Relações entre Ciências Emergentes e Teoria da Complexidade: Fronteiras com a Educação Popular

June 1, 2017 | Autor: Cleyton Feitosa | Categoria: Epistemología, Teoria Da Complexidade, CURRICULO, Educação popular
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XXVIII CONGRESSO INTERNACIONAL DA ALAS 6 A 11 de setembro de 2011, UFPE, Recife - PE

Grupo de Trabalho: 16 - Metodologia e epistemologia das ciências sociais

RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIAS EMERGENTES E TEORIA DA COMPLEXIDADE: FRONTEIRAS POR UMA EDUCAÇÃO POPULAR

Erton Kleiton Cabral dos Santos – UFPE/CAA – Brasil Cleyton Feitosa Pereira – UFPE/CAA – Brasil Ana Maria Tavares Duarte – UFPE/CAA – Brasil Ana Maria de Barros – UFPE/CAA – Brasil

Resumo Diante de novas epistemologias advindas das ciências sociais, estudamos em nosso trabalho a relação “paradigma da ciência emergente, teoria da complexidade e educação popular” numa perspectiva emancipatória e transformadora das diversas localidades subalternizadas. Para tanto, analisamos, à luz do pensamento de Boaventura de Sousa Santos (1999), o papel da ciência moderna, enquanto ferramenta secular de exclusão social e de validação de conhecimentos dos grupos dominantes, numa ciência sabidamente nada neutra. Avançamos refletindo a sobre sua crise nos tempos atuais, seus novos apontamentos e como essa emergência contribui para a emancipação social de sujeitos colonizados, através da educação popular, que se trata de uma modalidade de educação oposta ao modelo de educação numa perspectiva neoliberal: propõe-se dialógica, horizontal, humana, complexa (currículo integrado/saberes populares), libertadora e, portanto, política.

Palavras-chave: Epistemologia social. Teoria da Complexidade. Educação Popular. Currículo Integrado. Educação do Campo e Movimentos Sociais.

1. Introdução Na atualidade, dentre os tantos debates que emergem como conteúdos das ciências sociais e humanas, perpassam desde os novos saberes das minorias sociais, dos colonizados e subalternizados numa relação política e econômica, até seu modo de organização e rebeldia civil, em favor da luta por direitos e cidadania. Tal momento reflete a ação política de alguns movimentos sociais e demais segmentos da sociedade civil, uma vez que os mesmos, na contemporaneidade, vêm protagonizando embates e conflitos na esfera do Estado, por uma sociedade menos desigual, mais democrática e com justiça social. Historicamente, a ciência moderna refutou os saberes produzidos, somente por determinados grupos sociais, que acentuadamente ocuparam, e ainda ocupam, esferas de poder, no âmbito intelectual e político, pondo à margem, portanto, os saberes dos demais grupos, uma vez que estes últimos, não ocupavam os mesmos espaços na produção de saberes, e, portanto, na legitimação dos mesmos, como válidos pela ciência hegemônica, pelo seu rigor e método. Aquele grupo, detentor do conhecimento validado e científico e representativo da ideologia dominante, numa perspectiva positivista, deu vazão a teorias e concepções que hoje fundamentam a Ciência Moderna. Os saberes desenvolvidos no âmbito das Ciências Exatas e Naturais contribuíram para o desenvolvimento do modo de pensar, sobretudo, da cultura ocidental. As Ciências Sociais, por sua vez, buscando entender as relações numa dimensão humana, por vezes, se apropriou do método destas duas outras Ciências, com o objetivo de validar e sistematizar os saberes que lhes são característicos,

porém com especificidades e particularidades frente aos saberes de outras áreas de conhecimento reconhecidas. De acordo com alguns autores, como Santos (1999) e Morin (2001), que discutem as novas epistemologias das Ciências Sociais, este avanço metodológico mais tarde vem contribuir para o pensar e o fazer da Ciência, sob uma nova ótica, a da realidade social como contributo na elaboração destes novos saberes. Do homem e da mulher, do pobre, do oprimido, dos tantos vitimados por um sistema produtivo que exclui, segrega, marginalizando categorias sociais, em favor de uma minoria, esta detentora de poder e responsável pelos meios de comunicação, que de algum modo, controlam ideologicamente, o modo de pensar e portar-se da sociedade de um modo geral, difundindo conceitos e preceitos que legitimam o preconceito e a exclusão social, passam a ser abordagens nos estudos voltados ao campo de conhecimento das Ciências Sociais, sobretudo, na perspectiva dos estudos culturais. Neste sentido, julgamos importante, neste amplo debate, ressaltar a importância das políticas públicas, de cunho educacional e curricular, vigentes no Brasil que, ao longo dos anos, resultantes das variadas forças representativas do segmento sociedade civil, vêm conquistando, aportando, no âmbito do direito, as cidadanias colonizadas e subalternizadas, como cidadãos de direitos, assegurados constitucionalmente, no âmbito da diversidade social e cultural que emergem nestas lutas. Neste ínterim, desvela-se a realidade do negro e a luta pelas novas subjetividades; do índio e a luta por sua sua territorialidade e também por sua identidade étnica e cultural; do movimento LGTB1 a luta por visibilidade, cidadania e direitos, que de algum modo lhe são negados, paralelamente em que lhe é infringido o preconceito constituído social e culturalmente, pelas identidades que representam este segmento. Além desses segmentos, ainda há aquele constituído pelo homem do campo brasileiro, com os seus costumes, suas crenças, seu modo de vida e de viver, também, reflexos das desigualdades provocadas por um sistema econômico 1

O Movimento LGBT e os demais movimentos sociais, no contexto da luta política se relaciona de maneira próxima com a proposta aqui discutida neste artigo: ao reivindicarem diversos direitos, visibilidade e reconhecimento de suas identidades no âmbito público resultam por se apropriar de diferentes conhecimentos e produzem novos saberes a partir do seu olhar e de sua trajetória de vida. Estes conhecimentos se refletem e são produzidas nas diferentes áreas do saber: biológico, psicológico, antropológico, educativo, sociológico, jurídico, etc. Esta amálgama é foco de interesse do pensamento e da teoria complexa.

