RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE MATO GROSSO DO SUL: COMÉRCIO, INVESTIMENTOS E FRONTEIRA

Share Embed


Descrição do Produto

RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE MATO GROSSO DO SUL: COMÉRCIO, INVESTIMENTOS E FRONTEIRA Lisandra Pereira Lamoso ORGANIZADORA

Conselho Editorial Ana Claudia Santano – Doutora e Mestre em Ciências

Ligia Maria Silva Melo de Casimiro – Mestre em Direito

Jurídicas e Políticas pela Universidad de Salamanca, Es-

do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São

panha. Pós-doutoranda em Direito Público Econômico

Paulo. Professora de graduação e pós-graduação, da

pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Profess-

Faculdade Paraíso – FAP, em Juazeiro do Norte, Ceará,.

ora de diversos cursos de pós-graduação no Brasil e no

Professora substituta da Universidade Regional do Cariri

exterior.

– URCA, professora colaboradora do Instituto Romeu Felipe Bacellar desde 2006, em Curitiba, Paraná.

Emerson Gabardo – Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do Paraná. Professor de Direito Econômico da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-doutor em Direito Público Comparado pela Fordham University. Fernando Gama de Miranda Netto – Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro. Professor Adjunto de Direito Processual da Universidade Federal Fluminense e membro do corpo permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Sociologia e Direito da mesma universidade.

Luiz Fernando Casagrande Pereira – Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Coordenador da pós-graduação em Direito Eleitoral da Universidade Positivo. Autor de livros e artigos de processo civil e direito eleitoral. Rafael Santos de Oliveira – Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre e Graduado em Direito pela UFSM. Professor na graduação e na pósgraduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria. Coordenador do Curso de Direito e editor da Revista Direitos Emergentes na Sociedade Global e da Revista Eletrônica do Curso de Direito da mesma universidade.



Editora Íthala Ltda.

Capa: Duilio David Scrok e Liziane Sutile

Rua Aureliano Azevedo da Silveira, 49

Projeto Gráfico e Diagramação: Liziane Sutile

Bairro São João

Revisão: Vera Lucia Barbosa

82030-040 – Curitiba – PR Fone: +55 (41) 3093-5252 Fax: +55 (41) 3093-5257 http://www.ithala.com.br E-mail: [email protected] Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos publicados na obra. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Íthala. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo art. 184 do Código Penal.

Lisandra Pereira Lamoso ORGANIZADORA

RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE MATO GROSSO DO SUL: COMÉRCIO, INVESTIMENTOS E FRONTEIRA

EDITORA ÍTHALA CURITIBA – 2016

AUTORES LISANDRA PEREIRA LAMOSO (ORGANIZADORA) Lisandra Pereira Lamoso tem Doutorado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (2001); Mestrado em Geografia pela mesma instituição (1994) e Licenciatura e Bacharelado em Geografia pela Unesp de Presidente Prudente (1990). É Professora na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), com atuação no Programa de Pós-graduação em Geografia e nos cursos de Graduação em Geografia e Bacharelado em Relações Internacionais. Líder do Grupo de Estudos Sócio-econômico-ambiental de Mato Grosso do Sul . Realizou estágio de pós-doutoramento no Programa de Pós-graduação do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2009. Bolsista de Produtividade em Pesquisa II do CNPq. E-mail: [email protected]

ADRIANA KIRCHOF DE BRUM Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Maria (2001), Mestre em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005) e Doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010). Docente na Universidade Federal da Grande Dourados, no Bacharelado em Relações Internacionais. E-mail: [email protected]

ARTHUR PINHEIRO DE AZEVEDO BANZATTO Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), com bolsa da CAPES. Membro do Núcleo de Estudos Latino-americanos (NEL/IREL/UnB). E-mail: [email protected]

DAVI LOPES CAMPOS Graduado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Mestre em Estudos Fronteiriços, pela mesma instituição. Professor no Colégio Militar de Brasília. E-mail: [email protected]

EDGAR APARECIDO DA COSTA Licenciado em Geografia pela Universidade Católica Dom Bosco (1991), Mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998) e Doutor em Geografia pela mesma instituição (2004). Docente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campus do Pantanal, onde também exerce o cargo de Diretor do Campus (gestão 2012-2017). E-mail: [email protected]

FÁBIO MACHADO DA SILVA Graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Pós-graduado em Direito Ambiental, em Direito Processual e em Direito do Consumidor. Mestre pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Delegado de Polícia Federal no Estado de Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]

GABRIEL NARCISO PAREJA Bacharel em Relações Internacionais na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Realizou estudos complementares na Universidad Autónoma de Yucatan (México). E-mail: [email protected]

GERMANO KAWEY FERRACIN HAMADA Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO (2011). Mestre pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. E-mail: [email protected]

GUSTAVO PINHEIRO DA SILVA AMORIM Bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Foi Presidente da Interi Junior - Empresa Junior de Relações Internacionais (mandato 2012-2013). Trabalhou como Assessor de Desenvolvimento no Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético (CEISE) (2013-2014). Atualmente cursa a Pós-graduação em Gestão em Negócios Internacionais (International Business Management) pelo Seneca College em Toronto - Canadá, e atua como Student Ambassador (Representante) na incubadora de empreendedorismo da mesma instituição. E-mail: : [email protected]

KARLA KANANDA CORDEIRO DA CRUZ Bacharel em Relações Internacionais na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: [email protected]

MARCO AURÉLIO MACHADO DE OLIVEIRA Graduado em História pela FUCMAT (1988) e Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (2001). Docente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campus do Pantanal, e Coordenador do Mestrado Interdisciplinar em Estudos Fronteiriços da mesma instituição. E-mail: [email protected]

TOMAZ ESPÓSITO NETO Graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003), Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006) e Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012). Docente na Universidade Federal da Grande Dourados. Chefe do Escritório de Assuntos Internacionais na mesma instituição. E-mail: [email protected]

VÂNIA DE OLIVEIRA SABATEL Graduada em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998). Gestora de desenvolvimento rural da Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]

VINÍCIUS SOUZA ANDRADE Bacharel em Relações Internacionais pela UFGD (2014). Atuou como estagiário do Escritório de Assuntos Internacionais da UFGD entre 2011-2013 e atualmente atua no setor de exportação de commodities. E-mail: [email protected]

APRESENTAÇÃO A coletânea “Relações Internacionais de Mato Grosso do Sul: comércio, investimentos e fronteira” socializa resultados de pesquisas que tiveram como objetivo maior compreender o processo de desenvolvimento econômico do estado a partir do tripé formado pelas exportações de commodities, pelos investimentos externos e sua condição de fronteira que, ao mesmo tempo, apresenta questões universais a outras fronteiras e particularidades regionais que quando conhecidas, impõem novas pautas às políticas públicas de integração regional. Desde o ano de 2010, quando iniciei as atividades de docência no Bacharelado em Relações Internacionais, na Universidade Federal da Grande Dourados, tenho me deparado com uma lacuna bibliográfica que discuta o comércio exterior de Mato Grosso do Sul, visto não ser este um estado com relevante participação na balança comercial brasileira e, por não sê-lo, não tem merecido a devida atenção. Esta foi a primeira justificativa para a elaboração de projetos cujos resultados estão apresentados neste volume. As características da inserção internacional, a composição de importações e exportações por fator agregado e uma análise da balança comercial do estado estão no capítulo escrito por Adriana Kirchof de Brum e Gustavo Pinheiro da Silva Amorim, “A inserção internacional de Mato Grosso do Sul: uma análise pela pauta exportadora e importadora”. No comércio exterior do estado, como acontece com a economia brasileira, a China tem assumido um protagonismo merecedor de análises sobre seus efeitos, desdobramentos e implicações para a verticalização ou não das cadeias produtivas baseadas em produtos primários. Não por acaso, a expressão “parceria estratégica” faz parte do título do capítulo escrito por Tomaz Espósito Neto e Karla Kananda Cordeiro da Cruz, “Os resultados da parceria estratégica Brasil-China para o fortalecimento comercial da cadeia produtiva da soja no Mato Grosso do Sul 2003-2013”. É apresentado e analisado um conjunto de informações,

entre as quais destaco a criação de empregos formais em função de uma relação que foi importante para manter a economia após a crise de 2008. O terceiro capítulo é parte da dissertação de mestrado de Germano Kawey Ferracin Hamada, defendida no Programa de Pós-graduação em Geografia da UFGD, sobre “Investimento Estrangeiro Direto (IED) no Mato Grosso do Sul” em 2014, sob minha orientação. Entre tantos méritos, destaco o trabalho realizado pelo autor na extração de dados do IED, do Censo de Capitais Estrangeiros publicado pelo Banco Central. Centenas de abas foram abertas, mês a mês, e organizadas em planilhas de Excel para que conhecêssemos a origem dos investimentos externos que chegam ao estado. Seu mapa síntese permite uma ampla agenda de pesquisa. Os capítulos que seguem foram produzidos a partir de Trabalhos de Conclusão de Curso defendidos na Faculdade de Direito e Relações Internacionais (FADIR), na UFGD, também no ano de 2014, sob minha orientação. Vinícius Souza Andrade já estava no mercado de trabalho, atuando em uma trading exportadora quando decidiu entender o que estava em curso no transporte da produção de pasta química de madeira por duas grandes empresas localizadas no município de Três Lagoas (Fibria e Eldorado). De seu esforço derivou “O setor de celulose e papel em Três Lagoas - MS: inserção no mercado internacional e transformações logísticas”. Gabriel Narciso Pareja escreveu sobre “Logística e relações de mercado na produção de minério de ferro de Mato Grosso do Sul”. A dificuldade de acesso a informações mais sensíveis para a formação de custos das empresas não impediu que o autor conseguisse apresentar dados sobre o transporte como um ponto de estrangulamento para se colocar o minério de Corumbá no mercado externo, ficando dependente da via fluvial e deixando uma incógnita sobre qual deve ser o preço mínimo da tonelada de minério para conferir lucro à indústria extrativa, compensando assim a extração na Morraria do Urucum. Os três últimos capítulos discutem algo que tem se tornado destaque nas pesquisas sobre o estado, a condição de fronteira. Vânia de

Oliveira Sabatel e Edgar Aparecido da Costa produziram “Territorialidades fronteiriças e interações socioeconômicas entre comunidades rurais na fronteira Brasil-Bolívia”. A parceria entre os autores se apresenta bem sucedida na revelação da complexidade existente na fronteira, a partir do trabalho de campo que dá fala aos sujeitos que nela moram e trabalham, principalmente nos assentamentos rurais. Destaque para a Carmen de la Frontera. Creio que mesmo os estudiosos de Geografia Agrária se encantem com o nível de detalhes que chega a abordar, como lazer, esportes e religião, além do comércio de hortaliças e da relação, nem sempre conflituosa, entre grandes projetos e comunidades atingidas (caso do Gasoduto Bolívia-Brasil). No cotidiano da fronteira, entre tantas relações que constroem o espaço banal (de Milton Santos), aparece a questão de como trabalhar o processo regulatório e os marcos jurídicos que podem facilitar ou dificultar o intercâmbio. O assunto é tratado no capítulo “Documento especial fronteiriço: acordos internacionais e desacordos locais”, escrito por Marco Aurélio Machado de Oliveira, Fábio Machado da Silva e Davi Lopes Campos. Assim como Vânia Sabatel e Edgar Costa, trata-se de uma pesquisa realizada no Mestrado de Estudos Fronteiriços da UFMS - Campus de Corumbá. Por ser multidisciplinar e profissional, contou com a participação de um delegado da Polícia Federal, Fábio Machado da Silva, que contribui na ponte entre o olhar acadêmico e a necessidade pragmática imposta pelas instituições de controle. O texto discute a relação entre identidade e identificação, com potencial de subsídio para que a política pública nas fronteiras possa ser aperfeiçoada. Esse aperfeiçoamento passa pela importância da Paradiplomacia, que é o tema do último capítulo, escrito por Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto, “A importância da paradiplomacia e da integração fronteiriça para o fortalecimento da integração regional no Mercosul”. Arthur foi orientado em seu Trabalho de Conclusão de Curso em Relações Internacionais pelo Professor Doutor Henrique Sartori de Almeida Prado, que é pioneiro na discussão sobre Paradiplomacia no Mato Grosso do Sul. O texto historia o ordenamento jurídico, com enfoque na gover-

nança fronteiriça, e nos coloca a necessidade do empoderamento dos governos subnacionais. O conjunto dos trabalhos apresentados muito me honra como coordenadora e compõe um conjunto coeso que conseguiu dar respostas aos objetivos da pesquisa maior que organizou esta rede de pesquisadores. Agradeço o auxílio financeiro do CNPq (Chamada: Universal 14/2012 - Faixa C) e Fundect por meio do Edital Chamada FUNDECT/ CNPq nº 06/2011 que permitiu a socialização dos resultados nesta forma impressa. Externo meu mais profundo agradecimento à colaboração, sempre produtiva, dos colegas do Campus Pantanal (UFMS), Marco Aurélio Machado de Oliveira e Edgar Aparecido Costa, por aceitarem os desafios sempre que lhes proponho mais trabalho do que já têm. Aos colegas do curso de Relações Internacionais, da Faculdade de Direito e Relações Internacionais (UFGD), especialmente Henrique Sartori, que não está presente como autor porque o momento dessa finalização conflita com um conjunto de afazeres na administração central da UFGD, na qual exerce o cargo de Chefe de Gabinete. Agradeço por todas as portas abertas, pelo contato com a Escola de Governo, Ministério da Integração e com a Editora que escolhi para viabilizar a publicação deste livro. Para encerrar a lista, foi imprescindível contar com a colaboração dos colegas docentes do curso de Geografia, graduação e pós-graduação, de onde parte meu “núcleo duro” e aos “prestativos” e “iluminados” orientandos Fábio Lima e Cristóvão Henrique Ribeiro da Silva (eles vão entender os elogios, pois são termos que surgiram espontaneamente em uma de nossas confraternizações anuais). Convido todos à leitura e a compartilhar a experiência prazerosa que nós vivemos nos últimos anos em busca, se não de respostas, muito mais de perguntas que criamos para compreender o Mato Grosso do Sul. Lisandra Pereira Lamoso

Sumário A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL: UMA ANÁLISE PELA PAUTA EXPORTADORA E IMPORTADORA........................................................................................ 15 Adriana Kirchof de Brum Gustavo Pinheiro da Silva Amorim OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASILCHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL DA CADEIA PRODUTIVA DA SOJA NO MATO GROSSO DO SUL 2003-2013.... 39 Tomaz Espósito Karla Kananda C. da Cruz INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL ...................................................................................... 69 Germano Kawey Ferracin Hamada O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS: INSERÇÃO NO MERCADO INTERNACIONAL E TRANSFORMAÇÕES LOGÍSTICAS...................................................... 93 Vinicius Assunção. LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL........................119 Gabriel Narciso Pareja TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS ENTRE COMUNIDADES RURAIS NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA........................................................... 149 Vânia de Oliveira Sabatel Edgar Aparecido da Costa

DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS E DESACORDOS LOCAIS.................................181 Marco Aurélio Machado de Oliveira Fábio Machado da Silva Davi Lopes Campos A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E A ATUAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL NESSE CONTEXTO................................. 209 Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL: UMA ANÁLISE PELA PAUTA EXPORTADORA E IMPORTADORA Adriana Kirchof de Brum Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

1.

INTRODUÇÃO

Com o processo de globalização vivenciado a partir do século XX, iniciou-se uma nova era do capitalismo, na qual a atuação dos atores internacionais não se restringe mais às fronteiras dos estados, e o crescimento econômico torna-se vinculado a rede mundial de mercado. No Brasil, o processo de inserção internacional ocorreu por duas vias principais: a realização de investimentos externos diretos intensificados, sobretudo, a partir do governo de Juscelino Kubitschek e da absorção das empresas multinacionais no território brasileiro, como a Ford, a Volkswagen e a General Motors, e do aumento da participação das exportações voltadas ao atendimento da demanda externa, sobretudo, de commodities. Em se tratando de Mato Grosso do Sul, o comércio exterior se intensificou a partir do final dos anos 1990, com a abertura comercial e a inserção de multinacionais como a Fibria, a JBS e a Archer Daniels Midland (ADM) em regiões estratégicas de seu território e atreladas ao setor primário. Esses novos ‘atores’ da economia sul-mato-grossense representam elementos-chave para o entendimento do crescimento econômico 15

do estado e sua inserção internacional, visto que o volume crescente das exportações encontra-se atrelado à expansão dessas empresas. A grande demanda externa por produtos primários, de países como China e Argentina, destaca o estado de Mato Grosso do Sul como grande exportador de commodities: soja, carne bovina e minérios de ferro, por exemplo, sendo visto como grande oportunidade de negócios e atração para investimentos externos. Tendo o seu território localizado no Centro-oeste brasileiro, região de forte tradição na agropecuária extensiva, o estado de Mato Grosso do Sul se beneficiou com o avanço da mecanização ocorrida nas últimas quatro décadas, onde novas fronteiras agrícolas se consolidam e ganham maior capacidade de inserção, passando a despertar o interesse de outros setores da iniciativa privada. Corroborando para esse cenário, destaca-se o processo de desconcentração industrial ocorrido a partir da estabilização da economia em 1994, com o deslocamento de plantas industriais principalmente de São Paulo e da região Sul do Brasil, que buscavam outras regiões diante de uma nova visão estratégica do setor, atraídas por vantagens regionais, como abundância de matéria-prima, benefícios fiscais, configuração de novos eixos logísticos etc. Atraídos pela grande oferta e imenso potencial de expansão da produção de matérias-primas básicas da agroindústria, como grãos, carnes, madeira e cana-de-açúcar, o capital industrial que até poucos anos estava concentrado nas regiões Sudeste e Sul do Brasil passou a se deslocar, a cada ano, com maior velocidade em direção ao Centro-oeste. Tendo em vista os aspectos levantados e dada a relevância econômica que tem despertado nos cenários nacional e internacional, o presente capítulo tem como objetivo principal analisar as características de inserção internacional de Mato Grosso do Sul, a partir do estudo das pautas exportadora e importadora do estado. Visando sua posição geográfica, suas políticas de incentivo ao capital estrangeiro, proximidade dos portos de São Paulo e suas facilidades logísticas, o volume das

16

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

exportações do estado destaca-se entre as demais unidades da federação que maior crescimento apresentam.

2.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL

A economia do Brasil sofreu diversas alterações em sua história em virtude, principalmente, das mudanças ocorridas no cenário global e na demanda externa. Segundo Rangel (2005, p. 322), “A economia brasileira, desde a descoberta, desenvolve-se como complemento de outras economias [...]”,ou seja, grande parte das mudanças, tanto nas trocas comerciais do país, como na própria produção econômica, ocorre principalmente em função de fatores externos. Desde os tempos da colonização, o país dinamiza sua estrutura produtiva em função das demandas de comércio internacional, dando prioridade às necessidades comerciais definidas pelos centros mercantis. Ao passar pela evolução econômica nacional, desde o período colonial até meados do século XX, visualizam-se três grandes ciclos produtivos: cana-de-açúcar, ouro e café. Baseada no sistema de plantation, a economia brasileira teve sua origem enraizada nos latifúndios, focada no setor primário, o que passou a auxiliar no surgimento de uma grande dependência do país em relação ao exterior e uma monocultura exportadora, deixando a economia nacional à mercê do mercado e das demandas externas, característica essa que pode ser evidenciada nos dias de hoje. Após a Grande Depressão de 1930 e a intensificação do processo de substituição de importações, a postura do comércio exterior do Brasil em relação ao resto do mundo foi, em parte, reconsiderada. Em decorrência do estrangulamento externo e da redução das exportações nacionais, o país priorizou, sobretudo, a expansão da matriz industrial a despeito do comportamento do setor primário. De certo modo, as mudanças introduzidas na economia nacional levaram a uma ampliação do papel do Estado após a Grande Depressão, relacionadas às intenções do governo brasileiro em protegê-la dos A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

17

efeitos da crise mundial, além de apoiar e acelerar o processo de industrialização por meio de uma perspectiva intencional. Nesse sentido, o governo de Vargas representou um marco na forma de administrar a crise internacional, pois, se por um lado, apoiou a renda da economia do café, por outro, implantou a primeira grande onda de substituição das importações, começando pelos bens de consumo e equipamentos menos sofisticados. O incremento da atividade industrial avançou por um longo período compreendido entre as décadas de 1930 e 1970. No entanto, apesar do avanço no processo de industrialização substitutiva, durante a década de 1960, de forma a atingir patamares menores na importação de produtos manufaturados para abastecer o mercado interno, o Brasil acabava tendo sua inserção internacional esbarrada nos baixos índices de produtividade, decorrentes da falta de investimentos em tecnologia, bem como pela incapacidade de criar novas linhas de exportação a partir dos setores produtivos que presenciavam a expansão. Durante os anos 1970, embora a iniciativa do Estado ocorresse no sentido da criação de indústrias de base, capazes de adensar a atividade industrial, não se verificavam mudanças qualitativas de grande alcance que modificassem a estrutura vigente caracterizada pela dependência vis-à-vis da exportação de alguns produtos primários ou industriais com baixo valor agregado. Se por um lado, o significativo crescimento do PIB, especialmente a partir de 1970, combinado com a liberalização das importações tenha contribuído para a expansão da produção interna, inclusive permitindo às indústrias que atingissem a capacidade total de produção, por outro lado, o surgimento dos gigantescos déficits comerciais em 1974, relacionado aos elevados aumentos do preço do petróleo, acabou agravando a imagem da economia brasileira no cenário internacional.

18

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

GRÁFICO 1: Balança comercial brasileira, 1950 a 2013 (us$ bilhões fob)

Fonte: MDIC (2013).

Ao analisar o gráfico 1, nota-se um crescimento brando das exportações dos anos 1970 até meados de 1990, período no qual o Brasil ainda possuía uma economia mais fechada, pautada no predomínio da produção doméstica e pouco contato com o mercado mundial. A partir dos anos 1990, nota-se um crescimento mais acentuado das exportações e importações, o que pode ser explicado pela abertura comercial, iniciada na mesma década. Apesar do processo de industrialização anterior à abertura econômica, verifica-se a permanência de um estruturalismo que impõe limites ao processo de dinamização da pauta de comércio internacional do Brasil.

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

19

GRÁFICO 2: Exportação brasileira por fator agregado, 1964 a 2012 (US$ milhões)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados MDIC (2013).

Tem-se, a partir do início do século XXI, uma predominância das exportações de produtos primários (básicos), em detrimento dos produtos manufaturados, e apesar de ainda existir uma constante no crescimento de ambos, a pauta exportadora nacional encontra-se voltada à exportação de commodities (GRÁFICO 2), na contramão do fluxo comercial verificada nos países centrais.

3.

ASPECTOS DA ECONOMIA SUL-MATO-GROSSENSE

Mato Grosso do Sul possui uma economia predominantemente baseada no agronegócio e, assim como em escala nacional, o estado, ao longo da segunda metade do século XX, intensificou a geração de produtos primários, de forma a aumentar sua participação no comércio internacional a partir dos anos 1990. O crescimento econômico do estado no século XX teve como base a agricultura, no cultivo de arroz, trigo, milho, feijão, cana-de-açúcar e, principalmente, soja, sendo esse último um dos produtos que destacaram o estado como maior produtor e exportador no país (IBGE, 2013). No setor da pecuária, o estado se destacou também como um 20

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

dos maiores exportadores de carne bovina do Brasil, segundo dados do Ministério do Crescimento, Indústria e Comércio Exterior (2013), possuindo rebanhos de asininos (burros, jumentos), equinos (cavalos) e muares (mulas). No setor da mineração, Mato Grosso do Sul possui jazidas de manganês, mármore, calcário, ferro e estanho, principalmente na região do município de Corumbá. Analisando o comportamento dos grandes setores, que compõem o PIB do estado, ao longo do período de 2002 a 2010, os resultados mostram que o setor primário apresentou um crescimento médio anual de 4,42%, tendo, nos anos de 2003 e 2010,alcançado os melhores desempenhos, um crescimento de 24,84% e 25,47% respectivamente, acumulando um ganho real de 29,08%, tendo como base o período entre 2002 e 2010 (SEMAC, 2010). O desempenho econômico favorável desse setor no período em questão reflete o crescimento da economia mundial, o qual permitiu um aumento de produção dos principais produtos de cerca de 40% em 2010 em relação ao ano anterior. O estado de Mato Grosso do Sul passou a ser visualizado como um importante expoente da indústria agropecuária nacional a partir de 1970, sendo alvo da realização de investimentos e modernização da matriz produtiva desde então. Em meados dessa década, o estado tornou-se atrativo à realização de investimentos a partir dos incentivos governamentais de cooperação internacional para o crescimento e programas como o PRODECER(Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados), que tinha como objetivo aproveitar o território sul-mato-grossense, tornando-o mais produtivo. Destacaram-se entre os objetivos desse programa: estimular o aumento da produção de alimentos; contribuir para o crescimento regional do país; aumentar a oferta de alimentos no mundo e desenvolver a região do Cerrado. O projeto teve início com a fundação da empresa japonesa JADECO (Japan-Brazil Agricultural Development Cooperation), sediada

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

21

em Tóquio, e da empresa brasileira BRASAGRO(Companhia Brasileira de Participação Agroindustrial). Ambas as empresas tiveram de início participação de 49% e 51% dos investimentos no projeto (respectivamente), criando, em 1978, a entidade que passou a coordenar o projeto, a Companhia de Promoção Agrícola - CAMPO. O projeto foi um dos primeiros acordos internacionais de Mato Grosso do Sul, com investimento inicial de US$60 milhões por parte dos governos brasileiro e nipônico. No primeiro ano de sua existência, o projeto teve uma receita de US$ 30,5 milhões e 13 mil empregos gerados. Com o projeto, o estado teve um crescimento na geração de emprego, investimentos domésticos e internacionais, somados ao crescimento da indústria no território sulmatogrossense (PRODECER, 2010). O projeto passou a dinamizar a indústria local e incitar também uma cultura de inserção internacional por parte do estado, mostrando o potencial agroindustrial que Mato Grosso do Sul possuía, ao atrair mais a atenção não só do governo brasileiro, mas também de investimentos internacionais ao longo das décadas seguintes. Outros programas de incentivo à indústria agropecuária como o POLOCENTRO (Programa de Desenvolvimento do Cerrado), PRODEGRAN (Programa de Desenvolvimento da Grande Dourados) e o PRODEPAN (Programa para o Desenvolvimento do Pantanal) também auxiliaram em menor escala o desenvolvimento da indústria do estado. Como consequência, Mato Grosso do Sul passou de uma economia predominantemente fechada para uma mais aberta e disposta a conversações comerciais internacionais, que se desenvolveram no final do século XX, com a abertura da economia nacional para o mercado externo. Em meados da década de 1990, verificou-se uma política econômica voltada à inserção internacional. Conforme salienta Lamoso (2010, p. 6), “O Mato Grosso do Sul acentuou sua inserção internacional exercendo o papel de fornecedor de mercadorias consideradas como bens primários, parte delas como commodities”. Essa inserção no mercado internacional acarretou diversas implicações no âmbito territorial do estado, como a modificação do 22

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

espaço físico (latifúndios), aumento na oferta de emprego, crescimento comercial e populacional, entre outros, em função do desenvolvimento gradual da produção de commodities, ocorrido por causa do incentivo na produção de bens primários e minerais organizados pelos principais grupos exportadores (cooperativas exportadoras) ou multinacionais.

4. 4.1

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL Principais destinos das exportações sul-mato-grossenses

A conversação com os países vizinhos ajudou o estado de Mato Grosso do Sul a se inserir internacionalmente e desenvolver uma cultura exportadora com os demais países do mundo. Está posicionado em uma região onde as trocas internacionais favorecem seu crescimento econômico, o que vem sendo evidenciado nos últimos anos com o fortalecimento (ou pelo menos uma tentativa) do Mercosul (Mercado Comum do Sul). Em sua relação com os vizinhos e parceiros comerciais da América Latina, a Argentina se destaca, sendo o segundo país que mais importa do estado. Desde o começo do século, a taxa de exportação para a Argentina vem crescendo (apesar de algumas oscilações), tendo uma alta considerável em 2008 com variação percentual de 176,01%. Já em 2009, notou-se uma queda das exportações destinadas à Argentina (50,47%), o que pode ser explicado pela crise financeira internacional, que veio baixar a demanda por commodities dos países importadores. Os outros países do Cone Sul, como Uruguai e Chile, não possuem taxas consideráveis nas trocas comerciais com o estado (menos de 1%), tanto nas importações como nas exportações. Com relação aos maiores países de destino das exportações de Mato Grosso do Sul a nível global, temos diante da análise das balanças comerciais do estado no ano de 2013 (GRÁFICO 3), uma disparidade notável.

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

23

GRÁFICO 3 – Porcentagem da participação das exportações de MS (2007 – 2013)

Fonte: Elaboração própria com base nos dados retirados do MDIC (2013).

Em quinto lugar temos a Itália. A celulose é o principal produto importado de Mato Grosso do Sul. Não existe uma variação muito acentuada da participação desse país nas exportações do estado, dos anos de 2007 para 2013. Em seguida, temos a Holanda (Países Baixos) em quarto lugar, com crescimento em valor de US$96,5 milhões para US$224,9 milhões em produtos importados, apesar do declínio na participação das exportações totais. A Rússia se destaca em terceiro lugar, com 7,54% dos produtos exportados por Mato Grosso do Sul (2013), tendo um crescimento de quase 60% no valor total das importações realizadas com o estado. A Argentina, em segundo lugar no ranking, importou principalmente minério de ferro e celulose, detendo 10,13% das exportações do estado no ano de 2013, com crescimento de quase 5% na participação das exportações totais. A China segura o posto de principal país importador, e consequentemente principal parceiro comercial do estado, com 33,17% das exportações totais. O país importou cerca de US$1,3 bilhão de Mato

24

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

Grosso do Sul em 2013, em produtos como soja, minério de ferro e óleo vegetal. Apesar do estável crescimento na casa dos 2% ao ano das exportações do estado para a China (com algumas oscilações negativas), desde o ano de 2007 até 2014, o volume exportado ultrapassou a soma dos valores dos outros quatro países citados, ou seja, apesar de pouco crescimento ao ano, a China continua sendo o principal país que possui relações de trocas comerciais com Mato Grosso do Sul, desde 2009. Tal fato pode ser evidenciado pela crescente demanda chinesa por produtos primários desde 2005, colocando-a em quarto lugar no ranking dos maiores importadores de commodities do mundo. Além dos quatro países citados, Mato Grosso do Sul exportou, em 2014, produtos para outros 142 países.

4.2

Países que importam para mato grosso do sul

No tocante as importações do estado, temos um aumento de US$ 2,1 bilhões para US$ 5,5 bilhões no valor total, dos anos de 2007 a 2013 (crescimento de mais de 100%). Os principais produtos importados são gás natural, cloreto de potássio e cátodo de cobre. Os cinco principais países dos quais o estado importa (em ordem decrescente) são Bolívia, China, Chile, Paraguai e Argentina (MDIC, 2013). Desde o ano de 2007, Bolívia, China e Chile ocupam os primeiros lugares das importações de Mato Grosso do Sul. Estados Unidos, Rússia, Alemanha e Itália somam apenas 4% das importações totais.

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

25

GRÁFICO4 – Porcentagem da participação das importações de MS, 2013

Fonte: Elaboração própria com base nos dados retirados do MDIC (2013).

Em quinto lugar, temos a Argentina, com 1,8% das importações totais, tendo um aumento de US$ 87,4 milhões para US$ 106 milhões (2007 – 2013). O principal produto argentino importado é a carne desossada. O Paraguai fica em quarto lugar, com 2,9% das importações do estado. Seu crescimento chegou a quase US$ 100 milhões em apenas 6 anos (2007 – 2013), revelando a importância que esse país vem tomando no comércio exterior do estado, principalmente com o incentivo à integração industrial entre os dois países pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Como o estado faz fronteira com o Paraguai, a conexão entre a indústria sul-mato-grossense e a paraguaia começa a se mostrar relevante para essa integração. Com 4,5% das importações totais do estado, temos o Chile, que ocupa a terceira posição desde 2007. As exportações do Chile com destino a Mato Grosso do Sul passaram de US$ 133 milhões para US$ 257,3 milhões nos últimos 7 anos. As importações de carne bovina do Chile alcançaram 150 mil toneladas em 2013, 15% a mais que no ano de 2012 (RONDAMS, 2014). Apesar de o estado ser referência nacional na indústria do processamento de carne bovina, importa uma quantidade relativamente grande do produto, principalmente da Argentina e do Chile.

26

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

A China ocupa o segundo lugar com 9,1% das importações. O crescimento em valores foi de quase US$ 390 milhões (US$ 135 – US$ 515 milhões), tendo como principais produtos o milho e fio de poliéster. A China ocupa o primeiro lugar no tocante a soma das importações e exportações de Mato Grosso do Sul, sendo o principal parceiro econômico e país mais ativo no comércio exterior do estado. Em primeiro lugar, no tocante as importações, temos a Bolívia, com mais de 61% do total importado pelo estado. O país ocupa o primeiro lugar desde 2007, com a exportação maciça de gás natural. A importação em larga escala desse produto pela Bolívia se dá em função do projeto Gasoduto BOLÍVIA-BRASIL (GASBOL), uma via de transporte de gás natural entre os dois países, com cerca de 3.150 quilômetros de extensão. O projeto teve início no ano de 1997, e desde então aumentou radicalmente a pauta importadora de Mato Grosso do Sul, principalmente do município de Corumbá. O gás importado abastece principalmente a indústria do estado, e serve como alternativa para a substituição do óleo combustível.

4.3

Participação setorial das exportações de Mato Grosso do Sul

Quanto ao setor primário, notou-se um crescimento de US$ 406 milhões para cerca de US$ 3,39 bilhões dos anos de 2001 a 2013, deixando o estado em primeiro lugar em crescimento das exportações de produtos básicos, com produtos como carne bovina, pasta química e soja. Dentro do segmento dos produtos industrializados, temos como principais: preparação de alimentos diversos, líquidos alcoólicos, vinagres.

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

27

GRÁFICO 5 – Valor das exportações do estado de Mato Grosso do Sul, 2013

Fonte: Elaboração própria com base nos dados retirados do MDIC (2013).

A crescente demanda por produtos primários em todo o mundo, com o aumento da população, e na Europa em geral, auxiliou o crescimento das exportações do estado de Mato Grosso do Sul. Outro fator importante foi o estabelecimento de empresas multinacionais ao longo dos anos de 2007 a 2013, criando um novo paradigma para a produção e, consequentemente, para a exportação de primários, intensificando toda a cadeia produtiva do estado. No tocante às exportações de industrializados, tivemos um crescimento brando de 2001 a 2007, não chegando a 5% ao ano. Já dos anos de 2009 a 2013, notou-se um maior crescimento de US$599,2 milhões para US$1,86 bilhão nas exportações. O aumento da capacidade produtiva, tanto de primários, como de industrializados impulsionou o segmento para o alcance de competitividade no comércio internacional. A partir de 2009, o segmento de celulose (silvicultura de eucalipto) apresentou uma forte inserção no comércio exterior do estado, tornando-se a quarta força exportadora (CASAROTTO, 2013).

28

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

4.4

Importações por setores de Mato Grosso do Sul

Analisando os gráficos das exportações e importações por setor da economia, não se verificam grandes disparidades na tendência de comportamento desses fluxos. As importações do estado possuem também, como o principal, o setor primário, com produtos como a carne bovina e o gás natural. Dos anos 2001 a 2013, o crescimento em valores das importações foi de US$ 3,2 bilhões, passando de US$ 194,3 milhões para US$ 3,4 bilhões. O gás natural, no ano de 2013, constituiu cerca de 64% das importações totais, seguido do cátodo de cobre com 4,7% e cloreto de potássio com 1,6%. Apesar de não corresponder a uma porcentagem expressiva no total das importações, a carne processada (principalmente bovina) ficou em sexto lugar, atingindo o valor de US$ 5,6 milhões em importações. Como explicado anteriormente, a participação do gás natural advindo da Bolívia, a partir do início do projeto GASBOL, aumentou expressivamente as importações do estado, correspondendo a mais da metade do valor total das importações. GRÁFICO 6 – Valor das importações do estado de Mato Grosso do Sul (US$FOB)

Fonte: Elaboração própriacom base nos dados retirados do MDIC (2013).

Quanto aos produtos industrializados, o estado importou principalmente cloreto de potássio, fio de poliéster e cátodos de cobre. As importações de industrializados subiram de US$ 87,4 milhões para US$ 1,7 bilhão, entre os anos de 2001 e 2013. Apesar de em menor escala, a importação de industrializados também cresceu em relação aos produtos básicos. A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

29

De modo geral, as importações e exportações do estado quanto aos setores da economia não apresentaram grandes diferenças, com o setor primário em primeiro lugar em ambos (exportação e importação), com produtos como carne bovina e soja nas exportações e gás natural nas importações. O setor secundário, com produtos industrializados, cresceu em menor escala tanto nas exportações, como nas importações. O desenvolvimento e a expansão da indústria nos diversos municípios do estado podem explicar o expressivo crescimento nas importações.

4.5

Inserção internacional: análise dos principais municípios

Alguns municípios se destacam no crescimento das exportações de primários, como Dourados, que exporta principalmente soja e açúcar de cana, e Corumbá, com um crescimento considerável na exportação de minérios de ferro nos últimos dez anos. A cidade de Campo Grande possui um crescimento de mais de 200% nas exportações principalmente de carnes bovinas (MDIC,2013). Com base no estudo feito a partir das estatísticas das taxas de exportações dos municípios de Três Lagoas, Campo Grande, Dourados e Corumbá, verifica-se que, desde o começo do século até o ano de 2013, houve um crescimento considerável (com algumas oscilações) nas exportações dos quatro municípios, acompanhando o crescimento das conversações comerciais realizadas pelo estado de Mato Grosso do Sul. QUADRO 1 - Exportação dos municípios de Mato Grosso do Sul (US$) ANO

TRÊS LAGOAS

CAMPO GRANDE

DOURADOS

CORUMBÁ

2007

9.168.478

162.143.850

189.555.729

96.749.503

2009 2011

347.032.960 649.757.469

274.369.022 312.980.580

93.705.637 249.796.643

173.931.519 687.382.730

2013

1.158.823.675

510.662.152

217.619.347

501.574.203

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do MDIC (2013).

30

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

A cidade de Dourados exporta principalmente soja, açúcar de cana e milho em grãos, sendo que seus principais parceiros comerciais no tocante as exportações são China, Canadá e Argélia (nessa ordem). A balança comercial de Dourados ficou em US$ 96,5 milhões positivos (exportação – importação). Já a cidade de Corumbá obteve, para o ano de 2013, um saldo negativo na balança comercial de US$3,1 bilhões, importando quase 7 vezes mais (em valor de dólar) do que exportando. O produto mais importado pelo município foi o gás natural e os mais exportados foram os minérios de ferro e de manganês, sendo os principais importadores Argentina, Bolívia e Reino Unido. Campo Grande fica em terceiro lugar dentre os municípios que mais exportam, com crescimento anual acima de 20%, atingindo US$510,6 milhões em exportações no ano de 2013. Possui como principais importadores a Rússia,a Venezuela e Hong Kong, e principais produtos exportados, carnes desossadas e soja. O escoamento da carne bovina no mercado externo pode explicar o crescimento econômico dessa cidade na última década. O município sul-mato-grossense que mais exporta e também mais cresce nas conversações comerciais é Três Lagoas, chegando a exportar no ano de 2013 mais de US$1 bilhão. Os principais países importadores são China, Itália e Holanda, sendo que a China engloba 38,5% das exportações do município. Os principais produtos exportados são todos advindos da celulose, como a pasta química e o papel fibra. Ao analisar os números citados, verifica-se uma expansão contínua das exportações do estado, saindo muitas vezes da casa dos milhões para a dos bilhões, como é o caso de Três Lagoas, de maneira a certificar a capacidade exportadora que o estado de Mato Grosso do Sul possui.

4.6

Inserção internacional: empresas multinacionais

As empresas multinacionais representam, hoje, importantes atores dentro do sistema internacional, atuando na esfera comercial e, consequentemente, econômica de dois ou mais países. De um modo geral, tais organizações empresariais possuem alto poder tecnológico, econômico e político onde estão localizadas, e desempenham elevado grau de A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

31

modificação territorial e demográfica onde se instalam. “São organizações com orientação capitalista que buscam se redirecionar visando o aproveitamento contínuo das oportunidades e possibilidades existentes no ambiente geográfico-demográfico, político-econômico e mercadológico” (INFORMAÇÃO E POLÍTICA, 2013). Verifica-se, em Mato Grosso do Sul, a presença de atores privados com capacidade produtiva e logística de alcance internacional, que contribui para o aumento das exportações e das conversações comerciais do estado com os países que anteriormente mantinham trocas com São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, entre outros. A inserção desses atores privados exerce importante influência sobre a cultura empreendedora do estado, como também auxilia o aperfeiçoamento da indústria e da economia estadual, mediante a necessidade de adaptação às mudanças do mercado mundial, colocando o estado de forma ativa nas trocas comerciais do Brasil com o resto do mundo. Tendo em vista a vantagem comparativa do setor exportador sulmato-grossense, na produção de commodities como soja, celulose, carne bovina e minério de ferro, verifica-se maior participação de empresas multinacionais nessas atividades produtivas. QUADRO 2 – Exportaçõesde Mato Grosso Do Sul, Principais Empresas (2014, Jan - Jun) EMPRESAS

%

ELDORADO BRASIL CELULOSE S/A

12.31

ADM DO BRASIL LTDA

8.38

BUNGE ALIMENTOS S/A

9.24

JBS S/A

9.86

FIBRIA-MS CELULOSE SUL-MATO-GROSSENSE LTDA

5.97

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do MDIC, 2014.

32

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

A soma das exportações das cinco maiores empresas de Mato Grosso do Sul representou cerca de 48% do total exportado pelo estado (QUADRO 2) no ano de 2014, mostrando a importância do papel desempenhado por esses agentes, tanto no crescimento de uma cultura de inserção internacional e abertura ao mercado externo, como para o próprio crescimento econômico local. No que tange às importações sul-mato-grossenses no referente período, destacaram-se entre as principais empresas a Petróleo Brasileiro S/A PETROBRAS com participação de 69,61%, seguida da JBS S/A com 4,10%. Entre os principais produtos importados pelo estado menciona-se o gás natural, cerca de 70% do total importado. Em se tratando especificamente do papel das empresas multinacionais na economia do estado, sobretudo, a ADM doBrasilLLtda,a JBS S/A e a Fibria-MS CeluloseSul-Mato-GrossenseLtda, verificou-se um crescimento gradativo nas exportações, de forma a contribuir para o grau de inserção internacional. Em decorrência da abertura comercial vivenciada a partir da década de 1990, permitiu-se que MatoGrosso do Sul absorvesse investimentos externos de corporações multinacionais, que vislumbraram o território de possibilidades estratégicas, tanto no âmbito produtivo (vasto território propício para o plantio e processamento de commodities), quanto no setor logístico, tendo em vista que o estado faz fronteira com a Argentina e Paraguai, é centro geográfico do Cone Sul e possui diversos portos (como o de Santos) a sua disposição, para despacho internacional de mercadorias. A participação das empresas multinacionais no total das exportações do estado oscilou entre 93,1% e 94,8% nos anos de 2001 a 2013 (MDIC, 2013). O restante das exportações ocorreu a partir de pequenas, médias e grandes empresas espalhadas pelo território estadual, sendo que a sua maioria (cerca de mais de 60%) encontrava-se localizada nas cidades de Campo Grande, Dourados, Três Lagoas e Corumbá. O valor total exportado pelas multinacionais no ano de 2005 foi de US$1,1 bilhão, passando para US$5,2 bilhões no ano de 2013. Comparativamente a outros estados - como São Paulo, Santa Catarina e PaA INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

33

raná - cuja participação das exportações das empresas multinacionais oscila entre 50% e 75%, Mato Grosso do Sul apresentouuma discrepância com um percentual que chegou a cerca de 90% em 2013 (MDIC, 2013). GRÁFICO 7– Porcentagem de participaçãodas empresasmultinacionaisno total dasexportações dos estados, 2013

Fonte: Elaboração própriacom base nos dados do MDIC (2013).

