Relações entre a paisagem e a cidade Inca de Machu Picchu : elementos para decifrar sua construção

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I Encontro IALE-BR – 17 a 21 de abril de 2007 Rio de Janeiro, Vale do Paraíba do Sul, São Paulo

RELAÇÕES ENTRE A PAISAGEM E A CIDADE INCA DE MACHU PICCHU: ELEMENTOS PARA DECIFRAR SUA CONSTRUÇÃO Rualdo Menegat 1 & Maria Luiza Porto2 1

Instituto de Geociências/Ufrgs; 2 Laboratório de Ecologia de Paisagem - Dep. de Ecologia/Ufrgs *[email protected]

Abstract: This paper present the relations between Andean landscape and how Inca cities as Machu Picchu and Ollantaytambo, located at Urubamba-Vilcanota valley, was building. Through techniques of landscape ecology, geology and geomorphology the site matrix was identified in terms of a very dense tectonics faults web. The morphology of mountains and blocs was resulted as intersection of geologic fractures and faults. We try to demonstrate that Inca cities were located on very cross-tectonic faults. In this site, rocks are so fragmented that become possible to build cities in high topographic levels, strategically safe of geological hazards and inhospitable Andean conditions. Resumo: Este trabalho investiga as relações entre a paisagem andina e a construção das cidades incaicas de Machu Picchu e Ollantaytambo no vale do rio Vilcanota-Urubamba, na região de Cusco, Peru. Por meio de técnicas da Ecologia de Paisagem, Geologia e Geomorfologia, estabeleceu-se a matriz do lugar da região em termos de uma rede de falhas tectônicas e as formas das montanhas e blocos rochosos resultantes da erosão. Procura-se mostrar que as cidades incaicas foram propositadamente situadas em locais de cruzamento de falhas geológicas, onde as condições do meio rochoso propiciaram a construção de cidades em locais elevados e estrategicamente seguros frente às condições inóspitas dos Andes centrais.

1. INTRODUÇÃO Este trabalho investiga como a Ecologia da Paisagem pode ajudar a reconstruir o processo civilizatório andino (Fernández-Armensto, 2000; Menegat, 2006) tanto para entender os remanescentes materiais e o ambiente de uma cultura, como para decodificar os elementos de seu pensamento ou logos. Para tanto, parte-se de definições da paisagem (Troll, 2003; Sanderson & Harris, 2000; Bastian, 2001; Formam & Godron 1986; Naveh & Lieberman, 1994) como campo ecológico(Farina & Belgrano, 2004) e como uma totalidade primordial pertencente ao sistema cognitivo humano (Thomas et al., 1956; Lévi-Strauss, 2002[1962]). Ao longo do tempo, a humanidade vem desenvolvendo suas técnicas e cosmovisões em função das paisagens em que vive (Mumford, 1970[1938]; Mumford1998). Essas premissas são a base para enunciar um problema de pesquisa inovador: o que a matriz do lugar e a paisagem da região de Machu Picchu e Ollantaytambo podem informar sobre a construção das cidades incas e a cosmovisão que presidiu a sua localização? Para resolvê-lo, sugere-se a hipótese principal de que a cultura Inca considerou o papel das falhas geológicas na estrutura da paisagem e na matriz do lugar quando da localização e construção de suas cidades na região de Cusco. 2. OBJETIVOS Entender como a paisagem andina condicionou a construção das cidades incas de Machu Picchu e Ollantaytambo abre novos caminhos para interpretar uma das mais misteriosas civilizações do Novo Mundo (ver Burger & Salazar, 2004; Reinhard, 1991). Para tanto, faz-se necessário estabelecer interfaces interdisciplinares entre a Ecologia de Paisagem e as diversas disciplinas que estudam o processo civilizatório (Masuda et al., 1985; Haber, 2003). 3. MATERIAIS E MÉTODOS O estudo da matriz do lugar está vincado em trabalhos de campo efetuados em setembro de 1999 e junho de 2001 no segmento do vale do rio Vilcanota-Urubamba conhecido como Vale Sagrado, na região das províncias de Cusco, Anta e Urubamba, pertencentes ao Departamento de Cusco (ver Figuras 173, 174 e 175). Tal região pertencia à antiga província inca de Antisuyu (Figura 166). O Departamento de Cusco, com uma superfície de 71.892 km2 e uma população de 1.093.692 habitantes (GEP, 1998), subdivide-se em 13 províncias e situa-se na região dos Andes peruanos meridionais, conhecida como Inca. Sua capital, a cidade de Cusco, dista a 1.153 km ao sudeste de Lima. O clima é

