores são calculados somando os
zada usando o programa AMOS v16.0. Este
10 | M.G. Fernandes, J. Vasconcelos-Raposo, H.M. Fernandes
método de modelação de equações estruturais
a 1. Segundo Bentler e Bonnet (1980), valores
tem sido recentemente usado em estudos que
acima de .90 representam um ajuste adequado
visam testar a relação entre variáveis psicoló-
para o modelo. Mais recentemente, Hu e
gicas no contexto desportivo (ex., Heazlewood
Bentler (1999) sugeriram um ponto de corte
& Burke, 2011; Tello, Martínez, Núñez, &
de .95 como indicativo de um bom ajustamento
Calvo, 2010), permitindo o desenvolvimento
do modelo; b) RMSEA (Root Mean Square Error
e o teste de complexas teorias sociais (Duncan
of Approximation), em que valores menores que
& Stoolmiller, 1993). A modelação de equa-
.08 indicam uma adequação aceitável (Browne
ções estruturais tem a vantagem sobre a técnica
& Cudeck,1993), embora Hu e Bentler (1999)
de análise de regressão de possibilitar o teste
tenham sugerido um ponto de corte de .06; e,
simultâneo da relação entre duas ou mais
c) AIC (Akaike Information Criterion) que indica
variáveis na presença e potencial influência de
a parcimônia e simplicidade do modelo através
outras variáveis (Ntoumanis & Biddle, 1998).
do menor valor entre os modelos testados.
Dessa forma, após a especificação e estimação dos modelos, a sua adequação foi
RESULTADOS
avaliada por um conjunto de índices de ajus-
Análise descritiva e correlacional
tamento/adequação. O valor de χ² (Qui-
A análise descritiva preliminar dos dados
-quadrado) indica ajustamento quando o valor
indicou que os coeficientes de normalidade das
não é significativo (p > .05). No entanto, esse
variáveis variaram entre -.79 e 1.20, indicando
teste é sensível ao tamanho da amostra, ou
valores associados a uma distribuição aproxi-
seja, em amostras numerosas o valor tende a
madamente normal (Kline, 2010). A Tabela 1
ser significativo, embora o modelo possa estar
apresenta as médias, desvios padrões, índices
ajustado aos dados. Jöreskog e Sörbom (1989)
de consistência interna (alpha de Cronbach) e
sugeriram uma razão do Qui-quadrado pelos
correlações de todas as variáveis mensuradas.
graus de liberdade (df), representado por χ²/df,
A análise descritiva das dimensões indica
pelo que Ullman (2001) sugere valores abaixo
que os atletas revelaram níveis superiores
de 2.0 como aceitáveis. Adicionalmente, foram
de orientação para a tarefa (em comparação
utilizados os seguintes índices de ajustamento:
à orientação para o ego), autoconfiança (em
a) CFI (Comparative Fit Index) e GFI (Goodness
comparação à ansiedade cognitiva e somática)
Fit Index) podendo os seus valores variar de 0
e afetos positivos (em comparação aos afetos
Tabela 1. Médias, desvio-padrão, confiabilidade e correlações de Pearson Variáveis 1. Orientação ao ego 2. Orientação à tarefa 3. Ansiedade cognitiva 4. Ansiedade somática 5. Autoconfiança 6. Afeto positivo 7. Afeto negativo 8. Satisfação com a vida Média Desvio padrão
1
2
3
4
5
6
7
8
(.79)
.02 (.77) .
.25 −.07 (.82)
.23 −.01 .50 (.77)
−.05 .32 −.39 −.14 (.85)
−.16 .38 −.28 −.21 .46 (.92)
.33 .02 .50 .48 −.18 −.35 (.93)
.01 .21 −.21 −.23 .18 .29 −.28 (.75)
2.33 0.80
4.31 0.51
2.10 0.69
2.00 0.55
2.94 0.60
3.71 0.59
1.80 0.59
26.89 4.70
Nota: Correlações acima de |.15| são p < .05; Correlações acima |.20| são p < .01. Os coeficientes de confiabilidade (alpha de Cronbach) são apresentados entre parênteses na diagonal.