O estado de Mato Grosso do Sul possui maior participação das empresas multinacionais nas exportações totais, superando inclusive o desempenho de comércio exterior do estado de São Paulo, cujo o percentual das exportações das empresas multinacionais ficou em 56% em 2013 (GRÁFICO 7). Apesar de São Paulo exportar mais que o quíntuplo (US$ 30,6 bilhões no ano de 2013) que Mato Grosso do Sul, a taxa de crescimento das exportações sul-mato-grossenses possui índice superior ao daquele estado, apresentando um crescimento de 27% em 2013. Quanto à balança comercial (exportação – importação), verificou-se a realização de saldo negativo a partir de 2006, situação acentuada em 2008, que apesar do crescimento das exportações registrou um déficit de aproximadamente US$ 1,6 bilhão, ilustrando que ao passo que o estado exporta mais, também cresce no âmbito das importações.

34

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

GRÁFICO 8 – Balança comercial de Mato Grosso doSul

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do MDIC (2013).

Com base nas tendências da balança comercial, salienta-se a necessidade de implantação de políticas internas voltadas ao incremento da competitividade produtiva destinada ao mercado internacional. Destaca-se, nesse sentido, a adoção de medidas de incentivo ao aumento da capacidade de inovação e consequente redução da diferença de valor agregado entre os produtos importados e exportados pelo estado. Mato Grosso do Sul deve se especializar em termos de eficiência produtiva e logística, e inovações tecnológicas com o intuito de alinhar as crescentes necessidades e demandas internacionais, como é o caso da China. O investimento no setor privado e, principalmente, o incentivo a captação de investimentos externos, nos âmbitos municipal e estadual, são essenciais para que a economia do estado continue crescendo de forma a acompanhar o fluxo internacional, desenvolvendo outros aspectos domésticos, como o social, estrutural e o econômico.

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verifica-se, no Brasil, uma evidente influência externa, em que a economia nacional segue, ao longo de sua história, uma trajetória de produção de commodities voltada ao atendimento da demanda internacional. Assim como no resto do país, verificou-se em Mato Grosso do Sul a intensificação da indústria e da abertura de mercado a partir dos anos 1990, pautada na produção e exportação de commodities com a otimização do setor da agricultura em todo seu território. A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

35

A economia sul-mato-grossense tem se destacado como oportunidade de negócios e investimentos externos para grandes corporações multinacionais, devido a fatores como sua posição geográfica (o estado possui fronteira com importantes países da América do Sul e com o estado de São Paulo), além de sua maturidade na indústria de primários e na produção de commodities, cuja demanda internacional apresentou comportamento crescente nas últimas décadas. Analisando os dados do comércio exterior do estado, temos algumas constatações positivas: Mato Grosso do Sul se destaca como maior exportador de soja e carne bovina do Brasil desde 2007; a pauta exportadora crescente auxilia no crescimento do seu Produto Interno Bruto desde o começo do século XXI, além de se destacar no tocante ao crescimento das exportações de commodities do país, apesar de em menor escala, o estado é o que possui maior porcentagem de crescimento ao ano. As exportações de primários e industrializados aumentam anualmente (em diferentes proporções), ou seja, por mais que Mato Grosso do Sul possua uma economia com predominância na produção e exportação de commodities, igualmente se desenvolve no setor industrial, passando a exportar também produtos industrializados como: alimentos processados, líquidos alcoólicos e vinagre. Quanto aos parceiros comerciais, o estado possui a China como principal exportador e importador. Da América do Sul, a Argentina se destaca como principal importador, com produtos como a carne bovina. Outro importante destaque deve ser dado à Bolívia, que possui cerca de mais de 70% do total importado de Mato Grosso do Sul, devido ao projeto GASBOL de 1997. As importações do estado crescemprincipalmente em função da expansão da indústria local e da necessidade de abastecimentodessas indústrias (principalmente gás natural). Os principais municípios exportadores do estado são Três Lagoas, em função da instalação da empresa Fibria em seu território em 2009, Campo Grande, com a empresa ADM, Corumbá com a exportação de minérios e Dourados, com a multinacional JBS S.A.

36

Adriana Kirchof de Brum • Gustavo Pinheiro da Silva Amorim

REFERÊNCIAS CASAROTTO, E. L.Desempenho da pauta de exportações do agronegócio de Mato Grosso do Sul. Dissertação Mestrado em Agronegócio – Dourados, MS: UFGD – 2013. FIBRIA. Relatório Anual/2013.Disponível em:< http://www.fibria.com.br/ relatorio2013/shared/relatorio-de-2013-firmes-no-rumo-20maio2014.pdf> Acesso em: set.2014. INFORMAÇÃOEPOLÍTICA.Impacto das multinacionais no Estado (2013). Disponível em:. Acesso em: 12 ago.2014. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE).Banco de dados do IBGE.Disponível em:.Acesso em: jun. 2014. JBS RAS.Relatório anual de sustentabilidade (2013).Disponível em: Acesso em: set.2014. LAMOSO, L. P.Comércio exterior e estruturas produtivas no Mato Grosso do Sul.In: 1 SIMPÓSIO DE PESQUISA E EXTENSÃO DA FCH, 2010. Dourados. Anais 1 Simpósio de Pesquisa e Extensão da FCH. Dourados : UFGD, 2010. MINISTÉRIO DO CRESCIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO.Estatísticas de comércio exterior– DEPLA. Acesso em: julho 2013. PRODECER.Programa de Crescimento do Cerrado (2010).Disponível em:. Acesso em: 20jul. 2014. RANGEL, I.Ciclo, tecnologia e crescimento. In: BENJAMIM, Cesar (org). Obras reunidas. v.2, São Paulo: Contraponto, 2005. p. 255-408. RONDAMS.Chile: importação de carne bovina no ano de 2013.Disponível em:< http://www.rondadoms.com.br/noticias/Chile--importacao-de-carne-bovina-aumentou-15--em-2013/83325#.VD2SqPldWb8> Acessado em: set. 2014. SEMAC.Relatório PIB/MS - 2010.Disponível em:< http://www.uems.br/institucional/pdi/arquivos/47_2013-04-29_15-44-19.pdf> Acessado em: set.2014.

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL...

37

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL DA CADEIA PRODUTIVA DA SOJA NO MATO GROSSO DO SUL 2003-2013 Tomaz Espósito Neto Karla Kananda C. da Cruz

1.

INTRODUÇÃO

Importantes mudanças na estrutura da economia internacional ocorreram entre o final do século XX e o início do século XXI. Uma das principais foi a ascensão de países emergentes, dentre esses a China, o que ocasionou uma mudança na “geografia econômica” mundial (AMSDEN, 2009). Nas últimas décadas, a economia chinesa cresceu de forma exponencial e se tornou a segunda potência econômica do mundo, com um PIB de 8,227 trilhões de dólares. Em 2001, a China ingressou na Organização Mundial do Comércio, tornando-se um global player no cenário internacional. Entre 2003 e 2013, o Brasil e a China desenvolveram uma relação fortificada, com o início da construção de uma cooperação bilateral estratégica, cuja raiz se encontra na administração de Fernando Henrique Cardoso (19992002), tendo sido efetivamente fortalecida no governo Lula durante seus dois mandatos (2003-2010). Segundo Oliveira (2004, p. 19), o Brasil é “o maior país em desenvolvimento no cenário latino-americano” e a China é “o maior país 39

em desenvolvimento no mundo”. Ambos “estão empenhados em conseguir desenvolvimento econômico e em melhorar as condições de vida de suas populações”. Portanto, para esse autor, a cooperação tem um significado muito relevante para os dois países, que não apresentam “choques de interesses fundamentais”, ao contrário, complementam-se. Em 2004, o presidente Lula visitou a China para negociar a parceria estratégica. A partir de então, o Brasil começou a receber uma crescente demanda chinesa por produtos primários, tais como a soja e o minério de ferro. Aliás, a exportação desses produtos é a principal responsável pelo saldo da balança comercial. Em 2008, mesmo com a “crise financeira internacional”, ambos os países continuaram com suas economias equilibradas. Originada em meados de 2007 no mercado norte-americano de hipotecas de alto risco (subprime), a crise adquiriu proporções sistêmicas após a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, colocando em xeque a arquitetura financeira internacional na medida em que explicitou as limitações dos princípios básicos do sistema de regulamentação e supervisão bancária e financeira em vigor (FARHI, PRATES, FREITAS e CINTRA, 2009, p. 135). Em 2009, a relação sino-brasileira se consolidou e a China tornou-se o principal destino das exportações nacionais. Em 2010, os governos da República Federativa do Brasil e da República Popular da China firmaram o plano de ação conjunta 2010-2014. Nesse mesmo ano, 83% das mercadorias exportadas pelo Brasil eram produtos básicos (MDIC, 2011). Por outro lado, 97,5% das importações da China eram produtos manufaturados. Surge, então, o debate em torno do processo de desindustrialização, caracterizada como uma situação na qual tanto o emprego industrial quanto o valor adicionado da indústria se reduzem como proporção do emprego total e do PIB, respectivamente (DIEESE, 2011, p. 3). A desindustrialização brasileira é resultado da especialização do país em produção e exportação de commodities. O debate questiona a queda

40

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

da participação do setor industrial no PIB nacional. A tabela 1, abaixo, mostra que durante um grande período, com exceção do ano de 2010, o PIB agrícola foi superior ao da indústria. TABELA 1 – PIB total e setorial: Taxas médias anuais de crescimento (%)

PIB Total

19892001 2,2

20012006 3,0

PIB Agrícola

3,8

3,9

PIB Industrial

1,4

PIB Ind. Transf.

1,4

Período

2007

2008

2009

2010

6,0

5,2

-0,3

7,5

20062010 4,6

4,8

6,3

-3,1

6,3

3,5

3,2

5,3

4,1

-5,6

10,4

3,4

2,8

5,6

3,0

-8,7

10,1

2,3

Fonte: IBGE-CN/IPEA-DATA, 2010

De acordo com o pensamento heterodoxo, essa especialização do Brasil no setor primário é vista como uma ameaça ao desenvolvimento nacional, pois, segundo essa perspectiva, a indústria é a responsável pelo crescimento em longo prazo e pelo progresso tecnológico. Portanto, esse fenômeno é caracterizado como de impacto negativo sobre o crescimento em longo prazo (OREIRO & FEIJÓ, 2010). Contudo, é necessário levar em conta que a desindustrialização só passa a ser um problema a partir do momento em que ameaça o crescimento econômico e a qualidade de vida da população nacional. Nesse caso, o Brasil ainda não foi afetado. Mesmo com sua especialização no setor primário, ainda há resultados positivos em seu crescimento econômico. Apesar da discussão sobre o processo de desindustrialização, a evolução da exportação de commodities mostra como o agronegócio se tornou importante para a economia brasileira, com uma grande participação no PIB, ocupando uma posição de destaque internacional, além de promover a geração de empregos e renda no país, principalmente nas regiões produtoras. O presente trabalho tem como objetivo examinar os impactos da relação Brasil-China a partir das políticas externas realizadas na última década (2003-2013) e, especificamente, o impacto econômico e social dessa relação na área de exportação de soja do estado de Mato GrosOS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

41

so do Sul. Parte-se da hipótese que a abertura do mercado chinês e a construção da parceria estratégica sino-brasileira nos últimos 10 anos tiveram impactos positivos na economia sul-mato-grossense, especialmente na cadeia produtiva de soja. Assim, percebe-se que essa parceria, nos últimos anos, teve impactos diferenciados nas mais diversas regiões e nos diferentes setores da economia brasileira; por outro lado, deve-se ressalvar que a melhora dos indicadores econômico-sociais sul-mato-grossenses também foi fortemente influenciada pelas políticas públicas, como os programas de distribuição de renda do governo federal. Os ganhos, no entanto, foram potencializados pela expansão chinesa. Nesta pesquisa optou-se pelo método histórico-descritivo. O texto baseou-se na análise de bibliografias selecionadas e de fontes primárias (documentos, discursos, entre outros) disponíveis em sites oficiais brasileiros, como Ministério de Desenvolvimento de Indústria e Comércio (MDIC), Ministério de Relações Exteriores (MRE), Ministério da Agricultura, Agropecuária e Abastecimento (MAPA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outros. O marco teórico utilizado para o desenvolvimento da pesquisa foi o artigo “Diplomacia e política doméstica: a lógica dos jogos de dois níveis”, de Robert D. Putnam (2010), no qual o autor abordou a interação entre política doméstica e política internacional, desenvolvendo mecanismos para que um “jogo” de negociações entre o nível doméstico (denominado nível II) e o nível internacional (denominado nível I) possa ocorrer. Putnam citou, também, os princípios da Escola Francesa de Relações Internacionais, por meio dos quais explicou o papel das forças profundas e do homem de Estado (DUROSELLE & RENOUVIN, 1967). Segundo Duroselle e Renouvin, para se estudar os acontecimentos internacionais, deve-se levar em conta as forças profundas, que são, além das relações entre os grupos humanos (Estados), fatores geográficos, demográficos, econômicos, o nacionalismo, dentre outros. Ações pessoais dos homens de Estado, apesar de muitas vezes serem influenciadas por essas forças, também são capazes de mudar o curso das re42

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

lações internacionais. Então, para esses autores, é necessário estudar o conjunto de circunstâncias de um determinado momento para entender a história das relações internacionais. No presente caso, a ascensão chinesa foi como o marco das forças profundas e o curso das relações internacionais foi mudado pelas ações de Lula. Este artigo é dividido em três partes: a primeira mostra a evolução da relação sino-brasileira para uma parceria estratégica; a segunda examina a importância do agronegócio e do complexo da soja para o Brasil; e a terceira parte analisa o impacto da relação bilateral para o Mato Grosso do Sul.

2.

AS RELAÇÕES BRASIL-CHINA: UMA PARCERIA ESTRATÉGICA?

Desde o início do século XXI, a política externa brasileira tem passado por várias transformações, dentre elas a maior participação do país no sistema internacional e um afastamento em relação aos Estados Unidos. O governo brasileiro, para tanto, procurou ampliar e diversificar suas parcerias com países do hemisfério sul. Essa estratégia foi iniciada ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (OLIVEIRA, 2012). Para se entender melhor a parceria bilateral estabelecida entre o Brasil e a China nos últimos anos, é necessário fazer uma breve análise da política externa brasileira a partir de meados da década de 1990. O então presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo foco político principal era a construção do regionalismo na América do Sul, procurou estabelecer parcerias bilaterais extrarregionais com o objetivo de estabilizar a economia nacional e transformar o Brasil em um global player. “A diplomacia brasileira no período 1990-2002 priorizava, pois, restaurar a imagem externa do Brasil como país economicamente estável e democrático. Buscava-se restituir a credibilidade internacional do país por intermédio da sua participação nos regimes internacionais de que esteve afastado durante a Guerra Fria, bem como do compromisso com a estabilidade macroeconômica e a OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

43

manutenção da governabilidade. Os interlocutores preferenciais eram os países industrializados, com os quais se tencionava atrair maiores benefícios econômicos e dialogar em alto nível.” (LEITE, 2011, p. 166).

Com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva em 2003, os assuntos relacionados à temática social, como saúde, educação, combate à pobreza e comércio ganharam mais importância na política externa brasileira, estreitando as relações com países da África, Ásia e América do Sul, principalmente. Esse processo é conhecido como cooperação Sul-Sul. Apesar das semelhanças de atuação de ambos os chefes de Estado, a diferença entre os governos FHC e Lula está na ideia de ajustes e mudanças de programa. Lula, em seus dois mandatos, deu ênfase à política externa (ajustes) e à busca de inserção internacional do Brasil (mudanças de programa) (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007). Entre 1998 e 2005, o peso da participação dos mercados tradicionais (Estados Unidos, União Europeia, Japão, Canadá, México e MERCOSUL) diminuiu de 79,3% para 67,2%, enquanto a participação do mercado alternativo (China, Ásia-Pacífico, África, Europa Oriental, Oriente Médio etc.) aumentou de 19,7% para 31%. Outro elemento que também fortaleceu as alianças estabelecidas durante o governo Lula com os países alternativos foi o surgimento de interesses econômicos, consolidados em iniciativas como os BRICS e o IBAS (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007). Em sua primeira gestão (2003-2006), Lula inicialmente seguiu as principais diretrizes de estratégia política do governo anterior, como o foco regional, e continuou com a ativa “diplomacia presencial” (DANESE, 1999). Contudo, sua política externa inovou em outros aspectos – essa gestão difere da anterior no tipo de relações estabelecidas: Cardoso priorizava as parcerias com países desenvolvidos; a estratégia de Lula era manter o nível de relação e influência regional e buscar nos países emergentes apoio para o desenvolvimento político, econômico e tecnológico. 44

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

“Esta perspectiva corresponde plenamente à estratégia brasileira de negociação de seu espaço no Sistema Internacional e está baseada no princípio de que, apesar de suas assimetrias e diferenças, os países emergentes do Sul apresentam a similaridade de contarem com um sistema de comércio que privilegia os interesses dos países do Norte e que, consequentemente, é necessária uma ação conjunta para tentar ampliar as possibilidades do Sul. Daí então, a atual ênfase brasileira na constituição de coalizões ou a importância da parceria com a República Popular da China, seja sob o signo de Cooperação Sul-Sul, de Parceria Estratégica ou de Potências Emergentes.” (OLIVEIRA, 2010, p. 94).

A política externa do governo Lula foi marcada por algumas mudanças: a) contribuiu para a busca de maior equilíbrio internacional, procurando atenuar o unilateralismo; b) fortaleceu relações bilaterais e multilaterais de forma a aumentar o peso do país nas negociações políticas e econômicas internacionais; c) adensou relações diplomáticas no sentido de aproveitar as possibilidades do maior intercâmbio econômico, financeiro, tecnológico e cultural; d) evitou acordos que pudessem comprometer em longo prazo o desenvolvimento (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007). O governo Dilma tem dado seguimento, mesmo que com menor intensidade, ao governo anterior, na procura de maior autonomia brasileira e “diversificação de parcerias”. A presidente manteve também a cooperação Sul-Sul e as relações regionais, e promoveu uma inovação em 2011, durante uma visita à China, quando assinou novos acordos na área de energia, eletricidade, aeronáutica, entre outros (SARAIVA, 2010). Portanto, a relação bilateral sino-brasileira foi intensificada, no âmbito da cooperação Sul-Sul, a partir da aproximação entre o Brasil e os países em desenvolvimento, com o objetivo de rever os conceitos que os caracterizam e os problemas comuns: política externa e interna fracas e um alto nível de vulnerabilidade (LEITE, 2011).

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

45

A reaproximação entre os dois países, no início do século XXI, ocorreu principalmente devido ao plano tático do governo Lula de estabelecer “parcerias estratégicas” com países emergentes, dando prioridade à China. Essa parceria foi reafirmada com a visita do presidente à República Popular da China em maio de 2004 (LESSA, 2003); já no fim do mesmo ano, a relação bilateral entrou em crise por causa de uma queda superavitária brasileira identificada desde o fim do ano anterior. “A reversão desse quadro róseo a partir de 2003, com a aceleração das exportações chinesas ao Brasil, a taxas superiores às das exportações brasileiras à China, reduziu o superávit comercial brasileiro em um terço entre 2003 (US$ 2,4 bilhões) e 2005 (US$ 1,5 bilhão).” (BIATO, 2010, p. 168).

Entre 2002 e 2005, a participação da China nas exportações brasileiras foi relativamente baixa, passando de 4,2% para 5,8% (MDIC, 2013). A partir de meados de 2005, a relação começou a se recompor diante dos pequenos superávits comerciais brasileiros, e a China teve o Brasil como seu maior fornecedor (GRÁFICO 2). A partir de 2006, a parceria entrou em uma nova fase, mais forte e promissora. A relação sino-brasileira se tornou, então, assunto de grande relevância para a política externa do Brasil. Isso ficou visível na crise de 2008, com a ação conjunta de Brasil e China para recuperar a economia nacional e internacional. Segundo o MDIC, o valor das exportações brasileiras com destino à Ásia passou de US$ 1,1 bilhão em 2000 para US$ 16,4 bilhões em 2008. O gráfico 1 mostra a reação do comércio bilateral em relação ao Brasil diante da crise de 2008. Mesmo que tenha ocorrido um decréscimo, ele foi rapidamente debelado e o saldo voltou a ser positivo em 2009.

46

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

GRÁFICO 1 – Intercâmbio comercial Brasil China (2000-2010)

Fonte: MDIC /Elaboração: APEX-Brasil (FAMASUL, 2014).

Segundo Biato (2010), o início dos anos 2000 foi um “divisor de águas” na evolução da parceria estratégica, pois a população chinesa passou a demandar matéria-prima acima da sua capacidade de produção, o que aumentou a demanda internacional, principalmente por alimentos, como grãos e carnes. Surgiu, assim, a relação comercial: o Brasil exportava alimentos em troca de produtos manufaturados com baixo custo. Na verdade, a China dispõe de tecnologias e terras aráveis suficientes para a produção de produtos agrícolas, mas o governo chinês considera economicamente mais atrativo importar cereais e utilizar suas terras para produtos mais rentáveis. “Apesar de serem agricultáveis menos de 10% de seus 9.600.000 km², os estudos consideram que, mesmo com os níveis atualmente disponíveis de tecnologia agrícola, a China dispõe de suficiente quantidade de terras aráveis para alimentar uma população de 1,480 bilhões, projetada para 2025, ou de 1,600 bilhões, prevista para 2050.” (MARTINS, 2008, p. 75).

Em 2003, a China torna-se, portanto, o principal mercado de exportação dos produtos do complexo de soja brasileiro, especialmente

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

47

por meio dos grãos de soja triturados, com mais de 1,300 bilhão de dólares exportados. E em 2013, de acordo com a tabela 2, o complexo da soja continua sendo o campeão no ranking dos dez principais produtos brasileiros exportados para a China (MDIC, 2014). TABELA 2 - Os dez principais produtos brasileiros exportados para a China em 2003 e 2013 Descrição

2003

2013

Valor (US$)

Part. (%)

Valor (US$)

Part. (%)

Outros grãos de soja mesmo triturado

1.313.073.236

28,97

17.145.722.080

37,25

Minérios de ferro não aglomerados

520.770.739

11,49

15.227.156.285

33,08

Pasta química

299.386.144

5,72

1.344.596.719

2,98

Óleo de soja em bruto degomado

255.400.327

5,65

507.163.277

1,10

Minérios de ferro aglomerados

244.065.520

5,39

705.967.631

1,53

Outros produtos semi-manufaturados

182.704.610

4,00

28.712.353

0,06

Lamina, ferro, aço

151.593.706

3,34

15.350.147

0,03

Outras partes p/ trator e automóveis

113.707.699

2,51

21.320.218

0,05

Outros motores de explosão por automóveis

74.449.368

1,64

21.320.218

0,05

Outras madeiras serradas cortadas

61.964.635

1,37

17.867.253

0,04

Fonte: MDIC, 2014.

48

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

GRÁFICO 2 – Principais parceiros/fornecedores da China

Fonte: MDIC/ Elaboração: APEX-Brasil (FAMASUL, 2014).

Esse aumento teve um impacto importante na expansão do agronegócio, em especial da soja. Afetou positivamente a economia brasileira, além de ter causado impactos sociais, como a geração de empregos formais.

3.

A IMPORTÂNCIA DO AGRONEGÓCIO E DO COMPLEXO DA SOJA PARA O BRASIL

A soja, de origem chinesa, chegou ao Brasil em 1882, e a partir de 1940 começou a participar da agricultura nacional. Até 1980, as lavouras encontravam-se na região Sul, chegando ao Centro-oeste após a adaptação dos cultivares ao solo e ao clima (EMBRAPA, 2004). O complexo da soja, formado por soja em grão, farelo e óleo compõe um número expressivo na tabela de produtos brasileiros exportados, conforme mostra a tabela 2; consequentemente, esse item tem afetado os indicadores econômicos do país desde sua intensificação. Dentre os setores do complexo, a produção de grãos se sobressai. Essa cadeia produtiva cresceu consideravelmente nos últimos anos, tornando-se líder no mercado internacional (DALL’AGNOL; LAZAROTTO; HIRAKURI, 2010). O Brasil, atualmente, é o segundo

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

49

maior produtor e exportador de soja, e esse fato contribui para a geração de emprego e de renda no país, especialmente nas principais regiões produtoras dessas commodities (SILVA, LIMA & BATISTA, 2011). A concretização da relação sino-brasileira estimulou algumas políticas públicas no governo Lula, como o aumento de crédito e seguro rural, investimentos em pesquisas e extensão e redução de preços de insumos agricultáveis. Além disso, contribuiu, também, para o aumento de consumo mundial do produto (MARTINS, 2007). O grão de soja, utilizado tanto para a fabricação de ração animal (quando transformado em farelo), quanto para alimentação humana (quando transformado em óleo, leite ou farinha), é o principal produto de exportação brasileira para a República Popular da China desde 2003 (TABELA 2). Em 2009, de acordo com os dados consolidados de comércio exterior (MDIC, APEX-BRASIL, 2010), a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, ultrapassando o posto ocupado durante 80 anos pelos Estados Unidos. O crescente mercado consumidor chinês passou a ser um dos principais destinos dos produtos do agronegócio brasileiro, responsável pelo superávit comercial e pelo equilíbrio da balança de pagamentos do país (GRÁFICOS 3 e 4), atingindo o saldo de US$ 19,4 bilhões em 2012 (MDIC, 2012).

50

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

GRÁFICO 3 – Saldo comercial relativo Brasil –China

Fonte: MDIC/ APEX-Brasil, 2010.

Pode-se perceber a evolução das exportações (GRÁFICO 4) dos produtos do complexo da soja brasileira, composto pelo grão, farelo e óleo (GRÁFICO 6), e das importações chinesas (GRÁFICO 5) da soja em grão. Esse resultado deve-se à qualidade tecnológica e nutricional da soja brasileira, composta por 42% de proteína e 22% de óleo. GRÁFICO 4 - Evolução das exportações do complexo da soja brasileira

Fonte: WWF-Brasil, 2012.

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

51

GRÁFICO 5- Importação chinesa de soja segundo origem

Fonte: USDA, 2012.

GRÁFICO 6 - exportações brasileiras para achina por intensidade tecnológica 2005 e 2010

Fonte: MDIC/ APEX-Brasil, 2010.

52

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

No Brasil, nos últimos anos, houve um declínio do peso da indústria nas atividades econômicas, acompanhado de um aumento nas atividades de baixa intensidade tecnológica. Mesmo assim, o saldo da balança comercial apresenta resultado positivo – esse processo é conhecido como reprimarização. Isso se explica porque, atualmente, a exploração de produtos primários é realizada com mais sofisticação e inovação tecnológica; portanto, o processo de desindustrialização é relativo (SALAMA, 2012). Pode-se analisar a relatividade do processo de desindustrialização brasileira a partir dos benefícios gerados pela produção de commodities para as regiões produtoras. Nesse caso, principalmente a região Centro-oeste do Brasil é considerada uma das maiores na geração de empregos formais, sendo essa liderança justificada pelo fato de seus estados serem os maiores produtores agropecuários do país (TABELA 3).

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

53

TABELA 3 – Número de empregos formais no setor da agropecuária, segundo unidade da federação 2004-2010

Fonte: RAIS, 2011,Ministério do trabalho e do emprego (2011).

Esse resultado mostra que o crescimento da cadeia produtiva, especificamente no caso da soja, afetou positivamente os indicadores econômicos e sociais, pois além de gerar empregos formais, renda e recolhimento de impostos, estimula a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, com o objetivo de continuar liderando dentro da competitividade do mercado mundial.

54

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

4.

PRINCIPAIS INDICADORES PARA A REGIÃO DO MATO GROSSO DO SUL

A ascensão do agronegócio brasileiro provocou impactos econômicos e sociais significativos, especialmente para Mato Grosso do Sul. O estado galgou a sexta posição na escala dos maiores produtores do Brasil, alcançando um superávit de US$ 2,8 bilhões em 2011 (FAMASUL, 2012), além de superar a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto nacional (TABELA 4). TABELA 4 - Comparação Da Taxa De Crescimento Do Pib Sul-Mato-Grossense Ano

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

PIB BR (%)

4,0

6,1

5,2

- 0,3

7,5

2,7

0,9

2,3

PIB MS (%)

5,1

6,9

6,36

0,4

11,0

5,93

5,7

7,5

Fonte: SEMAC, 2013.

O melhor desempenho verifica-se nos últimos três anos, nos quais o PIB sul matogrossense foi mais que duas vezes maior que o nacional (TABELA 4). Isso mostra a importância dessa cadeia, não apenas para a região, mas também para a economia do país, já que em 2013, o PIB da agropecuária cresceu 7% em relação ao ano anterior (SEMAC, 2013), confirmando a necessidade da prática e especialização da atividade para o Brasil. Assim como em nível nacional, também dentre os principais produtos de exportação da agropecuária sul-mato-grossense destaca-se a cultura da soja (TABELA 5), respectivamente: soja em grãos, óleo de soja bruto e óleo de soja refinado.

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

55

TABELA 5 - Totais de exportação de grão de soja (mesmo triturado) do MSZ Ano

Valor (US$)

2003

50.488.429

2004

102.675.109

2005

235.119.827

2006

262.776.963

2007

294.147.990

2008

457.675.958

2009

311.151.573

2010

509.148.267

2011

695.525.011

2012

705.135.630

2013

1.201.497.183 Fonte: MDIC, 2013.

Barros (1999) informou que o cultivo da soja no então estado de Mato Grosso teve início na região de Dourados, no fim da década de 1960: “Essa região possui um clima muito semelhante ao do oeste do Paraná, solos de alta fertilidade natural, e àquela época já possuía uma estrutura fundiária onde predominavam as pequenas propriedades oriundas da Colônia Agrícola Federal de Dourados, implantada por Getúlio Vargas, em 1943.”(BARROS, 1999, p.113).

Mato Grosso do Sul tem a China como principal destino de exportação desde 2005, e a soja em grãos é a responsável por esse fato. Nesse ano, 20,46% do total dos produtos exportados do estado foi soja (em grãos); em 2013, esse número subiu para 22,86%. Nos mesmos anos, a participação da China nas exportações passou de 11,8% para 30,81% (MDIC, 2014).

56

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

O estado possui uma área de 1,815 milhão de hectares plantados de soja, gerando uma média de produção anual de 4,639 milhões de toneladas (TABELA 6). A média ponderada de produtividade para a safra de soja em 2011/2012 no Mato Grosso do Sul foi de 2.556 kg/ha, equivalentes a 42,6 sc/hec. O município que teve o melhor desempenho no ano de 2012 foi Costa Rica, na região norte, com uma média de 55,3 sc/hec (FAMASUL, 2012). Em 2013, a produção de soja no estado totalizou 6,05 milhões de toneladas, significando um aumento de 4,5% em relação ao ano anterior (APROSOJA-MS, 2014), com uma média de produtividade de 46,3 sc/ hec. O município com maior produtividade nessa safra foi Chapadão do Sul, com média de 57sc/hec (SIGA-MS, 2014). Embora a produtividade da safra de 2013/2014 tenha sido inferior à saca em 2012/2013, que alcançou 48 sc/hec, a produção atingiu um novo recorde. TABELA 6 - área plantada e colhida de soja no Mato Grosso do Sul (hectares) Ano

Área plantada

Área colhida

2002

1.195.774

1.195.544

2003

1.412.307

1.411.307

2004

1.812.006

1.796.433

2005

2.038.176

2.025.155

2006

1.907.688

1.903.852

2007

1.718.031

1.718.031

2008

1.732.031

1.731.376

2009

1.717.436

1.708.723

2010

1.732.492

1.732.297

2011

1.761.910

1.738.091

Fonte: SIDRA-CENSO agropecuário, 2013

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

57

É possível observar que o crescimento das exportações do agronegócio no Mato Grosso do Sul tem sido superior ao nacional desde 2007 (TABELA 7). Enquanto o estado apresentou um incremento de 854,56%, o do cenário nacional foi de 344,75%. (ALICEWEB2, 2013) TABELA7- balança comercial do agronegócio em Mato Grosso do Sul – US$ 1.000 2007

2008

2009

2010

2011

Exportação

1.193.827

1.711.480

1.622.013

2.610.051

3.242.471

Importação

181.064

199.601

167.616

236.664

353.041

Total

1.374.891

1.911.081

1.789.629

2.846.715

3.595.512

Saldo

1.012.763

1.511.879

1.454.397

2.373.387

2.889.430

Fonte: AGROSTAT, MAPA,2012.

Em 2013, o setor de agronegócio do Mato Grosso do Sul exportou o equivalente a US$ 4,758 bilhões, o que correspondeu a 90,53% das exportações totais (US$ 5,256 bilhões) (GRÁFICO 7), sendo que 25% desse montante originou-se do complexo da soja , como revela o gráfico 8. GRÁFICO 7 –Participação do agronégocio

Fonte: MAPA, 2014 58

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

GRÁFICO 8 – Principais produtos exportados pelo agronégocio de MS

Fonte: AGROSAT/MAPA, 2014 (FAMASUL, 2014).

Casarotto (2013) comenta que o saldo da balança comercial do agronegócio tem sido amplamente favorável no estado de Mato Grosso do Sul nos últimos anos. “Isso indica que o comércio internacional de Mato Grosso do Sul possui uma forte dependência do agronegócio, principalmente no que se refere às exportações, uma vez que das exportações totais do estado em 2010 e 2011, 88% e 83%, respectivamente, foram geradas pelo setor.” (CASAROTTO, 2013, p. 35).

Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento regional foi a participação de grandes empresas do setor na economia. As 10 principais empresas do estado são responsáveis por cerca de US$ 2,6 bilhões (66%) do total das exportações, sendo que oito delas são do segmento do agronegócio: Fibria-MS Celulose Sul-Mato-Grossense Ltda.; JBS S/A; Bunge Alimentos S/A; Seara Alimentos S/A; ADM do Brasil Ltda.; Cargill Agrícola S/A; Tavares de Melo Açúcar e Álcool S/A; Cooperativa Agropecuária Mourãoense Ltda. (SECEX/MDIC, 2013).

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

59

Além de contribuir para o crescimento econômico e incremento das exportações, essas empresas também auxiliam na geração de empregos. No setor agrícola, a geração de empregos é ampla, tanto de forma direta como indireta, e ocorreu na área de produção, indústria de transformação, armazenagem e distribuição (TABELA 8). TABELA 8 - Evolução do emprego por ano na agricultura 2004-2014 Brasil

Mato Grosso do Sul

Ano

S/ ajuste

Ajustado

S/ ajuste

Ajustado

2004

79.274

112.136

20.087

26.387

2005

-12.878

12.955

4.612

8.768

2006

6.574

36.264

6.507

10.476

2007

21.093

54.858

11.922

21.365

2008

18.232

20.728

9.866

15.237

2009

-15.369

12.651

12.900

18.556

2010

-25.946

-170

19.738

29.176

2011

50.488

85.585

15.592

24.091

2012

-24.564

6.151

14.925

24.824

2013

-29.303

-7.632

13.346

18.938

2014*

18.581

20.859

6.270

7.713

Fonte: MTE/SPPE/DES/CGET (CAGED, 2014). *Janeiro a abril.

60

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

GRÁFICO 9 – Saldo (sem ajuste) do emprego formal em ms entre janeiro de 2003 abril de 2014

Fonte: CAGED, 2014.

O que caracteriza os produtores agrícolas do estado é que a maioria não possui nível de escolaridade fundamental completo ou não recebeu qualquer orientação técnica, e a minoria é composta por engenheiros agrônomos (GRÁFICO 10). Portanto, há oportunidade de trabalho para aqueles que não puderam estudar. GRÁFICO 10 - Caracterísitcas dos produtores agrícolas de MS em 2006

Fonte: SIDRA, 2006.

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

61

Essa expansão seria muito maior se alguns problemas fossem resolvidos, como os de infraestrutura e logística. Por exemplo: para 4.336 unidades produtoras de soja, há apenas 1.073 unidades de depósitos e silos para armazenamento de grãos no estado (SIDRA, 2006). Outro exemplo é que, no ano de 2012, 75% da soja sul-mato-grossense deveria ser embarcada pelos portos de Santos e Paranaguá, só que nem toda mercadoria foi enviada devida à não liberação de navios. Isto gerou excesso de oferta nacional, afetando o preço e ocasionando uma perda significante para os produtores.

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do texto, o objetivo deste trabalho foi examinar os impactos da relação Brasil-China entre 2003 e 2013. Outro escopo foi analisar os impactos dessa relação na área de exportação de soja do estado de Mato Grosso do Sul. A hipótese inicial se confirmou, isto é, a abertura do mercado chinês e a construção da parceria estratégica sino-brasileira nos últimos 10 anos tiveram resultados positivos para a economia sul-mato-grossense, especialmente para a cadeia produtiva da soja. A partir da análise dessa trajetória, que se iniciou no final da década de 1990 e segue até os dias atuais, foi possível observar que os laços político-econômicos entre o Brasil e a China foram estreitados. Aliás, a China tornou-se o principal destino das exportações brasileiras. O comércio de commodities agrícolas foi um dos pilares  dessa aproximação, já que 83% das mercadorias exportadas pelo Brasil foram produtos básicos (MDIC, 2012). Dentre os diversos produtos, aqueles oriundos do complexo da soja são um dos destaques, liderando o ranking de exportação para a China desde 2003. Embora muitos autores, como Salama (2012), defendam que tal especialização do Brasil leva-o ao processo de desindustrialização de toda a sua economia, os impactos dessa relação são bem variados nas diferentes áreas do país. No caso da região sul-mato-grossense, os im-

62

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

pactos foram positivos, pois os produtos do agronegócio, em especial o complexo da soja, são o principal sustentáculo da economia local. Desde 2005, a demanda chinesa ocupa o primeiro lugar no ranking de exportação de soja do estado do Mato Grosso do Sul para a Ásia. Esse fato elevou o estado à sexta posição entre os maiores exportadores de soja em grãos. Essa demanda crescente impacta positivamente a região, propiciando benefícios como a geração de empregos e renda, entre outros. Logo, no caso de Mato Grosso do Sul, percebe-se que os atuais parâmetros da discussão sobre a desindustrialização devem ser relativizados e melhor estudados, para que não caiamos em simplismos acadêmicos. Por fim, destaca-se a importância de se estudar a relação do Brasil com a China, já que o país asiático cresceu considerável e radicalmente nos últimos 30 anos, como mostra claramente a evolução de seu PIB, que teve um aumento de dez vezes desde o início da reforma do país em 1978. Desde então, a China vem conquistando significativo espaço no cenário internacional e no mercado global, alcançando a posição de segunda maior potência mundial. Portanto, comercialmente, a China é um parceiro valioso para o Brasil, pois sua demanda, mesmo que por produtos primários, ocupa lugar de grande destaque na economia brasileira.

REFERÊNCIAS ALICEWEB2, Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2013). Disponível em: [http://aliceweb.mdic.gov.br/]. Acesso em: 1 fev.2013. AMSDEN, A. H. (2009). A ascensão do resto: os desafios ao ocidente de economias com industrialização tardia. São Paulo: Unesp. APEX-Brasil (2010). China. Informações estratégicas. Macroindicadores. Intercâmbio comercial. Disponível em: [http://mercadofoco.apexbrasil.com. br/china/informacoes-estrategicas/macroindicadores/intercambio-comercial]. Acesso em: 13 set. 2013.

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

63

APROSOJA, Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso do Sul (2013). Produção de soja anual. Disponível em:[http://aprosojams.org.br/ verNoticia?id=3423&tit=Em-julho,-IBGE-prev%C3%AA-safra-2,6--maiorque-a-de-2013.html] Acesso em: 13 set. 2013. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE EXPORTADORES DE CEREAIS (2013). Evolução das Exportações de Soja em Grãos. Disponível em:[http://www. anec.com.br/pdfportugues/EvolucaoExportacoesSojaGraosPortoEmbarque. ppd]. Acesso em: set. 2013. BARROS, N. B. M. (1999). Campo Grande: 100 anos de construção. Campo Grande: Matriz. BIATO JÚNIOR, O. (2010). A parceria estratégica Sino-brasileira:origens, evolução e perspectivas (1993-2006). Brasília: FUNAG. BRASIL. (2014) Cadastro geral de empregados e desempregados. Disponível em:[http://portal.mte.gov.br/caged/]. Acesso em: 1 fev. 2014. BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO - MAPA (2012). AgroStat. Estatísticas do comércio exterior do agronegócio brasileiro. Disponível em:[https://login.agricultura.gov.br/sso/pages/ login.jsp]. Acesso em: 12 dez. 2012. BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC. Secretaria de Comércio Exterior (2010). Disponível em:[http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna. php?area=5&menu=3158&refr=576]. Acesso em: 20 fev 2014. BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC (2012). Balança Comercial Brasileira – Dados consolidados. Brasília (DF). Disponível em: [http://www.desenvolvimento.gov. br/arquivos/dwnl_1365787109.pdf]. Acesso em: 13 abr. 2013. BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC (2013). Balança comercial: unidades da federação. Disponível em:[http://www.mdic.gov.br//sitio/interna/interna. php?area=5&menu=1076] Acesso em: 13 jun. 2013. BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC. Secretaria de Comércio Exterior (2013). Disponível em:[http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=1076]. Acesso em:10 out. 2013. 64

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

BRASIL. MINISTÉRIO DO TRABALHO E DO EMPREGO (2010). Relação Anual de Informações Sociais - RAIS 2010. Disponível em:[http://www3. mte.gov.br/rais/]. Acesso em: 13 set. 2013. BRASIL. MINISTÉRIO DO TRABALHO E DO EMPREGO (2011). Relação Anual de Informações Sociais - RAIS 2011. Disponível em:[http://portal. mte.gov.br/data/files/8A7C816A39D953B90139DEFF84403EE7/RAIS%20 2011%20RJ.pdf]. Acesso em: 13 set.2013. BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC. Secretaria de Comércio Exterior (2014). Disponível em:[http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna. php?area=5&menu=1194&refr=576] Acesso em: 20 fev 2014. BRASIL. Sistema IBGE de recuperação automática (2006). Disponível em:[http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/pesquisas/ca/default.asp?o=2&i=P]. Acesso em: 13 set. 2013. BRASIL. Sistema IBGE de recuperação automática (2013). Disponível em:[http:// www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo/acervo9.asp?e=c&p=LA&z=t&o=11]. Acesso em: 13 set. 2013. CASAROTTO, E. L. (2013). Desempenho da pauta de exportações do agronegócio de Mato Grosso do Sul. Dourados: UFGD. Disponível em:[http:// www.ufgd.edu.br/face/mestrado-agronegocios/downloads/dissertacao-eduardo]. Acesso em: 13 set. 2013. CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA (2011). Relatório de PIB 2009. Disponível em:[http://www.cepea.esalq.usp. br/pibpec/PIB_Cadeias_relatorio2009_10.pdf] Acesso em: 13 set. 2013. DALL’AGNOL, A.; LAZAROTTO, J. J.; HIRAKURI, M. H. (2010). Desenvolvimento, mercado e rentabilidade da soja brasileira. Revista Circular Técnica, 74. DANESE, S.F. (1999). Diplomacia presencial. Ed. Carta Internacional, VII(72). DIEESE (2011). Desindustrialização: conceito e situação do Brasil. Disponível em:[http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D3052393E013055A36C4 50E9D/dieese_nt100.pdf]. Acesso em: 06 jul. 2014.