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frio e seco durante seis meses do ano, chovendo mais intensamente no período de novembro a abril. A temperatura média anual situa-se entre 10,1 e 11,6oC. As cidades de Ollantaytambo, com coordenadas geográficas de 13o15’ S e 72o15’ W, e Machu Picchu, com coordenadas de 13o09’23” S e 72o32’34” W, distam 60 e 112 km de Cusco, respectivamente, e situam-se no vale Vilcanota-Urubamba, na província de Urubamba. Nessa região, foi possível identificar em trabalhos de campo falhas geológicas, analisar o relevo, as formas geométricas dos blocos rochosos em depósitos de tálus e em depósitos de geleiras, o padrão dos rios, nascentes de água e da distribuição da vegetação. Nas cidades antigas de Machu Picchu e Ollantaytambo, observaram-se os padrões geométricos dos blocos construtivos, técnicas de construção e de corte dos blocos rochosos, técnicas de distribuição de água e de plantio, entre outros. Além disso, a partir da análise de imagem de satélite foram identificados vários padrões de

lineamentos de diversas extensões e orientações. Os lineamentos são feições alinhadas reconhecidas na imagem de satélite. Tais feições podem resultar do alinhamento de cristas de montanhas ou vales, cursos d’água, fendilhamento de rochas, etc. Os lineamentos foram identificados em diferentes escalas, cuja orientação foi anotada no final de cada linha, conforme indicado nos mapas. 4. RESULTADOS A hipótese deste trabalho foi testada com diversos dados de campo e por meio da análise de imagens de satélite. A matriz do lugar é descrita como redes de falhas geológicas de várias ordens de escala. Na menor escala, analisada numa imagem de satélite composta da região de Cusco, observa-se uma rede de lineamentos com até 200 km de extensão. A maior escala foi identificada em fraturas e clivagens de extensão métrica a centimétrica. A interferência de, pelo menos, oito ordens de redes de falhas determina um padrão escalonado da drenagem estrutural, uma geometria típica do fraturamento dos blocos rochosos e uma forma final que adquirem após a esculturação dos agentes de erosão. Essa geometria varia desde formas de cubos perfeitos até formas irregulares e fractais. Esta, se repete com similaridade desde grandes tamanhos, como topos de montanhas e morros, até pequenos, como blocos de rocha em afloramentos. Por meio da análise de imagens de satélite e de dados de campo, foi possível identificar oito ordens de escalas de redes de lineamentos e falhas. Nas cinco primeiras escalas foram reconhecidas redes de lineamentos em um mosaico de imagens de satélite na escala de 1:3.125.000 (1a ordem), onde foram identificados lineamentos de até 175 km de extensão, e em imagens de satélite nas escalas de 1:1.724.000 (2a ordem), 1:667.000 (3a ordem), 1:357.000 (4a ordem), 1:192.000 (5a ordem), com detalhes nas escalas de 1:131.000 e 1:87.000. As três últimas ordens estão relacionadas a escalas de campo, onde foram identificadas falhas geológicas e fraturas de dezenas de metros em montanhas (6a ordem) e afloramentos (7a ordem), até poucos centímetros, em estiramento e fraturas de minerais em amostras de mão (8a ordem). As ordens das escalas foram selecionadas de acordo com o significado dos dados para o presente trabalho e estão sintetizadas na Tabela 1. Tabela 1 – Ordens e escalas de análise das redes de lineamentos, falhas e fraturas da região de Cusco. ORDEM

1a

1:3.125.000

2a

1:1.724.000

a

1:667.000

4a

1:357.000

5a

1:192.000

6a

1:15.000

7a

1:50

3

8

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ESCALA

a

1:5

PRINCIPAIS FEIÇÕES

Labirinto de cânions e vales fluviais estruturais no setor central de Cusco; Destacamse os lineamentos NW: Titicaca (55oNW), Cusco-Apurímac-Vilcanota (70oNW) e Apurímac inferior (35oNW). Vales estruturais na forma de arcos escalonados e losangos. Rede densa de lineamentos NE no setor de Machu Picchu; Destacam-se os lineamentos NE: Machu Picchu (20oNE). Vale sagrado com um setor leste com segmentos contínuos formando semihexágonos e um setor oeste formando dígitos. Cruzamento de lineamentos em Machu Picchu e lineamento do Caminho Inca (55oNW). Falhas e fraturas em morros e montanhas; similaridades de formas em várias escalas, como a de Wayna Picchu. Fraturas e clivagens em afloramentos; Formas de blocos rochosos de depósitos de tálus; Formas de blocos construtivos em remanescentes de muros e paredes. Fraturas e estiramento de minerais em amostras de mão.