Orientações motivacionais, ansiedade e bem-estar subjetivo | 11
negativos). Os valores de satisfação com a vida podem ser considerados moderados a elevados (variação possível entre 5 e 35). Todas as escalas revelaram bons índices de fiabilidade (α > .70). De um modo geral, as correlações obtidas estão de acordo com as hipóteses teóricas. A
Tabela 2. Indices de ajustamento das AFC aos diferentes modelos χ²
χ²/df CFI GFI RMSEA
Modelo 1 33.53 5.59 .891 .955 Modelo 2 79.91 6.15 .734 .904
.165 .175
AIC 93.53 125.91
Nota: Todos os valores de χ² são significativos (p < .01)
correlação não significativa entre a orientação
(1998). Como tal, procedeu-se à análise mais
para o ego e para a tarefa suporta a ortogo-
detalhada dos parâmetros especificados para o
nalidade conforme o argumento de Nicholls
modelo 2 e respectivos índices de modificação.
(1989). A orientação para o ego associou-
Os resultados indicaram os seguintes pares de
-se positivamente com a ansiedade cognitiva,
relações/regressões não significativas (p > .05):
a ansiedade somática e os afetos negativos,
orientação para o ego e orientação para a tarefa;
e negativamente com os afetos positivos. A
orientação para o ego e autoconfiança; orien-
orientação para a tarefa correlacionou-se posi-
tação para a tarefa e ansiedade cognitiva; orien-
tivamente com a autoconfiança e as dimensões
tação para a tarefa e ansiedade somática; ansie-
positivas do bem-estar. A ansiedade cognitiva
dade cognitiva e afetos positivos; ansiedade
correlacionou-se positivamente com a ansie-
cognitiva e satisfação com a vida; autoconfiança
dade somática e afetos negativos, verificando-
e afetos negativos; e autoconfiança e satisfação
-se correlações negativas com a autoconfiança,
com a vida. A relação entre os erros de medição
afetos positivos e satisfação com a vida. A
das variáveis ansiedade somática e autocon-
ansiedade
positiva-
fiança também não se verificou significativa.
mente com os afetos negativos e negativamente
Estes parâmetros foram eliminados da seguinte
com as dimensões positivas do bem-estar. A
revisão do modelo. Adicionalmente, os índices
autoconfiança associou-se positivamente com
de modificação suportaram os coeficientes de
os afetos positivos e satisfação com a vida e
correlação obtidos entre as orientações moti-
negativamente com afetos negativos. As rela-
vacionais e as dimensões do bem-estar, sendo
ções entre as dimensões do bem-estar subjetivo
adicionados as seguintes regressões diretas:
confirmaram os pressupostos teóricos.
orientação para o ego como preditora dos afetos
somática
relacionou-se
negativos e orientação para a tarefa como prediAnálise de caminhos
tora dos afetos positivos e da satisfação com a vida.
Na análise de caminhos adotámos a estra-
Este conjunto de re-especificações resultou
tégia de testar simultaneamente os dois
num modelo com um ótimo ajuste: χ² = 12.68,
modelos previamente definidos (ver Figuras 1 e
p = .393, χ²/df = 1.06, CFI = .997, GFI = .982,
2). Tendo em consideração as correlações signi-
RMSEA = .018 e AIC = 60.68. As estimativas
ficativas verificadas entre dimensões do mesmo
dos parâmetros testados são apresentados na
nível (variáveis do CSAI-2 e dimensões do bem-
Figura 3. As correlações entre erros residuais
-estar subjetivo) foi permitido que os erros de
variaram entre -.34 e .40 (p < .05). Adicio-
medição dessas variáveis se correlacionassem
nalmente testou-se o efeito direto das orien-
no mesmo nível dos modelos.