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

65

EMBRAPA (2004). Tecnologias de produção de soja na região central do Brasil 2004 Disponível em:[http://www.cnpso.embrapa.br/producaosoja/SojanoBrasil.htm]. Acesso em: 15/08/2013. FARHI, M.; PRATES, D. M.; FREITAS, M. C. P. de; CINTRA, M. A. M. (2009). A crise e os desafios para a nova arquitetura financeira internacional. Revista de Economia Política 29 (1). Disponível em:[http://www.scielo.br/pdf/rep/ v29n1/08.pdf]. Acesso em: 13 set. 2013. FEDERAÇÃO da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (2014). Agrojovem. Disponível em:[http://famasul.com.br/imagens/palestras/2014/agrojovem.pdf]. Acesso em: 13 set. 2013. FEDERAÇÃO da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (2013). Apagão Logístico Ameaça Economia Brasileira. Disponível em:[http://www.famasul.com.br/noticias_interna/apagao-logistico-ameaca-economia-brasileira-diz-rural/17996/]. Acesso em: 13 set. 2013. FEDERAÇÃO da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (2012). Levantamento de rodutividade da cultura da soja para a safra 2011-2012. Disponível em:[http://famasul.com.br/public/area-produtor/818-levantamento-de-produtividade-da-cultura-da-soja-para-a-safra-2011-2012-em-ms.pdf]. Acesso em: 06 jul. 2014. GUIMARÃES, S. P. (2002). Quinhentos anos de periferia: contribuição ao estudo da política internacional. Porto Alegre: UFRGS. IPEADATA (2010). Taxa de câmbio real efetiva de exportações de manufaturados. Disponível em:[ http://www.ipeadata.gov.br/]. Acesso em: 20 set. 2013. LEITE, P. S. (2011). O Brasil e a operação Sul-Sul em três momentos: os governos Jânio Quadros/João Goulart, Ernesto Geisel e Luiz Inácio Lula da Silva. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão. LESSA, A. C. (2003). O primeiro ano da política externa do governo Lula: renovação na continuidade? Meridiano 47, 40-1: 69-7. MARTINS, C. E. (2007). O Brasil e a dimensão econômico-social do governo Lula: resultados e perspectivas. Revista Katálysis [online], 10(1): 35-43.

66

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

MARTINS, J. (2008). A era Deng, passo a passo. In: Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – III CNPEPI: O Brasil no mundo que vem aí. Seminário: China. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão. p. 65-85. MELO, T. da S. Comércio exterior e territorialidade econômica das unidades de exportadoras de grãos do Mato Grosso do Sul. Disponível em:[http:// eventos.ufgd.edu.br:9000/enepe/arquivos/modelos/ModeloTrabalhoCompletoENMod2013.pdf]. Acesso em: 13 set. 2013. OLIvEIRA, Henrique Altemani de (2012). Brasil e China. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, v. 1. ______. (2004). Brasil-China: trinta anos de uma parceria estratégica. Revista Brasileira de Política. Internacional [online], 47(1): 7-30. ______. (2010). Brasil e China: uma nova aliança não escrita? Revista Brasileira de Política Internacional [online], 53(2): 88-105. OREIRO, J. L.;  FEIJÓ, C. A (2010).  Desindustrialização:  conceituação, causas, efeitos e o caso brasileiro. Revista de Economia Política [online], 30(2): 219-32. PUTNAM, R. D. (2010). Diplomacia e política doméstica: a lógica dos jogos de dois níveis. Revista de Sociologia e Política [online], 18(36): 147-74.  RENOUVIN, P.; DUROSELLE, J.B. (1967). Introdução à história das relações internacionais. São Paulo: Difel. pp 407- 430. SALAMA, P. (2012). China-Brasil: industrialização e “desindustrialização precoce”. Cadernos de Desenvolvimento. Rio de Janeiro, 7(10): 229-51. SARAIVA, M. G. (2010). Brazilian foreign policy towards South America during the Lula administration: caught between South America and Mercosur. Revista Brasileira de Política Internacional (Impresso), 53: 151-68. SEMAC, Secretaria de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia Superintendência de Planejamento (2013). Contas Regionais – Relatório do PIB. Disponível em:[http://www.uems.br/institucional/pdi/arquivos/47_2013-04-29_15-45-30.pdf]. Acesso em: 20 fev. 2014. SILVA, A. C. da; LIMA, É.P. C. de; BATISTA, H. R. (2011). A importância da soja para o agronegócio brasileiro: uma ánalise sob o enfoque da produção, emprego e exportação. Disponível em:[http://www.apec.unesc.net/V_EEC/ sessoes_tematicas/Economia%20rural%20e%20agriagricul%20familiar/A%20

OS RESULTADOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-CHINA PARA O FORTALECIMENTO COMERCIAL...

67

IMPORT%C3%82NCIA%20DA%20SOJA%20PARA%20O%20AGRONEG%C3%93CIO%20BRASILEIRO.pdf]. Acesso em: 12 jul. 2014. SISTEMA de Informação Geográfica do Agronegócio do Mato Grosso do Sul (2014). Dados. Disponível em:[http://www.sigaweb.org/ms/sistema/]. Acesso em: 13 set. 2013. UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE (2012). In: WWF Brasil. Produção e exportação de soja brasileira e o cerrado 2001-2010. Disponível em:[http://d3nehc6yl9qzo4.cloudfront.net/downloads/wwf_soja_cerrado_web.pdf]. Acesso em: set. 2013. VIGEVANI, T.; CEPALUNI, G. (2007). A política externa de Lula da Silva: estratégia da autonomia pela diversificação. Contexto Internacional. Rio de Janeiro, 29(2) 273-335. ______.; OLIVEIRA, M. F. de; CINTRA, R. (2003). Política externa no período FHC: a busca de autonomia pela integração. Tempo Social, 15(2).  WORLD WILDLIFE FUND BRASIL (2012). Produção e exportação de soja brasileira e o cerrado 2001-2010. Disponível em: [http://d3nehc6yl9qzo4. cloudfront.net/downloads/wwf_soja_cerrado_web.pdf]. Acesso em: 13 set. 2013.

68

Tomaz Espósito Neto • Karla Kananda C. da Cruz

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL1 Germano Kawey Ferracin Hamada

1.

INTRODUÇÃO

O processo de expansão do capital externo ao redor do globo gera nos dias atuais um ambiente de várias inquietações e ações que a todo o momento se regulam e desregulam na medida em que o mercado avança. O sentido dado pelo processo de expansão do capital se deu, principalmente, pelo progresso das empresas multinacionais de maneira mais acentuada no final do século XX. O que elevou o grau de internacionalização nas economias periféricas que estavam se inserindo no contexto neoliberal imposto pelo Consenso de Washington (1989). Esse fator, levado pela globalização, elevou os índices de capital externo nas periferias, acrescentando ainda mais o volume do capital internacional nas vendas das estatais. Pode se afirmar, que esse processo só foi possível devido à expansão das redes de comunicação ligadas pela fibra óptica e pelo avanço das inovações tecnológicas que permitiram ações num curto espaço de tempo, o que veio para corroborar com a expansão da empresa internacional, dos serviços e do capital nas diferentes regiões do globo. No Brasil, o processo de internacionalização econômica ocorreu de maneira mais acentuada na década de 1990. A busca pelo controle 1 Texto derivado da dissertação de mestrado de mesmo título, defendida com a orietação da Prof Dra. Lisandra Pereira Lamoso, em 2014, na Universidade Federalda Grande Dourados (UFGD). O autor agradece à CAPES, Fundect e CNPq pelo auxílio financeiro que deu suporte ao projeto de pesquisa. 69

inflacionário e monetário levou à abertura das empresas estatais para venda pelo Programa Nacional de Desestatização (PND), esse programa tinha como objetivo transferir para a iniciativa privada as atividades que eram consideradas pelo governo indevidamente exploradas pelo setor público. Essa ação, juntamente com a criação do plano Real em 1994, serviu como início do processo de internacionalização das empresas estatais brasileiras, elevando a presença do capital externo no país. Os primeiros anos da década de 1990, intrinsecamente relacionados ao processo de abertura ao capital externo, demonstram a internacionalização econômica de forma mais acentuada. Esse contexto de expansão dos fluxos de IED no Brasil pode ser explicado devido ao que: “atrai efetivamente o IED para o Brasil são dois fatores: o primeiro é o baixo preço das empresas brasileiras em dólar, seja via fusão e aquisição, seja via privatizações. Como segundo motivo, também importante, tem-se o desdobramento da concorrência interoligopólica mundial pelos mercados relevantes. O Brasil, deixando de ser um mercado grande, mas estagnado e sem perspectivas de expansão, com a estabilização das taxas de inflação, volta a ser um mercado razoavelmente atraente.” (ANTUNES, 2001, p. 69).

No que diz respeito ao período pós-início do plano Real, a presença do capital internacional se concentrou entre 1995 e 2002 em setores de serviços públicos, tais como telecomunicação, energia, transporte, bancos, elevando ainda mais a dependência do estado para com o setor produtivo privado. Nessa expansão de fluxos de capital estrangeiro de entrada dos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), vemos um estreito vínculo com o aumento exponencial da infraestrutura no país, principalmente no que se refere ao desenvolvimento de polos industriais. Acerca dos investimentos estrangeiros diretos, Chesnais (1996, p. 56), baseado nas definições da OCDE (1992), considera “investimento estrangeiro como investimento direto quando o investidor detém 10% ou mais das ações ordinárias ou do direto de voto numa empresa”. Ainda sobre o investimento estrangeiro na forma direta, Gonçalves (2003, p. 24) o define como: 70

Germano Kawey Ferracin Hamada

“todo fluxo de capital com o intuito de controlar a empresa receptora do investimento. O principal agente de realização do IED é a empresa transnacional - empresas de grande porte que controlam ativos em pelo menos dois países. Essas empresas têm, geralmente, a sua matriz localizada nos países desenvolvidos e, por intermédio do investimento externo direto, controlam subsidiárias e filiais em outros países.”

No Brasil, a regulação e a quantificação dos investimentos externos por via dos censos se iniciaram em 1995 com o “Censo de capitais estrangeiros”, realizado pelo BACEN, apresentando um conjunto de informações relativas ao estoque de IED, país de origem, atividade econômica, entre outros. Anteriormente, os estoques de IED como apresenta o BACEN nas notas explicativas. “Estão computados os ingressos e saídas efetivas de capitais em moeda estrangeira e bens, as conversões de empréstimos e outros créditos em investimentos, e os reinvestimentos. As remessas ao exterior a título de ganho de capital sobre investimentos diretos, as remessas de lucros e dividendos e os chamados empréstimos ‘intercompanhia’ ou ‘intragrupo’ não estão computadas.”

Nesse sentido, regular, definir ou caracterizar esses investimentos torna-se peça importante para o processo de regulação e fiscalização. Acerca dos capitais estrangeiros, a Lei nº 4.131, de 3 de Setembro de 1962, Artigo 1º os define como: “[...] os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.”

A necessidade de se definir o conceito de Investimento Estrangeiro Direto - IED e a sua forma de regulação se dá pela preINVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

71

sença massiva de empréstimos e importações financiadas no estado de Mato Grosso do Sul. Essas ações caracterizam o IED no estado, carregado pela expansão do capital privado elevado pela entrada da empresa internacional, o que fez com que os fluxos de IED aumentassem gradativamente na década de 1990 e colaborassem para a forte presença do capital internacional nas demais regiões do país e em Mato Grosso do Sul. No caso desse estado, a expansão do capital privado se deu em maior número no início do século XXI, visto que as atividades como mineração, sucroálcool energético e complexo papel e celulose foram expandindo na medida em que as unidades fabris eram terminadas e a demanda aumentava.

2.

A DÉCADA DE 1990

O início da década de 1990 foi marcado por uma série de ações que visavam o desenvolvimento e a reestruturação econômica nacional. O desgaste econômico advindo da década de 1980 trouxe consigo a ideia de inserir o pensamento neoliberal na economia brasileira, imposto pelo Consenso de Washington (1989). O processo de abertura da economia nacional por via das privatizações, na década de 1990, foi justificado também, principalmente, pelo fato da indústria nacional estar em desvantagem em relação à internacional. O atraso tecnológico foi o principal argumento apresentado pelo governo, que levou à abertura das empresas nacionais ao capital externo por via das privatizações. Dentro disso, transformações relevantes de âmbito econômico puderam ser notadas. A criação do Programa Nacional de Desestatização - PND (12 de abril de 1990) visava a transferência para o setor privado das atividades que eram do setor público, como já citado. Nesse sentido, entre o período de 1990 e 1994 foi dado início às privatizações concentradas principalmente no setor produtivo estatal, basicamente na indústria de transformação (petroquímico, siderurgia, mineração e fertilizantes) (POCHMANN, 2001, p. 29), e mesmo que ainda não sendo de forma agressiva, o capital internacional começou a despontar

72

Germano Kawey Ferracin Hamada

entre as origens de recursos para compra das estatais, chegando a 5% de participação nesse período (BNDES, 2002). Impulsionado pelo plano Real (1994) e o controle inflacionário, o Brasil, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 - 2002), elevou o processo de privatizações e a participação do capital estrangeiro nas compras das estatais brasileiras, chegando ao patamar de 53% do total entre o período de seus dois mandatos. Vale ressaltar também que outro fator que impulsionou e ainda impulsiona a entrada e a participação do capital externo na economia brasileira é a: “ [...] abertura da exploração dos serviços em infraestrutura [...], por meio da privatização e da concessão, conduz ao chamado efeito sinalização, no qual novos investimentos tenderão a ser canalizados para o país de forma direta (com melhoria e expansão dos serviços) e indireta (ambiente favorável à entrada de capitais externos). Portanto, em países como o Brasil, a infraestrutura é, atualmente, a área mais atrativa para os investimentos privados nacional e estrangeiro. (PEGÔ FILHO; CÂNDIDO JÚNIOR; PEREIRA, 1999, p. 8).”

Elevado pela exploração de serviços e privatizações das estatais, o capital externo se inseriu na economia brasileira na segunda metade da década de 1990 por via das multinacionais e também pelas fusões e aquisições, todas ações voltadas principalmente “para os serviços públicos, como telecomunicações, energia, transportes, bancos, entre outros” (POCHMANN, 2001, p.29), e vão perdendo força na medida em que esgotam-se os ativos privatizáveis, causa essa que torna-se um dos principais fatores para a redução no volume das privatizações (ALVES & LIMA, 2009). Novas formas de organização por via dos IEDs são produzidas e características como a expansão das privatizações se “extinguem”, sendo alteradas por processos de concessões de longas datas, fluxos de estoque de IED e de capital via empréstimos e financiamento inter-empresas multinacionais presentes no território nacional. Nesse contexto, INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

73

“pode-se inferir que o IED recente na economia brasileira deve contribuir mais para a criação de capacidade produtiva no país” (ALVES & LIMA, 2009, p. 19). Usando como eixo principal o fluxo de IED para a criação de capacidade produtiva, vemos no estado de Mato Grosso do Sul a expansão dos fluxos de capital externo para a criação de novas plantas fabris e a expansão daquelas que já se encontram em processo de consolidação, fato esse que pode ser observado a partir do conjunto de dados acerca do IED em Mato Grosso do Sul.

3.

MATO GROSSO DO SUL E O FLUXO DE CAPITAL EXTERNO

Localizado na região Centro-oeste do Brasil, juntamente com Goiás, Mato Grosso e Distrito Federal, o estado de Mato Grosso do Sul tem como capital a cidade de Campo Grande. A sua divisão político-administrativa é formada por 79 municípios (a figura 1 apresenta sua localização e a divisão dos municípios pertencentes). Com uma cadeia produtiva voltada principalmente para a produção de commodities, produtos semimanufaturados e também da criação animal. O estado de MS eleva seu volume de exportações de soja e da presença de empresas do ramo de alimentos como JBS S/A, Seara, Bunge Alimentos, Cargill, ADM do Brasil, o que demonstra o grau de importância que o setor primário tem para a economia estadual, cabendo destacar também que assim como a produção de grãos está aumentando, o complexo de papel e celulose cresce na “região” de Três Lagoas. O crescimento do complexo de papel e celulose destacado poderá ser demonstrado a partir da maior participação do capital externo nesse setor, isso demonstra a formação de novos fronts de investimento no estado de MS. Acerca do IED, podemos afirmar que a maior concentração desse tipo de investimento no estado se deu a partir da década de 2000, o que nos leva a analisar três diferentes etapas: a primeira com os fluxos de capital externo entre 2000 - 2005, a segunda entre 2006 - 2010 e a terceira no período de toda a década de 2000.

74

Germano Kawey Ferracin Hamada

A escolha por dividir a análise de investimento estrangeiros no estado em três momentos se deu pela necessidade de apresentar de maneira significativa a importância de determinado setor para economia do estado no período corrente da análise, atividades como o sucro-álcool-energético, o complexo do papel e celulose começaram a despontar na segunda metade da década de 2000, enquanto outras, como agropecuária e serviços, já despontavam desde o início, aumentando ou decaindo no decorrer da década. No primeiro momento, o fluxo de capital externo estava concentrado no setor da mineração em Corumbá com a Mineradora Corumbaense Reunida S/A, que recebeu pelo ABN AMRO Bank da Bélgica R$ 131.040 milhões em 2001, e da Rio Tinto European R$ 27.450 milhões do Reino Unido em 2004, somando R$ 158.849 milhões no período de cinco anos. Outros dois municípios que apresentaram alto valor principalmente no setor sucro-álcool-energético são Maracajú, pela Usina Maracajú, que recebeu entre os anos de 2004 e 2005 por via da empresa Inter-American Investiment Corporation dos EUA mais de R$ 34 milhões, e Brasilândia, onde a Energética Brasilândia Ltda recebeu da CSI Latina Financial o montante de R$ 13 milhões de reais. Na agropecuária, diferente da mineração e do sucroálcool energético, percebemos maior expansão, estando presente em municípios como Campo Grande, com importações financiadas pela Coabra Cooperativa Agroindustrial com investimentos advindos da Holanda, com o ABN AMRO Bank N.V. em 2003 com R$ 12, 3 milhões e com a ConAGRA dos EUA, recebendo em 2005 um montante de R$ 230 milhões. Maracajú além de receber elevado volume de IED no setor sucro-álcool-energético, também recebeu pelo agropecuário. Em 2004, somente pela Santa Fé Agropastoril Ltda, recebeu do Crédit Lyonnais do Uruguai R$ 13.5 milhões, o que destaca a importância também do setor agropecuário para o município. Na indústria, podemos afirmar que os dois principais municípios receptores são Três Lagoas e Campo Grande. Os demais como Amambaí, Bataguassu e Corumbá também recebem, porém em menor número que os dois já citados. No caso do município de Três Lagoas, o principal

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

75

setor é o têxtil. Empresas como Avanti, Nellitex e Afil Importação recebem investimentos da França (Stäubli Lyon), Reino Unido (Continental Partners) e Luxemburgo (Banque LBlux S/A). Em Campo Grande, as atividades já se diversificam, sendo representadas por empresas como a importadora De Sutter do Brasil Ltda.; do ramo dos laticínios, a Imbaúba Laticínios S/A e do comércio de equipamentos industriais, a Prata 1000 Ind. E Com. Ltda. A origem dos investimentos são países como a Bélgica (Petter Jam M A Sutter), Itália (Casearia Brazzale) e Japão (com a trading Yamazaki Mazak). Nos demais municípios citados, os investimentos se concentram no ramo alimentício, em Amambaí com a Fribai- Frigorífico Vale do Amambaí Ltda. e Amambaí Alimentos Ltda., ambas recebendo investimentos advindos dos EUA pela financeira CSI Latina Financial. Em Bataguassu, está presente o grupo Marfrig, frigorífico do ramo de alimentos que hoje pertence ao grupo JBS S/A e que em 2004 recebeu R$ 503 milhões pela Onyc S/A do Uruguai. No que diz respeito ao período de 2000-2005 nos fluxos de capital externo em MS, podemos afirmar que o maior valor estava na mineração unicamente em Corumbá, seguido pela expansão da agropecuária em outros municípios e o sucro-álcool-energético em Maracajú e Brasilândia. Alguns municípios apresentaram números pouco relevantes acerca do capital estrangeiro nesse período, o que nos leva a destacar os mais expressivos, formando uma rede de fluxos de capital externo no território estadual. No período de 2006-2010, diferentemente do anterior, os investimentos, em seu maior número, direcionaram-se para o complexo de papel e celulose em Três Lagoas e concentraram-se na porção central e sul estadual, em seu maior volume, no setor sucroálcool energético. A mineração em Corumbá ganhou força, aumentando mais de R$ 40 milhões nesse período em relação ao anterior, assim como os serviços passaram a aparecer em maior volume tanto em Corumbá como em Campo Grande. O que percebemos é que o crescimento da indú­stria em relação aos capitais estrangeiros foi aumentando nas cidades de Três 76

Germano Kawey Ferracin Hamada

Lagoas e Campo Grande. Em relação ao período anterior, o crescimento da participação do capital externo na indústria de Campo Grande cresceu mais de 15 vezes, passando de R$ 7.5 milhões, entre 2000-2005, para R$ 119 milhões em 2006-2010. Tal crescimento deve-se ao “aparecimento” da China no mercado sul-mato-grossense com um fluxo de mais de R$ 112 milhões em 2009, entre a Posco Ind. Comércio Imp. e Exp. Ltda. (do ramo de produtos de limpeza) e Shangai Ala Internacional. Em Três Lagoas, o crescimento da indústria relacionado ao capital externo mais que triplicou no mesmo período, esse crescimento foi movido principalmente pela indústria de materiais plásticos, têxteis e produtos em aço. A opção por separar a indústria do complexo de celulose foi feita para demonstrar a quantidade de capital externo que esse tipo de indústria traz consigo. Em relação à indústria de materiais plásticos, a principal empresa receptora é Emplal Com. Embalagens Plásticas Ltda., que recebeu entre 2006-2010, capital de países como Itália e Alemanha principalmente, totalizando mais de R$ 10.6 milhões em capital, sendo que o principal financiador foi o alemão Landesbank Baden-Württemberg. Na indústria têxtil, a cidade de Três Lagoas recebeu, por via de importação financiada, quase R$ 4 milhões da Alemanha. Outro setor de importância para o crescimento do município nesse período foi o da indústria do aço com a Feral Metalúrgica Ltda. somando quase R$ 7 milhões com pagamentos de países como Itália (Team Meccanica SPA do ramo de motores a combustão) e EUA (Banco Itaú S/A). Outros municípios como Bataguassu e Itaporã também tiveram importância no que diz respeito à recepção do capital externo. O caso de Bataguassu é de um crescimento em cinco anos, 26 vezes maior. A empresa receptora foi a Marfrig do ramo de carne bovina, que recebeu, por via de importação financiada, cerca de R$ 13.577 milhões dos EUA, entre 2006 e 2008. Percebe-se que os fluxos de capital na indústria estão acumulados em alguns municípios sul-mato-grossenses, alguns mais concentrados como o caso de Três Lagoas e Campo Grande; outros mais isolados como Itaporã, apenas com a indústria de pesca e Paranaí-

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

77

ba com a Metalgear Crystal Tecnologia de Metais Ltda., que opera com importações e mercado externo. Essa concentração gerou no período desses cinco anos a soma de R$ 242 milhões, valor maior que serviços e agropecuária com R$ 81milhões e R$ 66 milhões respectivamente em MS (BACEN, 2013). Acerca dos serviços, a maior concentração esteve em Campo Grande e Corumbá. Em Campo Grande, o fluxo de capital mais que duplicou entre 2006-2010, passando de R$ 9 milhões em 2000-2005 para R$ 21 milhões. A maior concentração esteve na importação de equipamentos de radiologia e comércio de importação via pessoa jurídica. No caso de Corumbá o aumento foi ainda maior, apresentando um volume de R$ 756 mil em 2000-2005, o fluxo de capital passou entre 2006-2010 para R$ 29 milhões, um aumento 38 vezes maior. Tal volume relaciona-se, principalmente, a empréstimos intercompanhias entre a Cinco - Cia. Interamericana de Navegação e Comércio e a Fluviomar Internacional Limited. de Bermudas, somando mais de R$ 15 milhões entre 2007-2008; a Transportadora Visão também com empréstimos principalmente advindos de Hong Kong somaram R$ 2.3 milhões, o que proporcionou o aumento do estoque de IED nos serviços, mas por via dos empréstimos em Corumbá. Com relação ao setor agropecuário, entre o período de 2000-2005 e 2006-2010 houve uma queda 57% no total de investimentos, decaindo de R$ 104 milhões para R$ 66 milhões, isso se deu devido ao fato da queda de cerca de R$ 14.7 milhões nos fluxos de importação financiada no município de Campo Grande, assim como também em Bataguassu, com baixa de R$ 4.7 milhões. Outros municípios também apresentaram queda como o caso de Corumbá e Terenos, que passam a não mais somar nesse setor. O aparecimento de municípios como Chapadão do Sul e Rio Brilhante se destaca pelo fato de ambos não serem significativos entre os anos de 2000-2005, o que se modificou no volume acrescido entre 2006-2010, principalmente em Chapadão do Sul, que se deu pelo empréstimo do grupo JPMorgan Chase Bank dos EUA para Ribeirão Agropecuária, que totalizou R$ 22.7 milhões em 2008, assim como em

78

Germano Kawey Ferracin Hamada

Rio Brilhante, que recebeu das Ilhas Cayman, pelo Banco Bradesco S/A o montante de R$ 5.9 milhões. Sobre o setor da mineração o alto volume ficou com empréstimos da Mineração Corumbaense Reunida S/A, advindos da Holanda pelo ABN AMRO Bank N.V e pelos EUA pelo HSBC Bank, somando mais de R$ 200 milhões. Acerca do setor sucro-álcool-energético, temos um aumento considerável em relação aos anos anteriores de análise. A expansão principalmente entre a porção central e sul de Mato Grosso do Sul provocou um acréscimo considerável no estoque de IED nesse setor. Os altos valores principalmente de empréstimos elevaram nos municípios a presença do capital externo, em comparação a 2000–2005, que somou R$ 47 milhões entre os anos 2006–2010, apresentaram um total de R$ 820 milhões, valor 17 vezes maior que os anos anteriores. A expansão das usinas em outros municípios, algo que no período anterior era concentrado apenas em Brasilândia, Maracajú e Ribas do Rio Pardo, em menor valor. Nesse período de análise, outros seis municípios aparecem com valor concentrado, principalmente de empréstimos. Estão inclusos, além dos apresentados, Angélica, Bataguassu, Naviraí, Nova Alvorada do Sul, Nova Andradina e Ponta Porã. Nesse contexto, a Antilhas Holandesas, o Reino Unido, as Ilhas Cayman e os EUA se fizeram presentes, devido a empréstimos para construção e expansão das usinas do estado. Como exemplo destaca-se a Angélica Agroenergia Ltda. do município de Angélica, que entre 2008-2010 fez empréstimo de R$ 360 milhões pelo Rabobank Curaçao das Antilhas Holandesas e pelo Deutsche Bank do Reino Unido. O complexo de celulose ficou por último por se tratar de um tipo de indústria que no estado de MS está ganhando força com as duas principais empresas Fibria, inaugurada em 2006 e Eldorado Brasil, em 2012. Acerca do volume de capital externo nesse setor, entre 2008 e 2010, o valor disponibilizado foi de R$ 433 milhões, montante que entre esses anos foram levantados pela empresa VCP - MS Celulose Sul-Mato-Grossense Ltda. do grupo Votarantim, com fluxos de capital vindo de INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

79

países como a Itália pela Koala Internacional somando R$ 51 milhões e, pela Finnish Export Credit da Finlândia que somou mais de R$ 381 milhões apenas no ano de 2010. Sobre os investimentos apresentados entre o período de 2006-2010, podemos afirmar que o aparecimento do complexo de celulose no município de Três Lagoas alavancou o fluxo de capital externo vindo diretamente para empréstimos no caso da celulose e também no setor sucro-álcool-energético. O financiamento para a instalação de plantas da indústria como o caso da VCP Celulose, que iniciou suas atividades em 2009, proporcionou a segunda maior quantia em volume de IED, ficando atrás apenas do setor energético alcooleiro que contabilizou R$ 820 milhões nesses cinco anos. Em comparação ao período anterior de 2000-2005, os dados demonstram, em análise geral, que o setor de serviços decresceu, passando de R$ 83 milhões para R$ 56 milhões, uma queda de 45% nos últimos cinco anos. O de agropecuária também teve decréscimo e passou de R$ 104 milhões para R$ 66 milhões, uma queda de R$ 38 milhões, os outros setores mantiveram taxa de crescimento no montante de capital externo. A indústria apresentou crescimento sete vezes maior e o sucro-álcool-energético 17 vezes. Campo Grande é a que concentra a maior diversidade dos setores e fluxos de capital externo predominantemente na agropecuária, serviços e destaque para indústria que soma mais 40% no município. Três Lagoas e Corumbá são os outros dois municípios com alto valor de capital externo, porém esse índice está concentrado em apenas dois setores, no caso de Três Lagoas, a indústria, principalmente a têxtil e o complexo de papel e celulose que aparece no município apenas a partir de 2008 com a VCP - Celulose do grupo Votorantim. Corumbá com a Cinco - Cia Interamericana de Navegação no setor de serviços e a Mineração Corumbaense Reunida S/A (Vale) na mineração. Outros municípios, por mais que tenham um alto valor como o caso de Angélica e Naviraí, são representados por um único setor. Referimo-nos ao sucro-álcool-energético, que somou quase R$ 900 milhões

80

Germano Kawey Ferracin Hamada

no período de dez anos, esse valor foi elevado devido ao aumento da participação entre os anos de 2006-2010. O que se observa é um elevado fluxo de capital para setores primários ou de semimanufaturados em MS, a falta de fábricas de alta tecnologia como de microchips e a expansão da produção de commodities proporcionam uma baixa nos investimentos em parques industriais que demandam alta tecnologia. Campo Grande mesmo concentrando a indústria e serviços, não tem força suficiente para alavancar os valores de capital externo na indústria. A presença do complexo de celulose, a partir de 2008, dá um novo impulso ao estado, visto que os maiores valores de exportação veem de empresas como a Fibria e a Eldorado Brasil, presentes em Três Lagoas. A expansão da indústria não somente de celulose, mas também têxtil e de aço, proporciona ao município a maior arrecadação na indústria estadual. O que notamos é a formação de um arco entre Corumbá e Três Lagoas impulsionado pela mineração, celulose e sucro-álcool-energético, cortando toda a porção sul estadual, deixando apenas alguns pontos relevantes na agropecuária na parte norte entre os municípios de Chapadão do Sul e Costa Rica. Porém, vale ressaltar que mesmo o setor agropecuário não sendo o dominante nos fluxos de capital externo, é da soja o maior número de exportação do estado, seguido por pasta química de madeira (MDIC, 2014). Constatamos que o maior fluxo de capital externo no estado vem a partir de empréstimos ou importação financiada. Ambos se tornam relevantes, pois proporcionam não somente a importação de equipamentos para a planta da fábrica, como também a construção da própria planta da indústria. Países como a China, Holanda, Itália dentre outros mais, atuam como financiadores e também como importadores de MS. A participação na receita estadual, balança comercial etc. potencializa uma ambígua expansão de relações mercadológicas que por um lado, quanto mais INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

81

consolidadas melhores são as ações e o fluxo de capital aplicado, por outro a falta de outras vias ou mercados internacionais num período de crise pode gerar baixa nas exportações, além do enfraquecimento do próprio mercado interno, visto que esses tipos de produção, como o caso dos grãos, açúcares, assim como o minério estão diretamente ligados à sua exportação.

4.

O INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO

Sobre a origem do IED, podemos perceber que o fluxo de capital em maior quantidade apenas aparece entre 2005 e 2010, porém em 1995 já tínhamos na economia sul matogrossense investimentos externos advindos de países como EUA, França, Itália, Japão, entre outros. Esses países estão entre os principais destinos do estoque de IED no Brasil no período de 1995-2010. O aparecimento dos demais de 2005 a 2010, além dos citados, deve-se por ter sido acrescentado os registros de capitais estrangeiros como empréstimos e importação financiada. O país com maior número no estoque de IED no estado, em 1995, é o Japão, com mais de US$ 7 milhões, seguido pela Suíça, com pouco mais US$ 3 milhões e França, com quase US$ 3 milhões em investimentos externos. Numa análise mais geral, os maiores volumes no estoque de IED dos nove países presentes somam um total de pouco mais de US$ 15 milhões e setores como serviços vinculados ao turismo pelas atividades recreativas, culturais e desportivas recebem investimentos no caso do Paraguai de US$ 190 mil. Esse baixo valor nos fluxos de IED pode ser explicado pelo fato de que a economia nacional, como já mencionado, estava num processo de abertura para o capital externo, o controle inflacionário com o plano Real ainda impulsionaria esses fluxos em maior volume a partir de 1998, levando à maior participação estrangeira nos fluxos de capital nacional. Um fator que implica nessa questão é que se pensado a partir do decorrer dos anos, os estoques de IED, dentro do estado em 1995 até o 82

Germano Kawey Ferracin Hamada

ano de 2000, cresceram de forma significativa, chegando a dobrar, incluindo países que, anteriormente a 2000, não possuíam significativos montantes de IED. Como pode ser observado no quadro 1. QUADRO 1 - Países de origem IED em MS 1995, 2000, 2005 e 2010 (US$ mil) País de Origem

1995

2000

2005

2010

TOTAL (US$ MIL)

Argentina

-

-

108

-

108

Antilhas Holandesas

-

-

-

40.000

40.000

Alemanha

-

-

-

6.096

6.096

Bahamas, Ilhas

-

-

-

460

460

Bélgica

-

29

557

978

1.564

Bermudas

-

-

-

6.792

6.792

Bolívia

-

-

-

576

576

Brasil

-

-

183

-

183

Canadá

-

-

-

451

451

Cayman, Ilhas

-

-

-

132.217

132.217

China

-

-

-

52.100

52.100

Chile

-

-

-

206

206

Espanha

-

14.601

-

11.000

25.601

EUA

188

611

3.693

131.632

136.124

Finlândia

-

-

-

170.000

170.000

França

2.977

1.481

2.124

9

6.591

Hong Kong

-

-

381

10.822

11.203

Holanda Ilhas Virgens (GB)

-

7.494

5.217

100.240 1.575

100.240 14.286

Itália

392

6

583

29.000

29.981

Japão

7.981

6.100

11.908

5

25.994

Liechtenstein

1

112

85

-

198

Luxemburgo

-

2.319

1.773

1.299

5.391

Nigéria

-

-

-

132

132

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

83

QUADRO 1 - Países de origem IED em MS 1995, 2000, 2005 e 2010 (US$ mil) Noruega

-

24

-

-

24

Panamá

74

-

-

289

363

Paraguai

190

-

-

900

1.090

Reino Unido

-

11.124

8.090

127.000

146.214

Suíça

3.045

751

"

17.490

21.286

Uruguai

175

348

855

1.000

2.378

Diversos estrangeiros

-

-

59

520

579

Total

15.023

44.997

35.616

842.789

938.425

FONTE: BACEN/ CENSO DE CAPITAIS ESTRANGEIROS. 2013. ORG. HAMADA,G. K. F. 2014.

Em comparação com 1995, o ano de 2000 já apresentava um expressivo aumento no número de IED. A presença de países como a Bélgica, que apresentou investimentos na área da madeira de US$ 29 mil; a Espanha com captação e tratamento e distribuição de água, US$ 14.601 milhões, entre outros, demonstra certa evolução no processo de inserção do capital internacional. Pensando em valores que apresentam expressivo crescimento, o estoque de IED de determinados países acaba diminuindo, como o caso da Itália, que de US$ 392 mil passou a apresentar apenas a soma de US$ 6 mil, assim como a Suíça, que teve o valor reduzido por quatro, e também França e Japão entre 1995-2000, fato que na soma total acaba por passar despercebido, visto que a inserção de outros, como Espanha, Reino Unido, Ilhas Virgens e Luxemburgo acabam aumentando o estoque do IED no estado. Já no período de 2000 a 2005, a redução dos valores de estoque de IED e a queda de investimentos de determinados países como Luxemburgo, Reino Unido e Ilhas Virgens se devem à baixa nos empréstimos. Também ocorreu o fato de que países como Espanha, que no censo anterior apresentavam um volume de mais de US$ 14 milhões, simplesmente não somaram juntamente aos demais no censo seguinte. O acréscimo no estoque de IED da Bélgica se direcionou para a fabricação 84

Germano Kawey Ferracin Hamada

de produtos alimentícios e bebidas, cerca de US$ 557 mil. Se dividido em setores, percebe-se que mesmo com a queda do estoque de participação estrangeira, em números por atividades principais, temos um avanço nos três grandes setores da economia, como o setor de serviços que de US$ 9.308.731 em 1995, passou para US$ 52.695.842 em 2005, um crescimento de 466% em dez anos (BACEN, 2013). Esse acréscimo no estoque se dá devido ao aumento da participação de outros países, passando de apenas nove em 1995 para vinte sete em 2010, o maior número de participação, assim como o acréscimo nos estoques de IED fazem do período de 2005 a 2010, o de maior concentração de capital externo visto, que os empréstimos e importação financiada se incluem, fato que eleva o fluxo de capital estrangeiro no estado. Em relação à conjuntura brasileira, o fluxo de capital estrangeiro aumentou em ambas as escalas, com queda entre 2008-2009, relacionada principalmente à baixa na participação de países centrais como EUA, Japão e Países Baixos, devido à crise de 2008. O aparecimento de países como a China, em 2006, assim como Holanda, Ilhas Cayman, Alemanha entre outros, deve-se ao fluxo de capital externo, principalmente para importação financiada e empréstimos. Esses tipos de investimentos externos ajudaram a alavancar os estoques de IED no estado de MS. Países como Bermudas, que apenas no ano de 2007, via da Fluviomar Ltda., fez empréstimos para a Cinco - Cia. Interamericana de Navegação e Comércio, que juntos somaram mais de US$ 2.4 milhões. Outra forma de ingresso veio a partir do pagamento ou renovação antecipada de exportação, como o caso da ABN AMRO Bankda Holanda, que em maio de 2008 pagou à Usina Eldorado S/A US$ 40 milhões. Esses e outros valores juntos aumentaram ainda mais o estoque de IED do estado, mas o que pode ser apontado é que a maior entrada de IED deve-se às importações financiadas e empréstimos, assim como o pagamento antecipado da exportação.

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

85

As principais atividades ligadas à indústria e ao fluxo de IED, já no último período, estão ligadas principalmente aos produtos alimentícios, com US$ 473 milhões; produtos químicos, US$ 104 milhões; produtos de borracha e de material plástico, US$ 100 milhões e máquinas e equipamentos, US$ 10 milhões, que despontaram, de acordo com o censo de capitais estrangeiro com ano base 2010 (BACEN, 2014), levando em consideração que determinadas variáveis não foram apresentadas, sendo classificadas como “outros”, somando o total de US$ 3.159 milhões.

Título1: ???????

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os fluxos de IED em Mato Grosso do Sul, foram apresentados a partir da espacialização nessa unidade da federação, compostas pelos registros de capitais estrangeiros, dos quais foram levantados empresa e país de origem, empresa receptora e montante acumulado. Os IEDs apresentados no montante acumulado por país de origem, de 1995 a 2010 por meio dos censos de capitais estrangeiros, foram gerados pelo BACEN de cinco em cinco anos, a partir de 1995.

86

Germano Kawey Ferracin Hamada

O que consideramos é que os índices de capital externo em MS aumentaram a partir de 2005, como desdobramento do aumento advindo dos EUA, Hong Kong, Itália e Reino Unido, entre outros, que elevaram expressivamente a quantidade de IED, somando um total do fluxo de IED entre o período de 2005-2010 de US$ 842 milhões de dólares, cerca de 23 vezes maior que o período de 2000-2005, com apenas US$ 35 milhões. Outro fato notável é a maior participação de outros países além dos citados, visto que em 1995 o estado teve participação de apenas 9 países, passando em 2000 para 12, 2005 para 14 e em 2010, para 27 países. Esse aumento da participação de outros países, juntamente com o elevado fluxo entre 2005-2010, proporcionou um acréscimo de capital externo nas indústrias por meio de importações financiadas e empréstimos. Isso representa maior exposição do estado aos fluxos internacionais. O que se constatou sobre os setores da economia sul-mato-grossense é que, apesar do alto índice de exportação de soja até mesmo triturada no setor agropecuário, que se encontrava em evidência no período anterior a 2005, houve destaque para a expansão dos investimentos nas atividades sucroálcool energéticas, que é o maior destaque do agronegócio em termos de atração de recursos internacionais. Isso ajuda a explicar o potencial econômico de expansão física das unidades fabris, com implantação de novas plantas industriais e aumento da área arrendada, em consonância com a demanda açúcar/etanol. A participação do capital externo no setor sucro-álcool-energético elevou os valores presentes, apresentando forte concentração entre os anos de 2008 e 2010, somando quase R$ 900 milhões, fator que foi determinante para a incorporação dos municípios de Nova Alvorada do Sul, Maracajú, Angélica, Nova Andradina, Brasilândia, Bataguassu, Ponta Porã e Naviraí, além da participação de Campo Grande. A atividade da mineração, concentrada nos municípios de Corumbá e Ladário, que totalizou cerca de R$ 361 milhões, teve uma leve

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

87

evolução no decorrer dos anos. Da mesma forma, a indústria presente nas cidades de Campo Grande, Três Lagoas e Itaporã, somando R$ 269 milhões, apesar do alto montante, ainda encontra-se muito inferior na participação em relação aos setores sucro-álcool-energético e de mineração. O único setor da economia, como já discutido, a ter um decréscimo entre os anos apresentados foi o dos serviços, que mesmo com a expansão dos empréstimos no ramo do transporte e navegação pela Cinco de Corumbá, teve valores ainda muito inferiores aos demais. O conjunto do período de 2000 a 2010 confirma o protagonismo e a relevância dos setores da agroindústria, com destaque para o sucro-álcool-energético. As usinas se concentram nos municípios da porção sul estadual. Dourados, apesar de exercer um papel de fornecedor de bens e serviços para os municípios do entorno, conhecidos como região da “Grande Dourados”, foi um município que recebeu poucos investimentos em serviços (R$ 628 mil). A agropecuária captou R$ 14 milhões e nenhum para o sucro-álcool-energético, nem para atividades industriais no período. Houve um destaque para a área da saúde, com investimentos em equipamentos médicos. A capital Campo Grande, pela densidade técnica, política e econômica, acaba tendo essa diversidade também representada pelos investimentos, pois há uma distribuição entre serviços, indústria, sucro-álcool-energético, faltando apenas dois conjuntos que são as atividades da mineração (concentrada no município de ocorrência da exploração de ferro e manganês) e celulose em Três Lagoas.