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5. DISCUSSÃO Uma nova estratégia interpretativa resulta a partir desses dados para explicar a proeza construtiva dos incas. Na região da cordilheira andina, as cidades incas foram estabelecidas sobre falhas geológicas e, em muitos casos, exatamente onde várias delas se cruzam. Isso permitiu que os incas construíssem cidades em patamares elevados e seguros nas encostas montanhosas. Além disso, as zonas de falhas constituem-se em excelentes aqüíferos, cuja recarga dá-se sazonalmente pela chuva ou pelo derretimento das geleiras dos cumes nevados. 6. CONCLUSÕES Os construtores de Machu Picchu e Ollantaytambo consideraram as fraturas naturais da rocha para obter as diversas geometrias dos blocos utilizados nas edificações. Blocos com geometria fractal comparecem como monumentos localizados em lugares onde repetem a forma das grandes montanhas no horizonte. Isso sugere que os incas desenvolveram uma protogeometria, mais apropriadamente uma petrometria, e que o logos incaico operava com diversas relações de escalas, desde a local até a global. Com esses instrumentos culturais, eles construíram uma civilização de domesticação de falhas geológicas em uma região inóspita, os Andes Centrais. Esse processo civilizatório é muito distinto daquele dos sumérios ou egípcios, que domesticavam os rios e as planícies fluviais da Mesopotâmia e do Nilo. Essa é uma das razões pelas quais a Civilização Ocidental vê os incas sempre encobertos por mistérios indecifráveis. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bastian, O. (2001): Landscape Ecology – towards a unified discipline? Amsterdam, Landscape Ecology, n.16, pp. 757-766. Burger, R.L.; Salazar, L. (eds.). (2004): Machu Picchu: unveiling the mystery of Incas. New Haven: Yale University Press, 167 p. Farina, A., Belgrano, A. (2004): The eco-field: a new paradigm for Landscape Ecology. Ecological Research, n. 19, pp. 107-110. Fernández-Armensto, F. (2000): Civilizations. London: Macmillan. 636 p. Formam, R.T.T., Godron, M. (1986): Landscape ecology. New York: John Wiley and Sons. Haber, W. (2003): Landscape ecology as a bridge from ecosystems to human ecology. Ecological Research, v.19, n.1, pp.99106. Lévi-Strauss, C. (2002[1962]): O pensamento selvagem. 3ed. Campinas: Papirus, 323 pp. Masuda, S., Shimafa, I., Morris, C. (eds.). (1985): Andean ecology and civilization: an interdisciplinary perspective on Andean ecological complementarity. Tóquio: Universidade de Tóquio. Menegat, R. (2006): A matriz do lugar na interpretação das cidades incas de Machu Picchu e Ollantaytambo; um estudo de ecologia de paisagem e a reconstrução de processos civilizatórios. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Ufrgs. Mumford, L. (1970[1938]): The culture of cities. Nova York: A Harvest-HBJ, 586 p. Mumford, L. (1998): A cidade na história; suas origens, transformações e perspectivas. 4ed. São Paulo: Martins Fontes, 741 p. Naveh, Z.; Lieberman, A.S. (1994): Landscape ecology: theory and application. 2ed. New York: Springer-Verlag, 360 p. Reinhard, J. (1991): Machu Picchu: the sacred center. Nova York: Nuevas Imágenes, 112 p. Sanderson, J., Harris, L.D. (2000): Landscape Ecology; a top-down approach. New York: Lewis Pub., 246 p. Thomas, W.L., Mumford, L., Sauer, C.O. (1956): Man's role in changing the face of the Earth. Chicago: Chicago University Press, v.1, 448 p.; v.2. 740 p. Troll, C. (1958): Las culturas superiores andinas y el medio geográfico. Lima: Universidad de San Marcos, 54 p. Troll, C. 2003[1968]: Ecología del paisaje. México, Gaceta Ecológica, n. 68, pp.71-84.

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