tações motivacionais do bem-estar, através da
Na Tabela 2 são apresentados os índices de ajustamento obtidos.
eliminação das regressões entre orientações e dimensões do CSAI-2. Contudo, os resultados
A análise dos modelos testados indica que
obtidos indicam que estas alterações tradu-
o modelo 1 obteve melhores índices de ajus-
ziram-se num pior ajuste aos dados: χ² = 44.50,
tamento em todos parâmetros em comparação
p = .000, χ²/df = 2.97, CFI = .883, GFI = .940,
ao modelo 2 proposto por Ntoumanis e Biddle
RMSEA = .108 e AIC = 86.50.
12 | M.G. Fernandes, J. Vasconcelos-Raposo, H.M. Fernandes
e1
.24 Orientação ao ego
.30
Ansiedade cognitiva
Afetos negativos
.28 .17 e2 .22
Orientação a tarefa
e4
e5 - .16
Ansiedade somática
.28
Afetos positivos
.34
.22
- .24
e3 .30 Autoconfiança
e6 Satisfação com vida
Figura 3. Modelo 1 (revisão final) Nota: Todos os parâmetros da análise de caminhos são significativos a p < .05. Não foram apresentados as correlações entre erros de medição
DISCUSSÃO O presente estudo pretendeu investigar a
vida), sendo apresentada uma proposta teórica a ser sujeita a comprovação empírica.
relação entre orientações motivacionais (orientação para a tarefa e orientação para o ego),
Orientações cognitivas e ansiedade
ansiedade competitiva (ansiedade cognitiva e
competitiva
ansiedade somática), autoconfiança e bem-estar
O modelo de equação estrutural testou
subjetivo (afetos positivos e negativos, e satis-
a hipótese de predição da orientação para a
fação com vida) no contexto competitivo brasi-
tarefa e para o ego sobre a ansiedade cogni-
leiro, através da análise de caminhos. Tanto
tiva, ansiedade somática e autoconfiança. Neste
quanto a literatura nos permite constatar este
primeiro nível do modelo, a orientação para o
estudo é pioneiro a analisar as relações entre as
ego evidenciou regressões significativas sobre a
orientações motivacionais, ansiedade, autocon-
ansiedade cognitiva e somática. De certa forma,
fiança bem-estar subjetivo e é provavelmente
estes resultados estão em concordância com a
o único que recorre à técnica de análise de
afirmação de Roberts (1992), que relata que os
caminhos por modelação de equação estrutural
atletas com sua orientação motivacional voltada
neste contexto. Em concordância com estudos
para o ego estão mais suscetíveis a experimen-
que investigaram o impacto da orientação para
tarem ansiedade cognitiva e somática, assim
a tarefa e para o ego sobre a ansiedade compe-
como com os resultados de Rodrigues et al.