88

Germano Kawey Ferracin Hamada

REFERÊNCIAS AGÊNCIA BRASILEIRA DE PROMOÇÃO DE EXPORTAÇÕES E INVESTIMENTOS. A internacionalização da economia chinesa - a dimensão do investimento direto. Disponível em: . Acesso em: 20 fev. 2014. ALVES, C. L. B. LIMA, C. C. S. de. 2009. Dinâmica do investimento direto estrangeiro (IDE) no Brasil: evidências recentes de um fenômeno econômico consolidado. In: < http://www.sep.org.br/artigos > Acesso em: 15 fev. 2014. ANTUNES, D. J. N. 2001. O Brasil dos anos 90: um balanço. Leituras de Economia Política. Campinas. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Censo de capitais estrangeiros. Disponível em: Acesso em: 20 mar. 2013. ______. Notas técnicas do Banco Central do Brasil. Disponível em: Acesso em: 20 mar.2013. ______. Relatório anual 2010. Disponível em: < www.bcb.gov.br> Acesso em: 20 mar. 2013. BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Privatização no Brasil. Disponível em: Acesso em: 20 mar. 2013. BANESTES. Importação financiada. Disponível em: Acesso em: 15 fev. 2014. BIONDI, A. O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2003. CONSELHO EMPRESARIAL BRASIL - CHINA. Uma análise dos investimentos chineses no Brasil 2007 - 2012. Disponível em: Acesso em: 15 fev. 2014. CHESNAIS, F. . A mundialização do capital. São Paulo, Xamã, 1996.

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

89

GONÇALVES, R. Globalização e desnacionalização. São Paulo, Paz e Terra, 1999. ______. O nó econômico. In: SADER, Emir (org.). Os porquês da desordem mundial – mestres explicam a globalização. Rio de Janeiro, Record, 2003. ______. Ô abre-alas: a nova inserção do Brasil na economia mundial. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994. GONÇALVES, R. POMAR, V. O Brasil endividado: como nossa dívida aumentou mais de 100 bilhões de dólares nos anos 90. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2001. GREGORY, D. OLIVEIRA, M. F. B. A. O desenvolvimento de ambiente favorável no Brasil para a atração de investimento estrangeiro direto. Disponível em: Acesso em: 15 fev. 2014. IANNI, O. 1996. Teorias da globalização. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996. ______. Estado e planejamento econômico no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996. IBGE. Mato Grosso do Sul - MS. Disponível em: Acesso em: 15 fev. 2014. LAMOSO, L. 2011. Dinâmicas produtivas da economia de exportação no Mato Grosso do Sul - Brasil. Mercator, Fortaleza, 10(21): 33-47. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR. Comércio exterior. Disponível em: < http://www.desenvolvimento. gov.br//sitio/> Acesso em: 15 fev. 2014. MORAES. O. J. Investimento estrangeiro direto no Brasil. São Paulo, Aduaneiras, 2002. PÊGO FILHO, B. CÂNDIDO JUNIOR, J. O. PEREIRA, F. Investimento e financiamento da infraestrutura no Brasil: 1990/2002. Disponível em: < http:// www.ipea.gov.br/pub/td/1999/td_0680.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2011. POCHMANN, M. A década dos mitos. São Paulo, Contexto, 2001.

90

Germano Kawey Ferracin Hamada

SALVINO JUNIOR, C. Bancos Estaduais: dos problemas crônicos ao PROES. In: Banco Central do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 20 fev. 2011. SANDRONI, P. Novíssimo dicionário de economia. São Paulo. Best Seller, 1999. SILVA, C. L. Investimento estrangeiro direto: da dependência à globalização. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 2005.

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO MATO GROSSO DO SUL

91

O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS: INSERÇÃO NO MERCADO INTERNACIONAL E TRANSFORMAÇÕES LOGÍSTICAS1 Vinícius Souza Andrade

1.

INTRODUÇÃO

Desde 2006, quando do anúncio da instalação das unidades produtivas de indústrias de celulose e papel em Três Lagoas-MS, transformações diversas ocorreram na mesorregião leste de Mato Grosso do Sul2. A chegada da Fibria Celulose, International Paper do Brasil e Eldorado Brasil, resultado do crescimento exponencial da demanda internacional por celulose, bem como outros fatores atrativos para o setor, ao município limítrofe com o estado de São Paulo, às margens do rio Paraná, trouxe em um curto período de tempo o chamado boom econômico e industrial. Importante área de pesquisa em relação à chegada do setor celulósico e papeleiro à região é aquela que se dedica a compreender as transformações territoriais e logísticas decorrentes da demanda de escoamento de produção, viabilizado por meio de vias de transportes já existentes.

1 Pesquisa desenvolvida como Trabalho de Conclusão de Curso, no curso de bacharel em Relações Internacionais, com orientação da Prof. Dr. Lisandra Lamoso. 2 A mesorregião leste de Mato Grosso do Sul é formada pelos municípios de Águas Claras, Brasilândia, Ribas do Rio Pardo, Santa Rita do Pardo e Três Lagoas. 93

A partir da análise de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fundação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (FIEMS), bem como de organizações voltadas para o setor industrial de celulose e papel e de bibliografia pertinente ao movimento de industrialização do município, o objetivo deste capítulo é apresentar o panorama do mercado de celulose e papel mundial para, então, compreender como tal setor contribui para a inserção do município e do estado no mercado internacional. Outra abordagem proposta é o estabelecimento de conexões entre as transformações logísticas regionais e a chegada dessas indústrias, conduzido por uma articulação entre os volumes de produção e exportação e os constantes investimentos em vias de transportes multimodais na região.

2.

PANORAMA MUNDIAL DO MERCADO DE CELULOSE E PAPEL

Desde a década de 1970, o mercado de celulose solúvel vinha passando por uma contração de sua demanda, mas esse quadro se reverteu a partir da década de 2000. O mercado voltou a se aquecer no final dessa década, chegando a ter, entre 2000 e 2012, uma taxa de crescimento de demanda de 5,3% (FIGURA 1) em um crescimento exponencial, dentro do período, maior do que o ritmo de queda de demanda nos quase trinta anos anteriores. Tal crescimento ocorreu pelo refinamento da produção e pela possibilidade de substituição de diversos produtos pela celulose solúvel. Por exemplo, na indústria têxtil, a fibra de celulose pode substituir a de algodão com custos de produção menores. Em estudo realizado por Franz Martin Hämmerle, consultor do segmento têxtil, a demanda de fibra de celulose tem futuro promissor, pois: “em 2030, em relação a 2010, em virtude de um acréscimo populacional de 1,3 bilhão de habitantes, a demanda por alimentos será 43% superior e a de fibras têxteis de 48%, ao passo que as disputas por terras produtivas, somadas a questões ambientais 94

Vinícius Souza Andrade •

(alto consumo de água e pesticidas) e pouca evolução na produtividade, levariam a uma expansão na produção de algodão de apenas 18%. Com isso, haveria um espaço (gap) a ser preenchido pelas fibras celulósicas, em virtude de suas propriedades serem semelhantes às do algodão, além das vantagens ambientais de sua produção, em especial nas fibras mais avançadas, como o lyocell.” (VIDAL, 2013).

Para além de novas demandas e aplicações, o mercado corrente de celulose também possui maior procura. Em especial a produção de papel para impressão e escrita, que correspondeu em 2012 a 97% da produção global; papéis do tipo tissue3; filtros de cigarros e embalagens. Esse crescimento ocorreu devido ao uso cada vez mais intensivo de propagandas, tecnologias de escritório e uso pessoal e o barateamento dos custos de impressão. FIGURA 1- Demanda global de celulose solúvel (milhões de ton.) Entre 1970 e 2010

Fonte: BNDES. Dados: RISI.

3 Papéis produzidos para fins higiênicos e sanitários.

O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

95

A produção mundial de celulose foi de 192,4 milhões de toneladas em 2008, sendo 69% referente às pastas de processo químico (132,8 milhões de toneladas), 18%, às pastas de alto rendimento (35,6 milhões de toneladas) e 12%, às pastas de processo semiquímico e de outras origens que não madeira (24,0 milhões de toneladas) 4. TABELA 1- Maiores produtores mundiais de celulose e papel em 2012 (em mil toneladas) Celulose Ordem

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

País EUA China Canadá Brasil Suécia Finlândia Japão Rússia Indonésia Chile Índia Alemanha Demais Total Mundial

Papel Quant. 50.351 18.198 17.073 13.977 11.672 10.237 8.642 7.519 6.710 5.155 4.095 2.636 10.376 166.641

Ordem 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

País China EUA Japão Alemanha Suécia Coreia do Sul Canadá Finlândia Brasil Indonésia Índia Itália Demais Total Mundial

Quant. 102.500 74.375 26.083 22.630 11.417 11.333 10.751 10.694 10.260 10.247 10.242 8.664 90.789 399.985

Fonte: Indústria brasileira de árvores– BRACELPA.

Cerca de 90% da produção mundial esteve concentrada em doze países (TABELA 1), com destaque para os Estados Unidos, responsáveis por 30% do total e líder na produção de pastas químicas de fibra longa branqueada, pastas químicas de fibra não branqueada e pastas semiquímicas. O mercado de produção de papel é liderado pela China, que também é o maior consumidor do produto. Assim como em outras commo4 Para diferenciações dos tipos de celulose e os métodos de produção, consultar: VIDAL, André Carvalho Foster. “O renascimento de um mercado: o setor de celulose solúvel”. BNDES Setorial 38, 2013. p. 79-130. 96

Vinícius Souza Andrade •

dities, na celulose solúvel o país é o grande destaque da demanda global. O crescimento da demanda do país entre 2000 e 2012 foi de 13,1%, o que em toneladas representou uma variação de 2,1 milhões, chegando em 2012 a representar 49% da demanda global. Cerca de 90% da celulose solúvel é do grupo viscose, o que é explicado pela grande força de sua indústria têxtil. Até 2008, a capacidade instalada total de produção de celulose no Brasil, considerando as indústrias integradas e de mercado, esteve dividida entre 56 empresas. Cerca de 70% do total concentrava-se nas cinco maiores: Fibria, Suzano, Klabin, Cenibra e International Paper do Brasil. Se analisados os períodos entre janeiro e julho de 2013 e 2014 (GRÁFICO 1), o aumento da produção de papel e celulose foi respectivamente de 0,10% e 6,05%, enquanto as exportações aumentaram 3,15% e 13,60%. Nesse mesmo período, as importações de papel retraíram 3,12% e as de celulose 5,96%. Percebe-se a partir desses dados, um aumento na produção do produto semimanufaturado (celulose) maior do que a de manufaturado (papel). GRÁFICO 1- Produção, importação e exportação de celulose e papel no brasil – comparativo janeiro-julho, 2013 e 2014 (em mil toneladas)

Fonte de dados: Indústria brasileira de árvores – BRACELPA. Elaboração própria..

O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

97

A demanda é especialmente concentrada nos países do hemisfério norte, representada por grandes produtores de papel, enquanto a oferta é polarizada conforme o tipo da fibra, se curta ou longa. Os preços, por sua vez, são formados internacionalmente, influenciados pela oferta e pela demanda globais, no que se refere tanto ao volume, quanto à característica (fibra curta ou longa). Por se tratar de uma indústria global, sua competitividade é marcada por diversos aspectos, entre eles os seguintes: “(i) aumento crescente de escala, com aumento da intensidade de capital; (ii) movimento latente de fusões e aquisições e redução no número de empresas; (iii) acirramento da concorrência; (iv) elevado poder de barganha de clientes e fornecedores (produtores de papel e de químicos, por exemplo); (v) canais de distribuição e logística globais (mercado consumidor distante do mercado produtor); e vi) comportamento cíclico de preços. Os principais fatores para a avaliação da competitividade do produto final são os seguintes, nessa ordem: (i) custo da madeira; (ii) custo do frete; (iii) acesso a produtos químicos e custo da mão de obra; e (iv) custo da energia.” (BIAZUS; DA HORA & PEREIRA LEITE, 2010, p. 318).

Dois fatores possuem maior influência dentro do conjunto da estrutura de custos de produção de celulose de fibra curta e do custo de manejo e produção de madeira: a produção de matéria-prima, que responde por 41% dos custos, seguido pelo frete, responsável por 16% dos custos (FIGURA 2).

98

Vinícius Souza Andrade •

FIGURA 2 - Composição dos custos de produção de celulose no mundo

Fonte: BNDES. Base de dados: Hawkins Wright5.

Segundo Foster Vidal (2013), a competitividade do setor florestal brasileiro é referência mundial devido às suas práticas de manejo, pois utiliza exclusivamente florestas plantadas na produção de celulose e papel. Nesse sentido, a competitividade florestal é traduzida diretamente em vantagem no setor de celulose, o que resulta em perspectiva única de investimentos e na gradativa melhora da posição do país, quarto produtor mundial de fibras e terceiro de fibras de madeira, à frente da China, cuja produção é predominantemente baseada em fibras de outras origens. As fábricas de pastas de celulose no Brasil localizam-se estrategicamente nas proximidades das florestas e em locais cuja logística favoreça o escoamento da produção para o abastecimento dos principais clientes, situados no exterior. Por esse motivo, as fábricas de celulose situam-se perto de portos, ferrovias e rios e concentram-se nas regiões Sul e Sudeste do país, que têm 77% da capacidade total instalada. Fora 5 Os países pesquisados pela Hawkins Wright foram: Chile, Rússia, França, Áustria, Alemanha, Suécia, Estados Unidos, Finlândia, Japão, Canadá, Brasil, Indonésia, Noruega, China e Bélgica.

O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

99

do eixo Sul-Sudeste, sobressaem os investimentos na Bahia, Mato Grosso do Sul, Piauí e Maranhão, atrativos pelos baixos valores de aquisição de terras. Mato Grosso do Sul, e por consequência Três Lagoas, é o mais sensível quanto ao aspecto logístico, por estar consideravelmente longe da costa do país. Embora a competitividade brasileira na madeira compense as dificuldades logísticas, a proximidade aos pontos de escoamento permanece estratégica na garantia de mercado e na manutenção de preços competitivos6, bem como o tempo de maturação das florestas plantadas, que tardam em média um terço do tempo que levam os grandes produtores do Norte para terem árvores prontas para a derrubada. Quanto ao aspecto logístico, é importante que as fábricas estejam perto de estruturas capazes de realizar o escoamento da produção com os menores custos possíveis, como ferrovias, hidrovias e portos. Quanto mais interiorizadas, maior o desafio de escoamento da produção a custos competitivos, sobretudo no que diz respeito às indústrias de mercado. A amplitude desse custo vai de US$ 44/t a US$ 105/t para a celulose de fibra longa e de US$ 49/t a US$ 114/t para a celulose de fibra curta 7, do tipo que é produzida em Três Lagoas. Essa interiorização do complexo de papel e celulose e sua localização no Mato Grosso do Sul é objeto de discussão neste texto, com particular enfoque para os pontos de estrangulamento quanto à questão logística.

6 André Carvalho Foster Vidal chega a estabelecer que a distância entre as plantas de produção e as florestas e manejos das indústrias desse setor não devem ultrapassar os 150 km, de maneira que os custos entre produção, transporte e manutenção possam ser os mais baixos possíveis, garantindo, ao fim do processo, o estabelecimento de preços adequados ao mercado, isto é, competitivos. 7 Idem ao item 2.

100

Vinícius Souza Andrade •

3.

A INTERIORIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE CELULOSE E PAPEL NO BRASIL: O CASO DE TRÊS LAGOAS– MS

O município de Três Lagoas está localizado na região leste do estado de Mato Grosso do Sul. Possui população estimada de 109.633 habitantes e área territorial de 10.206.949 km² (IBGE, 2013). Sua fundação data de 1915, quando foi concedida a emancipação política e administrativa do município de Santana do Paranaíba (atual município de Paranaíba). Seus primeiros habitantes teriam chegado às margens dos rios Tietê, Paraná e Sucuriú no fim do século XIX, nas chamadas missões de desbravamento do interior brasileiro. Antônio Trajano dos Santos recebeu a posse da Fazenda das Alagoas em 1883 e, a partir desse mesmo ano, concedeu pequenos pedaços de terras a viajantes e peregrinos dispostos a se instalar na região, dando início ao primeiro ciclo econômico que girava em torno da criação de gado. Não longínquo do primeiro, o segundo ciclo econômico se iniciou em 1909 com as instalações da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que por vez culminou na fundação de um pequeno vilarejo e algumas construções para a administração ao redor da estrada de ferro que cruza o município. A saída de uma economia primária, em especial pecuária, para a expansão do processo de industrialização se iniciou na década de 1950 com a instalação de cerâmicas e olarias. Grande parte dessas indústrias ainda atua no município e, com efeito, floresceram no aprimoramento da indústria, que hoje conta com metalúrgicas e produtoras de concreto e seus derivados (como estruturas pré-moldadas e lajes)8. Em 1998, a instalação da empresa alimentícia Mabel marcou o início de uma diversificação industrial, que teve apoio nos incentivos fiscais, iniciada no segundo mandato de Wilson Barbosa Martins e continuada no governo de José Orcírio Miranda dos Santos. Além de 8 Segundo Aranha-Silva & Prudêncio Silva (2010), o Distrito Industrial I, predominantemente de indústrias ligadas a construção civil tem menor expressividade dentro do município, pois detém pouca inovação tecnológica e seriam implantes industriais opacos. O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

101

incentivos fiscais, a industrialização do município também se deve a sua localização favorecida no quesito geográfico: fica às margens do rio Paraná, na divisa com o estado de São Paulo, é servida pela BR-262 e pela malha ferroviária Malha Oeste S.A., sob a concessão da América Latina Logística (ALL). Como defende Ribeiro da Silva (2013), em sua pesquisa acerca da territorialização da indústria em Três Lagoas, esses fatores que antes não eram amplamente explorados pela economia local, serviram aos interesses do setor industrial, baseado em uma lógica de seletividade territorial das atividades produtivas. Os novos empreendimentos industriais foram pautados pela localização próxima ao estado de São Paulo e a possibilidade de contar com a optimização da logística, ao ter acesso a rodovias e hidrovias. O parque industrial do município abrigava, até julho de 2014, 54 indústrias, de setores variados, como: têxtil, calçadista, cereais, refrigeração e a produção de celulose. Em 2014, a cidade registrou o segundo maior PIB Industrial de Mato Grosso do Sul e a indústria ficou com o marcador de cerca de 11.000 postos de trabalho de maneira direta, atrás apenas da capital Campo Grande no estado. O PIB do município registrou R$ 709,516 milhões em 2010. Essa injeção de investimentos no setor industrial trouxe também novas expectativas de geração de renda e de possibilidades de novos negócios, como apontou Guilherme Marini Perpetua (2012): “a instalação das grandes fábricas trouxe consigo as perspectivas de ampliação da demanda por produtos e serviços e de aumento da renda e da circulação de dinheiro, o que, em contrapartida, provocou considerável elevação do número de empresas no período em apreço. De acordo com informações da Prefeitura Municipal, somente em 2011 teriam sido abertas mais de mil micro empresas pelo Regime Tributário Simples.” (MARINI, 2012, p. 48).

102

Vinícius Souza Andrade •

O município também é um polo de geração de energias hidrelétrica e termelétrica, proporcionadas pela Usina Hidroelétrica Engenheiro Souza Dias, concluída em 1974, pela Companhia Energética de São Paulo (CESP) e pela usina termelétrica Luís Carlos Prestes, de propriedade da Petrobras, que iniciou atividades em 2004. A disponibilidade energética, a passagem do gasoduto Bolívia-Brasil, as vias de ligação com São Paulo, além da localização às margens do rio Paraná atraíram para o município três indústrias do ramo de extração de celulose vegetal e produção de papel. Em 1988, a International Paper do Brasil instalou no município a Chamflora Três Lagoas Agroflorestal Ltda., responsável por pesquisas nas áreas de modelos de gestão florestal, desenvolvimento operacional, manejo de florestas, além de capacitação mão de obra especializada. A silvicultura foi iniciada como um projeto alternativo à queda de rendimentos da pecuária extensiva e à descapitalização dos produtores rurais, dando início ao estabelecimento de três importantes empresas: Fibria, International Paper e Eldorado Brasil. São três das maiores companhias de produção de celulose e papel do mundo, tendo a Fibria uma capacidade produtiva anual que chega aos 5,3 milhões de toneladas de celulose em todas as suas plantas e a Eldorado Brasil, cuja estimativa de produção para 2014 foi de 1,7 milhões de toneladas.

3.1

Fibria Celulose e Papel

Fruto da fusão da Aracruz Celulose e da Votorantim Celulose e Papel em 2009, a companhia detém o posto de maior produtora de celulose de extração vegetal do mundo, com uma produção anual de 5,3 milhões de celulose e 300 mil toneladas de papel. A filial de Três Lagoas tem a capacidade produtiva de 1,3 milhão de toneladas por ano. Até 2012, a Fibria empregava em torno de 15 mil funcionários, dos quais 860 eram contratados diretos e 2.339 terceirizados permanentes a serviço da unidade de Três Lagoas.

O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

103

Apesar da planta de Três Lagoas ter sido o maior investimento da companhia, essa mantém outras plantas em Veracel-BA, Jacareí-SP e Aracruz-ES, sendo essa última o local onde também opera, em parceria com a mineira Cenibra, o Portocel, único porto brasileiro especializado no embarque de celulose. A empresa também mantém o cultivo de eucalipto em seis estados brasileiros: Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Dentre os 963 mil hectares utilizados para plantio de eucalipto, 346 mil são dedicados à manutenção e conservação de ecossistemas nativos. Sua capacidade anual de produção tem sido desde sua fundação a maior no ranking mundial9. Como tal liderança é resultado de sua fusão com a Aracruz Celulose e Papel é interessante pontuar que, para a aquisição da mesma, foram peça-chave os recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por meio do seu braço gestor de participações sociais, o BNDES Participações S.A., que possuía em, 2014, 30,38% das ações ordinárias da empresa. Outros 29,42% pertencem à Votorantim Industrial S.A, e 28,12% estão em mercado Free Float.

3.2

Eldorado Brasil

Fundada em 2010, a Eldorado Brasil mantém todo seu complexo industrial e base de plantio em Três Lagoas, com exceção de um viveiro de mudas no município de Andradina-SP. O investimento inicial de R$ 6,2 bilhões foi aplicado na construção da unidade, implantação de sua base florestal e logística integrada. Até 2013, sua capacidade produtiva era de 1,5 milhão de toneladas de celulose vegetal anuais, com previsão de aumento para 1,7 milhão para 2014. O seu plano de expansão é da construção de uma nova linha de produção até 2017, o que pode dobrar a capacidade produtiva de sua planta industrial e alcançar o número de 5 milhões de toneladas anuais até 2020. A celulose produzida se destina 9 Dados Hawkins Wright – Outlook do Mercado de Celulose, dezembro 2013. 104

Vinícius Souza Andrade •

a segmentos diversos da produção de papel, como papéis especiais ou térmicos, papel sanitário, embalagens e papel branco ou reprográfico. O controle da companhia fica a cargo do grupo J&F Investimentos, holding da família Batista10, com conselho administrativo presidido por Joesley Mendonça Batista, com posse de 80,90% das ações. Outra parte das ações é controlada pelos Fundos de Investimentos em Participações (FIP Florestal) – 17,06%, composto pelos fundos de pensão da Petrobras (PETROS) e da Caixa Econômica Federal (FUNCEF); Fundo de Investimentos em Participações Olímpia11 - 1,96% e outros minoritários – 0,08%. Com 160 mil hectares plantados, a Eldorado Brasil mantém um projeto de manutenção de ecossistemas locais na proporção de 30-70, ou seja, 70% das terras são utilizadas para a produção de madeira de eucalipto, que tem uma maturação média de 6 a 7 anos para plantio, e 30% são destinadas à preservação ambiental12. Dessas mesmas terras, apenas 30% são de propriedade da empresa. O padrão adotado, bem como pela Fibria, é de arrendamento de terras de produtores locais, em geral terras que antes eram utilizadas pela pecuária. Esses arrendamentos não se limitam, todavia, ao município de Três Lagoas. Parcelas de terras para cultivo de eucalipto também são arrendadas nos municípios limítrofes de Brasilândia e Selvíria. O sistema de planejamento florestal utilizado tem um ciclo de 21 anos, possibilitando três ciclos de corte. Com um ritmo de colheita de 16.000 m³ de eucalipto por dia, a empresa consegue manter o abastecimento de um caminhão a cada 5 minutos, 24 horas por dia. 10 A J&F é um grupo de investimentos criado em 1953, sob o controle da família Batista, com investimentos em diversos setores, com um total de 140 unidades de negócios em 10 países. Dentre as maiores companhias que o grupo possui participações estão: JBS, Banco Original, Vigor, Flora, Oklahoma e Floresta Agropecuária. 11 O Fundo de Investimentos em Participações Olímpia é um fundo de investimentos com cotas detidas pela administração da Eldorado Brasil. 12 10 Os dados dos projetos são fornecidos pela própria companhia em seu portal web. As áreas de reserva possuem três divisões: Área de Preservação Permanente (APP); Área de Reserva Legal (ARL) e Áreas de Alto Valor de Preservação (AAVP). O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

105

Para a manutenção do ritmo de produção, a Eldorado emprega cerca de 3.000 funcionários diretos. Para a capacitação/captação de profissionais para atender a essa demanda de mão de obra qualificada, voltado ao setor industrial de celulose, o governo estadual, junto à iniciativa privada, tem estabelecido projetos de formação profissionalizante por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem (SENAI), o braço educacional da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul (FIEMS). Os cursos técnicos voltados para o setor de celulose e papel formaram, em 2012, 136 profissionais e mais 200, em 2013. Além desses projetos do âmbito estatal, a empresa ainda conta com o projeto “Minha Primeira Profissão” que, em parceria com as prefeituras e escolas de Três Lagoas e Selvíria, oferece cursos de capacitação técnica em fabricação de celulose e manutenção industrial para alunos de ensino médio. A fábrica também possui um complexo de reutilização de biomassa. A indústria produz toda a energia que consome com um parque de geração de energia com potência máxima de 220MW/hora, além de fornecer excedente para as indústrias que produzem insumos necessários ao seu processo industrial, como a AkzoNobel e a White Martins, o restante é exportado para o sistema elétrico nacional.

3.3

Internacional Paper

Fundada em janeiro de 1898, na cidade de Albany, Nova York, Estados Unidos, a International Paper está presente no Brasil desde a década de 1960. As atividades da companhia se iniciaram no país com a aquisição do controle de participação da Panamericana Têxtil. A celulose e planta de papel foram implantadas na cidade de Mogi Guaçu-SP. A aquisição da Champion International Corp. pela International Paper Co., em 19 de junho de 2000, promoveu, em outubro do mesmo ano, a mudança no nome da empresa Champion Papel e Celulose Ltda. para International Paper do Brasil Ltda. A International Paper possui três plantas no país, com capacidade produtiva de 1 milhão de toneladas anuais de papel, sendo elas:

106

Vinícius Souza Andrade •

a. Unidade de Mogi Guaçu-SP, em operação desde a década de 1960. Foi a primeira unidade adquirida pela empresa no país. Sua capacidade produtiva anual é de 440 mil toneladas; b. Unidade de Luís Antônio-SP, foi adquirida pela International Paper em 2006, e sua capacidade produtiva anual é de 360 mil toneladas; c. Unidade Três Lagoas-MS, foi a primeira unidade produtiva da empresa a ser construída fora dos Estados Unidos e está em operação desde 2009, um investimento total de US$ 300 milhões, capaz de produzir anualmente 200 mil toneladas de papel não revestido. Sediada em Memphis, nos Estados Unidos, a companhia emprega cerca de 59.500 pessoas em mais de 24 países, das quais 2.600 se encontram em suas indústrias brasileiras. A empresa possui operações na América do Norte, Europa, Rússia, América Latina, Ásia e norte da África. Seu faturamento líquido em 2010 foi superior a US$ 25 bilhões. É interessante pontuar que todas as plantas produtivas da companhia no Brasil também são voltadas à produção de celulose vegetal, com a exceção de Três Lagoas, que é voltada apenas para a produção de papel. Tal fato se deve à localização da indústria que foi construída no município em um joint venture com a Fibria, sendo essa a fornecedora de matéria-prima para a produção de papel, em plantas de produção construídas de forma integrada.

4.

A INSERÇÃO DO COMPLEXO DE CELULOSE E PAPEL DE TRÊS LAGOAS NO MERCADO INTERNACIONAL

Em 2012, antes da implantação da Eldorado Brasil, as exportações de celulose branqueada oriunda de Três Lagoas já representavam 63,32% do total de produtos exportados pelo município. O número é expressivo quando considerados fatores como a capacidade produtiva das plantas instaladas, bem como o valor agregado à celulose e ao papel, uma vez que o segundo setor de maior representatividade nos índiO SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

107

ces de exportação é o de óleo de soja bruto degomado, produzido pela Cargill Agrícola – representando 17,19% das exportações. Outro ponto relevante é a quantidade produzida que se destina ao mercado externo. Apenas uma variação entre 10-15% da produção do setor celulósico e papeleiro se destina ao consumo interno brasileiro e latino americano. O continente asiático, mais especificamente a China, é visto como o mercado com maior potencial de crescimento de demanda desses materiais, mesmo tendo sido, até 2012, o destino de números que variam entre 23% (Fibria) e 45% (Eldorado Brasil). No que tange aos maiores mercados consumidores, o segundo fica com a Europa, com uma demanda média de 40% de toda a produção nacional. O mercado norte americano é o de menor expressividade, com valores que variam entre 5% (Eldorado Brasil), 19% (International Paper) e 23% (Fibria). É, todavia, compreensível, uma vez que Canadá e Estados Unidos estão entre os maiores produtores de fibra de celulose e papel do mundo. Dentro do cenário sul-mato-grossense de exportações é notório o aumento do volume de produção e exportação desde a implantação do conjunto celulósico papeleiro em Três Lagoas (GRÁFICO 2).

108

Vinícius Souza Andrade •

GRÁFICO 2- Exportações de Mato Grosso do Sul 2004- 2014 (em US$ F.O.B)

Fonte: Dados do ministério do desenvolvimento, indústria e comércio exterior. Elaboração própria.

Entre os anos de 2007 e 2010, dois após o início das atividades da International Paper e da Fibria em Três Lagoas, o valor das exportações do estado aumentaram em 128,35%. Em um comparativo entre 2010 e 2012, quando também deram início as atividades da Eldorado Brasil, os números aumentaram em 42,22%13. Até setembro de 2014, a participação das três empresas nas exportações de Mato Grosso do Sul representou 19,41% - desse valor, o papel representa 0,55% - do total exportado em dólares americanos, um saldo de US$ 818 milhões.Tais índices corroboram com expectativas de crescimento exponencial da representatividade do setor de celulose, tanto para a economia do município, como do estado. Dentre os principais produtos provenientes do estado destinados ao mercado internacional encabeçam a lista, em ordem decrescente referente ao volume: soja, mesmo triturada, exceto para semeadura, pasta química de madeira, carnes desossadas, minérios de ferro e açúcar de cana. Dentre os principais destinos estão: China (31,53%), Argentina (10,30%), Rússia (7,80%), Holanda (5,89%) e Itália (5,54%). 13 Dados referentes aos números de exportações dispostos no portal AliceWeb do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Os dados consideram o total geral de exportações do estado e não apenas o setor de papel e celulose. O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

109

5.

INVESTIMENTOS NA LOGÍSTICA REGIONAL

Como fatores de atração das indústrias de celulose e papel para o interior de Mato Grosso do Sul, podemos listar: baixo custo de produção de matéria-prima; disponibilidade de mão de obra, ainda que sem qualificação técnica específica; incentivos fiscais14; disponibilidade de terras para plantio; variedade de recursos de produção de energia e localização geográfica. A questão de logística, isto é, de distribuição do produto industrializado, tem importante papel na definição de preços e na competitividade de mercado dos produtos. Se considerarmos a distância entre o município de Três Lagoas e os principais portos brasileiros - como os portos de Santos e Paranaguá, que são os principais destinos para exportação da produção do município, nota-se que a logística é peça-chave para minimizar o impacto da distância física. Dada a vinculação da produção com o comércio internacional, a logística assume um importante papel na competitividade desse setor, pois, como assinala Silva: “a vantagem competitiva da indústria brasileira (de papel) está associada às etapas iniciais da cadeia de valor, ou seja, aos recursos florestais. Porém, as etapas seguintes (processo produtivo, distribuição e consumo) apresentam-se, em sua maioria, como elementos negativos, ou seja, que reduzem a competitividade da indústria de papel de imprimir e escrever.” (SILVA, 2005, p. 124-125). 14 De acordo com a Lei Complementar nº 93/2001, no âmbito estadual, o incentivo às indústrias se dará via: benefícios ou incentivos fiscais concedidos às indústrias que se instalarem ou ampliarem suas instalações, de até 67% do ICMS devido, pelo prazo de até 15 anos, prorrogável por igual período, conforme perfil do empreendimento; possibilidade de dispensa do pagamento do ICMS incidente sobre as entradas interestaduais ou sobre a importação de máquinas e equipamentos, destinados ao ativo fixo da empresa; deferimento do ICMS incidente sobre importações de matérias-primas. Competem aos governos municipais políticas diferenciadas, que podem incluir: doação de áreas em núcleos industriais; terraplanagem; isenção de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e Imposto Sobre Serviços (ISS); capacitação de mão de obra. 110

Vinícius Souza Andrade •

Os investimentos estatais para melhoria da logística regional também tiveram início em 2006, ano que marcou o início das instalações das indústrias de celulose e papel em Três Lagoas. No mesmo ano, ocorreram as obras de pavimentação da BR-158 no trecho Três Lagoas-Selvíria, em um total de 71,82 km. O investimento de R$ 60 milhões teve por objetivo proporcionar a ligação do polo industrial do município com o terminal intermodal de Aparecida do Taboado-MS15. Essa conexão se fez necessária pelo fato da cidade ser ponto de passagem da ferrovia administrada pela Brado Logística S.A., que liga o município de Rondonópolis-MT ao porto de Santos, por meio da linha denominada, pela Brado Logística, de corredor de bitola larga (Ferronorte). Outro importante corredor de distribuição de celulose e papel produzidos no município é ferrovia Malha Oeste, de concessão da América Latina Logística (ALL), que liga Corumbá-MS a Bauru-SP (FIGURA 6). Essa mesma malha tem sido ponto de investimentos de reestruturação, tendo em vista que seus 1.621 km de extensão correspondem a 5% da malha ferroviária brasileira. Em 2011, a Eldorado Brasil firmou acordo com a ALL que resultará em investimentos de R$ 300 milhões em material rodante, melhoria de via e construção de terminais de transbordo.16 Também em Três Lagoas a Malha Oeste, que desde sua construção cruzava o centro urbano do município, está em obras para construção de um desvio que aproximará a linha das plantas produtivas da Fibria e International Paper. Dentre as vias mais utilizadas para escoamento de produção, o meio fluvial também tem de ser destacado. Por meio da hidrovia do rio Paraná, a Eldorado Brasil escoa metade de sua produção, que em 2012 15 BRUNACCI, Angélica. Reportagem sobre investimentos do setor de celulose e papel veiculada via website do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Disponível em: . 16 Clipping da Assessoria de Comunicação Social do Porto de Santos, veiculado em março de 2011. Disponível em: . O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

111

foi de 5,2 milhões de toneladas, sendo 90% destinados à exportação. A transposição da Usina Engenheiro Souza Dias é feita por meio de eclusa, que nivela as águas da represa com a parte mais baixa do rio. A Eldorado Brasil conta com porto próprio construído junto a sua planta produtiva às margens do rio Paraná. O trajeto Paraná-Tietê (FIGURA 7) tem capacidade de transporte diário equivalente ao de 100 caminhões. Todavia, os investimentos logísticos não se centraram unicamente nos modais ferroviários e hidroviários. Melhorias para o setor rodoviário também ocorrerem, como a construção da ponte rodoviária sobre o rio Paraná, que tirará o tráfego rodoviário que atravessa a Usina Engenheiro Souza Dias entre Três Lagoas e Castilho/SP.

112

Vinícius Souza Andrade •

FIGURA 7- Terminais de transporte utilizados pela Eldorado Brasil

Fonte:Eldorado.

6.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A instalação do complexo de celulose, com a participação das empresas Fibria, Eldorado Brasil e International Paper no município de Três Lagoas-MS, aproveitou-se de um histórico de expansão do cultivo de eucaliptos realizado em princípios da década de 1980 pela Chamflora, que ocupava áreas de pastagem degradada. Sua expansão e consolidação são resultado de um conjunto de fatores que se complementam: aumento da demanda internacional, limites à capacidade de expansão em outras regiões, preço da terra na O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

113

mesorregião leste de Mato Grosso do Sul, convergência do sistema de infraestrutura de transportes (formado pela via ferroviária Malha Oeste da ALL, BR 262 e Hidrovia Paraná-Tietê), que liga a região ao estado de São Paulo, e disponibilidade energética (gasoduto Bolívia-Brasil que alimenta a usina termelétrica Luís Carlos Prestes e usina hidroelétrica Engenheiro Souza Dias). A demanda do complexo de celulose, pelo porte das corporações e sua capacidade de pressão sobre políticas públicas de investimento e pela própria capacidade de reestruturar sistemas de transporte, tem provocado uma pressão pela melhoria das condições de circulação regional, materializando investimentos que poderão ser aproveitados por outras cadeias produtivas. No mercado internacional, predominam as demandas fixa e crescente, sendo Ásia, Europa e América do Norte os maiores consumidores de celulose vegetal e papel. Todavia, o dinamismo do mercado é recorrente e o fechamento de duas importantes fábricas nos Estados Unidos e Espanha, além do funcionamento de uma planta produtiva da finlandesa Stora Enso, no Uruguai, a ritmo desacelerado, deixou uma fatia do mercado desatendida. Em consonância com esses dados, as três empresas possuem planos de expansão das linhas de produções, o que poderá alçar Três Lagoas como maior produtora mundial de celulose de fibra curta e importante polo de produção de papel. Podemos, então, desenhar uma escolha estratégica de instalação dessas indústrias de um nicho específico do setor industrial no município de Três Lagoas, uma vez que toda a estrutura, seja ela fornecimento de matéria-prima, educação profissionalizante ou abundância de recursos elétricos, constitui-se como atrativo para a chegada de não uma, mas três gigantes mundiais do setor de celulose e papel. Contudo, a questão da posição geográfica pode ser assinalada como ponto crucial quanto à seleção da localidade para as atividades produtivas, uma vez que uma variedade de vias de transporte se entronca no município.

114

Vinícius Souza Andrade •

Em 2012, as indústrias nacionais de celulose alcançaram uma produção de 10,2 milhões de toneladas, das quais, tomando-se em conta a capacidade produtiva da Eldorado Brasil e da Fibria Celulose, fizeram com que Três Lagoas respondesse por quase 28% de toda a produção nacional de celulose vegetal. Nos desdobramentos decorrentes da interiorização de tal setor, responsável pela variação da economia local, torna-se compreensível, então, os expressivos investimentos na logística regional, tanto da esfera pública, como da privada. É importante apontar que as vias que circundam o município não foram construídas, mas sim reformadas, reutilizadas e ampliadas de acordo com a demanda de distribuição decorrente das indústrias de celulose e papel que aí se instalaram.

REFERÊNCIAS BIAZUS, A.; DA HORA, A. B. & PEREIRA LEITE, B. G. Panorama de mercado: celulose. BNDES Setorial 32, pp. 311-370, 2010. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014. FONTES, S. Fibria prevê mercado de celulose mais forte. Valor Econômico, 23 de outubro. Disponível em: . Acesso em: out. 2014. FOSTER VIDAL, André Carvalho. O Renascimento de um Mercado: o setor de celulose solúvel. BNDES Setorial 38, Páginas 79-130, 2013. Disponível em: . Acesso em: ago. 2014. JURADO, Fernando Lucas de Souza. O processo de industrialização na cidade de Três Lagoas (MS): discursos, desdobramentos e contradições. Dissertação no Programa de Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Aquidauana, 2008. LEVORATO, A.V.. Três Lagoas: dama em preto e branco, 1918-1964. Graf Set Ltda. 2. ed.. Três Lagoas, 1999. LUIZ FRANCISCO, A.. Ciclos econômicos aportados na cidade de Três Lagoas – da pecuária às indústrias de transformação. Dissertação no Programa O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

115

de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Três Lagoas, 2013. PERPÉTUA, G. M. A mobilidade espacial do capital e da força de trabalho na produção de celulose e papel: um estudo a partir de Três Lagoas (MS). Dissertação no Programa de Pós-graduação – Mestrado em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados. Dourados, 2012. RIBEIRO DA SILVA, C. H. A lógica da territorialização da indústria: o parque industrial em Três Lagoas – MS de 1990-2010. Dissertação no Programa de Pós-graduação – Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Três Lagoas, 2013. SILVA, C. L.da. Competitividade internacional da indústria brasileira exportadora de papel de imprimir e escrever à luz da cadeia de valor. Revista Produção, São Paulo,  v.15, n.1, pp. 114-126, 2005. Disponível em:. Acesso em: jul.2014. Fábricas da International Paper do Brasil. International Paper do Brasil. Disponível em: . Acesso em: jun. 2014. Fibria Corporate Presentation, September 2014. Fibria Celulose S.A. Disponível em: . Acesso em: set. 2014. Indústria Brasileira de Árvores – O Setor em Números Agosto/2014. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014. Informações Geográficas e Estatísticas do Município de Três Lagoas – Mato Grosso do Sul. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014. Indústria e Comércio em Três Lagoas. Prefeitura Municipal de Três Lagoas. Disponível em: . Acesso em: jun. 2014. Indústria de Notícias. Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul. Disponível em: . Acesso em: mai. 2014. 116

Vinícius Souza Andrade •

O Setor de Papel e Celulose no Brasil e no Mundo. Disponível em: . Acesso em: ago. 2014. Perfil da Chamflora Três Lagoas. International Paper do Brasil. Disponível em: . Acesso em: jun. 2014. Relatório Público de Certificação de Gestão Florestal: International Paper do Brasil LTDA. Bureau Veritas Certification. Disponível em: . Acesso em: jun. 2014. Relatório GRI 2012 – Logística de celulose. Fibria Celulose S.A. Disponível em: . Acesso em: mai. 2014.

O SETOR DE CELULOSE E PAPEL EM TRÊS LAGOAS – MS:...

117

LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL1 Gabriel Pareja

“Ei-nos diante de novo problema, especificamente geográfico: o da luta contra o espaço. [...] Falar em posição geográfica relativa é também falar em estradas, em possibilidades e transporte”.

1.

INTRODUÇÃO

Ainda que Mato Grosso do Sul possua uma enorme reserva de minério de ferro, 15,3% das reservas nacionais, segundo exposto pela Vetria Mineração, análises do Sumário Mineral 2013 (DNPM, 2013) constatam que a produção local passa pouco dos 2% do volume total produzido no Brasil. Trabalhos de pesquisadores como Lamoso (2001) e Brito (2011) colocam alguns fatores para o não desenvolvimento de sua produção, sendo os principais: a falta do fator energético (para fornecer produtos de valor agregado, que geram mais capitais), os custos e problemáticas do transporte, seja de produtos feitos com ferro ou do próprio minério de ferro. A construção do gasoduto Bolívia-Brasil, terminado em 2010, mas com operações iniciadas em 1999, permite a superação do primei1 Pesquisa desenvolvida como Trabalho de Conclusão de Curso, no curso de bacharel em Relações Internacionais, com orientação da Prof. Dr. Lisandra Lamoso.