desigual, que também protagoniza lutas semelhantes. Este homem do campo, oriundo de uma realidade marcada pela ausência histórica de investimentos econômicos e sociais para o desenvolvimento de suas potencialidades, e pela negação de seus direitos básicos, como o de acesso à educação. Tendo em vista que esta passa a ser direito público subjetivo 2 conforme art. 208 do capítulo III que trata da educação, da cultura e do desporto da atual Constituição Federativa da República do Brasil proclamada em 1988, refletindo o momento político da época pós-ditadura e reabertura dos processos democráticos resultantes de ações políticas de diversos setores da sociedade civil, tais como intelectuais e movimentos sociais brasileiros. Estes são alguns dos atores sociais, que vêm contribuindo para este movimento de construção de novos saberes, que de algum modo sempre existiram no movimento histórico e cultural, mas até certo tempo deixado à margem de um debate, portanto, necessário na constituição dos novos saberes. A diversidade, presente no campo brasileiro desvela a própria constituição deste homem, frente as suas identidades culturais e sociais constituídas. Tendo em vista que o campo, embora apresente uma cultura local semelhante, representada pelo modo de vida do camponês, é constituído de elementos heterogêneos desde a sua população, uma vez que esta é composta de agricultores, extrativistas, pescadores, ribeirinhos, assentados e acampados da luta pela reforma agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas, que organizados por diversos setores da sociedade civil, através de movimentos sociais camponeses, apresentam como pauta reivindicatória, junto ao Estado, a posse da terra, o reconhecimento de suas etnias e territórios e novas subjetividades, assim como os elementos culturais que os diferenciam e particularizam, tendo em vista a vasta expansão territorial do Brasil e, portanto, suas peculiaridades regionais, acentuadas pela cultura local.

2

“Direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir direta e indiretamente do Estado o cumprimento de um dever e de uma obrigação. O titular deste direito é qualquer pessoa, de qualquer idade, que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória na idade apropriada ou não. É válida sua aplicação para os que, mesmo tendo tido acesso, não puderam completar o ensino fundamental. Trata-se de um direito subjetivo, ou seja, um sujeito é o titular de uma prerrogativa própria deste indivíduo, essencial para a sua personalidade e para a cidadania. E se chama direito público, pois, no caso, trata-se de uma regra jurídica que regula a competência, as obrigações e os interesses fundamentais dos poderes públicos, explicitando a extensão do gozo que os cidadãos possuem quanto aos serviços públicos. O sujeito deste dever é o Estado sob cuja alçada estiver situada essa etapa de escolaridade”. (CURY, 2002, p.21)

É fato que o debate sobre uma proposta de educação do campo é recente, uma vez que vem despertando curiosidades epistêmicas, principalmente nos últimos anos por pesquisadores, através de grupos de trabalhos em eventos científicos importantes, além da produção de dissertações e teses em programas de pósgraduação no país. Tal interesse reflete o incentivo de políticas públicas nos últimos anos para o desenvolvimento, mas também para a preservação das heranças culturais típicas do/a homem/mulher camponês/a. Os avanços produzidos por estas políticas atingem o movimento da reforma agrária, democratizando o acesso à terra, embora esta reforma ande a passos lentos para cultivo e moradia, além do movimento que atinge a esfera por uma educação do campo, uma vez que um modelo de educação do campo, democrático, igualitário, que reconheça as particularidades e identidades do campo são necessários, e o Estado necessita reconhecer a importância de tais fatores na elaboração e efetivação destas políticas. Neste sentido, desde 03 de abril de 2002, temos a resolução do Conselho Nacional de Educação e Câmara de Educação Básica que institui diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do campo3. Diante deste panorama explicitado, este artigo se constitui enquanto debate sobre os novos discursos que propalam na academia, que defendem a valorização e o reconhecimento dos saberes no âmbito do senso comum, que têm como desafio serem validados pela Ciência, uma vez que também são conhecimentos científicos. Baseado no pensamento epistemológico de autores como Boaventura de Sousa Santos ao dialogar com autores da Educação como Edgar Morin e Carlos Rodrigues Brandão, buscou-se realizar uma análise sobre os paradigmas da Ciência Moderna e sua crise, o que resultou no surgimento do paradigma emergente, preocupado com uma Ciência que contemple os saberes de todos os agentes sociais, culturais e humanos, numa perspectiva diversa e democrática. A metodologia adotada na tessitura deste trabalho busca dar vasão a uma discussão teórica proposta, portanto, por autores da Sociologia e da Educação, num confronto de ideias que fundamentam esta prática social, numa perspectiva epistemológica. Emerge do debate proposto pelo grupo de pesquisa “Educação, 3

A resolução n. 2, de 28 de abril de 2008 estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. A resolução n. 4, de 13 de julho de 2010 define diretrizes curriculares nacionais gerais para a educação básica, onde o capítulo II e a seção IV tratam da educação básica do campo, especificamente, como uma modalidade de ensino.

Inclusão Social e Direitos Humanos”, da Universidade Federal de Pernambuco, Centro

Acadêmico

do

Agreste,

certificado

pelo

Conselho

Nacional

de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico, UFPE/CAA/CNPq, na medida em que vêm focando seus estudos e pesquisas no âmbito do direito e inclusão social de gays, lésbicas, travestis, detentos, pessoas com necessidades especiais, sem terra, negros, do campo e da cidade, homens e mulheres, como uma prática em educação popular.