titiva, os sintomas da ansiedade cognitiva e
(2009), que reportaram correlações positivas
somática e a autoconfiança foram avaliados
significativas entre ansiedade cognitiva e orien-
como mediadores entre orientações motiva-
tação para o ego. Por outro lado, a orientação
cionais e dimensões do bem-estar subjetivo
para a tarefa teve um impacto significativo
(afetos positivos e negativos, e satisfação com a
sobre a autoconfiança, o que está de acordo
Orientações motivacionais, ansiedade e bem-estar subjetivo | 13
com evidências empíricas anteriores (ex.,
os atletas com elevados índices de autocon-
Hall, Kerr, & Matthews, 1998). De um modo
fiança tendem ter mais afetos positivos. Final-
geral, atletas orientados para a tarefa tendem a
mente, a ansiedade somática predisse negativa-
centrar-se na aprendizagem e melhoria autor-
mente, como esperado, as dimensões positivas
referenciada, atribuindo o seu sucesso primei-
do bem-estar (afetos positivos e a satisfação
ramente ao seu esforço (Fernandes & Vascon-
com a vida). De um modo geral, estas rela-
celos-Raposo, 2010; Vasconcelos-Raposo &
ções estão de acordo com estudos anteriores
Mahl, 2005), revelando um otimismo acerca
que indicaram que as dimensões da ansiedade
das suas reais capacidades e, assim, mostrando-
competitiva influenciam negativamente o bem-
-se mais autoconfiantes em situação competi-
-estar de um atleta, podendo esta evidência ser
tiva. Estes resultados corroboram os princípios
explicada por vários pressupostos. A similari-
teóricos que orientam a prática dos psicólogos
dade da experiência emocional dos sintomas de
do desporto que há muito sabem que uma
ansiedade e mal-estar (medos, preocupações e
forma de combater os níveis de ansiedade é
nervosismo) poderá ser percebida pelo atleta de
promovendo uma orientação cognitiva para a
um modo cumulativo, em que as experiências
tarefa. Está amplamente em múltiplas áreas da
do treino e competição poderão ser transferidas
psicologia que a promoção de uma orientação
para a forma quotidiana de estar na vida. Em
motivacional para a tarefa promove padrões
segundo lugar, poderemos também assumir
internos de desempenho algo independentes
a existência de traços culturais que levam o
do resultado, controláveis pelos agentes perfor-
individuo a exibir estados de humor nega-
mativos (Roberts, 1992), o que por sua vez
tivos (Watson & Clarke, 1984; Watson, 1988),
promove o desenvolvimento da autoconfiança
podendo ocorrer nos múltiplos domínios de
através de melhorias na perceção de compe-
vida do atleta.
tência e controle efetivo dos níveis indesejados de ansiedade (Martens et al., 1990).
Importa destacar que a ansiedade somática foi a única dimensão do CSAI-2 que foi capaz
O modelo teórico proposto preconizava
de predizer significativamente todas as três
regressões que não se verificaram aquando da
dimensões do bem-estar subjetivo (afeto posi-
sua testagem, nomeadamente as relações nega-
tivo, afeto negativo e satisfação com a vida):
tivas entre a orientação para o ego e a autocon-
Desta forma, a importância desta variável no
fiança, e a relação entre orientação para a tarefa
modelo do CSAI-2 (Martens et al., 1990), neste
e a ansiedade cognitiva e somática.
estudo, acaba por ser reforçada, na medida em que constitui uma importante variável predi-
Ansiedade competitiva e bem-estar subjetivo
tiva das dimensões do bem-estar subjetivo de
No segundo nível do modelo de equação
atletas brasileiros. Todavia, este é um facto
estrutural verificou-se a hipótese de predição
que se apresenta inconsistente com a literatura
da ansiedade competitiva sobre as dimensões
onde se destaca de forma inequívoca o caráter
do bem-estar subjetivo. A ansiedade cognitiva
transitório dos sintomas identificados e que
e a somática predisseram, positivamente, os
são de todo semelhantes aos espectáveis nas
afetos negativos, o que está em conformidade
respostas adaptativas do organismo à compe-
com os resultados reportados por Jones et al.
tição, daí que logo que logo que se dá início ao
(1996). Por outro lado, a autoconfiança exerceu
processo de utilização de recursos energéticos
um impacto positivo sobre os afetos positivos,
na competição estes sintomas desvaneçam
tal como preconizado pela teoria. Este resul-
quase de imediato. De acordo com a proposta
tado está em concordância com os achados de
teórica estas regressões apresentam-se particu-
Mellalieu e Hanton (2008) que sugeriram que
larmente difíceis de serem interpretadas. Assim
14 | M.G. Fernandes, J. Vasconcelos-Raposo, H.M. Fernandes
sendo as regressões relativas à variável ansie-
causa. Tal constatação levanta reservas quanto è
dade somática sugerem a necessidade de procu-
efectiva relevância da ansiedade somática suge-
rarmos modelos alternativos (Hair, Anderson,
rindo que o que está a ser medido como ansie-
Tatham, & Black, 2005), mas optamos por não
dade somática seja considerado apenas como
testar os modelos alternativos na medida em
uma manifestação dos mecanismos de resposta
que o seu número, por si só, requer a realização
adaptativa à competição. Este argumento é
de um estudo autónomo.