119

ro problema com o planejamento de duas plantas termelétricas abastecidas por esse gás na província de Germán Busch, na Bolívia e de uma terceira na região de Corumbá, Brasil2. Mato Grosso do Sul, por não ter saída para o mar, fica “refém” de rodovias que não compensam financeiramente o transporte de um produto tão pesado e de pouco valor agregado, da Ferrovia Novoeste, sem condições de assumir tal fluxo, como será explicado mais adiante, e da hidrovia Paraguai-Paraná, que tem regimes de secas intensas por cerca de cinco meses do ano. O objetivo do trabalho é entender os processos de transporte e a logística exportadora de minério de ferro do estado até seus mercados consumidores e como esses mercados influenciam essas relações, enfocando-se como objeto os obstáculos desses processos. A pesquisa é de caráter exploratório, já que trata de um assunto relativamente inédito na academia (não foram encontrados trabalhos tratando do mesmo assunto apesar de exaustiva investigação bibliográfica); as prerrogativas para o segredo empresarial também impossibilitam um panorama descritivo ou as definições detalhadas de caráter explicativo. Para embasamento, usaram-se os elementos provenientes da Geografia dos transportes, as noções de Márcio Rogério Silveira (2011) e contrapontos advindos do trabalho de Carlos Eduardo Panitz (2006). A primeira parte, denominada “Breve Panorama do Mercado Global do Minério de Ferro”, analisa o cenário do comércio internacional do citado produto com seus três maiores atores: China (maior compradora), Austrália e Brasil (maiores vendedores). A proposta dessa parte é traçar o atual panorama de como se dá esse comércio, em especial o transporte do minério, para criar uma base de comparação à realidade sul-mato-grossense. A segunda parte se dedica a apresentar como se dá a mineração de ferro no estado de Mato Grosso do Sul, quem são os mineradores e qual é o mercado que esse minério alcança, enumerando também quais países são os principais compradores. Para delimitar esse último 2 Para mais informações sobre o tema, pode-se consultar Lamoso (2001). 120

Gabriel Pareja

dado, foi utilizada a ferramenta AliceWeb (Análise das Informações de Comércio Exterior), do MDIC. Tal ferramenta permite – entre outras funções – analisar dados de exportação por municípios com a possibilidade de escolha de parâmetros como filtro de blocos econômicos e países aos quais se exportou, vias de escoamento e capítulo ou posição da Nomenclatura Comum do Mercosul (Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias vigente entre os membros fundadores do Mercosul). Para esse levantamento foi selecionada a posição 2601, denominada “Minérios de ferro e seus concentrados, incluídas as pirites de ferro ustuladas (cinzas de pirites)”, por conter todos os produtos de minério de ferro que não passam por beneficiamento. O recorte temporal foi de janeiro de 2009, momento da aquisição da Mineração Corumbaense Reunida S.A. pela Vale, até dezembro de 2013, último ano completo antes da pesquisa. A identificação dos países que importaram foi feita por blocos comerciais e depois detalhada por países. Como valor de referência, para ter certeza de que todas as exportações foram constadas, usou-se o total geral. Na terceira e última parte, o trabalho se dedica a estudar como se dá o transporte do minério de ferro de Mato Grosso do Sul pela hidrovia Paraguai-Paraná, focando em cada mineradora atuante no estado e seus futuros planos para a exportação. Busca-se aqui, analisar, na medida em que se pode acessar, dados como o planejamento dos fatores de transporte, armazenagem e informação, componentes fundamentais da logística, usados para reduzir o impacto das dificuldades de entrega dos minerais aos compradores ou nos portos de transbordo. Além dos dados secundários compilados por levantamento de dados bibliográficos, entrevistas por correio eletrônico foram enviadas aos responsáveis pelo transporte do minério das mineradoras Vetria e Vale, as que, no momento, atuam no estado. Os dados mais relevantes a esta pesquisa constam ao longo da terceira parte. Houve prospecção de dados na ferramenta AliceWeb, no Atlas Mineral Australiano (Australian Mines Atlas), no IBRAM (Instituto Brasileiro de Mineração), no site do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,

LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

121

no Sumário Mineral 2013 do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), nos documentos do Congresso Mundial de Mineração (World Mining Congress), além de nas agências reguladoras e canais de notícias. Para adequação à impressão sem cores, muitas das figuras foram adaptadas pelo autor, sem alterar seu conteúdo original.

2.

BREVE PANORAMA DO MERCADO GLOBAL DO MINÉRIO DE FERRO

Para estudar o tema, é importante delimitar, antes de tudo, que o minério de ferro se trata de uma commodity3. A negociabilidade e, portanto, a determinação do preço desses produtos se dá nos pregões das bolsas de valores e futuros. Assim sendo, seus produtores têm pouca ou quase nenhuma margem de negociação dos valores, necessitando reduzir custos para conseguir aumentar suas margens de lucro. Segundo dados do Congresso Mundial de Mineração4 (REICHL; SCHATZ; ZSAK, 2014), foi minerada ao redor do mundo, no ano de 2012, a quantidade de 1.407,9 milhão de toneladas de ferro, o que significa um crescimento de 28,2% desde 2008. Ainda usando dados desse mesmo anuário, calculou-se que essas quantidades equivalem a quase 62% do peso de “minerais não energéticos” explorados no mundo no mesmo período5. Mesmo contando os minerais energéticos como petróleo, carvão, gás natural e reagentes nucleares, o minério de ferro representa quase 8,3% do peso de minerais extraído da crosta terres-

3 Na definição do MDIC (2014) para commodities, consta: “produtos de base em estado bruto (matérias-primas) ou com pequeno grau de industrialização, de qualidade quase uniforme, produzidos em grandes quantidades e por diferentes produtores. Esses produtos in natura, cultivados ou de extração mineral, podem ser estocados por determinado período sem perda significativa de qualidade. Possuem cotação e negociabilidade globais, utilizando bolsas de mercadorias”. 4 Preferiu-se essa fonte em detrimento de outros anuários por publicar quantidades de ferro mineradas ao invés das quantidades de mineração declaradas por país (já que alguns países, como a China continental, publicam as quantidades de vazão total das minas, incluindo sedimentos não aproveitáveis). 5 Para a completa relação dos minerais descritos como energéticos, ver: Reichl; Schatz e Zsak, 2014. 122

Gabriel Pareja

tre6. Tais números comprovam o protagonismo desse entre os minerais metálicos. Em termos de exploração, a China continental, a Austrália e o Brasil são, em ordem decrescente, os maiores produtores de tal material, juntos responsáveis por quase 70% da mineração mundial de ferro. Apesar disso, a produção chinesa é voltada ao consumo interno, cabendo à Austrália e ao Brasil a dianteira das exportações, principalmente ao próprio mercado chinês, cuja dependência externa por minério de ferro era de 62% em 2010 (DRYSDALE E HURST, 2012). Brasil e Austrália são responsáveis por virtualmente 70% das exportações de minério de ferro nos últimos anos, e caso as estimativas se realizem, o mercado se concentrará ainda mais (TABELA 1). Esse é um mercado extremamente concentrado (TABELA 2). Cruzando os dados de ambas as tabelas, se constata que duas empresas possuem mais da metade da fatia mundial, e quatro delas representam mais de 70% do mesmo. TABELA 1 - Exportações de minério de ferro, 2000 – 2017 em milhões de toneladas* País

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

Austrália Brasil

402 311

439 313

493 333

525 372

588 411

678 443

749 467

779 489

Índia

96

63

43

46

46

46

44

40

Canadá

33

34

36

37

37

38

38

38

África do Sul África Ocidental1 Total Mundial

48 11 1051

54 12 1075

58 14 1149

64 15 1213

67 17 1279

71 23 1355

75 35 1439

79 47 1500

Fonte:Bree 2012 apud Drysdale e Hurst. 2012 P. 18. Traduzido pelo autor. *Estão incluídas projeções.

6 Vale lembrar que para minerais energéticos não importa seu peso, mas a capacidade de geração energética (como equivalência em toneladas de carvão) ou medidas específicas (como os metros cúbicos para o gás natural). LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

123

TABELAS 2 - Planos de expansão, em milhões de toneladas dos maiores produtores de 2010 a 2018 Companhia Vale S.A. Rio Tinto BHP Billiton Fortescue Total

2010 332 242 137 41 742

2018 533 454 271 255 1513

Fonte: Drysdale 2011 apud Drysdale e Hurst. 2012, P. 18. Traduzido pelo autor.

O minério de ferro é importante pelo fato de ser o principal ingrediente das ligas de aço, o que o tornou indispensável à produção diversas mercadorias, principalmente produtos com componentes metálicos. Desde pequenos instrumentos cirúrgicos até grandes indústrias, como a construção civil e a naval, dependem de ligas com ferro. Com o crescimento industrial chinês das últimas décadas, a demanda de diversos materiais, incluindo o minério de ferro, sofreu acréscimo. Segundo Garnaut (2011), a China foi responsável por 80% do aumento de demanda por metais metálicos e energia no mundo entre 2005 e 20107. Roache (2012) apresenta a participação chinesa na demanda global por commodities de 2002 a 2008, segundo seus dados, tanto na demanda por metais em geral8, como na demanda específica do minério de ferro9, tal participação deu um salto significativo (já é quase um terço no primeiro caso e mais da metade no segundo). Essa nova dinâmica tem levado a rearranjos na produção e distribuição das cadeias produtoras do ferro, como a abertura da fronteira mineral no oeste africano e novos empreendimentos de exploração da magnetita (além da hematita) na Austrália (DRYSDALE e LUKE, 2012). 7 Para os interessados, o artigo de Drysdale e Hurst (2012) traz detalhes de distribuição de uso do ferro pela China continental. 8 A China representava menos de 5% da demanda mundial por metais em 1992 e cerca de 30% em 2008 (ROACHE, 2012). 9 Menos de 10% da demanda mundial em 1992, passando a quase 70% em 2008 (ibid). 124

Gabriel Pareja

No caso australiano, existe uma interessante ferramenta do governo daquele país, o Australian Mines Atlas (AMA), que além de fornecer figuras de mapas já prontos, permite criar figuras de mapas interativas, carregando dados que podem ser escolhidos pelo usuário. Se comparadas as informações sobre a localização da produção e beneficiamento australianos (FIGURA 1) com dados da localização das minas de ferro ativas e não ativas, reserva e ocorrências de ferro na Austrália (FIGURA 2), percebe-se que, apesar da existência de reservas perto das plantas de beneficiamento (estabelecidas próximo ao mercado consumidor – regiões muito populosas) que estão nos litorais leste e sul do país, a maioria das minas se encontra em torno de locais como Tom Price e Port Hedland, áreas despovoadas, mas com extensa infraestrutura exportadora de minerais. Embora essa análise não considere a complexidade dos fatores envolvidos, constata-se a presença de uma condição propícia à exportação de minério cru. FIGURA 1- Mineração e beneficiamento do ferro na Austrália (2013)

Fonte: AMA.

LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

125

FIGURA 2- Composição de figuras de mapas das minas de ferro ativas e não ativas, reserva e ocorrências de fero na Austrália

Fonte: AMA.Organizado pelo autor10.

Infelizmente, as atuais ferramentas disponíveis pelo DNPM dificultam muito a realização de um mapa similar. O que se pode saber pelo Sumário Mineral (DNPM, 2013) é que Minas Gerais (onde fica o 10 Infelizmente, as figuras de mapas são dependentes de legendas coloridas que terminam se sobrepondo. Optou-se por fazer uma composição de vários mapas individuais para contornar esse problema. Os interessados por mais detalhes podem carregar esses ou mais dados, acessando a ferramenta em (disponível somente em língua inglesa). 126

Gabriel Pareja

Quadrilátero Ferrífero) e Pará (onde está a Serra dos Carajás) são os dois maiores produtores, respectivamente. Mato Grosso do Sul fica em terceiro lugar. No Brasil, os principais rearranjos se devem, indubitavelmente, à distância do novo mercado consumidor. Enquanto uma tonelada de minério transportado por um navio de classe capesize11 atravessa a distância entre Port Hedland/Dampier na Austrália e o porto de Qingdao, na China, ao custo de US$13,50, a tonelada de ferro embarcada em Tubarão (Vitória – ES) leva 22 dias e 12 horas a mais para chegar ao mesmo porto chinês12, após cruzar 11.023 milhas náuticas a um custo de US$30,50 (DRYSDALE e HURST, 2012). Para redução de custos, a Vale tem recorrido a uma nova classe de super graneleiros, nomeados, em menção à própria empresa, como os “Valemax”. Com capacidade entre 380 mil e 400 mil toneladas, o dobro dos navios capesize, essas embarcações conseguiriam reduzir os custos de US$4 a US$5 por tonelada de minério, representando uma economia de até US$2 milhões por carregamento (DRYSDALE e HURST, 2012). Segundo Antonioli (2011), o então diretor de mercadologia global da Vale– Pedro Gutemberg – haveria dito que essa nova frota seria a solução para o “ponto mais fraco da cadeia de valor da Vale”, que era a remessa marítima, e representaria uma economia de 20% a 25%. A nova política da Vale (baseada nos Valemax) vem enfrentado oposição da Associação dos Armadores da China, e seus navios chegam a ser impedidos de aportar no país. Nos últimos dias do ano de 2011, houve breve aceno de que haveria mudanças de atitude dos portos locais e um navio Valemax da empresa Berge Bulk, fretado em longo prazo pela Vale, conseguiu aportar no país (WRIGHT; HOOK; LEAHY, 11 Capesize são navios que transportam, em média, de 150 mil a 200 mil toneladas e que, em geral, não podem passar pelos canais do Panamá e nem de Suez (com raras exceções nesse último). 12 Essa diferença de dias é apresentada por DRYSDALE e HURST 2012. Em entrevista publicada pelo Financial Times (WRIGHT, HOOK e LEAHY, 2011), o diretor-executivo de Ferrosos da Vale, José Carlos Martins, ressalta uma diferença de 45 dias (referindo-se ao tempo de ida e volta, provavelmente). LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

127

2011), o que acabou se mostrando um episódio isolado. Depois, em 2013, houve capítulo similar (HOOK, 2013), mas foi, igualmente, uma exceção e nenhum dos episódios culminou em mudanças marcantes. Até então, a Vale vinha transbordando seu minério nas Filipinas e na Malásia para barcos menores, que em seguida levavam o minério para a China (WRIGHT; HOOK; LEAHY, 2011). Em fevereiro de 2014, a China publicou suas novas regulamentações portuárias. Serapio e Stanway (2014) ressaltam que as novas regras permitem o máximo de 250 mil toneladas de carga por navio que aporte na China. Resta a dúvida se os Valemax poderão descarregar parte da sua carga em outros portos e chegar com esse máximo aos portos chineses (similar ao que fez o navio permitido em abril de 2013). A Vale afirma seguir perdendo de US$2 a US$3 por tonelada com as atuais políticas de Pequim (SERAPIO e STANWAY, 2014), um complicador, quando consideradas as quantidades enviadas e o preços do minério em queda no atual mercado mundial. Desde 2011, ano dos principais bloqueios dos Valemax em portos chineses, a resposta da Vale foi iniciar a construção do mega terminal marítimo de Teluk Rubiah, na região malaia de Perak. Segundo posicionamento oficial da empresa, esse empreendimento é um ponto importante para aproximar seus laços com o mercado asiático (VALE, 2014). Algumas fotos da imprensa também têm mostrado operações de transbordo flutuantes feito sem a necessidade de aportar, como na baía de Subic, nas Filipinas13. Em setembro, a Vale iniciou um processo de arrendamento de oito dos seus Valemax para companhias chinesas para conseguir aportar definitivamente na China (MASSOT, 2014). Notícias recentes de Rust (2014) e Dewry (2014) mostram otimismo por parte da Vale, mas o governo de Pequim tem mantido o banimento aos Valemax arrendados por companhias locais.

13 No momento desta pesquisa, o navio que realizava tal operação era o Ore Fabrica, antigo navio petroleiro adaptado para tal fim. Fotos da operação podem ser encontradas no artigo de PIERCE (2012). 128

Gabriel Pareja

3.

A MINERAÇÃO DE FERRO EM MATO GROSSO DO SUL

No fim de janeiro de 2009, a Vale publicou comunicados sobre a compra da Mineração Corumbaense Reunida S.A. (MRC), subsidiária que pertencia à Rio Tinto, uma companhia anglo-australiana. Como a Urucum Mineração (empresa atuante na área) já era coligada à Vale, essa estabeleceu um predomínio da mineração de ferro no estado. Pela importância dessa compra para o setor, Brito (2001) utilizou a data como marco divisório na história mineral da região: “A sexta fase da atividade mineral em Corumbá iniciou com a aquisição da MCR - Rio Tinto pela Vale em 2009, caracterizada pelo monopólio da produção mineral, em que a Vale detém cerca de 90% da produção através de suas empresas, a Urucum Mineração e a MCR” (BRITO, 2001, p. 117). Atualmente, o único município do estado que apresenta exportações de minério de ferro é Corumbá. A atividade mineral no país somente é permitida se realizada por brasileiros ou empresa constituída sob as leis nacionais e com sede e administração em território nacional; a lavra em faixa de fronteira ainda prevê legislação diferenciada pela constituição federal14; ou seja, todo capital da mineração é, tecnicamente, advindo de empresas brasileiras. Certa quantidade do minério abastece o mercado local, mas a grande maioria é exportada (as exportações são o foco deste trabalho, não competindo aqui uma análise profunda do mercado interno). Quanto à participação da mineração de ferro na pauta exportadora de Mato Grosso do Sul, a queda dos preços tem diminuído sua representatividade na economia do estado: em 2011 (com preços em alta), chegou a representar quase 15% do valor de exportações de MS (US$ 574.579.554 em FOB) e foi o terceiro produto mais exportado (atrás de grãos de soja e açúcar); Em 2013, seus valores estavam em baixa e a crise do principal comprador (Argentina) cada vez pior, nesse panorama, representou pouco mais de 7,5% da receita exportadora (US$ 400.593.926

14 Brasil (1988) Art. 176 § 1º. LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

129

em FOB), tendo ficado em sexto lugar (atrás da soja, pasta química de madeira, carne bovina, açúcar e milho em grão)15. As empresas que exploram minério de ferro em Corumbá têm passado por processos de reestruturação e aquisições. O último movimento se deu no final de julho de 2014. A Vetria Mineração (associação entre América Latina Logística16 – com controle acionário –, Triunfo Participações e Investimentos e Vetorial Participações) arrendara os ativos da MMX em Corumbá, com possibilidade de compra futura. Esse é o panorama que se segue até o momento (VIRI, 2014). É interessante registrar que a importância da logística na competitividade da produção torna a parceria entre empresas de mineração e de transporte uma possibilidade concreta.

3.1

O mercado do minério de ferro de mato grosso do sul

No período de 2009 a 2013, as exportações de Mato Grosso do Sul destinaram-se, majoritariamente, à Argentina, por meio da navegação pela hidrovia do Rio Paraguai. Em segundo lugar, ao Paraguai, com 2,07%, em terceiro, aos Estados Unidos (1,66%) e em quarto, ao Reino Unido, com 1,20%. Os demais mercados são pouco representativos (TABELA 3).

15 Todos os dados extraídos do site do MDIC, seção “Comércio Exterior”, subseção “Estatísticas de Comércio Exterior – DEAEX”, item “Balança Comercial Brasileira: Unidades da Federação”. Disponível em: . Acesso em 05 set. 2014. Os interessados poderão achar dados dos demais anos na mesma página. 16 Atualmente, a empresa espera por uma autorização do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para passar por uma fusão com a Rumo, braço logístico do Grupo Cosan. Apesar de protestos de várias empresas, o processo já foi aprovado pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). 130

Gabriel Pareja

TABELA 3 - Destino das exportações de minério de ferro do município de Corumbá entre janeiro de 2009 e dezembro de 2013 Comprador

Valor em USD (FOB)

Peso Líquido em Kg

Argentina Paraguai Estados Unidos Reino Unido Espanha França Alemanha China Singapura Itália Total

1.561.474.939 34.845.933 27.915.820 20.132.874 15.832.932 5.430.051 4.083.084 2.472.374 1.971.056 1.806.977 1.675.966.040

18.485.481.260 529.968.000 1.077.748.000 244.392.000 162.355.205 41.283.745 42.979.830 79.754.000 66.117.638 18.572.000 20.748.651.678

% do valor em USD 93,16 2,07 1,66 1,20 0,94 0,32 0,24 0,14 0,11 0,10 100,0

Fonte: Aliceweb. Organizado pelo autor.

Segundo Freitas (2009), as empresas ACEPAR (Aceros del Paraguay S.A.) e SIDERAR eram as principais compradoras internacionais de minério extraído em Corumbá no ano de 2009. Atualmente, na América do Sul, o único cliente dos minérios da Vale produzidos em Corumbá é a SIDERAR, possivelmente reflexo da ACEPAR ter sido arrendada por dez anos pela mineira Vetorial, desde 17 de fevereiro desse ano (PRESIDENCIA DE LA REPÚBLICA DEL PARAGUAY, 2014). Segundo Maranho17, hoje “Apenas 30% de toda a produção fica na Argentina, o restante segue para a Europa e para a China”. O minério que chega ao mercado europeu entra pelo porto de Roterdã e atende à ThyssenKrupp Steel (TKS); no mercado chinês há uma diversidade de compradores.

17 Dados fornecidos pelo Sr. Ângelo César Silva Maranho, gerente de Programação e Desenvolvimento Logístico Centro-Oeste na Diretoria de Ferrosos do Centro-Oeste na empresa Vale S.A., via correio eletrônico, respondido em 05 de novembro de 2014. Como a Vetria não forneceu informações, é plausível que sua produção esteja direcionada para a ACEPAR, arrendada pela Vetorial, uma de suas proprietárias. LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

131

Sabendo para onde se destina a produção de minério de ferro do estado, pode-se localizar seus clientes para uma melhor análise de como esse produto é transportado até os seus compradores e assim compreender o papel da logística no processo de acesso aos mercados.

4.

O PAPEL DA LOGÍSTICA NA DEFINIÇÃO DOS MERCADOS DAS EXPORTAÇÕES DE MINÉRIO

O senso comum tem ampla compreensão do que seja logística. Em termos mais precisos, há diferenças entre transporte, circulação e logística. Para Silveira (2011), transporte deriva do verbo transportar, ou seja, simplesmente levar algo – ou alguém – de um lugar a outro, ao passo em que circulação tem um significado mais amplo, “Não é o simples fato da existência de meios de transporte” (SILVEIRA, 2011, p. 582). Ainda segundo Silveira: “Na circulação, a ação de transportar é relacionada às suas consequências, a uma totalidade globalizante (natural e humana), como reflexo do passado, do presente e das potencialidades futuras. Os traços essenciais da teoria geral da circulação estão na ampliação do domínio da circulação geral, no aumento das velocidades, no aumento da capacidade de transporte e na aceleração contemporânea de todas estas características juntas que, por fim, também produzem, estruturam, reproduzem e reestruturam o espaço geográfico.” (SILVEIRA, 2011, p. 582).

“Logística” é um termo de uso relativamente recente, mas sua aplicação é tão antiga quanto o ato de transportar, como defende Silveira (2011). Em relação ao surgimento do tema, tanto Panitz (2006) como Silveira (2011) realizam breve introdução histórica do conceito de logística, que foi adaptado do uso militar para usos comerciais e estatais em tempos de paz. Silveira (2011) separa alguns diferentes tipos de logística, como militar, estatal, de uso comum e corporativo, sendo esse último o que nos interessa nesta pesquisa.

132

Gabriel Pareja

Condensa-se a ideia de Silveira no excerto: “...a ‘logística corporativa’ é o termo que deve ser usado para destacar as transformações logísticas no âmbito das reestruturações impostas pelo modelo neoliberal (que redundou no que cingimos por ‘mundialização do capital’) para ensejar as demandas corporativas na facilitação de realocações produtivas e de consumo, no aumento de trocas comerciais e nas movimentações financeiras. Podemos afirmar, portanto, que a ‘logística corporativa’ é um conjunto de estratégias, de planejamento e de gestão hábil em orientar, em conjunto com as tecnologias informacionais, a movimentação e o armazenamento de mercadoria [...] assim como as informações dentro de uma rede bastante complexa, especialmente a produtiva. A logística deve ser entendida como uma estratégia complexa que procura reduzir as barreiras físicas e operacionais da montante à jusante do sistema circulatório [...] Assim, a função mais específica da ‘logística corporativa’ é encurtar tempo de circulação do capital em prol das demandas corporativas globais...” (SILVEIRA, 2011, p. 581 e 582) [grifo nosso].

Panitz (2006), em uma visão mais tecnicista, conceituou logística como “a ciência que estuda como levar itens da produção ao consumo com o menor custo”. O autor seguiu as noções do Council of Supply Chain Management Professionals (CSCMP) para descrever logística como a “parte do Processo de Gerenciamento da Cadeia que planeja, implementa, controla o eficiente e efetivo fluxo de armazenagem de bens, serviços e informações associadas [...] com objetivo de atender os requisitos do consumidor” (PANITZ, 2006, p. 72). Assim sendo, ainda que a logística não seja o mesmo que o transporte, nem que a circulação, em um panorama ideal é a logística que planeja uma das demais ou até ambas. Por isso, é necessário entender o processo de transporte do minério.

LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

133

4.1

O atual transporte do minério corumbaense e considerações logísticas

Como foi descrito acima, atualmente, há duas grandes companhias mineradoras de ferro na região de Corumbá: a Vale, proprietária da MCR e da Urucum Mineração, e a Vetria, que adquiriu os ativos da MMX Corumbá há poucos meses. Dispondo da complexa malha rodoferroviária estatal e da hidrovia Paraguai-Paraná, cada uma possui suas especificidades e projeções de expansão, analisa-se abaixo as atuais práticas e planos futuros de cada empresa.

4.1.1 Vetria A empresa Vetria passou a minerar ferro em Corumbá quando arrendou os direitos da MMX, pertencente ao grupo EBX: “O arrendamento dos direitos minerários inclui uma unidade de beneficiamento de minério de ferro com capacidade de produção de 2 milhões de toneladas por ano, requerimentos, concessão de lavra e alvarás de pesquisa que abrangem uma área de mais de 100 milhões de metros quadrados, além do estoque de minério de lavrado” (VIRI, 2014).

A página da empresa18 informa que o transporte atual do minério se dá por barcaças, pela hidrovia Paraguai-Paraná, alcançando portos da Argentina e do Uruguai, onde é trasbordado a navios de porte marítimo, conforme a figura 3. O site também informa sobre um projeto de exportação por via férrea (rota também presente na FIGURA 3), que será tratado mais adiante.

18 Disponível em: < http://www.vetria.com.br/show.aspx?idCanal=v6tFLIbKoVrwGuJMkTjeUQ==/>. Acesso em: 29 jul. 2014. 134

Gabriel Pareja

FIGURA 3 – Percurso atual (hidrovia) e planejado (ferrovia) das exportações de minério pela Vetria Mineração

Fonte: Vetria.

Trabalhos anteriores, como o de Lamoso (2001), já trataram das limitações para o uso da Ferrovia Novoeste, concedida à América Latina Logística (ALL), sem que a mesma passe por reformas. Para a exportação, a ferrovia precisa de inúmeras adequações (como a própria Vetria destaca) e essa desemboca na malha ferroviária paulista, uma das mais movimentadas do país (o que reduz velocidades e aumenta o tempo do transporte). O próprio porto de Santos, por sua característica predominantemente importadora, apresenta limitantes, desde as tarifas, práticas aduaneiras locais, até o tipo de navios que aportam na área (predominantemente navios de contentores). No quesito distância, é importante notar que o mercado argentino, apesar da crise recente e do crescimento chinês, segue sendo o maior mercado do estado, tendo absorvido mais de 90% dos valores das exportações corumbaenses de ferro nos nove primeiros meses de 2014. A Vetorial, uma das proprietárias da Vetria, ainda arrendou recentemente a ACEPAR, segunda maior compradora do mineiro extraído19. 19 É provável que inicialmente a empresa tenha respeitado os contratos de fornecimento já firmados pela ACEPAR, considerando que a compra é muito recente, mas LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

135

Posicionando-se no porto de Santos, a Vetria estará entrando em concorrência direta com outras empresas além da Vale, como a BHP e a Rio Tinto, mas sem a capacidade de transporte em escala que a Vale possui (como sua frota Valemax), nem com minas tão bem localizadas em proximidades aos mercados consumidores (BHP e Rio Tinto possuem minas na Oceania que levam à China e costa oeste estadunidense e minas na África Ocidental, muito próximas do mercado europeu). Sobre as adequações necessárias, a empresa apresenta a necessidade da “substituição total de trilhos (4.000 Km) e dormentes (3 milhões de peças), reforma de 223 pontes e ampliação ou construção de 85 pátios, além de obras de adequação da infraestrutura” (VETRIA), além da construção de um terminal portuário privado no porto de Santos (ibid). A administração da hidrovia do Rio Paraná (AHRANA, 2012) apresenta alguns dados que merecem consideração no transporte do minério por ferrovia. O primeiro é a quantidade de vagões necessários para transportar o minério: uma barcaça leva cerca de 1.200 toneladas, o mesmo que 12 vagões “Jumbo Hoppers” (de 100 toneladas cada), para comparação, isso equivaleria a 60 caminhões de 20 toneladas (AHRANA, 2012). Note-se que tais vagões pagarão frete individualmente ao chegar à parte da malha paulista que não pertence à ALL, podendo depender de complicadas declarações de expedição e conhecimento de transporte não unificados e ainda ocupando espaço da Novoeste, que poderia ser ocupado para transportar outros produtos e gerar receita à empresa. As considerações seguem ao analisar a eficiência energética, onde o trem consome quase 260% do combustível necessário às barcaças para transportar a tonelada de produto ao longo da mesma quilometragem (FIGURA 4). Tal diferença de consumo acarreta em um consequente em um curto e médio prazo a própria poderá se beneficiar de tratamento preferencial, seja comprando minérios da Vetria para a ACEPAR com condições melhores ou garantindo a compra de minério da Vetria, defendendo seus investimentos na mesma. 136

Gabriel Pareja

impacto ambiental: o transporte ferroviário gera mais que o triplo de poluentes que as barcaças (FIGURA 4), além do impacto de imagem, a empresa fica comprometida em caso de surgimento de leis de compensação ambiental. FIGURA 4 – Eficiência energética e ambiental entre modais

Fonte: Ahrana (2012).

O custo de embarque costumar ser mais alto no modal hidroviário que nos demais modais, já que ele depende de maquinário específico, operadores altamente capacitados, condições climáticas favoráveis, entre outros fatores que aumentam os custos ou o tempo dessa operação. Apesar disso, a alta eficiência no consumo do combustível faz com que a relação de custos no modal hidroviário seja mais vantajosa a partir dos 450 km (AHRANA, 2012), quando a economia no custo do transporte propriamente dito supera o gasto do embarque. Com todas as considerações acima, conclui-se que, ainda que possa fazer bem o papel do transporte e talvez até da circulação (aumentar velocidades e capacidades), em se falando de logística, a proposta da Vetria parece pouco promissora. Segundo apurado em entrevistas na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção

LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

137

daIndústria, do Comércio e do Turismo (SEPROTUR)20 e na superintendência sul-mato-grossense do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM-MS)21, a baixa dos valores internacionais do minério estancou o projeto, a empresa tem se limitado a desembaraços burocráticos (como licenciamentos) até que uma nova subida nos preços garanta rentabilidade para financiar as reformas e construções.

4.1.2 Vale Quanto à Vale, o transporte do ferro produzido na região de Corumbá é feito inteiramente por barcaças, cobrindo o mercado ao sul, às margens do rio Paraguai ou transbordando para os mercados europeu, asiático e, eventualmente, estadunidense. Segundo a empresa, com os ativos da MCR ainda não constantes nos dados expostos na Câmara dos Deputados, a Vale afirmava que seu transporte era realizado por terceiros, com contratos de curta duração (sem garantir serviços para longos períodos). Possuía, antes da aquisição da MCR, contrato de 1,4 milhão de toneladas anuais com três empresas: Horamar e UABL, de bandeira argentina, e InterBarge, de bandeira uruguaia. Com a aquisição da MCR, a Vale adquiriu também a Transbarge Navegación (TBN), instalada em Assunção, PY. “De acordo com a Vale, a compra dos ativos de minério inclui 100% das operações de mineração a céu aberto de Corumbá e ativos de logística, incluindo porto fluvial e barcaças. Também fazem parte do acordo o projeto Potasio Rio Colorado (PRC) na Argentina, e operações de logística no Paraguai.” (G1, 2009) [grifo nosso]. 20 Entrevista concedida pelo senhor Pedro Pedrossian Neto, secretário adjunto, superintendente de Indústria, Comércio, Turismo e Serviços da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção da Indústria, do Comércio e do Turismo – SEPROTUR, presencialmente, no dia 19 de novembro de 2014 na sede da SEPROTUR em Campo Grande. 21 Entrevista concedida pelos senhores Patrick Schaldach e Claudio Barsotti, presencialmente, no dia 19 de novembro de 2014 na sede da superintendência DNPMMS. 138

Gabriel Pareja

Ainda que não se tenha encontrado dados exatos da frota adquirida pela Vale em 2009, no ano de 2005, a Rio Tinto declarou no Ministério dos Transportes que a mesma possuía cinco empurradores e mais dois em construção, 79 barcaças e um dique flutuante, além de estar negociando a compra de mais 27 barcaças, todas em sua então subsidiária TBN. Informações de Góes (2009), replicadas pela própria Vale, apesar de confundir o Mato Grosso do Sul com o estado vizinho (Mato Grosso), anunciou aumento na frota da empresa para escoar o minério sul-mato-grossense: “A Vale vai triplicar a produção de minério de ferro em Corumbá, no Mato Grosso, nos próximos dois a três anos. A capacidade deve saltar de 4,5 milhões para 15 milhões de toneladas por ano. A expansão será sustentada por investimentos de R$ 900 milhões na compra de 14 empurradores e 224 barcaças que vão fazer o transporte do minério via rios Paraguai e Paraná [...] Essa compra vai se somar a outra encomenda feita no Brasil de 51 embarcações com investimentos de RS 403,9 milhões. São 15 rebocadores portuários, dois comboios fluviais, formados por 32 barcaças e dois empurradores, e dois catamarãs para transporte de passageiros. No total, considerando essa compra e a encomenda futura, a Vale vai investir R$ 1,3 bilhão em embarcações para atividades de apoio portuário e navegação de interior (hidrovias). [...]Esses comboios serão usados para transporte de minério de ferro produzido em Corumbá. O escoamento se dará via hidrovia Paraguai-Paraná que tem saída para o mar no Rio da Prata.” (GOÉS, 2009).

A atual frota da Transbarge (a serviço exclusivo da Vale) conta com 12 comboios próprios e 25 comboios arrendados, não foi especificado o tamanho dos comboios, mas devido às restrições unilaterais argentinas que serão expostas adiante, se pode supor que são formados por 12 barcaças cada. Metade das embarcações têm bandeira paraguaia e a outra metade boliviana, além de duas unidades de transferência fluLOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

139

tuantes, uma na Argentina e outra no Uruguai. As quase 300 pessoas que operam os comboios são principalmente tripulantes de nacionalidade paraguaia22. Sobre o tempo de transporte, a Vale gastava seis dias para levar o minério de Corumbá à ACEPAR (Villa Hayes), 14 dias para levá-lo à SIDERAR (San Nicolás) e pouco mais de 15 dias (368 horas) para chegar ao porto de Nueva Palmira, tudo isso considerando os comboios de 16 barcaças (FREITAS, 2009). Houve experimentos com 20 barcaças no comboio, o que aumentaria muito a capacidade de transporte, essa configuração não era permitida pelas autoridades brasileiras (FREITAS, 2009). Conta-se, nesses períodos, cerca de um dia como tempo gasto para manobrar na passagem sob as pontes (rodoviária e ferroviária) do município de Corumbá, além do tempo gasto para manobras em trechos complicados como a Volta do Rebojo, próximo à tríplice fronteira Bolívia-Brasil-Paraguai. O tempo aproximado de viagem é de 15 dias para descer o rio e 17 para subir de volta à cidade de Corumbá. O minério é entregue à SIDERAR, em porto próprio, e transbordado nos portos de San Nicolás e Rosário. Há ainda duas unidades de transferência flutuantes, a Paraná Iron, na Argentina (no km 362, entre Rosário e San Nicolás), e a Don Miguel, no Uruguai (km 22, pouco acima do porto de Nueva Palmira). Essas unidades podem tanto transbordar o minério das barcaças aos navios oceânicos, como armazenar. O preço médio da ida e volta dos comboios ao longo dos 2.500 km da hidrovia é de US$ 33 dólares por tonelada, notando-se que os comboios são de dedicação exclusiva aos minérios da Vale. Em outras palavras, os comboios descem o rio carregados, mas voltam vazios, e os custos da volta têm que ser absorvidos pelo mesmo envio.

22 Dados fornecidos pelo Sr. Ângelo César Silva Maranho, gerente de Programação e Desenvolvimento Logístico Centro-Oeste na Diretoria de Ferrosos do Centro-Oeste na empresa Vale S.A., via correio eletrônico, respondido em 05 de novembro de 2014. 140

Gabriel Pareja

Segundo Maranho, ainda se pode verificar que medidas unilaterais tomadas pelos países que compõem a hidrovia e que violam os acordos que regulam o tráfico pela mesma são o maior empecilho para esse transporte depois dos regimes de secas. Como em agosto de 2014 os jornais de Mato Grosso do Sul deram eco a um pronunciamento do deputado estadual Paulo Corrêa, que solicitava intervenção do Ministério de Relações Exterior ante as restrições impostas pela Argentina, surgiu a medida unilateral do país vizinho de reduzir, em novembro de 2013, os comboios que passam pela hidrovia (que serve cinco países) de 16 para 12 barcaças, afirmando questões de segurança que não eram sustentadas por nenhum relatório náutico. Outras exigências incluem a apresentação de documentos antes da entrada em águas daquele país (o que ainda exige a presença de um oficial do país vizinho a bordo do empurrador), restrição ao abastecimento dos rebocadores de bandeira estrangeira, exigência de nenhum lixo a bordo e o fechamento de um amarradouro de barcaças, segundo reproduziu Nascimento (2014). A reportagem afirma que esses processos geram até sete dias de atraso no transporte da carga23. Atualmente, a conexão entre as minas e as barcaças depende de uma ferrovia que leva o minério até o porto de Gregório Curvo. Segundo apurado em entrevista no DNPM-MS, pretende-se construir um novo porto nas proximidades do distrito de Albuquerque, o minério partiria da mina em mineroduto com tração por correia. Também afetada pela baixa do preço do ferro o projeto está limitado à aquisição de licenças e estudo dos locais de instalações24. Em relação ao armazenamento, o que se apurou é que a Vale conta com permissão de uso de 20.000m² até outubro de 2016 no porto de San Nicolás e 10.000 m² no porto público da mesma zona em contrato 23 Disponível em: < http://msnoticias.com.br/politica-mato-grosso-sul/correa-denuncia-restricoes-impostas-pelaargentina-uso-de-hidrovia >. Acesso em: 09 out. 2014. 24 Entrevista concedida presencialmente pelos senhores Patrick Schaldach e Claudio Barsotti do Departamento Nacional de Produção Mineral, no dia 19 de novembro de 2014 na sede da superintendência DNPM-MS. LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

141

com a UTE de Casport Ponal (FREITAS, 2009). Mais acima no rio, no porto de Rosário, a concessionária informou em 2012 que o minério de ferro proveniente de Corumbá “por primera vez es operado por el concesionario con el equipamiento y las nuevas tecnologías de reciente adquisición” (TPR, 2012). Ainda que esse porto não possua alto-fornos, outra operação é realizada nesse local: o minério que chega é mantido em depósito fiscal até ser transbordado a navios marítimos e direcionado a outros mercados, como a China. Em janeiro de 2012, o porto habilitou uma praça fiscal de 23.000 m² para depósito de granéis sólidos. Segundo informe do próprio porto, a tecnologia que esse tem disponível o faz mover quantidades que não são alcançáveis pelos demais portos da região (ibid). É muito difícil estimar quanto minério cabe em cada um desses armazéns, especialmente por cada um ter características específicas: Rosário estoca até embarcá-lo em navios maiores, podendo supor-se que tem rotatividade muito maior que o porto da SIDERAR, que estoca até ser “consumido” pelos fornos daí. Os dados dessa levantados nesta pesquisa não permitem tal mensuração, mas a possível existência de áreas ociosas nesses depósitos poderia servir para análises de viabilidade de algum tipo de depósitos estratégicos, suprindo os atrasos ou interrupções em caso de secas ou outras restrições. Atualmente, a única tática para reduzir os impactos dos regimes de seca tem sido carregar e enviar os comboios ociosos ainda que não haja demanda imediata. As unidades de transferência flutuantes também possuem capacidade de armazenagem, de 35.000 a mais de 40.000 toneladas na unidade Don Miguel, dependendo da profundidade de onde esteja ancorado. O Paraná Iron tem capacidade nominal de armazenamento de 40.000 toneladas, no entanto está ancorado em águas não muito profundas, o que pode reduzir sua capacidade efetiva.

142

Gabriel Pareja

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que limitada por seus aspectos muito próprios, a produção mineral de Mato Grosso do Sul reflete fatores de uma lógica global, especialmente por ser gerida por mineradoras presentes não apenas na região, mas também com negócios ao redor do mundo, com destaque para a Vale. Esses fatores incluem alta de investimentos durante o período de super demanda gerado pela China; transferências de ativos da Rio Tinto e da EBX às suas concorrentes, quando aquelas buscaram capitalizar para se recuperar de dificuldades financeiras; estancamento de investimentos com a recente baixa da demanda chinesa; entre outros. O fato do minério de ferro ser exportado pelo rio não permite a utilização de super graneleiros como os Valemax, mas se pode ver reflexão de outras práticas, como o transbordo em estações flutuantes (independente de portos), e um mercado cada vez mais voltado à China, apesar das proximidades dos mercados sul-americanos. Enquanto a Vale está focada no transporte aquaviário, com preocupações em relação à redução de custos e consequente aumento de margens de lucro, possuindo inclusive uma subsidiária dedicada exclusivamente a tal transporte, a Vetria aposta seu futuro em um projeto muito ambicioso de exportação que integre a Ferrovia Novoeste com o porto de Santos. Essa empreitada parece não condizer com as possibilidades de lucro atuais, especialmente com o preço do minério tendo sofrido mais uma recente baixa, beirando US$70 por tonelada, uma baixa recorde nesta década. Considerando que o atual transporte da Vetria é temporário (já que a todo o momento se fala do objetivo do escoamento pelo porto de Santos) e realizado por terceiros, pode-se supor que os principais esforços de planejamento focam-se no projeto Novoeste-Santos e não no atual modal hidroviário. Em ambos os casos, o transporte e a armazenagem ficam condicionados às políticas arbitrárias de países vizinhos que vão contra os acordos de livre navegação na hidrovia Paraguai-Paraná e geram LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

143

todo tipo de empecilho, o que resulta em atrasos e aumento de custos, aumento esse que não pode ser repassado ao consumidor final, por se tratar de um produto com o preço cotado em bolsa. Tendo a Vale uma exportação que foca na hidrovia Paraguai-Paraná no longo prazo, essa fica mais suscetível a tais entraves. A própria localização da TBN em Assunção (praticamente equidistante das minas e dos portos onde se descarregam os comboios) e o uso de embarcações com bandeiras de países com menores custos e pessoas dos mesmos países, que além de menores médias salariais permitem contratos mais vantajosos ao empregador, já representa grandes vantagens e redução de barreiras operacionais. Pelo que se pôde apurar, a logística para atenuar os limitantes de tempo e da capacidade de circulação da Vale tem sido restrita ao envio continuo de comboios que estariam ociosos e ao reposicionamento de unidades flutuantes para acomodar mais minério. Não se encontrou nenhuma notícia de construção de um terminal ou depósito próprio, como o que faz a Vale para o mercado asiático – é preciso ressaltar que, sem estar dentro da empresa, é quase impossível ter acesso ao manejo de informação sensível e como essa é usada no planejamento, impedindo uma análise completa do manejo logístico dessa empresa. Este trabalho lança fundamentos para futuras pesquisas mais aprofundadas no tema. Agora que já se descreveu o transporte em si e foi analisado o basilar sobre a logística, uma próxima investigação poderá focar mais amplamente na logística em si, além de ter a possibilidade, pelo avanço do tempo, de contemplar um cenário mais definido por parte da Vetria (seja seu projeto de exportação já instalado ou, ao menos, em fase de instalação).