2. Educação do Campo e Movimentos Sociais no Brasil O Brasil é um país com o movimento de industrialização recente, datado principalmente a partir da década de 30 do século passado. Ao longo de sua história, a estrutura fundiária marcou profundamente a cultura, o modelo de sociedade instituído, como também o movimento histórico da nação. De acordo com alguns autores, embora o país tenha se consolidado por meio de uma estrutura tipicamente agrária, como produtora de açúcar, algodão, café dentre outros, tornando exportador desses produtos para diversos países, principalmente os europeus, que contribuíram para o processo de colonização e desenvolvimento, uma educação pensada para o campo e sua população, somente se deu a partir da constituição de 1934. De acordo com Fernandez (2004), ao citar Edla de Araújo Lira Soares, relatora do documento apresentado a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, quando em elaboração as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, e posta em vigor em três de abril de dois mil e dois, educação rural tem características de dominação e domesticação da população trabalhadora do campo, para a preservação da dominação e hegemonia inferida pelos grandes latifundiários, marcando o jugo, a exploração e opressão, que constituem o movimento da história do camponês brasileiro. Um modelo de educação do campo, como direito da população oriunda desta realidade, é um movimento recente. O fato de a Carta Magna de 1988 pontuar a educação como um direito de todos, sem dúvidas, contribui para este movimento, uma vez que amplia o debate no sentido de que o campo com suas especificidades históricas e culturais que os diferenciam da cidade, com sua população passam a ser sujeitos de direitos sociais, tal como o é, o direito à educação básica. A educação do campo no contexto Brasileiro se ampara, dentre muitas teorias educacionais que o fundamentam como um campo teórico da Ciência da Educação,

no pensamento elencado por alguns autores que fundamentam os processos de Educação Popular (FREIRE, 2005), (FREIRE, 1979), (SOUZA, 2006), (BRANDÃO, 1996), dentre outros. O movimento histórico brasileiro de educação no campo, e, portanto, de educação popular, de algum modo, buscou a conscientização dos atores sociais, desta população então oprimida por latifundiários, coronéis, nos quais além de vitimadas por uma realidade de ausência de investimentos para o desenvolvimento tinham violados inúmeros direitos assegurados pela nação ao cidadão brasileiro, inclusive ao voto democrático, este a história e literatura brasileira deste período, desvela características importantes para a compreensão da sociedade agrária no país. As campanhas de alfabetização, desde os anos de 1940 4, são exemplos deste movimento, que se não modificou a estrutura hegemônica das elites agrárias, contribuiu para o nascimento de movimentos sociais camponeses, que algumas décadas depois entraram em cena, reivindicando direitos e lutando por democracia. A educação do campo compreende as seguintes modalidades de educação básica: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação profissional técnica de nível médio integrada com o ensino médio. Ressalte-se que a Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade desta educação, tendo em vista atender a uma realidade bastante evidenciada em muitos espaços de nosso país, não somente o campo mais também a cidade, respondendo por um importante papel de inclusão social e de garantia do acesso ao direito à educação e que acentua os processos de escolarização contribuindo na emancipação social e intelectual dos sujeitos, na medida em que é democratizado o saber para a construção de novos saberes, numa perspectiva de educação popular. Uma escola do campo não é afinal, um tipo diferente de escola, mas sim é a escola reconhecendo e ajudando a fortalecer os povos do campo como sujeitos sociais, que também podem ajudar no processo de humanização do conjunto da sociedade, com suas lutas, sua história, seu trabalho, seus saberes, sua cultura, seu jeito. Também pelos desafios da sua relação com o conjunto da sociedade. Se é assim, ajudar a constituir os povos do campo como sujeitos organizados e em movimento. Porque não há escolas do campo sem a formação dos sujeitos sociais do campo, que assumem e lutam por esta identidade e por um projeto de futuro. Somente as escolas construídas política e pedagogicamente pelos sujeitos do campo, 4

De acordo com Antonio e Lucini (2007) “A partir da década de 1950-1960, porém, emergem e se consolidam movimentos ligados às mais variadas instâncias sociais, como os Movimentos de Cultura Popular (MCP), do qual participou Paulo Freire, o Movimento de Educação de Base (MEB), criado pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e os Centros Populares de Cultura (CPC), criados pela União Nacional dos Estudantes (UNE). É nessa emergência da educação popular nos anos de 1960 que o educador Paulo Freire demarca uma proposta de educação libertadora. (p 180)

conseguem ter o jeito do campo e incorporar neste jeito as formas de organização e de trabalho dos povos do campo. (CALDART, 2004, p. 110)

As escolas do campo têm suas especificidades, uma vez que as mesmas, do contexto em que estão inseridas, têm em seus processos educativos realizados tanto em espaços institucionalizados e tipicamente formais, como no edifício escolar, além de outros espaços, caracterizando a fragilidade e mesmo o descaso de alguns gestores públicos frente ao processo de educação nesta localidade específica. A título de exemplo, temos o Movimento dos Trabalhadores dos Sem Terra, que em seus acampamentos e pré-assentamentos, ao erguerem suas lonas pretas, constituem um espaço de escolarização, para suas crianças, jovens e adultos Sem Terra. Além da luta pela reforma agrária, a educação para o homem do campo se constitui numa bandeira hasteada pela garantia e seguridade, que deve ser gratuita, com qualidade e ofertada pelo Estado. Neste contexto, organizações civis representativas dos sujeitos coletivos de origem campesina contribuem para a elaboração de novas políticas públicas para o campo, na valorização do saber e da cultura desta territorialidade, na medida em que suas ações políticas apresentam esta finalidade e se concretizam na implantação e efetivação destas políticas sociais, seja no âmbito educacional, uma vez que uma escola do campo começa a ser pensada, com um projeto político pedagógico específico contemplando a temporalidade do campo brasileiro e seu movimento, currículo, avaliação, formação de professores, seja no âmbito econômico, uma vez que o debate sobre o desenvolvimento do campo, preservando a cultura e a história do povo camponês também é conteúdo político que perpassa a finalidade da escola neste espaço especificamente e, consequentemente, difusora de conhecimentos até então desprezados pela educação tradicional e conservadora. É, portanto, nos processos educativos que muitos dos Movimentos Sociais embasam sua luta, uma vez que, para a sua compreensão, a educação é entendida como um agente de transformação e conscientização, desencadeando um nível de politização, necessário à dinâmica do campo. Arroyo (2004), acerca disto, nos diz: “não só há no campo uma dinâmica social, ou movimentos sociais no campo, também há um movimento pedagógico” (p.68). Essa pedagogia que emerge das lutas sociais e que permeiam as ações dos movimentos sociais, se concretizam, portanto, em processos de formação política, mas que, em sua essência, são necessariamente pedagógicos. O político também é pedagógico, e o pedagógico