sustentável nas teorias clássicas da aprendizagem, de que é exemplo a experimentação
Efeito mediador da ansiedade e da autoconfiança
com cães que Pavlov realizou. A presente investigação testou ainda um
O modelo do CSAI-2 (Martens et al., 1990)
modelo de equação estrutural, proposto por
foi principalmente desenvolvido com base
Ntoumanis e Biddle (1998), no qual a orientação
numa orientação para a performance e o resul-
para o ego influenciava a ansiedade (cognitiva e
tado competitivo, procurando identificar a rele-
somática) através da autoconfiança. As análises
vância do estudo da ansiedade nesse contexto.
do caminho realizadas revelaram índices de
Estudos prévios têm investigado a influência
ajustamento inaceitáveis para este modelo.
das orientações motivacionais nas dimensões
Uma explicação plausível para este resultado
do CSAI-2 (Ntoumanis & Biddle, 1999), ou
poderá estar na característica da amostra do
mais recentemente em dimensões do bem-estar
presente estudo, que teve uma predominância
subjetivo (Galand, Boudrenghien, & Rose, in
de atletas de desportos individuais (73%), dife-
press; Núñez, León, González, & Martín-Albo,
rente da amostra do estudo destes autores onde
2011). Contudo, tanto quanto a literatura nos
predominou atletas de desportos coletivos.
permite conhecer, não existem estudos que
Estudos anteriores demonstraram que a habi-
tenham analisado a influência mediadora das
lidade preditiva da ansiedade competitiva e da
dimensões do CSAI-2 entre orientações moti-
autoconfiança difere entre atletas de desportos
vacionais e bem-estar subjetivo.
individuais e coletivos (Craft, Magyar, Becker,
A partir dos dois modelos inicialmente
& Feltz, 2003; Martens et al.,1990;).
testados, os resultados das análises suportaram parcialmente a hipótese inicial que a ansiedade
Orientações motivacionais e bem-estar
cognitiva e somática, e a autoconfiança cons-
subjetivo
tituem variáveis mediadoras entre as orien-
Para além de analisar o efeito mediator
tações motivacionais e as dimensões do bem-
das variáveis do CSAI-2, foi também possível
-estar subjetivo, a um mesmo nível de ação/
verificar que a melhoria do ajustamento do
influência. Especificamente, a orientação ao ego
modelo testado contemplava a adição de rela-
através da ansiedade cognitiva impactou nos
ções entre as orientações motivacionais e os
afetos negativos, assim como impactou sobre os
domínios do bem-estar. O tipo de relações
afetos positivos e negativos, e na satisfação com
estabelecidas vai de acordo ao teoricamente
a vida através da ansiedade somática. Por outro
previsto e que corroboram evidências empí-
lado, a orientação para tarefa exerceu impacto
ricas anteriores (Galand et al, in press; Núñez
sobre os afetos positivos através da autocon-
et al., 2011). À semelhança do presente estudo,
fiança. À luz da teoria estas relações não são
Ntoumanis e Biddle (1999) verificaram existir
explicáveis uma vez que faltam os argumentos
uma relação direta (predição positiva) e signi-
e os mecanismos explicativos e necessários para
ficativa entre orientação para a tarefa e afetos
sustentar a validade dos processos que levam
positivos. Estes autores argumentaram que esta
à manifestação dos comportamentos aqui em
relação poderia ter por base o fato de que indi-
Orientações motivacionais, ansiedade e bem-estar subjetivo | 15
víduos com predominância de orientação para
Desporto ganharia em expandir os seus referen-
a tarefa se concentram no seu próprio esforço
ciais teóricos tendo na Psicologia Positiva (ver
e possuirem padrões de comparação autorrefe-
Seligman & Csikszentmihalyi, 2000), provavel-
renciados, o que de acordo com Eliot e Dweck
mente, uma das suas áreas mais férteis para a
(1988) tende a estar associado a perceções de
sua consolidação teórica e capacidade preditiva.