144

Gabriel Pareja

REFERÊNCIAS AHRANA (São Paulo). Dados e informações hidrovia do rio Paraná. São Paulo: Ahrana, 2012. 51 p. AMA (Australian Mines Atlas) The australian atlas of mineral resources, mines, and processing centresines atlas. Disponível em: . Acesso em: 6 out. 2014. ANTONIOLI, S. Vale mega ships to cut freight costs by 20-25 pct. 2011. Disponível em: http://uk.reuters.com/article/2011/06/17/idUKLDE75G1QN20110617>. Acesso em: 14 out. 2014. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL TURISMO. Mapa do Mato Grosso do Sul. Disponível em: . Acesso em: 05 nov. 2014. BRITO, N. de M. Mineração e desenvolvimento regional em Corumbá - Ms. 2011. 183 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Geografia, Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, Dourados, 2011. Disponível em: . Acesso em: 1 ago. 2014. DNPM (Brasil). Sumário mineral 2013. 2013. Disponível em: . Acesso em: 02 jul. 2014. DREWRY. Valemax deal to determine dry bulk market’s fate. 2014. Disponível em: . Acesso em: 19 out. 2014. DRYSDALE, P.; HURST, Luke. China’s Growth and Its Impact on Resource Demand and The Iron Ore Trade. In: Natural Resource Demand And China’s Economy, 1., 2012, Lusaka. Eaber Working Paper Series No 73. Canberra: Eaber, 2012. p. 1 – 43. FREITAS, H. VALE e a utilização das hidrovias. Brasília: Câmara de Deputados, 2009. 33 diapositivos, color. Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2014.

LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

145

G1. Vale compra mina da Rio Tinto em Corumbá: operação também inclui ativos na Argentina e Canadá. Brasileira vai pagar US$ 1,6 bilhão na operação. G1. São Paulo, 30 jan. 2009. Seção Economia. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2014. GARNAUT, R. Australia’s China resources boom. 2011. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2014. GOÉS, F. Vale eleva para R$1,3 bi investimento na compra de barcaças para hidrovias: Equipamento vai ajudar a escoar a produção de minérios de ferro de Corumbá. Valor Econômico. Rio de Janeiro. 30 set. 2009. Disponível em: . Acesso em: 29 jul. 2014. HOOK, L. China Permits Giant Valemax to Dock. 2013. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2014. IBRAM - INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO (Brasília). Informação e análises da economia mineral brasileira. 2012. Disponível em: . Acesso em: 3 out. 2014. ISM. Guide to the Incoterms® 2010 Rules.2011. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2014. LAMOSO, L. P. A exploração de minério de ferro no Brasil e no Mato Grosso do Sul. 2001. 309 f. Tese (Doutorado) - Curso de Geografia, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. Disponível em: . Acesso em: 1 nov. 2013. MASSOT, Pascale. Rough sailing in the iron ore shipping business. 2014. Disponível em: . Acesso em: 5 out. 2014. MDIC (Brasília). Aliceweb: análise das informações de comércio exterior. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2014.

146

Gabriel Pareja

NASCIMENTO, D. Corrêa denuncia restrições impostas pela Argentina no uso de hidrovia: o deputado estadual solicita providências, já que a Argentina está impondo restrições para a navegação de empresas brasileiras no transporte de minério de ferro pelo corredor hidroviário. 2014. Com assessoria. Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2014. PANITZ, Carlos E. Dicionário de logística , gestão de cadeia de suprimentos e operações. Porto Alegre: Alternativa/rs, 2006. 160 p. PARAGUAY. Presidencia de la República del Paraguay. Firma brasileña se hace cargo deACEPAR e invertirá U$S. 20 millones en primera etapa. 2014. Disponível em:. Acesso em: 29 ago. 2014. PIERCE, Andy. Third tricky for Vale: Brazilian mining heavyweight Vale has turned in its worst quarterly performance in three years.2012. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2014. REICHL, C.; SCHATZ, M.; ZSAK, G. (Comp.). World minning data 2014: Minerals Production. 2014. Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2014. RIO TINTO. Escoamento da produção de minério de ferro pelos rios Paraguai/Paraná: Brasília: Ministério dos Transportes, 2005. 20 diapositivos, color. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2014. ROACHE, S. K. China’s impact on world commodity markets. 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2014. RUST, Bob. Valemax expected at Qingdao: chinese safet y concerns over Vale’s VLOCs have evaporated after two state-owned outfits signed on to charter them. 2014. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2014.

LOGÍSTICA E RELAÇÕES DE MERCADO NA PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO DE MATO GROSSO DO SUL

147

SERAPIO JUNIOR, M.; STANWAY, D. China to keep ban on Valemaxes in New Port rules. 2014. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2014. SILVEIRA, Márcio Rogério (Org.). Circulação, transporte e logística: diferentes perspectivas. São Paulo: Outras Expressões, 2011. 624 p. Sítio Eletrônico Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Disponível em: . Acesso em: 5 set. 2014. TPR. El Puerto de Rosario opera mineral de hierro con nueva tecnología y equipos: Esta sustancial mejora en esta actividad es el resultado de una importante inversión en tecnología y equipos que ha realizado la concesionaria Terminal Puerto Rosario. 2012. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2014. VALE. Work progresses on Teluk Rubiah marine terminal in Malaysia. 2014. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2014. VETRIA. Sítio Eletrônico Vetria.Disponível em: . Acesso em: 29 jul. 2014. VIRI, Natalia. Vetria firma acordo por ativos da MMX no MS. 2014. Com colaboração de Fábio Pupo. Disponível em: . Acesso em: 5 ago. 2014. WRIGHT, R.; HOOK, L.; LEAHY, J. China allows huge Valemax ship to dock. 2011. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2014

148

Gabriel Pareja

TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS ENTRE COMUNIDADES RURAIS NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA1 Vânia de Oliveira Sabatel Edgar Aparecido da Costa

1.

INTRODUÇÃO

A análise da fronteira Brasil-Bolívia, neste trabalho, tem seu foco na área de contato da linha limítrofe internacional que acontece entre territórios do município de Corumbá e da Sección Municipal de Puerto Quijarro. Os principais fluxos populacionais e de mercadorias ocorrem pela via terrestre, especialmente na estrada do Jacadigo, onde há décadas estão instaladas comunidades rurais.

1 O trabalho contém partes da dissertação intitulada “Relações entre comunidades rurais na fronteira Brasil-Bolívia”, defendida em 2013, no Mestrado Profissional em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal. Foi elaborado no âmbito do projeto “Repercussões da economia exportadora nos domínios dos Cerrados e do Pantanal sul-mato-grossense”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Registra-se especial agradecimento à Rosalina Melgar Põne, professora de El Carmen de la Frontera, pela importante ajuda durante as entrevistas com os moradores daquela comunidade. A todos os personagens entrevistados que ajudaram a recuperar valiosos elementos históricos para a compreensão dos relacionamentos desses povos rurais fronteiriços. E a Ramona Trindade Ramos Dias pela correção gramatical.

149

O objetivo desta análise é refletir sobre as territorialidades fronteiriças a partir das interações socioeconômicas entre os moradores de El Carmen de la Frontera ou Carmo (como é conhecida pelos brasileiros), em Puerto Quijarro, na província Germán Busch, departamento de Santa Cruz, Bolívia e as comunidades dos assentamentos rurais fronteiriços de Corumbá, Mato Grosso do Sul, Brasil. Notadamente, Tamarineiro I, Tamarineiro II (Norte e Sul) e Paiolzinho (FIGURA 1). FIGURA 1 – Espaço rural fronteiriço da área estudada – foco em El Carmen de la Frontera

Fonte: Google earth (versão 6.1.0.5001/17 Out. 2011) © Google inc. 2011. Image © 2013 geoeye. Autor: Costa, e.A., 2013.

São comunidades constituídas em tempos históricos diferentes, mas que possuem inúmeras relações de fronteira. Oliveira (2005) lembra que na fronteira, ao mesmo tempo em que existe uma necessidade de preservar o território, impera a vontade de avançar os limites e man-

150

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

ter relações com o outro, o que a torna, simultaneamente, um espaço de tensões e integração. As diferentes relações de troca realizadas em zonas de fronteira se revelam em desafios e oportunidades para as políticas públicas bilaterais. El Carmen de la Frontera completou 110 anos de existência em 16 de Julho de 2015, sendo composta por 30 famílias, na sua maioria com laços de parentesco. Os assentamentos rurais no território brasileiro surgiram em meados das décadas de 1980 e 1995 e contam com cerca de mil famílias advindas de vários municípios de Mato Grosso do Sul. São originários da desapropriação de terras da fazenda do Grupo Chamma, ligado à produção siderúrgica em Corumbá durante boa parte do século XX. Os resultados são apresentados com base em pesquisa descritiva do fenômeno em sua complexidade, apoiando-se na técnica da observação e nos trabalhos de campo, com uso de questionários, roteiros de entrevista e descrição das paisagens. Em relação à coleta de dados primários (gerados pela pesquisa) foram adotados três procedimentos: a) aplicação de questionário semiestruturado, que incluiu questões abertas e fechadas, em 100% das famílias da comunidade El Carmen de la Frontera e todas as famílias dos assentamentos Tamarineiro I, Tamarineiro II e Paiolzinho, moradoras ao longo da estrada do Jacadigo; b) entrevistas com as lideranças políticas dos assentamentos fronteiriços de Corumbá e de El Carmen de la Frontera e com os técnicos das instituições atuantes nessas comunidades rurais, apoiadas em um roteiro de entrevistas. A aplicação de questionários somente aos moradores brasileiros ao longo da estrada do Jacadigo se justifica pela maior proximidade com o limite internacional. Foram aproveitadas as contribuições de pessoas da família e não apenas do entrevistado, acompanhando as indicações de Triviños (1987). As questões semiestruturadas, por não apresentarem um caráter quantitativo, permitiram ao entrevistador fazer adaptações na investigação e ao informante a possibilidade de não se restringir a opções pré-determinadas. TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

151

Os depoimentos foram gravados e as falas transcritas para a língua portuguesa, pois muitas delas foram em “portunhol” (mistura dos idiomas português e espanhol). Realizaram-se pequenos ajustes para facilitar o entendimento, sem, contudo, mudar o teor das falas. Em alguns casos, optou-se por manter a fala original dos entrevistados em razão de suas particularidades. Teve-se o cuidado em manter sigilo do nome dos entrevistados nos casos em que as respostas pudessem causar algum tipo de constrangimento futuro. Nesse caso, adotou-se a sequência E.1, E.2, E.3, sucessivamente para os entrevistados. Para os depoimentos julgados sem esse tipo de risco ao entrevistado foi indicada a fonte. Em relação aos técnicos das instituições atuantes nessas comunidades e suas lideranças, a investigação se deu por meio de um roteiro de entrevista previamente elaborado, com o propósito de se conhecer as formas de atuação e a teia de tramas territoriais estabelecidas. Algumas conversas informais também ocorreram com antigos funcionários das instituições com atuação local e com ex-moradores das localidades de estudo.

2.

ARCABOUÇO CONCEITUAL: TERRITÓRIOS, TERRITORIALIDADES E FRONTEIRAS

O território é uma forma de apropriação/dominação do espaço, que segundo Fernandes (2005), é uma fração da realidade que só pode ser compreendida a partir das dimensões que o compõe. Nesse contexto, também as imaterialidades do território devem ser consideradas. O território é sentido e respeitado devido às diferentes ações e ao jogo de forças, fluxos e normas que o atravessam. São modelados e desenhados pelos distintos atores que atuam sobre ele. Tal campo de forças traceja a sua imaterialidade e, por isso, a sua regulamentação não precisa ser materializada para ser respeitada, pois seus limites são mutáveis. Para Dias (2007), os fluxos atravessam fronteiras e introduzem uma nova ordem de sistemas reticulares fora do controle territorial.

152

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

Desse modo, o território é a produção do espaço, dado pelas relações de poder desenvolvidas pelos atores sociais, como: as redes, malhas e centralidades (RAFFESTIN, 1993), as quais contribuem para a construção de novas territorialidades. Sob essa inspiração, Albagli (2004, p. 62) aponta que a territorialidade “[...] é uma relação triangular entre os atores sociais, mediada pelo espaço”. É preciso conhecer as redes que atravessam os territórios para se perceber se as articulações são locais ou de escalas mais amplas. O certo é que, perto ou distante, elas produzem tensões. A diferença é simplesmente a possibilidade ampliada de encontros pessoais. As redes são produtos das territorialidades e da liberdade de ações capazes de desenvolver uma camada social de determinada região. Segundo Dias (2007, p. 22-23), é uma “construção social” que “expressa ou define a escala das ações sociais” e está intrinsecamente relacionada com o território. Para Scherer-Warren (2007), as redes podem ser presenciais, como as sociais ou virtuais e podem criar, respectivamente, territórios geograficamente delimitados ou não. Por isso, a necessidade de conhecer as sociabilidades das redes e as relações de identificações ou de assimetrias de poder: reciprocidade, solidariedade, estratégia e cognição. Medeiros (2006) aponta que os assentamentos rurais são constituídos por famílias heterogêneas, com modos de ser e “bagagens” de vida diferentes, que constroem em seus cotidianos novas territorialidades simétricas, produzem seus próprios símbolos e significações em busca de sua reterritorialização – é onde se percebe a multiplicidade do espaço. Assim, conforme Fernandes (2005), os movimentos dos camponeses são socioterritoriais e socioespaciais. São produtores, construtores e transformadores de espaços (pela ação política dos sujeitos dada pelas relações sociais) em territórios. Dessa forma, territorializam-se, desterritorializam-se ou reterritorializam-se por meio de suas identidades, expressando suas territorialidades ou pluriterritorialidades.

TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

153

Nessa linha de pensamento, Fernandes Silva (2008) acrescenta que a fronteira é um “espaço de sociabilidade diferenciada” construída pela dinâmica relacional das populações locais. Tais constatações demonstram a importância estratégica e geográfica da fronteira para além do limite que impõe a “soberania” e a “segurança” de um Estado e seu povo. Trata-se de um espaço de articulação, de trocas e de comunicação entre os dois territórios. Segundo Benedetti (2011), no espaço fronteiriço, devido às várias territorialidades que se cruzam e as assimetrias estruturais e conjunturais, o outro lado pode se transformar num lugar estratégico para o intercâmbio, recursos e fonte de riquezas. Esse olhar ampliado para a fronteira mudou também a visão de desenvolvimento nessa área, dada a sua complexidade e especificidade, que era focada na proteção e poder do Estado. A segurança não é mais vista apenas como defesa, mas como estado de segurança, que não significa barrar, mas interagir, pois os problemas vivenciados nos territórios fronteiriços são quase os mesmos (OLIVEIRA, 2010). A fronteira não é vista como limite por seus moradores, pelo contrário, ela influencia o contato e a aproximação, abrindo oportunidades e possibilidades que contribuem para o dinamismo dos territórios. São construídas pelas tensões internas e pressões externas ao território. Para House (1980), dependendo do grau de abertura e da diversidade dos elementos existentes (como o acesso geográfico e político), surgem os fluxos e as relações entre fronteiriços, que podem gerar complementariedades em setores como saúde, educação, comércio e o desenvolvimento conjunto desses territórios. Desse modo, na fronteira, as complementariedades podem ir além do desenvolvimento econômico, facilitado pelas trocas e relações comerciais. Pode se estender para o apoio e suporte na infraestrutura de um lugar e atender as necessidades básicas dos moradores, permitindo a conquista da cidadania e a melhoria da qualidade de vida. Na fronteira Brasil/Bolívia, isso é notado nas relações frequentes entre os dois países, gerando complementariedades entre os dois territórios (OLIVEIRA, 2010). 154

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

A fronteira é complexa, pois ao mesmo tempo em que as complementariedades implicam em sentimentos, relações, elas constroem um ambiente de disputas constantes, devido a entendimentos diferentes entre os territórios, que constantemente fortalecem a simbologia da nacionalidade. Segundo Nogueira (2007), é justamente a convivência com a diferença nacional que instiga o fortalecimento dos símbolos próprios de cada nação, sua história e cultura, além do sentimento de pertencimento, o que torna a fronteira um lugar de referência identitária e onde o apego ao território acaba levando a afetividade à nação. As territorialidades não são sinônimas de raízes territoriais - são mutáveis e dinâmicas, construídas a partir das características de um determinado lugar e expressando um sentimento de pertencimento (SAQUET, 2007). Elas produzem e são produtos do território. São estratégias, ações pensadas, relações, uma forma de exercer o poder. Segundo Sack (1986), é uma estratégia de poder vinculada ao contexto social a qual está inserida. A territorialidade não está relacionada a apenas um território. Na fronteira, conforme observação de Leite e Costa (2009), as territorialidades são, sobretudo, fronteiriças e tensionam os dois lados.

3.

ESTRADA DO JACADIGO: LIGAÇÃO ENTRE COMUNIDADES RURAIS DE FRONTEIRA

Nos territórios fronteiriços estudados, apesar da paisagem ser aparentemente homogênea, cada comunidade instalada possui características próprias, territorialidades individuais carregadas de informações coletivas que permitem a compreensão de cada arranjo territorial. Nas fronteiras nas quais a ligação entre as comunidades são feitas por uma ou mais estradas (e não nas conurbações urbanas completas, como Ponta Porã – Brasil e Pedro Juán Caballero – Paraguai, por exemplo), parte significativa de seus cotidianos são nelas compartilhados. De acordo com Souza (2009), o cotidiano da fronteira é influenciado pela mobilidade constante da população. Nos territórios fronteiriços estudados, esse movimento é facilitado pela estrada do Jacadigo, utilizada diariamente pelos moradores de ambas as comunidades para ter acesso aos centros urbanos. TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

155

Essa estrada foi palco de lutas pela terra, do nascimento e sobrevivência dessas comunidades. Nela se verifica os maiores fluxos de pessoas, informações, mercadorias, conversas e, por isso, tem sido o elo das articulações territoriais. É o canal para as convivências diárias dos indivíduos e desses com o diferente. Portanto, por ser a via de passagem, facilita o contato entre as mobilidades humanas, conforme percebido no depoimento de Julia Mendonça (moradora de El Carmen de la Frontera): “Tenho algumas amigas no assentamento. A gente conversa no ônibus que vai para Corumbá. Já combinamos de encontrar em casa e algumas vezes uma amiga do assentamento, a Maria, já veio me visitar [...]”. A estrada reflete dificuldades comuns que são vivenciadas por ambos os lados: as más condições de sua conservação e dos transportes coletivos. Na impressão desses povos rurais, ela une o distante, a “lonjura”, minimizando o isolamento dos lugares, aproximando os moradores dos territórios fronteiriços da “civilização”. É a promotora de oportunidades, como a possibilidade do escoamento da produção, da compra, da venda, do estudo, do acesso aos serviços, da melhoria de vida e da realização dos sonhos. Ao mesmo tempo em que permite a união de culturas, de trocas e complementariedades, é também ela que anula o outro na medida em que favorece a busca de necessidades que poderiam ser compartilhadas/adquiridas nas redondezas. A importância da estrada vem de longa data, assumindo racionalidades de uso em função da disponibilidade de tecnologias e recursos em cada etapa da história. Na comunidade El Carmen de la Frontera, a dicotomia entre os tempos presente e passado é frequente no imaginário coletivo dos mais antigos. As pessoas expressam a dureza e a dificuldade dos dias atuais, como a falta de emprego e fazem comparações com a fartura de antigamente, propiciada pela disponibilidade de serviços oferecido nas fazendas do grupo Chamma, apesar de ser um trabalho árduo. E.1, morador local, ilustra essa memória:

156

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

“Eu morei do outro lado, trabalhei lá no Chamma com madeira, tirava lenha de metro no machado e carregava da mata para o caminhão. Mas recebíamos em dinheiro brasileiro e comprávamos em mantimentos. Naqueles tempos, custava cinquenta réis um quilo de carne seca e podia comprar quase meio saco de carne. Eu me lembro de tudo, hoje em dia isso não volta mais.”

Em meados do século XX, essa estrada dividia os territórios, mas também facilitava a contratação dos moradores de El Carmen de la Frontera pelo Grupo Chamma. A fala de E.2 demonstra que existia trabalho e, consequentemente mais dinheiro e fartura, ao se referir à contratação pelo Grupo: “Nós moramos 20 anos lá e tínhamos terra lá e aproveitava. O empreiteiro nordestino que trabalhava com 60 homens para cortar lenha para o Chamma, pagava o salário por produção e dava a terra e botava a gente para trabalhar. Plantávamos para comer (milho, arroz) e o que sobrava vendia na cidade. Nós tínhamos direito de armazém, ali onde está a escola Paiolzinho, e domingo a gente vinha fazer compras.”

A disponibilidade de trabalho no outro lado da estrada permitiu que houvesse novas territorializações pela construção de novas territorialidades dos moradores mais antigos de El Carmen de la Frontera, que passaram a morar na fazenda, no lado brasileiro, para trabalhar. Muitos bolivianos e brasileiros trabalharam juntos, mesclando elementos culturais, como a língua. Os bolivianos aprenderam o idioma português e também adquiriram maneiras diferentes de se vestir. Segundo a professora Rosalina Melgar Põne, a vestimenta era diferente na época de seu avô que falava castelhano, além de um dialeto chiquitano: “Eu era pequena, mas ouvia as tias de meus pais e meu avô falar o dialeto chiquitano e o castelhano também. Mesmo trabalhando na empresa brasileira com os brasileiros. Depois, os brasileiros começaram também a falar algumas palavras no dialeto e os boli-

TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

157

vianos, o português. A vestimenta era uma farda longa, de manga ¾ com babados. Hoje a geração que estuda no Brasil já fala o português, além do castelhano e usam “pantalonas”, mas não falam o dialeto. A cultura se perdeu.”

Na verdade, a cultura não se perdeu, mas se modificou. Os moradores trouxeram em suas bagagens novas vestimentas, modos de falar, inclusive tiraram documentos brasileiros. Após o término dos trabalhos no Grupo Chamma, a maioria voltou a morar na comunidade, incorporando traços da cultura brasileira. Aos poucos, a comunidade que nasceu boliviana se transformou numa comunidade verdadeiramente fronteiriça. Atualmente, a maioria dos moradores de El Carmen de la Frontera são filhos, netos ou bisnetos dos pioneiros bolivianos que fundaram a comunidade, mas, sobretudo são brasileiros pelo registro de nascimento. Moram no lado boliviano da fronteira, mas continuam tendo filhos que são registrados no Brasil. Isso aparece claramente na fala de E.2, (filha de pioneiros e de nacionalidade brasileira): “Aqui a maioria das mães quando vai ganhar nenê vai para a maternidade de Corumbá. Aí quando cumpre os sete dias já vai para o cartório de Ladário ou Corumbá fazer certidão de registro”. Desse modo, a maioria dos moradores possui documentos brasileiros, como título de eleitor, CPF e RG, ou RG estrangeiro de permanência (documento fronteiriço). Alguns idosos recebem aposentadoria. Existem pessoas que se cadastraram em programas habitacionais populares e outras que possuem lotes em assentamentos rurais brasileiros, como o São Gabriel, que fica mais distante do local (30 km, aproximadamente). Alguns filhos de El Carmen de la Frontera serviram o Exército brasileiro e votam no Brasil. É comum cartazes de políticos de Corumbá fixados em algumas casas da localidade em época de eleição.

158

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

4.

TERRITORIALIDADES DO TRABALHO

Atualmente, na comunidade El Carmen de la Frontera, a busca por trabalho no outro lado ainda é realizada. Os homens, em sua maioria, é que saem em busca de ocupação, enquanto as mulheres ficam em casa cuidando dos afazeres domésticos e dos filhos. E.3, morador local, afirma que o Brasil oferece mais oportunidades de serviço, além do acesso à cidade de Corumbá ser facilitado pela estrada do Jacadigo e pela existência de transporte coletivo diário. Para Puerto Quijarro e região não tem linha de ônibus: “No dia de finados eu e minha esposa queríamos ir ao cemitério de Puerto Suárez. Fomos a pé. Andamos 35 km e levamos 8 horas para ir e voltar”. Os assentados rurais de Corumbá também trabalham na Bolívia, conforme demonstra o depoimento de E.4, morador do assentamento Tamarineiro I: “Já trabalhei bastante dentro da Bolívia. Trabalhei de motorista, para entregar bebida. Trabalhei também 6 meses num hotel e construindo um mangueiro para o gado bovino”. Entendemos essas formas como territorialidades fronteiriças, muito particulares dos territórios de fronteira, nas quais as relações socioeconômicas foram “amistosamente” construídas ao longo dos tempos. São fronteiriças, pois não consideram a linha internacional como um limite, mas sim como vantagem para cambiar as oportunidades oferecidas pelos territórios fronteiriços. Pode-se dizer que as comunidades são simétricas em relação às oportunidades de trabalho formal, já que inexistem em ambos os lados. Contudo, quando se refere à informalidade do trabalho, como diárias e “bicos”, a relação é mais intensa de El Carmen de la Frontera para os lotes dos assentamentos brasileiros, em atividades como roçadas e plantio de lavouras, especialmente de mandioca, que são atividades realizadas pelos homens. Tanto moradores de El Carmen de la Frontera, quanto camponeses dos assentamentos brasileiros executam trabalho temporário em propriedades vizinhas, de parentes e conhecidos, ou em fazendas locaTERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

159

lizadas no Pantanal brasileiro, com bovinocultura de corte. Realizam serviços gerais, como peões, empreitadas de cercas e roçadas. Essas práticas laborais, por vezes, criam redes de sociabilidade entre os moradores dos assentamentos e da comunidade El Carmen de la Frontera, que algumas vezes atuam juntos e passam a manter contato para “arrumar” outros trabalhos em propriedades de ambos os lados da fronteira. Em relação às mulheres de El Carmen de la Frontera, quando decidem trabalhar ou estudar, quase sempre vão embora muito cedo para Corumbá ou para outros municípios e, diferentemente dos homens, não voltam mais. Algumas são funcionárias públicas na cidade de Corumbá e retornam apenas nas festas. Durante a pesquisa foi verificada apenas uma exceção, de uma mulher que trabalha como doméstica (diarista, uma vez por semana) em Corumbá, fazendo o trajeto de ida e vinda para a comunidade. A maioria das pessoas que permanecem são aquelas que têm apego ao lugar e sua história, geralmente os mais idosos. A cidade de Corumbá funciona como um polo atrativo para os moradores da área estudada, devido às oportunidades de educação, saúde, emprego e renda. As gerações mais novas dos moradores de El Carmen de la Frontera, como são brasileiros, estudam e trabalham no Brasil em serviços públicos e em empresas privadas, como as mineradoras, inclusive com carteira assinada. Com isso, acabam vivendo e estabelecendo residência fixa em Corumbá. Muitos extrapolam a escala local em busca de uma vida melhor. Por vezes, a mobilidade territorial ocorre em razão de casamentos ou de qualificação pessoal. Tal sentido pode ser visto na fala de E.5: “Tenho uma filha que mora em Campinas. Mora com o marido paulista e tem uma filha que já está na faculdade. Quase todos os meus filhos casaram com brasileiros. Os outros 2 moram em Corumbá e também tenho mais duas netas que fazem faculdade lá”. Para os moradores da comunidade rural boliviana o trabalho no Brasil é compensatório, pois o salário é pago em reais e a moeda brasileira é mais valorizada que o peso boliviano (moeda boliviana). E.6 aponta essa vantagem: “Eu trabalho numa empresa da mineração como 160

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

motosserrista. Eu alugo uma casa em Corumbá e volto só aos fins de semana. Ganho mais de um salário mínimo, então compensa. A gente se sente mais brasileiro, porque a gente tá sempre aqui”. Contudo, a falta de trabalho é a maior dificuldade enfrentada pelos moradores dessas comunidades rurais, que reclamam da ausência do poder público, fator que acaba contribuindo para o abandono dos lotes e prejudicando o apego ao lugar e desenvolvimento local.

5.

COMERCIALIZAÇÃO E DIFICULDADES DE PRODUÇÃO: PROBLEMÁTICAS COMUNS DOS FRONTEIRIÇOS

A comercialização de produtos agrícolas entre os moradores locais são mais frequentes em época de safra, quando plantam para subsistência e, eventualmente comercializam os excedentes com os vizinhos. Nos assentamentos rurais de Corumbá existe uma variedade maior de produtos oferecidos: hortaliças, queijos, pães, doces caseiros, milho, mandioca, feijão e outros. A rama de mandioca também é comercializada entre eles. Vale dizer que só existe comercialização de produtos agrícolas para o lado boliviano, já que os bolivianos não produzem excedentes comercializáveis. Além disso, os moradores de El Carmen de la Frontera afirmam não comercializar com os assentamentos rurais, pois “os assentados tem tudo”. Isso demonstra que plantam apenas para subsistência. Na visão dos camponeses brasileiros, a comercialização interna não é atraente, pelo baixo volume de compra. Sobre a venda para El Carmen de la Frontera, E.7 afirmou que vende “um ou dois pés de alface e couve e, às vezes, em tempos de festas pequenos animais”. Ele conta: “Antes eu ia de bicicleta vender leite lá. Eles compram, mas é muito pouco. Não rende, pois só compram o que estão realmente precisando para comer”. Em relação à possibilidade de comercializar no próprio assentamento, ele considera, igualmente, desfavorável: “Até tentei comercializar, mas raramente alguns deles compram verduras e, às vezes, até mandioca. É difícil, principalmente na época da seca quando estão sem dinheiro nenhum” (E.7). TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

161

Quando se consegue uma produção excedente de boa qualidade é mais fácil comercializar em Corumbá. Caso contrário, comercializam na Bolívia, pois os bolivianos fronteiriços não são tão exigentes na qualidade do produto. Assim, não há perdas na comercialização, apesar do lucro não ser grande, em parte pela desvalorização da moeda em relação ao real. Em Corumbá, existe a possibilidade de venda nas feiras livres, onde o lucro é maior. Porém, existem dificuldades de escoamento da produção (inclusive a falta de veículos para transporte). Destaca-se ainda a concorrência com o mercado externo (de outras partes do Brasil) com produtos de melhor qualidade e entregas regulares nos supermercados. Nesse sentido, os programas governamentais de compra de produtos agrícolas Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) são bem aceitos pelos agricultores, conforme demonstra o depoimento de E.8: “No ano passado foi bom, quando vendemos para a Prefeitura. Ter o comprador certo é bom”. Vale destacar que existe uma rede de informação estabelecida entre os camponeses, moradores e comerciantes das cidades que articula a compra de produtos agropecuários nos lotes da reforma agrária. Especialmente em épocas de festas, essas pessoas procuram os assentamentos rurais para comprar animais para consumo (novilhas, porcos, cabritos, carneiros, galinhas). Há também a venda de produtos não agrícolas como demonstra a fala de E.9: “Eu às vezes compro produtos da Avon de uma senhora do assentamento.” Esse tipo de venda também é realizada por comerciantes “de fora”. Nos assentamentos, é comum observar carros, de brasileiros e de bolivianos, comercializando produtos de limpeza em geral, vassouras, bacias, cobertores, edredons. Em El Carmen de la Frontera, também foi citada a venda de mudas de plantas ornamentais. A maioria dos moradores da comunidade rural boliviana e dos assentamentos rurais compram seus mantimentos (gêneros alimentí-

162

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

cios) em supermercados da cidade de Corumbá e, em menor frequência, em Puerto Quijarro e Puerto Suárez. A preferência pelo lado brasileiro se deve à facilidade de transporte e forma de pagamento. Em Arroyo Concepción (polo do turismo de compras da fronteira), preferem comprar roupas e cobertores, sendo que a via de acesso utilizada é a estrada do Jacadigo. A deficiência de assistência técnica, também evidencia a ausência do governo e muitos expressam que se sentem despreparados ou desamparados diante das dificuldades físicas do ambiente, conforme E.10: “Faz um tempo que estamos sem assistência técnica. Aqui é um lugar difícil por causa da pedra, do solo raso e a falta de chuva também. Então ficamos sem saber o que fazer, sem orientação, então o jeito é partir pra outra. Sem trabalho não dá”. No princípio dos assentamentos Tamarineiro II e Paiolzinho, a assistência técnica era feita por empresas privadas, por meio de contratos com as associações dos assentamentos, mediados pelo INCRA. A Ingá, nome fantasia da S.S. Horita ME, foi uma microempresa de assistência técnica e planejamento rural, composta por 7 profissionais (1 agrônomo, 1 veterinário e 5 técnicos agrícolas) que atuou nos assentamentos na década de 1990. Segundo o depoimento de um dos técnicos, os trabalhos sempre foram focados na aptidão da terra, ou seja, eram direcionados para a bovinocultura de leite e raramente para a agricultura. Porém, os produtores eram mais participativos: “Pequenas áreas eram cultiváveis, então, trabalhávamos com a bovinocultura de leite, pois o tamanho das áreas não possibilitava a produção de bovinos de corte. Mas, os assentados eram mais interessados no desenvolvimento dos projetos” (E.11, técnico da antiga empresa). De acordo com esse técnico, tudo era novidade para os assentados, que se sentiam confiantes e estimulados. O INCRA tinha uma cartilha da assistência técnica a ser seguida e os produtores eram cobrados a participar do desenvolvimento dos projetos. Depois, a assistência técnica passou a ser de responsabilidade do governo do Estado (por meio de órgãos como EMPAER, IDATERRA, TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

163

AGRAER, sequencialmente). Em meados da primeira década de 2000, os assentamentos Tamarineiro II, Paiolzinho e Taquaral, passaram a ser assistidos, durante 3 anos, pela SECAF (Consultoria e Assessoria para Agricultura Familiar Ltda.), por meio de um convênio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID. Após o encerramento do convênio (2011), os assentamentos permanecem sem assistência técnica pública. A EMBRAPA Pantanal também desenvolveu ações nos assentamentos rurais de Corumbá experimentando, por exemplo, secadores de forrageiras, fossas biodigestoras, apoiando a organização social, dentre outras. Vale dizer que tanto a EMBRAPA, quanto a AGRAER, o INCRA e a Prefeitura Municipal desenvolveram territorialidades em territórios de fronteira, pois suas atuações foram, exclusivamente, em uma das bandas territoriais fronteiriças. Apesar de terem uma base de ação na região, suas possibilidades esbarram nos limites jurisdicionais que terminam/começam na linha internacional. Entre 2004 e 2011, os assentamentos rurais da borda oeste do Pantanal foram assistidos pela ONG italiana CISV (Comunità Impegno Servizio Volontariato) que, com apoio da CPT (Comissão Pastoral da Terra) investiu na qualificação de jovens rurais (técnicos agrícolas) e na organização da Associação de Técnicos em Agropecuária dos Assentamentos de Corumbá (ATAAC), criada em 4 de agosto de 2004. Esses jovens (sete, ao total) foram capacitados para executar pequenos projetos de investimentos agropecuários, com fomento externo em favor de suas comunidades. Entretanto, a partir de 2012, a CISV mudou o foco de sua atuação para as comunidades ribeirinhas. Nesse sentido, a atuação dessa ONG se desenhou como uma territorialidade em território de fronteira. De um modo geral, os técnicos do INCRA e da AGRAER reconhecem a ausência da assistência técnica nos assentamentos, assim como também é visível o abandono de outras instituições nessa extensa área de fronteira, tanto da área de pesquisa quanto da extensão rural. Isso se deve a falta de chamadas públicas para esses assentamentos loca164

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

lizados na fronteira. Além disso, alguns órgãos consideram esses assentamentos consolidados e, portanto, “capazes de andar com as próprias pernas”: “Esses assentamentos são muito antigos e já deveriam estar independentes do governo, pois muito trabalho de acompanhamento já foi feito. Mesmo assim, fizemos inúmeras reuniões, mas muitos não mostram interesses pelo desenvolvimento do lugar. Muitos querem a assistência técnica apenas para acessar recursos do Pronaf. Outro problema é a irregularidade fundiária, como as regularizações dos lotes. Mas os assentamentos já estão georreferenciados e esse problema será resolvido, assim como o paternalismo.” (E.12, técnico de instituição ligada à terra).

A falta de regularização dos lotes acaba dificultando o desenvolvimento, que na visão dos técnicos e dos próprios assentados entrevistados, impede o acesso a créditos, pois não podem emitir a DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), documento que considera o produtor, um agricultor apto a financiamentos e a entregar mercadorias nos programas governamentais. Sobre a dificuldade de crédito, E.13 enfatizou: “Sem recurso, pobre não tem como investir na terra. O suor não basta”. Os técnicos, em seus depoimentos, reconhecem que a falta de recursos não é só para os produtores, mas também para as instituições, que enfrentam dificuldades financeiras, de pessoal e de infraestrutura. E.14 explica: “Falta gente para trabalhar e gente capacitada. A demanda de trabalho é grande para poucos funcionários que trabalham em lugares onde há brigas por computadores e salas”. Na visão deles, a solução seria a abertura de novos concursos para novas contratações, investimentos em infraestrutura e na qualificação pessoal. Outra problemática é a política de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) por meio de chamadas públicas por tempo determinado, que acaba interrompendo projetos, impedindo a concretização e até mesmo a avaliação dos trabalhos.

TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

165

Os técnicos também compartilham do entendimento das grandes dificuldades que os camponeses vivenciam, tais como a falta de água, os solos pedregosos, as estradas em estados precários que dificultam o escoamento da produção. Problemas que são vivenciados desde o princípio dessas comunidades, conforme E.15: “Ali, não foi só nós que estranhamos. Os assentados também estranharam a “dureza” do lugar traduzida na falta de água e de chuva que trouxe frustrações de safras, perdas de criações, mecanização difícil e força de trabalho deficiente. Com isso, até os fortes enfraqueceram e foram embora.”

E.16 aponta que o êxodo se deu não só por esse fator e a problemática fundiária, mas pela falta de coletividade dos produtores impulsionada pelo “clichê” de desenvolvimento imposto: “Plantar para subsistência da família e a comercialização do excedente”. Na visão dele, isso estimula a individualidade e desestimula a produção para a comercialização e, portanto, para o desenvolvimento econômico do lugar. E.17 considera a localização dos assentamentos desprivilegiada por causa das diferenças de culturas e de leis, atrapalhando a integração. Isso demonstra o desconhecimento sobre a fronteira, sobre o “outro” e a possibilidade de desenvolvimento em áreas fronteiriças. Porém, a maioria reconhece a fronteira como oportunidades para o mercado e até mesmo para cooperação técnica. A comunidade El Carmen de la Frontera também não recebe nenhum tipo de assistência técnica governamental. Por 5 anos, o gasoduto Bolívia-Brasil realizou projetos com a comunidade, encerrados após a finalização das obras. A indignação quanto ao abandono é perceptível no depoimento de E.18: “Eu trabalhava na horta. Aí veio um engenheiro do gasoduto pra cá e ficou 5 anos. Ajudava a gente a plantar. Aí faz uns 3 anos que a água sumiu do poço e até hoje não arrumaram e eles também pararam de trabalhar. Éramos um grupo de 12 mulheres da co-

166

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

munidade que trabalhávamos em duas quadras. Era muito bom, eles davam tudo e tínhamos ganho e trabalho porque vendíamos todo fim de semana em Puerto Quijarro e em Puerto Suárez. Sempre eram duas de nós que iam vender e pagávamos um carro pra levar a produção. Mas dividíamos o lucro e ainda assim valia a pena. Cada um fazia 200 a 300 bolivianos por semana. Depois eles foram embora e ficou difícil pra gente.”

Logo, percebe-se que as várias territorialidades construídas para sobrevivência no meio rural nesses territórios de fronteira não são consistentes, duráveis, a ponto de garantir certa estabilidade socioeconômica. Frequentemente, são necessárias novas criatividades para permanência no meio rural.

6.

LAZER, INTERAÇÃO SOCIAL E IDENTIDADE: APROXIMAÇÕES ENTRE FRONTEIRIÇOS

A existência de campos de futebol em El Carmen de la Frontera e no Bar dos Amigos, no Tamarineiro II Sul, localizado na estrada do Jacadigo, permite que o futebol seja uma das práticas esportivas e de lazer mais realizadas nessas comunidades rurais. O futebol é muito apreciado pelos jovens de ambos os lados como diversão. Acontecem “peladas” (os times são formados no momento dos jogos) e torneios em ambas as localidades. Os jogos são marcados pelos “donos” de time, os técnicos, que se comunicam para acertar a data, o local e a hora. Essa interação pelo futebol é favorecida pela infraestrutura de cada localidade e pela proximidade geográfica entre as comunidades rurais, facilitando a construção de relações sociais entre moradores dos dois lados. No assentamento Paiolzinho também existe um campo de futebol comunitário, porém menos procurado.

TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

167

Normalmente, os jogos acontecem aos domingos, por volta das 10 horas da manhã. Ao final da partida acontece a rodada de cerveja, da conversa e do tereré. Na maioria das vezes, os times são diferenciados com uniformes e técnicos (FIGURA 2). Contudo, quando os times estão incompletos, os participantes são misturados por escolha ou sorteio. FIGURA 2 – Jogo de futebol entre assentados e moradores de El Carmen de la Frontera

Autor: Sabatel, V. O, 2012.

as mulheres também jogam futebol, mas algumas vão apenas para olhar. Dali, surgem os bate-papos, as amizades. Os moradores interagem e realizam apostas. Os vencedores levam como prêmio as cervejas trazidas ou compradas na própria comunidade. Esse momento de lazer é também o momento do encontro, das aproximações de casais e do surgimento dos relacionamentos amorosos, como namoros e casamentos. Os depoimentos de filhas de assentados casadas com moradores da El Carmen de la Frontera são ilustrativos: “Eu morava com meus pais a 1 km do Carmo, no assentamento Tamarineiro II Sul. Às vezes, tinha torneio de futebol lá no as168

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

sentamento, às vezes aqui. Às vezes eles iam pra lá, a gente vinha pra cá. E daí, acabamos fazendo amizade, começamos a nos conhecer. Ele ia em casa, eu vinha pra cá, aí começamos a namorar. (E.19, moradora de El Carmen de la Frontera). Minha mãe mora pertinho daqui, perto do gasoduto da estrada do Jacadigo. Eu vinha aqui para jogar bola com as meninas e a prima dele, minha amiga, que conheci em 2005, vendendo com minha irmã aqui na El Carmen. Ela me apresentou o meu marido. Namoramos um ano e casamos. (E.20, moradora de El Carmen de la Frontera).”