necessariamente tem de ser político, parafraseando e acordando com Freire (2001), uma vez que ambos são indissociáveis e interdependentes. Uma Filosofia da educação, no contexto do campo, nos faz refletir sobre a ação educativa, da identidade que particulariza cada sujeito, mas também do espaço enquanto território, e liberdade enquanto estadia, habitação, casa, residência e família, que, unidos, tornam-se agentes de um processo educativo na luta pela garantia de direitos, definindo novas espacialidades e territorialidades de poder, reconfigurando a geografia política e social. Tal reflexão nos remete, portanto, ao “Discurso da Hospitalidade”, entendendo a importância do acolhimento, “ao desconhecido, anônimo, que eu lhe ceda lugar, que eu o deixe vir, que o deixe chegar, sem exigir dele nem reciprocidade (a entrada num pacto), nem mesmo seu nome” (DERRIDA, 2003, p. 25), e respeito ao educando com suas respectivas peculiaridades e individualidades, no reconhecimento enquanto sujeitos de direitos de educação e também de terra para plantar, viver e cultivar. Nesses processos de transformação social e cultural cresce a consciência do papel da educação. Emerge a inquietude de se promover processos educativos que favoreçam a democratização da sociedade. O processo educativo desenvolvido nos movimentos sociais nas últimas décadas tem privilegiado a educação popular. Essa tenta favorecer os processos de libertação do povo e constitui parte substancial da prática pedagógica popular latino-americana. (RAMIREZ, 2004, p. 61)

Os fundamentos da Educação Popular subsidiam e tornam-se importantes para os processos educativos no contexto do campo, uma vez que atende as suas especificidades e particularidades de ensino e aprendizagem no sentido restrito de democratização do saber, a uma população que lhe teve negado o acesso aos bens produzidos pela humanidade e acumulado ao longo dos séculos, de natureza cultural, histórica, social e intelectual. Nesta perspectiva, Brandão (2006) nos apresenta dois sentidos, embora distintos, e, nas palavras do autor, “pouco usuais”, que caracterizam este processo de educação e que são “(...) primeiro enquanto o processo geral de reprodução do saber necessário anterior à divisão social do saber, como educação da comunidade; segundo, como o trabalho político de luta pela democratização do ensino escolar através da escola laica e pública” (p.45). É neste entendimento que a pedagogia da alternância é uma metodologia que contribui para a não evasão dos sujeitos educativos da escola, para a proposta educativa do MST para as escolas do campo em específico, alocadas em seu território de atuação política, como (pré) assentamentos e acampamentos,

(...) ela permite uma troca de conhecimentos e o fortalecimento dos laços familiares e do vínculo dos educandos com o assentamento ou acampamento, o MST e a terra. Podemos pensar a escola atuando em regime de alternância ou de pedagogia da alternância. Para isso podemos olhar e/o fazer a escola com dois momentos distintos e complementares: o tempo escola, onde os educandos têm aulas teóricas e práticas, participam de inúmeros aprendizados, se auto-organizam para realizar tarefas que garantam o funcionamento da escola, avaliam o processo e participam do planejamento das atividades, vivenciam e aprofundam valores; o tempo comunidade, que é o momento onde os educandos realizam atividades de pesquisa da sua realidade, de registro desta experiência, de práticas que permitem a troca de conhecimento nos vários aspectos. (CALDART, 2004, p. 104, 105)

Uma vez que se reconhecem às dificuldades de acesso à escola em tempos de chuva e colheita, requerer outros modelos e instrumentos avaliativos e de atividades extra-escolar são necessários ao sujeito do processo educativo, porém se dando na comunidade, na família, aprendendo com o coletivo no âmbito social, os saberes valorizados pela escola, Na busca constante de articulação entre os universos, muitas vezes opostos, teoria e prática; do mundo escolar com o mundo da vida e entre o abstrato e o concreto, a alternância coloca frente a frente realidades diferentes: a escola com a lógica da transmissão do saber e a família com a lógica da experiência com a pequena produção. Desse modo, a formação por alternância apresenta uma dinâmica que traz consigo a relação entre o meio escolar e o meio familiar. (ALMADA, 2005, p. 49)

Numa análise mais histórica, os processos de educação popular se deram entre camponeses através de projetos de alfabetização e politização, realizados não somente no Brasil, mas em toda América Latina a partir do fim década de 40 do século passado (BARBOSA, 2009) principalmente através da educação de jovens e adultos. No entanto, o autoritarismo do processo educativo em nosso país encontra dificuldade de dialogar com as novas exigências dos grupos, a exemplo dos camponeses, que lutam pela sua identidade e por um currículo específico. A matriz curricular é construída com um fim de homogeneizar e uniformizar os sujeitos dos processos educativos. Este currículo, na maioria das vezes, não comporta as particularidades necessárias para efetivação dos processos de aprendizagem a uma realidade específica. Segundo Silva (2007), a “seleção que constitui o currículo é o resultado de um processo que reflete os interesses particulares das classes e grupos dominantes” (p.46). Neste sentido, o currículo, entendido, como o pulmão da escola, de acordo com algumas correntes mais críticas dos estudos curriculares e consequentemente