sucesso e melhora no seu desempenho. Poderá
O presente estudo contém algumas limita-
ainda ser argumentado que estas perceções
ções que merecem serem enunciadas, a saber:
podem estar na base do processo que dê origem
i) o reduzido tamanho da amostra; ii) a hete-
de níveis elevados de afetos positivos. Por
rogeneidade da amostra do estudo ao nível do
sua vez, no modelo da presente investigação
tipo de modalidades (individuais e coletivas) e
também se confirmou uma predição positiva
níveis competitivos; e iii) o processo de amos-
significativa entre orientação para a tarefa e
tragem não probabilística e intencional, o qual
satisfação com a vida. Esta relação encontra eco
requere uma certa precaução na generalização
nos argumentos dos teóricos que sugerem que
dos resultados obtidos.
os indivíduos quando intrisicamente motivados CONCLUSÕES
(inerente à orientação para a tarefa) quando desejam envolver-se numa determinada ativi-
Em suma, o presente estudo demonstrou,
dade o fazem independentemente de qualquer
de forma parcial, que a ansiedade cognitiva está
tipo de recompensa, promessas ou até ameaças.
associada aos afetos negativos e que a autocon-
Os resultados do nosso estudo vão ao encontro
fiança exerceu um papel mediador na relação
dos que sugerem que estar intrinsecamente
entre as orientações motivacionais e os afetos
motivado contribui positivamente para o bem-
positivos. No entanto, estas associações, tal
-estar, assim como para o grau de compromisso
como constatadas, não são suficientes para
necessário para se obter sucesso (Hefferon &
validar as propostas teóricas avançadas. Não
Boniwell, 2011).
seria aceitável dar por comprovado um modelo
A relação positiva entre a orientação para
teórico que se alicerçasse em estados transitó-
o ego prevista no modelo proposto foi confir-
rios como é o caso da ansiedade somática. Na
mada. Estes resultados, de certa forma, vão de
realidade as relações obtidas não se enquadram
encontro aos achados de Ntoumanis e Biddle
em qualquer referencial teórico, daí não serem
(1999). De acordo com o articulado teórico
interpretáveis.
indivíduos com uma orientação para o ego
Os resultados não suportaram empirica-
tendem a priorizar as comparações que fazem
mente o modelo estrutural proposto por Ntou-
entre si e os outros. Salmela-Aro et al. (2001)
manis e Biddle (1998), no qual a orientação
apresentam este tipo de orientação como sendo
para o ego influenciava a ansiedade (cognitiva e
objectivos focados nos outros e estes tendem
somática) através da autoconfiança.
a estar pobremente relacionados com o bem-
Face aos resultados obtidos sugerimos que
-estar e até como o sucesso. No contexto do
estudos futuros investiguem a validade e perti-
rendimento desportivo é aceite que atletas com
nência do modelo avaliado mas em comparação
orientação para o ego definem o seu sucesso ou
com outros alternativos e recorrendo a amos-
fracasso na comparação com outros indivíduos,
tras de grandes dimensões e homogéneas e com
estando, assim, mais suscetíveis a sentimentos
o cuidado de acautelar a integração das múlti-
e comportamentos adversos ao rendimento de
plas variáveis que a literatura já demonstrou
alto nível e associados a afetos negativos.
estarem na base do bem-estar dos indivíduos.
O presente estudo, apesar do ser carácter exploratório
sugere
que
a
Psicologia
do
16 | M.G. Fernandes, J. Vasconcelos-Raposo, H.M. Fernandes
Agradecimentos: O presente estudo somente foi possível devido às colaborações dos atletas que concordaram em participar como sujeitos da investigação.
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