Quando indagadas sobre a questão do preconceito, elas afirmam que não ocorre dentro da comunidade boliviana, pois a maioria dos moradores é brasileira e fala a mesma língua. Disseram que não notavam sua existência quando moravam no lado brasileiro. Entretanto, quando passaram a “ser do outro lado”, notaram o preconceito dos brasileiros em relação aos moradores daquela localidade. Isso se manifestou claramente em dois momentos, para uma das entrevistadas. O primeiro foi quando ela resolveu se casar e a mãe não aceitava. Na verdade, isso não revela claramente o preconceito, mas foi o entendimento da entrevistada. O outro momento ocorreu quando precisou dos serviços públicos de saúde, na unidade de um assentamento rural no lado brasileiro. Segundo E.20: “A gente depende aqui do assentamento pra tratar a saúde. Não está tendo médico. O pessoal é preconceituoso com os moradores aqui do Carmo. Agora que estou morando aqui, vejo as coisas por um outro lado, porque se chega alguém daqui da comunidade pra atender no posto de saúde, eles ficam fazendo hora. Às vezes eles querem atender, às vezes não. Como eu vim cá, tirei ficha, não quiseram me atender e me mandaram para Corumbá e depois me mandaram para cá de novo. Mas não levo mais aqui... levo no posto da Ladeira em Corumbá. Fico sem jeito de levar meu filho aqui.” TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

169

Contudo, existe interação entre os indivíduos das comunidades rurais brasileiras e a boliviana. Elas não estão isoladas. Existe o contato, a comunicação, onde as relações sociais se reproduzem constituindo um espaço para a introdução de trocas e da construção de laços, como os “casamentos”. É possível pensar, pelos depoimentos de camponeses brasileiros, que os indícios de preconceitos estão relacionados com as diferenças de cultura que reflete no comportamento das pessoas. Para eles, o “outro” é aquele que habita um chão diferente, outra nação, tem hábitos distintos e obedecem outras leis. O depoimento de E.21, um pioneiro do assentamento Tamarineiro II deixa claro a força dessa forma de preconceito: “Desde a minha época, íamos jogar na El Carmen de la Frontera, mas antes eles não se enturmavam, ficavam só entre eles. Tínhamos dificuldades para nos comunicar. Eram estrangeiros e não entendiam a nossa língua. Eram desconfiados, agora já acostumaram e estudam e trabalham em empresas no Brasil. Eles são pessoas diferentes da gente, se comportam diferente, são acomodadas. Nós somos animais racionais, eles têm característica de índio, parece bicho.”

É interessante destacar que um dos moradores de El Carmen de la Frontera fala, também, o guarani: “sou brasileiro! O guarani... aprendi com um amigo paraguaio quando servi o Exército no Brasil e o espanhol... aprendi aqui, na convivência com o pessoal” (E.22). Até meados de 2012, havia índios na comunidade, provenientes da aldeia Rincón del Tigre, que falavam, também, o dialeto próprio de sua aldeia. Essa pluralidade linguística presente na comunidade se constrói pela grande mobilidade dos moradores, que apesar de viverem na Bolívia, aprendem o idioma no Brasil, por meio do estudo, do trabalho, na convivência com outros brasileiros e até mesmo com os próprios membros da família. Além disso, os traços de outras culturas são perceptíveis no lugar e são trazidos por migrantes que se instalam na comunidade.

170

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

A comunidade acolhe, por tradição, pessoas que vêm de outras regiões da Bolívia, atraídas pelas oportunidades de trabalho nessa área fronteiriça, conforme conta E.23: “Nós viemos da aldeia Ríncon del Tigre, em busca de trabalho. E o dono do lote onde estamos deixou construirmos ao lado de sua casa, para que meu marido trabalhasse numa fazenda, no Brasil. Ficamos aqui um ano. Eu não queria ir embora, mas agora ele não quer que fiquemos mais aqui. (E.23, ex-moradora de El Carmen).”

Essa condição de receptividade histórica de El Carmen de la Frontera remete à existência de uma rede de sociabilidade informal. Tal assertiva se deve à continuidade dessa atração, mesmo não havendo um discurso formal partindo dessa comunidade. É possível acreditar que a notícia da existência da possibilidade de moradia e emprego circulava de “boca em boca”, desde os tempos de atuação do Grupo Chamma e grandes desbravadores e/ou impulsionadores dessa fronteira. Alguns desses migrantes permaneceram no lugar e ali construíram casa e família, como é o caso de um brasileiro, que há 25 anos, mora na comunidade boliviana. Porém, alguns ficam por um tempo e vão embora, por vontade própria ou por conflitos com moradores locais. A influência da cultura brasileira no lugar é notável e também é facilitada pelos meios de comunicação, como a televisão e as rádios, pois no lugar só sintonizam, com maior clareza, os canais brasileiros. A força dessa influência, assim como das oportunidades oferecidas pelo lado brasileiro é perceptível na fala de E.24, um nômade que deixou a comunidade: “Não queria ir embora daqui. Meus filhos vão parar de estudar na escola e vou deixar o meu trabalho na fazenda no Brasil onde ganho em reais. Também gosto das novelas e das músicas brasileiras que não tocam lá para aonde vou”. Quanto aos assentados, apesar da proximidade com a comunidade boliviana, a língua predominante é a portuguesa. Segundo os en-

TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

171

trevistados, eles não necessitam falar outra língua, pois não tem uma relação cotidiana com os bolivianos. Mas muitos dos entrevistados dizem entender o espanhol dos moradores de El Carmen de La Frontera, como demonstra o depoimento de E.25, morador do assentamento Tamarineiro II: “Quando o assentamento surgiu, era mais difícil entender a língua deles. Agora eles estudam, trabalham no Brasil e muitos falam o português e o ‘portunhol’”. A defesa e a distinção dos territórios estão sempre presente na fala dos moradores de ambos os lados da fronteira: “aqui é Bolívia, lá é Brasil” e vice-versa. Porém, moradores brasileiros que estão próximos à comunidade boliviana e também alguns moradores da própria comunidade não têm certeza da localização exata da linha que divide os dois territórios, apesar da existência dos marcos. Isso fica evidente no depoimento de duas moradoras: “O fundo do meu lote tem uma estradinha que dá no quintal de uma amiga que mora no ‘Carmo’. O meu quintal está na Bolívia. E minha amiga diz que a casa dela, metade está no Brasil, metade na Bolívia. (E.26, moradora do Tamarineiro I)”. Meu pai dizia que as nossas terras passavam em frente ao cemitério que existe no Tamarineiro II. Depois que cortaram as terras, a área que ocupávamos passou a ser Brasil. (E.27, moradora de El Carmen de la Frontera).”

Antes da chegada do Grupo Chamma não existiam propriedades demarcadas na região e as pessoas procuravam áreas próximas de estradas e de córregos para morar. Após a instalação dos assentamentos, o INCRA “cortou” os lotes e assentou a maioria das famílias brasileiras que ocupavam a área. Os bolivianos tiveram que voltar para a Bolívia, como foi o caso de alguns moradores de El Carmen de la Frontera que trabalhavam na fazenda do Grupo Chamma. Porém, alguns deles se casaram com brasileiras, outros tinham documentos brasileiros que foram expedidos para trabalharem na fazenda brasileira e acabaram 172

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

ficando no Brasil, como demonstra a fala de E.28, uma moradora do assentamento Tamarineiro I, que vivenciou esse processo: “Nasci nesse lugar. Sou filha de família de El Carmen de la Frontera, mas meus documentos são brasileiros. Mas naqueles tempos não tinha terra separada, era tudo igual e moravam tudo esparramado, ninguém tinha lote. Casei com um fronteiriço, igual eu, brasileiro e boliviano ao mesmo tempo, nascido aqui também. Depois dos assentamentos aparecerem, continuamos aqui e nunca tocaram a gente daqui. Aí conseguimos um lote e ficamos onde estamos até hoje. Mas meus parentes estão todos na comunidade boliviana El Carmen de la Frontera.”

Pelos depoimentos, tem-se a impressão de que o Grupo Chamma foi um dos principais facilitadores da documentação brasileira dos bolivianos que trabalhavam em suas terras. Atualmente, moradores de El Carmen de la Frontera, ainda se reterritorializam nos assentamentos, como demonstra o depoimento de E.29, que ocupa um lote no Tamarineiro I, assim como seus enteados e irmã: “Morava na El Carmen de la Frontera e estou aqui no Tamarineiro I há 4 meses. Mas somos nacionalizados brasileiros, então meu cunhado, que é brasileiro e casado com minha irmã, perguntou se eu não queria ficar aqui. Mas a minha esposa ainda tem uma casa lá, mas como queríamos ficar independente da família com quem nos desentendemos e aqui estava vazio, vim pra cá. Mas esses lotes são cheio de dívidas e não sei como fazer pra ficar aqui de vez.”

Muitos moradores de El Carmen de la Frontera possuem parentes próximos ou distantes nos assentamentos rurais, demonstrando a existência de relações de parentesco e o intenso fluxo para o Brasil, como explicita E.30: “Meu compadre, que mora no assentamento Tamarineiro II, é um grande companheiro. As minhas filhas moram com ele porque estudam no Paiolzinho. Passam a semana por lá e voltam aos fins de semana”. TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

173

Em El Carmen de la Frontera é vibrante o choque de identidade territorial. De um lado, existem aqueles que defendem a história, a cultura e as raízes. Muitas vezes, a expressão como: “aqui é uma comunidade boliviana”, manifesta a defesa da família e da religião, a fim de garantir a existência dessa comunidade e a manutenção das relações de poder, historicamente instituídas. De outro lado, muitos desses moradores se reconhecem e preferem se identificar como fronteiriços, pois é a identidade que permite o movimento em mão dupla dos que “vivem no meio”. A fronteira permite também a camuflagem da identidade: às vezes brasileira e às vezes boliviana. Nesse caso, a identidade está ligada ao lugar que dá significado a sua existência e que permite usufruir os benefícios dos dois lados. Do lado boliviano é a terra, a casa e a família; do lado brasileiro, os serviços, o trabalho e a renda, conforme demonstra os depoimentos dos moradores de El Carmen de la Frontera: “Eu sou fronteiriço, vivo no meio, sou de lá e de cá”(E.31), e “Os bolivianos vem e falam: Você fala português? Eu respondo: Falo, senhor. Moro na fronteira. Eu vou no Brasil e tenho que falar português”. (E.32). Já os assentados dificilmente se identificam como fronteiriços. O termo fronteiriço está relacionado apenas ao fato de morar num lugar próximo a linha que divide os países. A fronteira é apenas uma posição geográfica. Na maioria dos depoimentos, eles demonstram que não necessitam dos serviços e da infraestrutura do lado de lá. Os assentados preferem ser brasileiros, como pode ser percebido na fala de E.33, uma brasileira que mora em El Carmen de la Frontera, quando questionada se considera fronteiriça: “Nem uma coisa nem outra, porque eu me sinto brasileira. Eu moro aqui porque não tenho outra opção. Aqui mesmo só para morar”. Muitos dos entrevistados, moradores de assentamentos rurais brasileiros, relacionam a fronteira e os vizinhos com a contravenção. Essa condição é marcante na fala de E.34: “Não me considero fronteiriço, porque não desenvolvo nada com eles. Nem com os moradores de El Carmen. Ali é passagem para a Bolívia de muita coisa ruim”. 174

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

A religião permite a construção de territorialidades, sobressaindo como uma forma de domínio e poder, principalmente em El Carmen de la Frontera. Além da católica, existem outras religiões como a evangélica (Congregação Cristã), que é praticada por um brasileiro, que realiza cultos em sua residência quase que semanalmente. Os conflitos das relações de poder transparecem na fala de E.35: “Faço culto em casa. Sou da igreja Congregação Cristã que fica perto da feirinha em Corumbá. E vem pessoas tanto de Corumbá quanto dos assentamentos fazer pregações no culto dominical aqui de casa. A gente faz oração e aparece ajuda de todo o lado. O pessoal daqui não gosta muito, porque segundo eles a religião aqui é a católica. Queria construir uma igreja, mas não consegui. Então o meu pastor disse para eu esquecer, para evitar problemas.”

Logo, as igrejas, alheias às disputas locais de poder, articulam territorialidades fronteiriças, já que não veem os limites internacionais como obstáculos para a “conquista de fiéis”. Em outras palavras, a ação transfronteiriça é própria da forma de manifestação de poder das igrejas. Em El Carmen de la Frontera é notável as práticas de solidariedade e ajuda mútua entre vizinhos. Provavelmente, isso é reforçado pelos laços de parentesco existentes entre os moradores, que favorecem a interação social e a interdependência familiar. De acordo com Queiroz (1973), “a reciprocidade é um elemento fundamental nas relações de parentesco”. Tais práticas também reforçam o sentimento comunitário no local e contribuem para que El Carmen de la Frontera se mantenha como uma comunidade campesina. Essa assertiva encontra lugar no pensamento de Candido (1975), para quem a estrutura fundamental da sociabilidade caipira consiste no agrupamento de famílias, mais ou menos com vínculo pelo sentimento de localidade, convivência e práticas de auxílio mútuo.

TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

175

Uma das práticas de cooperação desenvolvidas é o mutirão coletivo, realizado para a festa da padroeira e organização da limpeza do centro comunitário. Outra prática tradicional ocorre quando membros de uma mesma família se reúnem para executar trabalhos agrícolas coletivos, como o plantio de roças em épocas propícias. Porém, segundo os moradores mais antigos, essa prática tem perdido expressão, pois a maioria prefere apenas o trabalho temporário fora da comunidade. As relações de solidariedade se estendem na hospitalidade aos migrantes que buscam oportunidades de trabalho, na limpeza de quintais, na guarda das casas e dos filhos menores de idade, quando parentes deixam a propriedade temporariamente para trabalhar. Conforme Caillé (1998), a reciprocidade ou dádiva está relacionada à gratuidade e é toda ação sem expectativa de retorno com o objetivo de criar ou manter uma sociabilidade. Porém, para Salles e Sales (2012), a reciprocidade existe e permanece por meio de doações contínuas. Nos territórios fronteiriços estudados, as relações de reciprocidade ou dádiva, se evidenciam em diversos momentos entre os moradores como: convites para a participação em um jogo de futebol ou festas religiosas, no compartilhamento de um produto agrícola, almoço ou churrasco e no apadrinhamento de crianças. As festas das padroeiras, por exemplo, são formas de dádiva que podem contribuir para o desenvolvimento da economia do lugar. Godbout (1999, p. 16) considera a dádiva como uma “[...] relação social por excelência”. Salles e Sales (2012), acertadamente, apontam que as comunidades que utilizam o sistema da dádiva em suas atividades cotidianas aproximam pessoas, constituem laços e alianças e podem ser um canal para a formação de redes de cooperação que as levam a estabelecer vínculos solidários. Essas relações dadivosas de reciprocidade/solidariedade têm grande importância para as proposições de intervenção social no campo.

176

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

7.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatou-se que essa fronteira é resultado de processos e dinâmicas territoriais, ligadas a períodos distintos e que geraram territorialidades muito particulares na atualidade. É nesse local que as fronteiras agrícola e internacional se dão no mesmo espaço, separadas pela linha que indica a posse territorial onde o Estado exerce sua soberania, subversivamente transgredida pelos habitantes locais, cada qual na sua racionalidade/necessidade. Diante das dificuldades de produção (custo e risco de perdas), as trocas comerciais são estratégias de sobrevivência do agricultor na fronteira. Contudo, não há dinamismo comercial entre as comunidades e a fronteira se mostra como um espaço de convivência, no qual existem fragmentos da fronteira agrícola ao longo do limite internacional entre Brasil e Bolívia. Não obstante, apresentam fortes interações evidenciadas nas relações sociais, como: casamentos, jogos de futebol, festas comunitárias e também nas complementariedades de serviços públicos, que acontece em mão única na direção do lado brasileiro, com melhor infraestrutura. Essa preferência é reforçada pela existência de transporte coletivo para a cidade de Corumbá com maior oferta de serviços, educação e oportunidades de trabalho. A proximidade geográfica, nesse caso, favorece o contato e a construção de relações entre as comunidades. A estrada do Jacadigo, que complexifica as territorialidades locais, é o principal meio de articulação territorial. Os fluxos, resultados das práticas estabelecidas entre os moradores, constituem um modus vivendi, que gera a interação prática e geográfica dessa fronteira. Contraditoriamente, apesar da marcante interação entre os moradores, ainda persistem as desconfianças mútuas que, às vezes, geram conflitos e atrapalham o diálogo e a integração entre os moradores do lado boliviano e do brasileiro e tensionam as relações. Esse estranhamento, além da questão política e institucional, marca os limites nacionais e destaca a diferença entre as comunidades. Mistura e individualiza

TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

177

as territorialidades camponesas com fortes características fronteiriças. Reforça territorialidades institucionais presas aos limites. Assim são as fronteiras: repletas de significados, marcadas pelas complementariedades entre seus povos, e separadas pelas normas e pelas políticas públicas limitadas pelos limites internacionais.

REFERÊNCIAS ALBAGLI, S. 2004. Território e territorialidade. In. LAGES, V; BRAGA, C; MORELLI, G. (org). Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva. Rio de Janeiro, Relume Dumará; Brasília, DF, SEBRAE, pp. 23-69. BENEDETTI, A. 2011. Lugares de frontera y movilidades comerciales en el sur sudamericano: una aproximación multiescalar. In. COSTA, E.A.; COSTA, G.V.L.; OLIVEIRA, M.M.M. (Orgs.). Fronteiras em foco. Campo Grande, Ed. UFMS , pp.33-55. CAILLÉ, A. 1998. Nem holismo nem individualismo metodológicos: Marcel Mauss e o paradigma da dádiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, 13(38): 5-38. CANDIDO, A. 1975. Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo, Livraria Duas Cidades. DIAS, L.C. 2007. Os sentidos da rede: notas para discussão. In. DIAS, L.C.; SILVEIRA, R.L.L. (org.). Redes, sociedades e territórios. Santa Cruz do Sul, EDUNISC, pp. 11-28. FERNANDES, B. M. 2005. Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais: contribuição teórica para uma leitura geográfica dos movimentos sociais. Revista NERA, Presidente Prudente, 8(6): 24-34. GODBOUT, J. 1999. O espírito da dádiva. Rio de Janeiro, Editora FGV. HOUSE, J.W. 1980. The frontier zone: a conceptual problem for policy makers. International Political Science Review, 1(1): 456-477. LEITE, M. R.; COSTA, E. A.da. 2009. Ordenamento, territorialidade e qualidade de vida. In: COSTA, E.A.C.; SILVA, G.A.M; OLIVEIRA, M.A.M. (Org.). Despertar para a fronteira. Campo Grande, Ed. UFMS, v. 1, pp. 181-199.

178

Vânia de Oliveira Sabatel • Edgar Aparecido da Costa

MEDEIROS, R. M. V. 2006. Camponeses, cultura e inovações. Campo-Território. Revista de Geografia Agrária. Uberlândia, 1(1): 41-59. NOGUEIRA. R. J.B. 2007. Fronteira: espaço de referência identitária. Ateliê geográfico. Goiânia, 1(2): 27-47. OLIVEIRA, Tito Carlos Machado de. 2010. A lógica espacial do território fronteiriço – os casos das aglomerações de Ponta Porã-Pedro Juan Caballero e Ládário-Corumbá-Puerto Quijarro-Puerto Suarez. In: SEBRAE (Org.). Mato Grosso do Sul sem fronteiras - características e interações territoriais. Campo Grande, Visão - SEBRAE, v. 1, pp. 239-255. OLIVEIRA, T. C. M. de. 2005. “Tipologia das relações fronteiriças: elementos para o debate teórico-práticos”. In: ______. Território sem limites. Campo Grande, Editora da UFMS, pp. 377-408. QUEIROZ, M. I. P. de. 1973. O campesinato brasileiro. Petrópolis, Vozes. RAFFESTIN, C. 1993. Por uma geografia do poder. São Paulo, Ática.

SACK, R. 1986. Human territoriality: its theory and history. Cambridge, Cambridge University Press. SALLES, M. do R. R.; SALES, G. A. F. de. 2012. O sistema da dádiva nas relações comunitárias e a constituição de alianças pelo trabalho tradicional. CULTUR, Revista de Cultura e Turismo, 6(2): 20-42. SAQUET, M. A. 2007. Abordagens e concepções de território. São Paulo, Expressão Popular. SOUZA, E. B.C. de. 2009. O território e a região: análise de políticas públicas. In: SAQUET, M. A.; SPÓSITO, E. S. (Org.). Território e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo, Expressão Popular; Unesp, pp. 341-365. FERNANDES SILVA, J. A. 2008. Identidades e conflito na fronteira: poderes locais e os chiquitanos. Mem. am., 16(2): 119-148. TRIVIÑOS, A. N. S. 1987. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo, Atlas. SCHERER – WARREN, I. 2007. “Redes sociais: trajetórias e fronteiras”. In: DIAS, Leila Christina; SILVEIRA, Rogério Leandro Lima da (orgs.). Redes, sociedade e territórios. 2 ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, pp. 29-50. TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS E INTERAÇÕES SOCIOECONÔMICAS...

179

DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS E DESACORDOS LOCAIS1 Marco Aurélio Machado de Oliveira Fábio Machado da Silva Davi Lopes Campos

1.

INTRODUÇÃO

A região de fronteira em Corumbá é local onde atores sociais de nações distintas se relacionam no seu cotidiano, em um intercâmbio envolvendo costumes, identidade, folclore, religião, entre outros. Nessa localidade, convivem ideias e ações quem impactam diretamente a região, sobretudo por meio das instituições. Os acordos internacionais e a ações locais são formas pelas quais se efetivam essas ideias e ações, onde as instituições aparecem como ator de relevo na região de fronteira, porque são os executores. Nessa linha de ideias, as instituições são parte importante em uma região de fronteira, porque são as que lidam diretamente com a realidade local. A presente pesquisa surgiu das reflexões sobre o acordo internacional que foi publicado no Brasil por meio do Decreto nº 6.737/2009, com a criação do Documento Especial Fronteiriço (DEF). O documento citado ganha especial atenção ao ser vinculado ao espaço fronteiriço e ao estrangeiro-migrante, que em razão de possuírem um complexo de 1 Integra a pesquisa na dissertação “DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS E DESACORDOS LOCAIS”, defendida em 2013.

DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

181

possibilidades, podem revelar aspectos da região de fronteira, do imigrante, identidade, instituições do Estado e as relações de poder presentes na região. O acordo internacional que criou o DEF pode ser um aspecto isolado, o que se apresenta na superfície, tendo em conta que esse documento é parte de processo político anterior de integração, que parece confirmar o novo papel do Brasil na América Latina. Ocorre que nem sempre existe coordenação entre as relações internacionais e locais, e isso fica mais evidente em uma região como a de Corumbá, situada na fronteira Brasil-Bolívia. Durante a pesquisa de mestrado em Estudos Fronteiriços (UFMS), defendida em 2013, realizamos algumas análises logo após a implementação do DEF e os reflexos no processo de construção identitária, práticas locais e o papel das instituições. A pesquisa ocorreu na região envolvendo as cidades de Corumbá e Ladário, no Brasil, Puerto Quijarro e Puerto Suárez, na Bolívia, com apoio dos professores do Laboratório de Estudos Fronteiriços da UFMS em Corumbá. A pesquisa objetivou de forma central demonstrar como surgem os reflexos de um acordo internacional na fronteira, analisando o preparo das instituições e as necessidades e peculiaridades da região. O estudo resultou na dissertação de mestrado que ficou organizada em 3 partes. Na primeira, abordamos algumas noções que envolvem o processo de construção identitária e o discurso da legalidade para efetivação de medidas. Ainda nessa parte, registramos algumas observações de discursos locais de comerciantes estrangeiros e das instituições e as representações, repercussões e significados para a fronteira em Corumbá. Na segunda parte, apresentamos alguns diálogos e ações das instituições e registramos a atuação do poder público em dois eventos. Analisamos a dinâmica social na região de fronteira, troca de experiências envolveram relações de poder (comerciantes, políticos, instituições, população) e algumas reflexões sobre possíveis efeitos sociais (preconceitos, criminalização de conduta, necessidade de regularização de atividades e de estrangeiros) e construção de identidade(s) própria(s) (o comerciante, o 182

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

fronteiriço, o corumbaense, o boliviano e o brasileiro, por exemplo). Na terceira parte, apresentamos os desafios constatados em algumas etapas que estavam no planejamento. Focamos, então, na análise e coleta de informações com observações de servidores da Polícia Federal e de migrantes bolivianos que buscam atendimento nesse órgão. Nossa metodologia foi pautada nas observações inspiradas na etnografia (SCHNEIDER, 2004; SILVA, 2009; MAGNANI, 2009) do cotidiano da região e atuação das instituições, especificamente do estrangeiro que procura a imigração brasileira em Corumbá, desejando informações sobre os acordos internacionais que possam beneficiá-lo, como o acordo sobre o DEF. Com base nessas observações, realizamos coletas de dados, questionários e algumas entrevistas no município de Corumbá/MS. Após o devido tratamento desses dados, observações e entrevistas, comparamos com outras pesquisas registradas e teorizamos com a base bibliográfica fornecida pelos estudos no campus CPAN/ UFMS em Corumbá. O presente trabalho é parte integrante da dissertação com algumas poucas adaptações.

2.

Acordos Internacionais E (DES)PREPARO INSTITUCIONAL

Durante as reflexões e pesquisa sobre o que representa o DEF para a população fronteiriça de Corumbá até a fronteira boliviana em Porto Suárez, ocorreram fatos emblemáticos no citado município brasileiro. Tratam-se de operações denominadas “Brasbol”, ocorridas em dezembro de 2009 e em maio de 2013, que resultou no fechamento definitivo da feira onde eram vendidos artesanatos e produtos oriundos da Bolívia. Situada entre as ruas Edu Rocha, Cuiabá, 21 de Setembro e Alameda Joaquim A. Pereira, ao lado do cemitério Santa Cruz e da Justiça do Trabalho, a Feira Brasbol, tal como existe atualmente, foi criada pela Prefeitura Municipal de Corumbá, em 1995 e assim regulamentada, destinando-se ao comércio de produtos varejistas, confecções, calçados e armarinhos em geral e artesanatos, está em um local fixo, onde seus comerciantes possuem bancas próprias, Campos (2011) constatou que: DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

183

As pessoas que ali atuam, afirmam possuir certo conforto quando comparadas com os ambulantes e que o espaço que ocupam lhes dá um “status”. Considerável parcela dos comerciantes não se considera vendedor ambulante, pelo fato de ter um “endereço”, facilitando tanto para os clientes, quanto para as regras do comércio, definidas pelos órgãos fiscalizadores. Outro fator importante é a segurança oferecida pela direção da Feira, que leva comerciantes e clientes a afirmarem que não precisam se preocupar com tentativas de furto. (Campos, 2011, p. 32).

Em 15 de dezembro de 2009, portanto às vésperas do Natal, ocorreu a “operação Brasbol”, deflagrada por requisição do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual, com apoio da Polícia Federal e da Receita Federal. Com um discurso de “moralização” do comércio ilegal de mercadorias contrabandeadas da Bolívia e vendidas em Corumbá, na conhecida “feirinha”, a operação apreendeu todas as mercadorias que seriam vendidas pelos comerciantes bolivianos em um dos seus períodos mais intensos de comercialização. Para tentar compreender as complexas relações existentes no circuito dessa feira, contamos ainda com as informações presentes no trabalho realizado por Campos (2011), no qual averiguou que os comerciantes bolivianos traziam mercadorias não apenas da Bolívia, sendo origem das mesmas algumas cidades brasileiras como Goiânia (GO) e São Paulo (SP). A experiência do evento possibilitou o registro de diversos diálogos de funcionários das instituições da Polícia Federal e da Receita Federal, como: “que absurdo isso!”, “só estou indo nessa operação porque sou obrigado, mas é ridículo e uma hipocrisia, porque todos os dias,vemos esse povo vendendo mercadorias e ninguém nunca faz nada”, “que coisa horrível tomar tudo dessa gente às vésperas do Natal”, “isso é uma palhaçada, quero prender bandido e me mandam tirar mercadoria de camelôs que estão todos os dias aí, e amanhã estão todos de volta”, “que coisa, poderiam ter feito um trabalho preventivo de explicação, dado um prazo para regularização, esse pessoal quer é aparecer”. Na mesma toada, vinham os bolivianos indagarem: “Senhor, é tudo o 184

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

que eu tenho, pago taxa para a Prefeitura todo o mês, porque estão levando tudo?” “Senhor, o que vou dar de comer à minha família?”, “Senhor, acordo todos os dias às 5 da manhã para vender minhas coisas, porque isso agora, o que eu fiz?”, “Senhor, senhor, por favor, tenho os comprovantes e notas fiscais da mercadoria, tenho carnê da Prefeitura de Corumbá, estou registrado, porque estão levando?”. Como reflexo dessa atuação, vieram artigos criticando o desempenho do poder público naquele evento, por conseguinte, da instauração de procedimento nos Ministérios Públicos Estadual e Federal. O cônsul da Bolívia deixou registrada sua indignação no jornal Diário Corumbaense, à época: “Nós estamos preocupados com a dimensão dessa operação muita publicitária e que arranha a imagem da feirinha Brasbol e da comunidade boliviana erradicada em Corumbá. Podem pensar que todo boliviano é contrabandista e nem todos os bolivianos são contrabandistas aqui em Corumbá”. Após a operação, o Ministério Público Federal instaurou Inquérito Civil Público para emissão de documento especial fronteiriço aos bolivianos que trabalhavam na feira “Brasbol”, objetivando regularização de todos os estrangeiros com a expedição do referido documento. Entendia-se que uma etapa de regularização documental dos feirantes seria necessária para ordenar aquele espaço. Diante de tais informações e fatos vividos na fronteira, parece que a dinâmica social nessa região é pautada por troca de experiências que podem envolver relações de poder (comerciantes, políticos, instituições, população) com produção de efeitos sociais (preconceitos, criminalização de conduta, necessidade de regularização de atividades e de estrangeiros) e construção de identidade(s) própria(s) (o comerciante, o fronteiriço, o corumbaense, o boliviano e o brasileiro, por exemplo). Parece-nos que é possível avaliar e compreender, nessa linha de ideias, como que a região de fronteira deixou de ser considerada apenas como parte das estratégias e interesses do Estado central e passou a ser considerada pela população fronteiriça também.

DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

185

3.

ACORDOS INTERNACIONAIS

No ano de 2009, foram promulgados e internalizados diversos outros acordos internacionais no sentido de integração. Além do acordo que criou o documento em pesquisa, vieram com especial destaque os seguintes diplomas normativos internacionais: Decretos n.º 6.964 e 6.975 de 29/09/2009 e 07/10/2009 (instituem os acordos sobre residência para nacionais dos Estados-partes do MERCOSUL e do MERCOSUL Bolívia e Chile - Estados associados), respectivamente, bem como o conhecido “decreto da Anistia” - Decreto nº 6.893/2009 e a Lei nº 11.961/2009. Para solucionar a situação migratória de milhares de estrangeiros que se encontravam irregularmente no Brasil, o governo federal regulamentou também por meio do Decreto nº 6.893, a Lei nº 11.961, ambos de 02 de julho de 2009, conhecida como Anistia. A medida tem como principal objetivo beneficiar aquelas pessoas que deixam sua pátria e costumes em busca de uma vida melhor e, muitas vezes, acabam vítima de falsas promessas e exploração. A nova lei assegura aos estrangeiros anistiados todos os direitos, com a exceção daqueles privativos de brasileiros. O processo de regularização, nesse caso, do fronteiriço é simples, consiste na concessão pela Polícia Federal de uma residência provisória de dois anos. Noventa dias antes do fim desse prazo, o estrangeiro poderá solicitar a transformação em residência permanente, que consiste na apresentação de documentos comprobatórios de residência como correspondências ou faturas de origens diversas expedidas por órgãos nacionais de prestação de serviço. No decorrer do processo, é possível averiguar que muitos estrangeiros utilizam faturas de terceiros, acompanhadas de uma declaração alegando estar na mesma residência. Essas informações, na maioria das vezes, não são verificadas in loco, somente na ocasião de denúncia por atos infratores. Por diversas vezes, foi possível apurar que o solicitante não reside no local descrito e que utilizou de má-fé durante a tramitação do processo, dificultando procedimentos periciais e investigativos, caso o indivíduo venha ser investigado. Utilizamos a denominação de fronteiriço para identificar indivíduos que vivem em 186

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

regiões de fronteira, uma vez que, nem todas as categorias de visto dão direito ao estrangeiro de trabalhar no Brasil (objetivo da maioria dos entrevistados nessa pesquisa) e, consequentemente, obter a carteira de trabalho. Apenas algumas modalidades garantem essa prerrogativa aos estrangeiros, desde que satisfaçam determinadas condições. O DEF é inédito para os moradores da fronteira Brasil-Bolívia em Mato Grosso do Sul, sendo possivelmente uma das razões da mínima divulgação, procura e interesse das autoridades locais em se informar sobre os procedimentos e deveres do indivíduo ao adquiri-lo, porém não é inédito no ordenamento jurídico pátrio, porque já existiam em outras fronteiras, como o decreto nº. 5.105 de 14/06/2004, por exemplo, que se aplicava à fronteira Brasil-Uruguai: 1. (Chuí, Santa Vitória do Palmar/Balneário do Hermenegildo) e Barra do Chuí (Brasil) a Chuy, 18 de Julho, Barra de Chuy e La Coronilla (Uruguai); 2. Jaguarão (Brasil) a Rio Branco (Uruguai); 3. Aceguá (Brasil) a Aceguá (Uruguai); 4. Santana do Livramento (Brasil) a Rivera (Uruguai); 5. Quaraí (Brasil) a Artigas (Uruguai); 6. Barra do Quaraí (Brasil) a Bella Unión (Uruguai). Esse decreto promulga o acordo entre os governos da República Federativa do Brasil e da República Oriental do Uruguai para Permissão de Residência, Estudo e Trabalho a Nacionais Fronteiriços Brasileiros e Uruguaios, de 21 de agosto de 2002, Dorfman & Rosés (2005) explicam que normalmente as leis de cada estado estabelecem as condições em que se reconhece a cidadania aos nacionais e aos estrangeiros que a solicitem (naturalização), e que a denominação da qualidade de cidadão dá-se ao conjunto de pessoas de um povoado ou país que reúnem os requisitos para serem considerados como tais e que, portanto, possuem direitos políticos, fundamentalmente o de eleger e de ser eleito. Na busca de outros elementos jurídicos e políticos, além dos acordos internacionais citados, encontramos outros instrumentos específicos de aplicação para a região de fronteira, como é o exemplo da política de tarifação diferenciada para o Serviço Telefônico Público Internacional na região fronteiriça, entre países vizinhos (NORMA 7/93, chamadas do Serviço Telefônico Público Internacional-Fronteiriça: chamadas

DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

187

realizadas entre estações de telecomunicações de qualquer natureza situadas em localidades do Brasil e de países limítrofes, distantes até 50 (cinquenta) quilômetros entre si e definidas em acordos operacionais. Empresa Brasileira de Telecomunicações S. A. - EMBRATEL e essas prestadoras e Ministério das Comunicações). Outro exemplo é o estabelecimento de um regime especial de facilitação do comércio fronteiriço (acordo entre os governos do Brasil e da Colômbia, em 2008) para as localidades de Tabatinga (Brasil) e Letícia (Colômbia), realizada na cidade de São Paulo, no dia 12 de novembro de 2007, a X Reunião da Comissão de Vizinhança e Integração Brasil-Colômbia, presidida pelo secretário-geral das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, e pelo vice-ministro das Relações Exteriores da Colômbia, embaixador Camilo Reyes Rodríguez, onde além dos assuntos de cooperação no comércio, foram analisados temas como segurança pública, saúde, educação, meio ambiente etc. Temos ainda o ajuste complementar de saúde para a região fronteiriça do Brasil-Uruguai. Esse Ajuste Complementar ao Acordo para Permissão de Residência, Estudo e Trabalho tem como objetivo possibilitar acesso ao sistema de saúde aos brasileiros e uruguaios que vivam na fronteira. É um projeto de Decreto Legislativo nº 1666/09, da Representação Brasileira no Mercosul, negociado pela Comissão Binacional Assessora de Saúde na Fronteira Brasil-Uruguai. Com o ajuste ao acordo, será possível que brasileiros e uruguaios tenham acesso a serviços de saúde nos dois lados da fronteira, evitando situações de deslocamento por centenas de quilômetros para receber tratamentos que estão disponíveis em uma mesma área urbana, mas cujo acesso não é possível pela falta um acordo entre os dois países.

188

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

4.

DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO:INTERESSES E DESPREPAROS LOCAIS

Destarte, assim como os exemplos citados, veio a suspeita da necessidade de um documento especial que, em primeira análise, possibilitasse a identificação das pessoas que vivem em determinada região de fronteira para que se beneficiem de eventual tratamento diferenciado à região. Norteando a política de integração, houve a reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira – PDFF, da Secretaria de Programas Regionais do Ministério da Integração Nacional, onde Gadelha & Costa (2005) nos ensinam que: “o Programa reconhece que sua atuação de promoção da cidadania da população fronteiriça depende do fortalecimento das instituições supranacionais voltadas para integração fronteiriça, e para tanto, tem se articulado com o Ministério da Relações Exteriores visando ao suporte dessas instituições – em especial quanto ao encaminhamento das questões nacionais para os órgãos federais, estaduais e municipais afetos e para o necessário subsídio de informações locais para o desenvolvimento regional, regido pela PNDR [Política Nacional de Desenvolvimento Regional]. Desta forma, mantendo a autonomia dos Ministérios envolvidos, consegue-se articular a vertente nacional e internacional de modo a dar seguimento a subsidiar a implementação dos processos de mudanças necessários ao fortalecimento de blocos regionais e ao resgate da cidadania da população de fronteira”.. (GADELHA & COSTA, 2005, p. 27).

Sendo o caso do DEF, que parece apontar para diversas possibilidades. Porém, devemos também analisar os limites desse instrumento de identificação. Ao analisarmos a influência exercida por tal documento, foi possível averiguar junto ao inspetor chefe da Receita Federal do Brasil, que nesse órgão a informação da existência do DEF só ocorre por realizarem ações conjuntas com a Polícia Federal, uma vez que a instituição não oferece nenhum tipo de treinamento ou recomendação acerca da utilidade do mesmo. Foi possível apurar que não há interesse DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

189

por parte dos agentes desse órgão em obter maiores esclarecimentos sobe o assunto, uma vez que, os mesmos estão visivelmente preocupados somente com a apreensão de mercadorias e seus desdobramentos e, na visão dos mesmos, o DEF, “não ajuda, nem atrapalha”. Um fator que merece ser pesquisado é o fato de que, após a promulgação do decreto que implementou o DEF e a referida operação, houve um acréscimo considerável na procura. Em 2009, foram 56 documentos expedidos, em 2010, foram 50, e em 2011, 152, um aumento considerável na expedição desses documentos2. No decorrer da pesquisa, foram realizadas entrevistas entre 2011 e 2013 com comerciantes da feira Brasbol e ambulantes da cidade de Corumbá. Foram aplicadas entrevistas com comerciantes que estão em uma faixa etária de 23 a 60 anos, 95% se dizem comerciantes e 5% atuam no comércio, porém são estudantes que apenas contribuem na renda da família, trabalhando nos pequenos comércios espalhados pela cidade. A maioria dos comerciantes possui residência fixa em Corumbá, outros estão localizados em Puerto Quijarro; um fato que despertou interesse foi que na maioria das vezes ao serem questionados sobre residência a resposta foi “moro na fronteira”. O grau de escolaridade dos entrevistados está na faixa do ensino fundamental e médio, em alguns casos, incompleto. Quanto à região de origem, pudemos apurar que a capital da Bolívia, La Paz, se faz como maior número de imigrantes, enquanto outros são oriundos de Beni e Santa Cruz, com um tempo de residência no Brasil que varia de 4 a 22 anos. O questionário foi direcionado ao conhecimento e à aquisição do DEF por parte dos bolivianos, porém na elaboração do mesmo, percebemos que seria válido questionar sobre a assistência de saúde ao qual recorrem, uma vez que, portando o DEF, teriam o direito de ser atendidos em postos de saúde e nos hospitais da cidade de Corumbá, no entanto, averiguamos que 60% das pessoas que possuem o DEF, recorrem a atendimento médico hospitalar nas cidades bolivianas de Puerto Suárez e Puerto Quijarro, pois recebem melhor atendimento e atenção, diferente do Brasil, em alguns casos relatados 2 Fonte: Polícia Federal em Corumbá/MS, 2012. 190

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

contam que sofrem discriminação e para ser atendidos têm que efetuar pagamento. Ao questionar sobre a gratuidade do serviço, foram advertidos por agentes do Sistema Único de Saúde que por serem estrangeiros seria um procedimento padrão. A dificuldade por parte dos imigrantes bolivianos que residem ou tem pretensão de se instalar na cidade de Corumbá está ligada à falta de informação e divulgação do DEF, dessa forma, averiguamos que somente 13% souberam da existência do documento pela Polícia Federal, os outros 87% tiveram informações por meio do consulado boliviano em Corumbá, pelo presidente da feira Brasbol ou por pessoas que já possuíam o mesmo; notamos que a mídia, em geral, não contribui para a divulgação das informações que beneficiem os trabalhadores bolivianos residentes ou não em Corumbá, as notícias estão pautadas dentro do contexto que proporcione audiência ou alimente a venda de jornais e a manutenção de sites. Dessa forma, sem a colaboração das autoridades institucionais e a mídia local, o DEF ficará restrito ao número mínimo de pessoas, não assumindo seu caráter de integração e bem-estar da população em região de fronteira, uma vez que é consenso entre estudiosos que essas áreas se diferenciam das demais por suas peculiaridades de integração, comércio, cultura, língua, moeda etc. Sistematizando as respostas de nossas pesquisas de campo sobre o DEF, resultou o seguinte quadro: a. Como foi adquirido o Documento Especial Fronteiriço? Após percorrer um grande caminho entre Receita Federal, Fórum de Justiça, Polícia Civil, Agência Fazendária, agência bancária, Polícia Federal, os indivíduos conseguiram retirar o DEF e relatam que em todas as instituições sempre foram muito bem tratados. Afirmam, ainda, que só se dirigiram à Receita Federal por acreditar que havia alguma relação com o documento, e que a barreira linguística, por vezes, atrasa e confunde muito os interessados em legalizar-se no Brasil. Quanto à descrição de serem bem tratados, levamos em consideração que estavam respondendo a um questionário aplicado por um DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

191

delegado de polícia, sendo assim estudando trabalhos e levantamentos realizados por outros pesquisadores do Mestrado em Estudos Fronteiriços ou em reuniões com o grupo de pesquisa do Laboratório de Estudos Fronteiriços, averiguamos que o tratamento em algumas instituições é ríspido e confuso e que esses agentes agem de maneira diferenciada com estrangeiros, principalmente quando se trata de bolivianos. b. Possuir o Documento Especial Fronteiriço corresponde à importância que lhe foi explicada sobre ele? Unanimemente a resposta foi sim, pois os entrevistados acreditam ter uma maior segurança para trabalhar, uma vez que o documento confere tranquilidade na fronteira, relacionam também respeito, dignidade, paz e oportunidade para matricular seus filhos nas escolas de Corumbá. Os fatos anteriormente explicitados sobre o fechamento definitivo da feira Brasbol, ocasionou certa desconfiança e descrença no DEF, uma vez que, um dos maiores questionamentos por parte dos trabalhadores da feira foi a razão da repentina retirada do local, acompanhada de forte aparato dos agentes estatais, sem maiores esclarecimentos sobre a ação efetuada. Observamos em diversos protestos, trabalhadores bolivianos expondo o DEF e dizendo estarem legais no país por possuírem o mesmo, sem o conhecimento que o documento lhes assegura a permanência e outros direitos já explanados, não cobrindo ações que visam à apreensão de mercadoria e laudos de segurança do trabalho expedidos pelos órgãos competentes. c. O que mudou, efetivamente, em sua rotina após a aquisição do Documento Especial Fronteiriço? Segurança para livre circulação, trabalho, moradia, melhoria na qualidade de vida e até certa “igualdade”, perante os brasileiros residentes em Corumbá.