dos processos de educação, como forma, acolhe o sujeito que se molda a um modelo estereotipado e estático, descontextualizado com a realidade histórica e cultural do aluno. Aos que não se adaptam pela ausência de debate em meio à diversidade cultural, social, étnico-racial e de gênero, restam à evasão da sala de aula, e de qualquer outro processo educativo que não acolhe, nem oferece uma educação prática e consciente que atenda as inquietações da realidade em que tal processo se consolida e que estes sujeitos se reconheçam. Deste modo, percebemos que os desafios para um modelo de educação e de escola do campo são diversos, não somente os fatores políticos, econômicos, geográficos e naturais interferem na efetivação deste processo. Outras dimensões, no bojo desta discussão, são relevantes. A título de exemplo, citamos as relações de gênero na escola e na cultura socialmente construída nas áreas do campo, que reforçam a divisão de trabalho entre homem e mulher, e as relações de poder e de participação social, nos quais os homens são privilegiados e, de algum modo, desfrutam deste prestígio, enquanto as mulheres são tolhidas do direito de participar ativamente da dinâmica política do campo e também da escola, quando estas ainda não foram escolarizadas, pois, além da demanda do trabalho, convivem com as tarefas domésticas, de cuidado dos filhos e do marido, dentre outras atribuições. A escola do campo para sua juventude torna-se um espaço importante, na medida em que, como instituição educativa, contribui para a inserção destes jovens na cultura letrada, rompendo com os estigmas carregados pelos pais como analfabetos e ignorantes (SILVA, 2009), apresentando como emergência inserir no processo educativo que lhe tem como finalidade, o debate das relações de gêneros arraigados na cultura campesina, e que violam o direito a humanidade e humanização dos seres sociais. É neste sentido que a educação no e do campo deve ser vista como uma questão de direitos humanos, no sentido de oportunizar à população campesina “o ser mais” (FREIRE, 2005) como homens e mulheres, uma vez que estes e estas, ao se apropriarem dos elementos da cultura letrada, tal qual a linguagem: oral e escrita, valorizada pelo saber escolar e necessária nas relações de sociabilidade entre os homens, (SOARES, 2010), têm a oportunidade de obter progresso dos negócios e da agricultura familiar (SILVA, 2009). Esta autora ainda nos fala sobre as marcas de gênero no campo, desvelado na cultura escolar,

(...) outro aspecto presente no processo de formação escolar dos jovens do meio rural diz respeito à diferenciação de gênero observada na procura do aprimoramento educacional. Vale ressaltar, ainda que a relação das jovens com o trabalho agrícola assume contornos diferenciados. A posição dos jovens homens no processo sucessório no interior da família, a penosidade da atividade agrícola e a não participação das jovens nas discussões sobre o futuro da propriedade têm sido apontados como fatores que, por um lado, afastam as jovens da atividade agrícola, favorecendo a migração para o meio urbano e, conseqüentemente, a ampliação do nível educacional e, por outro, contribuem para a masculinização da população rural. (SILVA, 2009, p. 02,03)

O currículo é um reprodutor ideológico, “são a expressão do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momento, enquanto que através deles se realizam os fins da educação no ensino escolarizado” (SACRISTÁN, 1998, p.17). Neste sentido, pode-se afirmar que a ideologia contida nos pensamentos que permeiam as bases curriculares no Brasil no movimento da contemporaneidade se fundamenta em uma política instituída de cunho neoliberal. Nesta perspectiva, a segregação das minorias sociais, numa relação contraditória, vai difundindo concepções arraigadas de segregação, preconceito, exclusão e intolerância, em comportamentos e ações que ferem e violam os princípios dos Direitos Humanos. Tais situações serão vivenciadas através do currículo oculto de cada sistema educativo, onde esta concepção se encontra presente. Esta é, sem dúvida, uma realidade que os processos educativos no contexto do campo enfrentam: concorrer com a lógica do mercado, de produtividade máxima, como o modelo do agronegócio, e de desenvolvimento acelerado, tendo em vista a urbanização. Nesta ótica, há uma corrente de pensadores que afirmam o movimento que põe em questão a brevidade do campo e sua tendência de tornar-se uma extensão da cidade, com centros industriais, tendo em vista o desenvolvimento acelerado proposto pela lógica capitalista. Contrariando esta ideia Antonio e Lucini (2007) nos dizem sobre a utilização da palavra campo em vez do rural, uma vez que para o nosso entendimento estas terminologias atendem a ideologias diferenciadas sobre uma mesma realidade. (...) uma nova concepção do rural, não mais como lugar de atraso, mas de produção da vida em seus mais variados aspectos: culturais, sociais, econômicos e políticos. Compreende também diferentes povos do campo, como os indígenas e quilombolas que, na lógica da sociedade capitalista, não são mencionados por diferirem das práticas capitalistas de produção [...] (p. 183)

A formação do sujeito desta realidade educativa tem no (a) professor (a), um dos aliados fundamentais. Sem cair no romantismo piegas de que sozinho este (a)

profissional poderá solucionar os conflitos que irá encontrar, mas, acima de tudo, compreendemos a formação do professor para esta realidade como uma necessidade em função do reconhecimento da legitimidade das lutas dos movimentos sociais do campo. É grande a responsabilidade social do educador frente aos desafios democráticos e frente à formação de crianças, jovens e adultos críticos, competentes e capazes de alterar sua realidade social, atuando como protagonistas na ação e movimento do campo. Dessa forma, estamos diante de uma proposta política que avance da formação do professor à formação da pessoa humana. É fato que muitos dos Projetos Políticos Pedagógicos de Cursos de graduação com enfoque na formação de professor não contemplam ações didáticopedagógicas em escolas do campo. Mesmo diante do atual processo de interiorização das universidades públicas brasileiras, que tem em sua maioria, estudantes oriundos do campo, a inexistência de componentes curriculares sobre a atuação destes profissionais, nesta realidade, é algo preocupante. A relevância de uma formação específica para os educadores que vivem ou atuam no campo vai além da formação inicial, perpassando a formação continuada. Entretanto é imprescindível que, aliada a esta formação, os docentes tenham a dimensão do compromisso social que precisam assumir com a realidade da escola do campo. Outro fato diz sobre as escolas do campo nem sempre se encontrarem institucionalizada em espaços formais, tidos como escola, o que indica o descomprometimento político dos gestores públicos frente a esta realidade. Muitas vezes, o processo educativo se dá na luta pela reforma agrária, debaixo de lonas pretas, como também em escolas carentes de recursos físicos, didáticopedagógicos. Muitos territórios do campo, ainda desprovidas de recursos tecnológicos básicos, tais como energia elétrica e água tratada, refletem esta realidade, que aponta para uma negligência do Estado para a garantia de direitos básicos da população, como saúde, educação e que inviabiliza os processos democráticos nas relações sociais. Nesta realidade, o trabalho docente no contexto do campo adquire uma função política, marcada por conflitos que atingem a esfera do poder municipal, que restringe a atuação dos professores em escolas do campo, como uma forma de punição e perseguição política, (BARROS, 2002) revelando a fragilidade no qual

enfrenta a política de educação do campo nacional. A seleção dos professores segue o padrão do favor e da tutela, sendo incipientes ainda os municípios que realizam concurso público como exige a Constituição Federal de 1988. É necessário ressaltar que a manutenção do clientelismo nos municípios, é bastante evidenciada nas práticas educativas em contextos semelhantes. Arroyo (2004) reflete, sobre os principais entraves que acentua o papel do professor para a realidade do campo: Como educadores, temos de ter sensibilidade para essa dinâmica social, educativa e cultural, e perguntar-nos que novos sujeitos estão se constituindo, formando, que crianças, jovens, adultos, que mulheres, que professoras e professores, que lideranças, que relações sociais de trabalho, de propriedades que valores estão sendo aprendidos nesse movimento e dinâmica do campo. O foco de nosso olhar não pode ser somente a escola, o programa, o currículo, a metodologia, a titulação dos professores. Como educadores temos de olhar e entender como nesse movimento social vêm se formando, educando um novo homem, uma nova mulher, criança, jovem ou adulto. (ARROYO, 2004, p.70)

Uma educação do e para o campo necessita ser pensada no sentido da emancipação social, cultural e de saberes. A valorização profissional, valor comumente contido nas teorias curriculares, também deve estar contida numa proposta de currículo para estas escolas, desde que contemple e forme para a realidade social do campo, levando em conta seus arcos ocupacionais como a agricultura, pecuária e as novas ruralidades dentre tantos outros ofícios que caracterizam a dinâmica da vida do campo: o seu homem, e os seus saberes, além de outras concepções que a escola precisa incorporar como um processo de educação efetivado em seu cotidiano, como o debate e relações de gênero numa perspectiva de direitos humanos.

3. O paradigma emergente e a sua relação com o conhecimento do senso comum: fronteiras com a educação popular – o saber adquirido na luta pela equidade social Com a derrocada do paradigma dominante e sua crise, surge um novo paradigma: o emergente. Boaventura de Sousa Santos nos vai dizer que “a configuração que se anuncia no horizonte só pode obter-se por via especulativa” (SANTOS, 1999, p. 36). E continua, dizendo que não é uma especulação qualquer, mas “fundada nos sinais que a crise do paradigma actual emite, mas nunca por eles determinada” (ibidem, p. 36).

Deste modo, Santos chama esse novo paradigma como “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente” (ibidem, p. 37) e explica: prudente porque científico e decente porque social e que não possui a arrogância e o elitismo do paradigma da ciência moderna que torna seus conhecimentos verdades absolutas impassíveis de objeção ou questionamento. Em face de Santos esclarece que todo conhecimento científico-natural é científico-social e afirma que a distinção entre as duas deixou de ter sentido e utilidade. Continua dizendo que o paradigma emergente é total rompendo com as ditas especializações que torna os cientistas “um ignorante especializado” e sendo total também seria local, na medida em que as diversas localidades se apropriariam destes conhecimentos para projetos de vida locais e seu desenvolvimento. O autor chama a atenção para a comunicação e difusão destes conhecimentos da ciência pós-moderna e diz que “o mundo é comunicação e por isso a lógica existencial da ciência pós-moderna é promover a situação comunicativa” a qual hoje seria mais fácil que nos séculos anteriores haja vista que os processos de comunicação estão mais acessíveis e as tecnologias avançaram no que diz respeito a essa questão comunicativa. Nesse contexto, Santos conclui sentenciando o senso comum como a mais importante forma de conhecimento e acusa a ciência moderna como ciência que “construiu-se contra o senso comum que considerou superficial, ilusório e falso”. Neste sentido a Educação Popular configura-se como um dos principais modelos de educação, no sentido de inserção social, intelectual numa perspectiva de formação educativa, na medida em que esta reconhece e considera os saberes populares, sistematiza-os e devolve estes conhecimentos em forma de novos saberes, construídos a partir da realidade do/a educando/a. Neste sentido, ao analisarmos a trajetória de luta e de organização dos Movimentos Sociais presentes no campo, mas não só tendo em vista que a dinâmica social campo-cidade e as desigualdades sociais são inerentes a ambas, e são estas as razões que os levam a se organizarem politicamente, com pautas reivindicatórias, compreendemos que o aprendizado e o saber adquirido no dia-a-dia da ação política destas organizações, é uma prática educativa, uma vez que a organização social promove a liberdade do sujeito, a autonomia, o reconhecimento de seus direitos e portanto, sua luta, no âmbito da reivindicação, do suporte social, uma vez que esta se dá no âmbito da coletividade destes atores sociais, este

paradigma desencadeiam outros que os complementam, tais como a organização, solidariedade, amizade, companhia, sinceridade, para além do pertencimento enquanto sujeito político, agente da transformação política e social . É fato que alguns destes movimentos, intimamente ligados às pautas reivindicatórias no âmbito dos direitos, tal como é a educação, na medida em que esta passa a compor a agenda política para além das suas concepções que objetivam atender as expectativas do aluno em meio a sua diversidade cultural, étnica e social, pela escola e o espaço educativo que o comporta. Não se tratando apenas de uma reinvenção da linha educacional tradicional, assim como muitos pensam diante da necessidade de uma proposta educativa voltada a realidade do homem do campo brasileiro, nem como também, resgate e valorização de algumas matrizes pedagógicas ainda não contempladas por propostas curriculares no âmbito nacional, tal como a Pedagogia do Trabalho, Pedagogia da Terra, Pedagogia da História, Pedagogia da Organização Coletiva, Pedagogia da Luta Social, Pedagogia da Práxis dentre outras. Ao fazer uso de tais matrizes, o processo de formação humana vivenciado pela coletividade constituída no movimento destes setores representativos da sociedade civil, torna-se uma possibilidade de educação para pensar-se lições de pedagogia, que possibilitem qualificar esta intencionalidade educativa junto a um número cada vez maior de pessoas, democratizando o acesso a educação e garantindo o seu direito a todos. Pois com estes elementos, o desenvolvimento da formação política, militante e ideológica torna-se mais fácil, uma vez que esta formação terá a capacidade de buscar por conta própria, os elementos almejados para fortalecer sua prática. Ou

seja,

construir

o

Projeto

Político

Pedagógico

das

escolas

de

Assentamento, Acampamento seja em áreas dos Sem Terra, seja em áreas Quilombolas, Indígenas com seus territórios, e tantos outros que compõe a realidade do campo brasileiro, significa trilhar uma opção coletiva por e pelo caminho político e pedagógico a ser percorrido. Político, no sentido de saber que posição a instituição educativa assume em relação às lutas e causas sociais que os motivam, e ao tipo de humanidade que pretende ajudar a formar e desenvolver, sem desigualdades e exclusão, e também no âmbito pedagógico, no sentido da concepção de educação e de escola que passa a orientar suas práticas educativas. Vale destacar o pensamento de Goldar (2009) frente ao que a autora denomina de ação política dos

Movimentos Sociais latino-americanos como paradigmas emancipatórios, “el accionar de los movimientos sociales contiene en sí, una dimensión intrísecamente política en una perspectiva emancipatória” (p.72). É verdade, que cada ação coletiva, apresenta uma razão para a mobilização, que por sua vez promove e desestabiliza a ordem civil, atingindo diretamente o Estado. Neste sentido, que enxergamos a relação com o pensamento complexo trazido à luz de Morin (2010), dentre outros expoentes, frente a mudança de pensamento, visando, portanto uma reforma na estrutura macro e micro social, e sem dúvidas, que através da educação e de seus processos educativos, podem ser alcançados. Esta relação encontra subsidio teórico também no pensamento de Freire, através da conscientização na promoção da libertação das classes oprimidas. A compreensão humana nos chega quando sentimos e concebemos os humanos como sujeitos; ela nos torna abertos a seus sofrimentos e suas alegrias. Permite-nos reconhecer no outro os mecanismos egocêntricos de autojustificação, que estão em nós, bem como as retroações positivas (...) que fazem degenerar em conflitos inexplicáveis as menores querelas. É a partir da compreensão que se pode lutar contra o ódio e a exclusão. (MORIN, 2010, p. 51)

É emergente, o debate que trás à tona, uma proposta educativa que desenvolva, não apenas, em seus educandos como também em seus educadores, o valor da apropriação e produção de conhecimentos, através do cotidiano, com suas práticas e costumes, onde através destes, outros diversos tipos de conhecimentos sejam desenvolvidos, fazendo das questões da realidade, a sua principal base de construção. Tal fato nos possibilita refletir, diferentemente da educação “bancária” que Freire denúncia, sem reflexão, sem emancipação dos sujeitos coletivos, os processos de educação popular quando afirma que não visa transferir conhecimento numa lógica de reprodução de desigualdades e desvalorização de qualquer conhecimento que não seja o científico da ciência moderna, tradicional, elitista, machista, branca, ou seja, do colonizador, mas também do colonizado, que visa construir novos conhecimentos úteis e progressistas no intuito de desenvolver de maneira emancipatória as diversas localidades/comunidades e desalienar as pessoas politicamente, que por conta dos interesses de classe vivem à sombra da exploração e da opressão capitalista e neoliberal, tornando-os os sujeitos descartáveis, uma vez que essa é a lógica do mercado global, produção em alta, custos baixos, o que reflete nos salários da classe trabalhadora, que também são

baixos e condições de trabalho subalternas ferindo os princípios dos direitos humanos, garantindo, portanto, segurança e melhores salários. De algum modo, isso nos remete a necessidade da organização civil na luta pela conquista dos direitos tolhidos e negados, a todas as minorias sociais, que quando unidas, por uma mesma ideologia, a da equidade e justiça social, tornam-se muitos, as vezes incontáveis, capazes de promover uma revolução social, necessária, até mesmo para a preservação do bem estar dos seres humanos, na atualidade e posteridade, uma vez que o capital, ao longo das últimas décadas, vem destruindo florestas, pondo em risco a sobrevivência da própria espécie. Nesta direção Brandão argumenta, A educação popular emerge como um movimento de trabalho político com as classes populares através da educação. Diante de um modelo oficial de educação compensatória, a educação popular não se propõe originalmente como uma forma mais avançada de realizar a mesma coisa. Ela pretende ser uma retotalização de todo o projeto educativo, desde um ponto de vista popular (BRANDÃO, 2006, p. 75).

Dentre as variadas relações entre as análises de Boaventura e a educação popular está a perspectiva do currículo integrado. Que difere do modelo de educação tradicional, elaborado de acordo com a lógica positivista, fragmentada e não-dialógica entre os diferentes conhecimentos, funcionando assim como fator anticomplexidade que reduz a realidade a “caixas compartimentalizadas”, fortemente classificadas, numa forma impositiva e vertical. A educação popular ao considerar os saberes populares integraliza-os sistematicamente com fins a construção de novos saberes integrados e complementares entre si. Neste debate, vale ressaltar a importância dos conteúdos valorizados pela sociedade e contemplados no currículo, sendo assim não queremos negligenciar, por à margem os conhecimentos já elaborados no movimento da historia, mas refletir com a possibilidade deste conhecimento elaborado histórico e culturalmente, com os saberes adquiridos por meio das experiências de vida, que refletem a realidade local, de onde os educandos são oriundos. Repensar a nossa escola e seus processos de educação, devem considerar enquanto prática pedagógica, os conhecimentos trazidos por seus alunos, como uma vivência dialógica e democrática, e não valorizando um saber em detrimento de outros tantos. Desta

maneira,

essa

educação

aparece

como

uma

ferramenta

transformadora, ao trabalhar com os sujeitos não como pessoas à margem dos conhecimentos científicos, que precisam da “luz” do professor (etimologicamente

„aluno‟ significa “sem luz”) mas, como pessoas humanas, que têm seus saberes como lógicas de suas vidas, considerando-os sujeitos de direito e clareando a eles seus direitos de cidadãos e cidadãs. Existe complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes. Ora, os desenvolvimentos próprios de nosso século e de nossa era planetária nos confrontam, inevitavelmente e com mais e mais frequência, com os desafios da complexidade. (MORIN, 2010, p. 14)

A educação popular bebe da fonte de seus mentores que viam o mundo como desigual e injusto, mas onde havia esperança através do fenômeno educativo: Paulo Freire, João Francisco de Souza e Carlos Rodrigues Brandão. Pensadores estes, que conceberam um modelo de Educação Popular não no sentido quantitativo, universal e expansivo de ser, mas uma educação popular preocupada com a emancipação do sujeito educativo entre as minorias sociais, entre os excluídos, subalternos e oprimidos. O saber construído nesta nova perspectiva de educação objetiva travar uma relação de diálogo entre o saber do senso comum a um saber sistematizado, e valorizado

nas

relações

sociais.

Em

nosso

entendimento,

esta

proposta

epistemológica propõe avançar nas discussões inerentes à Educação, na medida em que se valoriza o saber do sujeito educativo, que trás consigo a experiência de uma realidade ainda não desvendada pelos cientistas fechados em suas cápsulas e laboratórios de fabricar conhecimento, de algum modo, distante da realidade social, política e econômica que como atores sociais, também somos agentes no processo de

modificação desta,

na

participação e

nas conquistas pelo

direito e

reconhecimento das identidades silenciadas no movimento da história. Neste ínterim, as especificidades da questão camponesa, abordada em nosso estudo,5 justificam-se devido a importante e consistente luta política que os movimentos de luta por reforma agrária realizam no Brasil, que se estende à luta pela educação como direito, e com especificidades e à produção de novos conhecimentos. 5

A escolha do Movimento camponês não exclui a presença dos outros movimentos organizados da sociedade civil na produção e difusão de saberes complexos e populares. Do mesmo modo que o Movimento campesino, aqui poderiam ser explanadas as especidificidades e os protagonismos dos Movimentos LGBT, indígena, negro, feminista, ambiental e tantos outros que se inserem na luta contra a hegemonia opressora das sociedades mantidas em relações de poder hierárquicas e desiguais.

4. Considerações Finais A crise da Ciência Moderna possibilita o surgimento de novos paradigmas. Esta é uma dinâmica típica da Ciência, produzir saberes, confrontá-los e (re) produzi-los O paradigma da complexidade surge num contexto histórico e social, que o método positivista de análise não comporta, nem apresenta satisfatoriamente análises de novas realidades sociais. A educação, todavia, tem em seus processos e metodologias o desafio de atender a diversidade cultural que comporta uma sala de aula. O paradigma da heterogeneidade permite-nos entender e perceber que cada sujeito do processo educativo é único e com uma história de vida peculiar e distinta das demais. Neste sentido, o estímulo ao aprendizado deve-se se dar de modo que este contexto seja contemplado. Esta relação entra em consonância com os fundamentos da teoria curricular, sobretudo, os que surgem em perspectivas de inovações pedagógicas, a saber, a educação popular, e por sua vez a educação do campo, entendido como uma demanda necessária no sentido de atender um direito público subjetivo, ao homem deste território em específico, como também a luta dos segmentos representativos da sociedade civil pela conquista e a efetivação de tais direitos. Para compreender os novos paradigmas da Ciência, num sentido de explicar a realidade, se faz necessário refletir sobre, além dos processos de sociabilidade desenvolvidos no âmbito de cada cultura, o contexto social em que os mesmos se desenvolvem. Como área de conhecimento, tornam-se interesse, também, temáticas que atingem além da cultura, a esfera da espiritualidade, que se fundem e refletem no modo de ser e de porta-se frente à realidade. Os saberes, outrora constituídos na coletividade dos agentes sociais, no movimento da contemporaneidade, são saberes que compreendem a realidade social e sua dinâmica pelo direito e cidadania, com foco na inclusão social e reconhecimento de suas identidades. É neste sentido que entendemos que a pesquisa social é um processo educativo com procedimentos e metodologias que apresentam como desafio, atender à diversidade cultural que comporta a realidade empírica. O paradigma da heterogeneidade permite-nos entender e perceber que cada sujeito deste processo é único e com uma história de vida peculiar e distinta das demais, que na luta pelas suas cidadanias, tornam-se muitos devido às trajetórias trilhadas.

São os elementos encontrados no campo empírico que nos possibilitam afirmar que, dentre tantos desafios impostos à pesquisa em educação e social, na atualidade, concordamos com a necessidade de uma mudança de paradigmas (Santos, 1999) frente à produção deste conhecimento, frente ao posicionamento político e social caracterizadores de tais processos, pelo qual se tornam, uma questão emergente, o debate em torno da ação coletiva, e o modo de organização dos movimentos sociais enquanto sujeitos coletivos. Tratar a pesquisa e a produção de conhecimentos, na área das ciências Humanas e Sociais, consoante às ciências Exatas e da Natureza, é desprezar as especificidades e a natureza de cada área do saber, do mesmo modo que analisar algo de forma isolada, sem levar em consideração os fatores que influenciam direta e indiretamente o objeto de estudo representa uma perca teórica. Ao pensar holisticamente, o pensamento complexo contribui para a humanidade obter conhecimentos mais credíveis e certeiros, ao mesmo tempo em que não despreza o saber do senso comum, importante para o reconhecimento de grupos e segmentos excluídos da sociedade e também para a própria ciência que ficaria enriquecida e ampliada a partir não apenas dos laboratórios opacos e sem vida, mas do olhar e das trajetórias de vida dos sujeitos populares.

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