192

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

Constatamos que a maioria dos entrevistados transmitiram os benefícios do DEF aos colegas de trabalho, aos familiares e amigos e que avaliam o tratamento que recebem das autoridades entre regular e bom, porém levantamentos dos pesquisadores do Laboratório de Estudos Fronteiriços apontam que existe uma insatisfação por parte dos bolivianos no que se refere a atendimento e informação, o que podemos classificar como ruim. Infere-se das leituras dos estudiosos que um documento jurídico não é o que determina o processo real de quem vive na fronteira, tão pouco é o que anuncia os níveis de socialização do imigrante e também não é o que determina a existência de relações estabelecidas em localidades separadas por uma linha imaginária denominada limite internacional. Nessa linha, assevera o estudioso Oliveira (2007) que “A vida na fronteira possui uma condição, no mínimo, bipolar e uma estrutura multiforme”. Esse raciocínio também é bem retratado no ensinamento do mesmo autor sobre os níveis de socialização do imigrante: Ao esbarrar nas noções de justiça, como formas de interpretar os níveis de socialização do imigrante, deparamos com a complexidade que está intrínseca nos níveis de justiça, bem como nas noções de socialização. A busca de sentido para tal processo resvala na identificação de rituais, jurídicos ou não, para a legitimação, normalmente posta na posição zênite. (OLIVEIRA, 2007).

Apesar da suspeita de que o documento jurídico não determina as relações e níveis de socialização, o reconhecimento formal parece ter a sua importância, porque sinaliza o entendimento do Estado sobre a necessidade de integração, ainda que por um documento jurídico. Parece significar também a exteriorização de que o Estado está em processo de compreensão de que o espaço fronteiriço ocupado e as relações nele existente são anteriores ao território. Isto porque a apropriação pelos atores na fronteira “territorializa” o espaço, como afirma Raffestin (1993) e, são relações seculares nessa fronteira em estudo. (ESSELIN, 2010). Parece, por fim, que o Estado está em processo de se despir aos DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

193

poucos da antiquada e divulgada impressão que discutir fronteiras é apenas discutir segurança pública e defesa nacional. Por outro lado, o Estado, ao não instruir e treinar os agentes que atuam em região de fronteira, transfere para os mesmos a prática resultante daquele pensamento antiquado e divulgado. Esse processo de compreensão do Estado passa também pela necessidade de entender como o espaço na fronteira é apropriado pelo trabalho, projetando energia e informação, circulando mercadoria, criando-se rede (SCHERER-WARREN, 2005) e relações de poder (DREYFUS e RABINOW, 2005). Deve-se perceber que “o estado não é a fonte central do poder, mas sim uma matriz de individualização ‘sobre’ a qual cada um tem construída a sua subjetividade, vive sua vida e pratica suas ações. O poder se exerce no Estado, mas não deriva dele; pelo contrário, o poder se estatizou ao se abrigar e se legitimar sob a tutela das instituições estatais” nas palavras de Veiga-Neto (2003). Nessa toada, a operação Brasbol parece ter representado mais uma faceta do preconceito ao boliviano, camuflado em um discurso institucional colorido com a perigosa premissa do “interesse nacional”. Nesse sentido, Campos (2011) nos explica que: ”As notícias veiculadas pelos meios de comunicação acabam fixando na mente de seus expectadores de que os bolivianos da Feira Brasbol sejam traficantes ou meros “muambeiros”, sendo que, dificilmente revelam que eles são chefes de família que dependem de tal serviço da mesma maneira que outros comerciantes informais brasileiros. E, por serem pessoas de baixa renda, são dependentes daquela atividade. Por fim, que tais ações são efetuadas principalmente em grandes datas do comércio, como natal, dia das mães, etc. O comércio considerado como “contrabando” ou “descaminho” pelo Estado, configura uma economia ao mesmo tempo subversiva e constitutiva dos processos de povoamento e de construção de fronteiras, cuja importância histórica, econômica e social são implícitas.” (CAMPOS 2011,p. 48).

194

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

Nessa seara, Costa (2010) complementa: ”O comércio entre fronteiras, portanto, não pode ser considerado como uma atividade marginal dentro do sistema capitalista, mas sim como uma atividade estrutural. O que se percebe nos discursos “oficiais” é que este tipo de comércio não é identificado como uma atividade econômica transfronteiriça, pois em geral, a fronteira só aparece propriamente dita nessas narrativas, quando se trata de comércios realizados nas regiões limítrofes entre os países e não referidos às exportações e importações de uma nação. Ou seja, todo comércio entre países, todas as relações econômicas entre países são relações entre fronteiras. É neste sentido que o combate ao “contrabando” formiga ou ao comércio realizado por moradores fronteiriços em pequena escala é um problema tão importante para o Estado, já que esta “subversão” afeta suas estruturas mais profundas de controle e poder soberano; isto é, o que subjaz às atividades de repressão nas aduanas é a questão de vigiar e gerir o território e obter o monopólio dos negócios entre o Estado e seus “sócios”, reprimindo atividades que possam rivalizar com este monopólio.” (COSTA 2010, p. 07).

Ocorre que mesmo no âmbito jurídico, o Brasil, nos últimos anos, parece estar engajado no início de uma política de integração e não segregação. Nesse sentido, observar as relações travadas na fronteira parece ser o início para que tais integrações realmente se estabeleçam, e ao contrário, medidas institucionais de mera repressão não parecem caminhar no mesmo sentido de outros documentos jurídicos integrativos que surgiram. Nesse arcabouço de novas concepções reconhecidas pelo estado (integração, cooperação, fortalecimento de laços de amizade), o DEF pode representar um forte elemento simbólico e representativo, norte para instituições de políticas púbicas e novos instrumentos jurídicos para promoção social, cultural, econômica e de integração na região de fronteira. DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

195

O DEF toma uma dimensão de representação na fronteira, numa relação do significante com o significado, entre o documento e o uso que ele representa para o boliviano que vive nessa região, como ensina Focault sobre essa ligação: ”[...] é a ligação estabelecida entre a idéia de uma coisa e a ideia de uma outra. Mesmo considerando que elemento por si só não é signo, o conteúdo do elemento significante é aquilo que ele representa e este significado se situa no interior da representação do signo Eis a característica fundamental do signo como “representação reduplicada”. (FOUCAULT, 1982, p. 143).

Esse documento também pode não ordenar o social, mas dá efeito de realidade do pensamento de modo válido. Vale dizer, não é cópia, nem reproduz a realidade das relações na fronteira do Brasil com a Bolívia, mas é um instrumento ou recurso que permite a análise dessas relações. No ensinamento de Weber: ”Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista, e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento.” (MAX WEBER, 2003, p. 105/106).

Ao lado dessa temática, na região de fronteira as discussões sobre espaço, lugar e território ganham novos contornos em razão do traçado de linha invisível, submetendo as populações a regimes jurídicos distintos ditados pela soberania de cada ente estatal. Para Machado (1998): ”[...] esse processo é indicativo de que, mais do que uma perda de função dos limites e fronteiras internacionais, o que está ocorrendo é uma mutação da perspectiva do Estado em relação ao seu papel. A fronteira deixa de ser concebida somente a partir das

196

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

estratégias e interesses do Estado central, passando a ser concebida também pelas comunidades de fronteira, ou seja, no âmbito subnacional..” (MACHADO, 1998, p. 06).

Dentre as diversas relações e redes de poder, as relações informais econômicas (trocas comerciais, câmbio, trabalho) são as que parecem se exteriorizar com mais frequência como afirma ainda Machado (1998), embora não sejam as únicas. ” [...]o poder organizador e regulador dos estados nacionais está sendo solapado, desde dentro e desde fora de cada estado, pelo aumento de intensidade e complexidade dos intercâmbios não estatais. Indivíduos, comunidades, corporações, organizações, redes de solidariedade, redes de informação, baseados nos interesses mais diversos, constituem hoje uma teia em escala planetária difícil de ser manipulada ou mesmo controlada por cada estado [...]Por ora, o que é interessante nessa teia é que ela não é só econômica, no sentido estrito do termo, mas inclui intercâmbio de símbolos e imagens, um dos fundamentos da iconografia do estado-nação. [...] É no campo econômico onde a visibilidade dessa crescente ambiguidade do legal/ilegal é maior, [...] o que é informal, no sentido estrito de não obedecer às leis vigentes, pode sustentar a economia de cidades, regiões e países; os contrabandos instituídos, que operam redes de distribuição de mercadorias legal ou ilegalmente produzidos, perpassando os controles localizados nos limites de cada estado para ressurgir no seu interior como mercadoria nacional ou mesmo importada [...]”(MACHADO, 1998, p. 06).

Continua Machado (1998), “Sem instituições para instrumentá-la, a cooperação entre países vizinhos em regiões de fronteira tem sido feita informalmente, e através de acordos tácitos entre as autoridades locais dos países fronteiriços”. Já no entendimento de Scherer-Warren (2005), algumas relações em redes podem limitar-se a determinado território, outras, no entanto, podem transcender fronteiras espaciais. DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

197

”As redes sociais primárias, interindividuais ou coletivas, caracterizam-se por serem presenciais, em espaços contíguos, criando territórios no sentido tradicional do termo, isto é, geograficamente delimitados; enquanto isso, as redes virtuais, resultantes do ciberativismo, são intencionais, transcendem as fronteiras espaciais de redes presenciais, criando, portanto, territórios virtuais [...]Todavia, elas poderão vir a ter impacto sobre as redes presenciais e vice-versa, numa constante dialética entre o local e o mais global, entre o presencial e o virtual, entre o ativismo do cotidiano e o ciberativismo, podendo vir a auxiliar na formação de movimentos cidadãos planetarizados.” (SCHERER-WARREN 2005, p. 3).

Nesse sentido, as trocas econômicas entre bolivianos e brasileiros parecem exteriorizar ora relações e formação de redes formais, ora informais. Um exemplo de rede formal parece ser a de bolivianos e brasileiros que trabalham diariamente no centro comercial em Corumbá, denominada pela população, “feirinha”, esta que foi alvo da operação Brasbol, já mencionada. Em tese, há uma formalidade reconhecida com pagamento de taxa para a Prefeitura de Corumbá por utilizar espaço público e, ainda que seja em economia familiar, percebe-se a função do gerente, do transportador, do vendedor, da pessoa que aluga depósito para guardar mercadorias, enfim, uma rede criada para a função que se destina. De outro lado, no mesmo local, criam-se redes para relações informais, em tese, invisíveis para o Estado (em razão da ilegalidade), criando-se rede de ligações com comércio na Bolívia para compra de produtos mais baratos. Essa rede informal, do mesmo modo, emprega pessoas para passarem na fronteira com produtos fora da cota permitida pela fiscalização, outro para monitorar se existe fiscalização, pagamento de aluguel para brasileiros para que sejam depositadas as mercadorias, enfim, redes que ultrapassam os limites dos dois países.

198

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

5.

AÇÕES INCOMPLETAS

Paradoxalmente, a Operação Brasbol parece não ter observado alguns dados relevantes, como fato de os bolivianos da feirinha, que tiveram suas mercadorias apreendidas, pagarem tributos à municipalidade. Quando mencionamos “relações de poder”, estamos tratando da noção de Michel Foucault sobre o tema. Assim como trouxemos o entendimento de que as redes estão presentes entre os atores sociais e não somente em uma linha vertical Estado-população, o poder também deve ser compreendido nesse contexto. Ensina Foucault: “Resumindo, Foucault afirma que “o poder não existe”[...], o que existem são práticas, relações de poder. [...] o poder deixa de ser atribuível a uma classe que o detenha. Circula, a partir de uma rede, entre os indivíduos; funciona em cadeias; transita em cada um antes de se agregar num todo.(DOSSE, 2001, p. 223). Por dominação, Foucault (2001c, p. 181) não entende um ato global de um sobre os outros, mas “as múltiplas formas de dominação” que podem ser exercidas na sociedade. Assim, Foucault não busca analisar “o rei em sua posição central, mas os súditos em suas relações recíprocas”. Ele chega, então, ao que chama de micropráticas do poder.[...] O que Foucault queria deixar claro é que as relações de poder se prolongam além dos limites do Estado. A análise de Foucault sobre o Estado liga-se a dois princípios. O primeiro diz que o Estado, apesar de sua grandiosidade, não é capaz de ocupar todo o campo de reais relações de poder; e o segundo diz respeito diretamente ao fato de que o Estado somente pode agir baseando-se nas outras relações de poder. Nesse sentido, o estado seria a [...] superestrutura em relação a toda uma série de redes de poder [...].(Foucault , 2001c, p. 181)”

Na construção de redes, territorialidades e discursos institucionais, o documento fronteiriço pode representar um verdadeiro código genético local, material e cognitivo, revelando-se como vetor para

DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

199

unidade processual, relacional no desenvolvimento do território, conforme ensina Saquet (2007). Segundo o autor, mencionando o clássico geógrafo: ”Para Raffestin, a identidade e as imagens antecedem o território, a territorialização. A construção, desconstrução e reconstrução da identidade antecedem a territorialização, a desterritorialização e a reterritorialização, porque obedecem a diferentes escalas temporais. [...] Raffestin (2003) propõe, assim, sobre o território: a) um território do cotidiano; b) um das trocas; c) um de referência e, d) um do sagrado.” (SAQUET, 2007, p.147-155).

Saquet (2007) propõe que a identidade é construída coletivamente pelos sujeitos locais, interagindo entre si. O mesmo autor explica que outros estudiosos trabalham com o sentido de que a identidade é territorial e significa, além de pertencimento a certo lugar, o resultado do processo de territorialização, com elementos de continuidade e estabilidade, unidade e diferencialidade. No entendimento do autor, e acompanhando o raciocínio aqui desenvolvido, “a territorialidade de cada comerciante é uma rede de relações, interligando indivíduos. É o poder sendo exercido”. Nessa toada, face ao complexo de possibilidade e ilimitadas relações existentes na região de fronteira, pensar a fronteira como a defesa nacional e segurança pública é não problematizar a questão e, restringir um sem número de variáveis ao velho preconceito que recai nos discursos da mídia. Como lembra Nogueira (2007): “Ser da fronteira, assim, pode se constituir numa identidade territorial que é construída a partir da vivência neste lugar”. Assim, o documento fronteiriço parece ser o início de um processo para: a. formalizar identidade das pessoas que estão na rede informal de trabalho, estudo e residência na região de fronteira, sem desconstruir a individualidade, garantindo-lhes direitos, e não somente deveres;

200

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

b. aproximar interesses comuns das redes de poder econômico (comerciantes, trabalhadores); c. tornar-se parâmetro para unidade de decisões políticas e técnicas (fronteiriço), como saúde e educação – Ex: incentivos fiscais, tributários, migratórios, descriminalização, programa escolar etc. d. inibir preconceitos e aproximar um possível diálogo cultural entre povos; e. estimular o desenvolvimento do espaço de fronteira, em razão do possível fortalecimento das redes de poder econômico. Como já foi reconhecida, a fronteira é local diferenciado do restante do território nacional, e como tal o Estado deve percebê-lo. Essa percepção não pode ser apenas de maneira formal como ocorreu com a internalização por decreto presidencial do acordo Brasil-Bolívia que previu o DEF, ou outros acordos internacionais que foram reflexos de uma política de integração na América do Sul nos últimos anos. Porque ainda que um instrumento jurídico internacional (tratado, acordo etc.) simbolize positivamente as ações estatais, pode não ter efeitos práticos sem uma política direcionada aos interesses e necessidade locais na região de fronteira. Um simples cumprimento protocolar de agenda positiva de um país pode, ao invés de visão positiva, gerar expectativas, e a impressão de ausência do Estado em determinado momento não atende de maneira efetiva. É necessária uma medida além do cumprimento da formalidade. Torna-se imprescindível ingressar na política de integração com participação dos atores envolvidos na região de fronteira, sob pena de não existir a sintonia necessária entre os acordos internacionais implementados e a lógica do espaço local, ocorrendo o desacordo entre a percepção dos moradores locais e as instituições. Esse desacordo resulta em despreparo dos representantes das instituições com a lógica da região da fronteira, gerando, por sua vez, ações incompletas e porque não falar em desastradas, como parecem ter sido os dois momentos analisados durante a pesquisa na feira Brasbol.

DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

201

6.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por envolver interesses locais e específicos dessa região de fronteira, que afetam toda população da localidade, verificamos que o DEF e, talvez, outros instrumentos de acordos internacionais não garantam, por si sós, direitos para a população de fronteira. Observamos ainda, a necessidade de melhor integração e cooperação entre as instituições brasileiras e as de outros países. No Brasil, verificamos que os servidores de algumas instituições possuem pouco ou nenhum conhecimento da região de fronteira. Esse desconhecimento provoca medidas que geram clamor público como as citadas nesse trabalho, porque mesmo servidores em função de comando necessitam desse conhecimento. Não duvidamos que os servidores ajam no estrito cumprimento da lei, porém essa legislação merece ser discutida ou complementada. Além disso, sem retirar o caráter obrigatório e cogente da lei, as instituições na região de fronteira devem ter treinamento para entender as repercussões internacionais de suas operações, repercussões locais e a reflexão sobre medidas alternativas menos drásticas no momento do cumprimento da legislação. A preocupação também deve ser integrada entre as várias esferas de governo, como a União, os estados e os municípios, o que não parece ocorrer efetivamente. Não existem divulgações e trabalhos efetivos sobre outros aspectos na região de fronteira que não seja os resultados de combate às condutas entendidas como ilícitas. Essas ilicitudes devem continuar sendo reprimidas; porém, medidas preventivas e educativas, com participação real da população fronteiriça, capacitação dos servidores das instituições, incentivo e melhoria na região, podem gerar um incremento na qualidade de vida na sociedade da fronteira. Ficou evidente que a fronteira não pode ser apenas olhada sob o ponto de vista da segurança pública, porque causa um despreparo para entender todas as vicissitudes dessa região. Atitudes preventivas são necessárias. O contato entre as instituições que estudam a fronteira, como

202

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

universidades e comitês fronteiriços, devem ser constantes, efetivos e divulgados. A união e a troca de informações entre as várias esferas do governo também é medida importante. Em relação aos acordos internacionais, torna-se relevante a cooperação jurídica, na saúde, na cultura, na segurança pública, unindo os povos além da formalidade de um acordo internacional. A confiança mútua entre as instituições de ambos os países deve ser incentivada para um entendimento recíproco das necessidades dos povos que vivem na região de fronteira. Nessa linha de raciocínio, o processo de construção identitária na região de fronteira, simbolizado pelo DEF, pode auxiliar as medidas que mencionamos e ainda revelar novas identidades (re) construídas em razão dessa aproximação e integração entre os países, onde a fronteira é espaço fértil para tais revelações. Acreditamos que esse trabalho possa gerar conhecimento relativo à solução de problemas específicos referentes às relações sociais, migratórias, econômicas e jurídicas em áreas de fronteira. Ficam as reflexões sobre as causas das dificuldades, decorrentes da ilegalidade vivida pelos atores sociais envolvidos em atividades na região de fronteira. Esperamos, por fim, que tenhamos contribuído para discussão sobre políticas públicas em áreas fronteiriças. Com essa contribuição, esperamos que as instituições iniciem, no melhor sentido da palavra, a “obsessão por fronteiras” (FOUCHER, 2010), para melhora da capacitação de servidores que atuam nessa região, que parece estar em um processo de construção identitária que pode trazer benefícios para ambos os países.

DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

203

REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, J. L. C. Fronteiras e identidades em movimento: fluxos migratórios e disputa de poder na fronteira Paraguai-Brasil. Cad. CERU. 2008, vol.19, n.1, d. 49-63. ______. Imigração em territórios fronteiriços, V Congresso de Sociologia, Universidade de Lisboa, Revista Saberes e Práticas, 2008, p.1-13. BRASIL, Decreto nº. 6.737 de 12 de Janeiro de 2009. ______. Lei nº 6.634/1979 ______. RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONAL MENSAGEM Nº 278 Disponível em: : http://www.camara.gov.br/sileg/integras/702737.pdf. Acesso em: 3 jun. 2011. CARDOSO DE OLIVEIRA, R. & BAINES, S. (Org.). 2005. Nacionalidade Etnicidade em Fronteiras. Brasília, Editora UNB. CATAIA, M. A relevância das fronteiras no período atual: unificação técnica e compartimentação política dos territórios. In: IX Coloquio Internacional de Geocrítica. Porto Alegre, 28 de mayo – 1 de junio de 2007. CAMPOS, D. L. Globalização e fronteira: um estudo de caso sobre a Brasbol em Corumbá, MS, 2011. CERQUEIRA, M. Nova Lei de estrangeiros ou regimento interno da Bastilha? In: Rio de Janeiro. PLG – Comunicação, 1981. COSTA, G. V. L. Contrabando para quem? Controle e (in)disciplina na fronteira Brasil – Bolívia, em Corumbá-MS. In: Anais do II Congresso Internacional do NUCLEAS, Rio de Janeiro, 2010. DINIZ, A. M. A. A dimensão qualitativa da migração e da expansão da fronteira agrícola em Roraima. – Programa de Pós-graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial – PUC Minas DORFMAN, A.; ROSÉS, G. T. B. Regionalismo fronteiriço e o “acordo para os nacionais fronteiriços brasileiros uruguaios”. In: OLIVEIRA, T. C. M. de (Org.). Território sem limites: estudos sobre fronteiras. Campo Grande: UFMS. 195228, 2005.

204

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

DREYFUS, H.; RABINOW, P.. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Tradução de Vera Porto Carrero. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. EVELIN, H. S.; COSTA, G. D. da (Orgs.) Seminário Perspectivas para a Faixa de Fronteira. Brasília: Presidência da República, Secretaria de Acompanhamentos e Estudos Institucionais, 2011. ISBN 978-85-85142-31-5 ESSELIN, P. M. A Gênese de Corumbá. Confluências das frentes espanhola e portuguesa em Mato Grosso, 1536-1778. Campo Grande: Editora UFMS, 2010. FOUCHER, M. Obsessão por fronteiras, 2010. GADELHA, C. A. G.; COSTA, L. A política nacional de integração e o desenvolvimento das fronteiras: o programa de desenvolvimento da faixa de fronteira – PDFF. In: Oliveira T. C. M. organizador. Território sem limites. Estudos sobre fronteiras. Campo Grande: Editora UFMS; 2005.p.25-46. FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1982. ______. A verdade e as formas jurídicas. NAU editora, RJ, 2003, 3. Ed. .B GEHRK, L.C. A função social da Posse e a questão de tutela possessória em regiões fronteiriças do MERCOSUL. Universidade Federal de Santa Maria/ RS.2008. GRIMSON, A. 2011. Pensar Fronteras desde fronteras. Nueva Sociedad n.170. Noviembre-Deciembre. ______. 2003 . La nacion em sus límites. Contrabandistas y exilados en la frontera Argentina-Brasil. Barcelona: Gedisa Editorial. ______. 2011. Doce equívocos sobre migraciones. Revista Nueva Sociedad No 233, mayo-junio de 2011, ISSN: 0251-3552, . HAESBAERT, R.; SANTA BARBARA, M. de J.. Identidades e migração em áreas transfronteiriças. Geografia, n. 5. RJ. Ano III, set 2006 HALL, S.. A identidade cultural na pós-modernidade. 3º d. Rio de Janeiro,1999. KLEIN, H. S. Bolívia. Do período Pré-incaico à Independência. Editora Brasiliense.2004 DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

205

LINERA, A. G.. A potência plebeia, Editora Bom Tempo.2010 MACHADO, L. O. Sistemas, fronteiras e territórios. ______. “Limites, Fronteiras, Redes”. Em T. M. Strohaecker et alli. (orgs.). Fronteiras e Espaço Global. Porto Alegre: AGB, 1998 MAGNANI, J. G. C. Etnografia como prática e experiência. In: Horizontes Antropológicos, vol.15, n°.32, Porto Alegre, 2009. MARTINS, J.de S.. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997. MESA, J. de; GISBERT, T. & MESA, C. D. G.. Historia de Bolívia. 6ª edição. La Paz, Editorial Gisbert, 2007. MOUTINHO, J. F. A província de Mato Grosso, seguida de um roteiro de viagem, 1869. Disponível na Biblioteca Digital do Senado Federal. du://www2. senado.leg.br/bdsf MULLER, K. M. A participação dos jornais fronteiriços no processo de integração latinoamericano. Trabalho apresentado no IV Congresso da SBPJOR, realizado na FABICO/UFRGS – novembro/ 2004. NOGUEIRA, R. J.B.. Fronteira: espaço de referência identitária. Atelier geográfico, vol. 1, n.2, p.29, dez. 2007. OLIVEIRA, M. A. & JARDIM, D. F. (Org). Os árabes e sua dumbá. Editora UFMS. Campo Grande/MS. 2007. OLIVEIRA, M. A. M. Espaço, tempo e imigrantes: o desconcerto de uma região. In: CHIAPPINI, L. & MARTINS, M. H. (orgs.) Cone Sul: fluxos, representações e percepções. São Paulo, Hucitec, 2006,pp. 253-263 OLIVEIRA, T. C. M. Os elos da integração: o exemplo da fronteira Brasil-Bolívia. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.2005. ______. Fronteiras na América Latina: reflexões metodológicas. [S.l.:s.n], 2007. ______. A lógica espacial do território fronteiriço – os casos das aglomerações de Ponta Porã-Pedro Juan Caballero e Ládário-Corumbá-Puerto Quijarro-Puerto Suarez. 2008. PANIAGO, M. de L. F. dos S.. A analítica do poder em Michel Foucault. Disponível em: PRADO, Eduardo Araujo, dissertação de mestrado UFMS, 2011.

206

Marco Aurélio Machado de Oliveira •Fábio Machado da Silva •Davi Lopes Campos

RAFFESTIN, C.. Por uma geografia do poder. Tradução de Maria Cecilia França. São Paulo: Ática,1993. SANTOS, M. A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 2. ed.. São Paulo: Hucitec, l997. SAQUET, M. A.. O território: diferentes interpretações na cultura italiana. In: Ribas, A. D.; SPOSITO. S., 2007. SAYAD, A. A imigração ou os paradoxos da alteridade. Trad. Cristina Murachco. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. ______. A identidade como unidade processual relacional e mediação no desenvolvimento DO e NO território. In: Abordagens e concepções de território. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p.147-155. SCHERER-WARREN, I. In. Redes, sociedades e territórios. Santa Cruz do Sul. RS: EDUNISC, 2005. P 29-50. Leila Christina Dias e Rogerio Leandro Lima da Silveira (Organizadores). SCHNEIDER, J. (2004). Discursos simbólicos e símbolos discursivos: considerações sobre a etnografia da identidade nacional. Mana. [on-line]. Abr. 2004, v. 10, n. 1 p. 97-129. SILVA, H.. R.S A situação etnográfica. In: Horizontes antropológicos, Vol15, n°.32, Porto Alegre, 2009. SILVA, L. H. de A.. Práticas comerciais na fronteira dumb-bolívia em dumbá, d: um estudo sobre a feira Brasbol, 2010 SILVA, S. A. Bolivianos: a presença da cultura andina. Editora Nacional.2005 VEIGA-NETO, A.. Foucault & a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p.14 VERO, J. Alma estrangeira, Pequenas histórias de húngaros no Brasil: Processos identitários. 2010. STEIMAN, R. A geografia das cidades de fronteira: um estudo de caso de Tabatinga (Brasil) e Letícia (Colômbia). RJ: Programa de Pós-graduação em Geografia, UFRJ, 2002. Dissertação de Mestrado ______.Brasil e América do Sul: questões institucionais de fronteira. WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, Gabriel (Org.). Max Weber: sociologia. 7. d. São Paulo: Ática, 2003. P. 105/106 DOCUMENTO ESPECIAL FRONTEIRIÇO: ACORDOS INTERNACIONAIS...

207

A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E A ATUAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL NESSE CONTEXTO1 Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

1.

INTRODUÇÃO

A dissolução do bloco soviético, o fim da Guerra Fria e a consequente vitória ideológica do capitalismo permitiram que o fenômeno da globalização, embora já existisse desde o final da Segunda Guerra Mundial, passasse a dominar o cenário internacional a partir dos anos 1990. Caracterizado pela evolução tecnológica, pelo aumento das relações comerciais entre os países, pela desconcentração da produção e pelo dinamismo das finanças e dos investimentos estrangeiros, esse fenômeno resultou na supremacia do poder econômico sobre o Estado-nação, que durante muito tempo foi considerado o único ator relevante das relações internacionais (GONÇALVES; STELZER, 2009). Com isso, o sistema internacional, que antes era estatocêntrico, passa a compreender novos atores, como organizações não governamentais (ONG’s), 1 O presente trabalho é uma versão revisada e adaptada do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “A Paradiplomaciaeacooperação descentralizada como instrumentos de integração fronteiriça no Mercosul”, apresentado em dezembro de 2013 por Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto, sob orientação do Professor Henrique Sartori de Almeida Prado, para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Grande Dourados.

209

empresas transnacionais, organizações internacionais e governos subnacionais (departamentos, províncias, regiões, Estados-membros, municípios etc.), adquirindo assim um caráter multicêntrico (ROSENAU, 1990). Além da diversidade de atores, a integração regional sob a forma de blocos econômicos também foi e ainda se apresenta como uma tendência do mundo globalizado. Segundo Vidigal (2010, p. 141), trata-se de um fenômeno pautado na ideia de aproximação física por meio de interesses convergentes entre os Estados, na qual uma nova unidade é criada com base em princípios de interdependência recíproca, cujo objetivo primordial é o aumento do grau deliberalização do comércio. A formação desses blocos pode assumir diversas formas conforme o grau de integração. O Mercosul enquadra-se como uma união aduaneira (ainda em construção), definida como uma área de livre comércio acrescida de uma Tarifa Externa Comum (TEC) para as importações provenientes de países não pertencentes ao bloco (VIDIGAL, 2010, p. 143). Importante destacar que essa união aduaneira é muitas vezes classificada como imperfeita, pelo fato de existirem exceções à aplicação da TEC para determinados produtos. Dessa forma, dada a importância que os processos de integração regional possuem como alternativa para o posicionamento de Estado no ambiente internacional e da crescente diversidade de atores, os governos subnacionais buscam novas perspectivas de desenvolvimento e de inserção internacional, construindo e conquistando novos espaços na agenda da política externa de Estados ou patrocinando por conta própria sua interlocução com o ambiente estrangeiro. Por mais que os processos de integração regional sejam impulsionados pelos Estados, à medida que esses processos evoluem, eles geram impactos que vão além dos governos centrais participantes, influenciando o conjunto da sociedade e, especialmente, as unidades governamentais estaduais e locais (MARIANO; MARIANO, 2002).

210

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

Por sofrerem alterações em suas políticas cotidianas, devido às decisões tomadas em esferas superiores que afetam diretamente suas ações, e por não possuírem, na maioria das vezes, capacidade de influenciar o processo decisório, os governos subnacionais acabam ficando às margens desse processo. No Mercosul não é diferente, porém é cada vez mais perceptível a inserção desses governos em importantes discussões patrocinadas no âmbito do bloco. Com relação à abordagem teórica que embasa a pesquisa, na falta de um instrumento teórico próprio destinado a compreender e explicar a atuação internacional dos governos subnacionais, costuma-se utilizar, de forma geral, as teorias contidas dentro da tradição liberal das Relações Internacionais, que explicam a atuação internacional dos novos atores de forma genérica. É necessário, contudo, fazer a ressalva de que os governos subnacionais representam atores sui generis, não se enquadrando perfeitamente na divisão dicotômica estabelecida por Rosenau (1990, p. 36) entre atores condicionados pela soberania (Estados) e atores livres de soberania (atores privados). Diante dessa situação, autores como Hocking (2004, p. 87-88) e Salomón e Nunes (2007)preferem incluí-los em uma espécie de categoria mista ou intermediária, pois, apesar de não possuírem as mesmas competências dos países soberanos, tratam-se de sociedades politicamente organizadas que vão além de meras subdivisões do governo central, sendo capazes de atuar em várias esferas e de buscar integrar-se com outros atores de diversos níveis (subnacional, nacional ou internacional), utilizando-se do sistema internacional para resolver seus próprios problemas e representando seus próprios interesses, bastante distintos daqueles do governo central (e até mesmo opostos, em alguns casos). Mariano e Mariano (2005, p.148) entendem que ainda falta um instrumento teórico próprio para entender a atuação internacional dos governos subnacionais. Para suprir essa lacuna, no entanto, apontam para a utilização dos conceitos e pressupostos das teorias de Relações Internacionais que versam sobre a questão da integração regional e do aumento das relações de interdependência entre os atores.

A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

211

“...um primeiro passo para entender analiticamente a atuação dos governos subnacionais seria utilizar os conceitos e pressupostos das teorias de relações internacionais que tratam da questão da integração regional, já que estas perspectivas de análise partem do pressuposto básico de que a maior interação entre os países participantes levaria a um aumento das relações de interdependência.”(MARIANO; MARIANO, 2005, p.149-150).

Dentro dessa perspectiva, a teoria da Interdependência Complexa, desenvolvida por Keohane e Nye ,mostra-se bastante útil ao embasamento teórico da pesquisa, pelo fato de abordar esse novo contexto internacional marcado pela globalização e pelo regionalismo, já que a paradiplomacia, não é um fenômeno isolado, mas sim parte desses dois fenômenos de maior amplitude. Os teóricos da Interdependência Complexa destacam a ascensão e a importância de novos atores nas relações internacionais, sem deixar de reconhecer o papel dos Estados nacionais, que ainda permanecem sendo os principais atores. Nesse sentido, apontam que: a interdependência não representa apenas a existência de efeitos recíprocos entre os Estados, mas também entre os atores de diferentes Estados (KEOHANE; NYE, 1989). Mesmo não atribuindo o devido destaque aos governos subnacionais, o enfoque teórico de Keohane e Nye é de extrema importância para a compreensão, tanto das relações internacionais contemporâneas, quanto dos processos de integração regional. O fato de compreender a ação internacional do Estado como o resultado de diversos desdobramentos de sua ação interna, reconhecendo que no interior dos Estados existem diversos atores que desejam pautar sua ação no plano externo (empresas multinacionais, organizações não governamentais e os próprios governos subnacionais), representou um grande avanço, servindo de forte inspiração para releituras que incluem os atores subnacionais como agentes internacionais.

212

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

Uma dessas releituras é feita por Mariano e Mariano (2005, p. 150). Os autores extraem cinco premissas da teoria da interdependência complexa e buscam adaptá-las para a compreensão da atuação internacional dos governos não centrais, sendo elas: a. mudança de atitudes em atores dentro dos Estados; b. promoção do pluralismo internacional através do relacionamento entre grupos de interesse nacional em estruturas transnacionais; c. advento da dependência e da interdependência como elementos que limitam a ação do Estado nacional; d. criação de novos instrumentos de influência; e. surgimento de atores com política externa “privada”. Buscando explicar as iniciativas de inserção internacional dos governos subnacionais, surge o conceito de paradiplomacia: “A paradiplomacia pode ser definida como o envolvimento de governos não centrais nas relações internacionais mediante o estabelecimento de contatos permanentes e ad hoc, com entidades públicas ou privadas estrangeiras, com o objetivo de promoção socioeconômica e cultural, bem como de qualquer outra dimensão exterior nos limites de sua competência constitucional. Embora bastante contestado, o conceito de paradiplomacia não impossibilita a existência de outras formas de participação subnacional no processo da política externa, mais diretamente ligado ao departamento de relações exteriores de governos centrais, como assim chamada diplomacia federativa, tampouco impede o papel cada vez maior dos governos subnacionais nas estruturas de multicamadas para a governança regional ou mundial.” (PRIETO, 2004, p. 251-252).

Esse envolvimento de governos não centrais nas relações internacionais compreende três grandes áreas: a cooperação descentralizada, a promoção econômica/comercial e a captação de recursos externos. (SALOMÓN, 2012). A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

213

Fatores como a globalização, a interdependência, a integração regional, a porosidade das fronteiras soberanas e as interações cada vez mais complexas entre o local e o global nas relações internacionais, permitem, não apenas o surgimento da necessidade de inserção internacional dos governos não centrais, como também a construção de novos espaços onde eles possam atuar no cenário internacional. Feitas essas considerações iniciais, o presente trabalho tem como objetivo analisar a paradiplomacia no âmbito do Mercosul, buscando identificar as formas pelas quais os governos subnacionais dos Estados-partes podem atuar dentro do bloco, bem como iniciativas existentes nesse sentido. Posteriormente, busca-se estabelecer uma relação entre paradiplomacia e integração fronteiriça, versando a respeito de como essas ações se desenvolvem nas áreas de fronteira. Por fim, a inserção internacional do estado de Mato Grosso do Sul é utilizada como estudo de caso para ilustrar o tema de forma empírica.

2.

PARADIPLOMACIA NO MERCOSUL

Assim como o sistema internacional de forma geral, o Mercado Comum do Sul também não se limita aos Estados nacionais que o compõem. Dentre os diversos atores que interagem dentro do bloco, destacam-se as unidades subnacionais dos seus Estados-partes (departamentos, províncias, Estados-membros, as regiões, municípios, etc.), fazendo com que existam iniciativas de paradiplomacia nesse ambiente, inclusive dentro da própria estrutura institucional do Mercosul. Isso se deve ao fato de o processo de integração regional mercosulino (nascido em 1991 por meio do Tratado de Assunção), que tinha por vocação inicial ser um projeto meramente comercial/econômico, ter ganhado contornos políticos com o passar dos anos, fortalecendo a interlocução e a interdependência por parte de seus membros em diversas áreas. Furtado (2011, p. 372) destaca que nesse contexto de aproximação das estruturas sociais e políticas dos membros do bloco, a ideia de integração estritamente econômica perdeu força, pois se entende que

214

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

“para alcançar o objetivo de desenvolvimento econômico, seria necessário estabelecer objetivos paralelos de caráter social e político”. Dessa forma, Marcela Fonseca e Deisy Ventura (2012) nos informam que, ao longo do processo de integração do Mercosul, foram criados órgãos pautados pela ideia de inserir uma relativa participação dos entes subnacionais no seu processo decisório. O primeiro passo nesse sentido foi a criação, em março de 1995, da Rede Mercocidades, uma rede independente de cooperação descentralizada horizontal, formada por cidades dos Estados-partes e de Estados associados do Mercosul e que atua na aproximação dos governos locais, promovendo o contato e o intercâmbio de informações entre eles, com o objetivo de proporcionar-lhes a oportunidade de serem ouvidas no processo decisório do bloco. Além disso, a rede busca também difundir o tema da integração regional no âmbito subnacional, atuando como um espaço privilegiado de interlocução cidadã. Suas funções2 de destaque são: facilitar a participação das cidades na estrutura mercosulina; difundir a cultura democrática em escala regional e nacional; e estabelecer uma relação mais estreita de cooperação para a definição de políticas sociais adequadas. Apesar de não compor a estrutura institucional do bloco, sua atuação foi determinante para a criação, em 2000, da Reunião Especializada de Municípios e Intendências do Mercosul(REMI) por parte do grupo Mercado Comum (GMC)3. A criação desse órgão, que passou a integrar a estrutura institucional do bloco de forma permanente, representou o cumprimento do primeiro objetivo da Rede Mercocidades, que defendia a ideia de que o processo de integração regional do Mercosul deveria ir além dos governos centrais, agregando também os municí2 O artigo 2º do seu estatuto dispõe a respeito dos seus fins e objetivos. Disponível em:. Acesso em 28 de outubro de 2013. 3 O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercado Comum e será coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores. O Grupo Mercado Comum terá faculdade de iniciativa (Artigo 13 do Tratado de Assunção). A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

215

pios, enquanto entidades políticas descentralizadas, pois são eles quem mantém um contato mais direto com a vida cotidiana dos povos. Em dezembro de 2004, a REMI foi substituída pelo Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamento do Mercosul (FCCR)4, criado pela Decisão nº 41/045 do Conselho do Mercado Comum6, com a finalidade de fomentar o diálogo e a cooperação entre as autoridades dos municípios, estados, províncias e departamentos que compõem os Estados-partes do bloco, além de permitir que esses governos subnacionais possam participar dos debates e interferir no processo de tomada de decisões do bloco, ainda que de forma consultiva. Pelo fato de alterar a estrutura do Mercosul, a decisão que criou o FCCR teve que ser ratificada pelo congresso dos seus Estados-partes. Dessa forma, sua instalação oficial se deu apenas em 2007, durante a Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul no Rio de Janeiro. Compondo a estrutura orgânica formal do bloco e estando vinculado ao Grupo Mercado Comum (GMC), o FCCR subdivide-se em um Comitê de Municípios e um Comitê de Estados Federados, Províncias e Departamentos (Artigo 3º do seu regimento interno). Os comitês organizam seminários, reuniões temáticas, rodadas de negociações e reuniões plenárias, levando os seus resultados para o GMC (por meio do coordenador nacional da Presidência Pro-tempore do Mercosul) ou para as cúpulas semestrais dos chefes de Estado do Mercosul (por meio de um prefeito ou governador). Fonseca e Ventura (2012, p. 68) destacam que as reuniões do Conselho do Mercado Comum (CMC) são as 4 Regimento interno Disponível em:. Acesso em 28 de outubro de 2013. 5 Disponível em:. Acesso em 26 de junho de 2013. 6 O Conselho é o órgão superior do Mercado Comum, correspondendo-lhe a condução política do mesmo e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos e prazos estabelecidos para a constituição definitiva do Mercado Comum (Artigo 10 do Tratado de Assunção). 216

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

mais importantes, devido ao seu caráter político mais expressivo, representando a oportunidade para o FCCR emanar uma recomendação formal ao bloco. Até o presente momento, no entanto, as manifestações do Foro ocorreram apenas na forma de declarações, não fazendo uso do seu máximo potencial para influenciar o sistema decisório do Mercosul. Esse fato faz com que as autoras critiquem o sistema de aprovação de propostas atual, que depende da presença e do consenso de todos os Estados-partes e constitui um entrave quase insuperável, diante das divergências existentes entre as delegações e inclusive dentro de cada delegação. De toda forma, tanto as declarações, quanto as recomendações do FCCR possuem caráter não vinculante, ou seja, os órgãos decisórios do bloco não são obrigados a acatar as propostas dos governos subnacionais, o que torna reduzida a sua capacidade de influência. Podemos afirmar, portanto, que apesar de representar um importante instrumento para legitimar a inserção dos governos subnacionais no processo de integração regional, a intervenção do FCCR junto ao processo decisório do Mercosul ainda é pouco efetiva, devendo ser aprofundada. Segundo Paikin (2011), um fator importante que impulsionou a atividade paradiplomática no Mercosul, foi o seu quadro institucional fortemente “executivista” e centralizador, que transferiu para o Estado federal matérias que antes eram de competência subnacional. Dessa forma, os acordos de integração regional desestruturaram a repartição de competências sobre as quais se construíram as relações entre os Estados centrais e suas unidades federativas (referindo-se aqui aos dois maiores países do bloco, Brasil e Argentina, que adotam a forma federativa de Estado). Citando o exemplo das políticas tarifárias, o autor argumenta que antes do Mercosul, elas eram discutidas no âmbito do Congresso Nacional, onde os senadores podiam propor emendas às propostas do Poder Executivo de modo a modificá-las e, posteriormente, aprová-las ou rejeitá-las. Após a criação do bloco em 1991, no entanto, essa capacidade negociadora do Senado, onde cada senador defendia os interesses de suas respectivas unidades federativas, foi drasticamente re-

A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

217

duzida pelo fato de o poder decisório ter sido transferido para a esfera intergovernamental, onde quem negocia e decide de fato são os poderes executivos. No âmbito interno dos países, a Argentina é o único do bloco cuja Constituição Federal prevê expressamente a possibilidade de atuação internacional de suas unidades subnacionais (províncias, no caso) permitindo que elas celebrem convênios internacionais, desde que seguindo a orientação da política externa nacional7. A respeito dessa normatização da atividade paradiplomática, que se deu com a Reforma Constitucional de 1994 e proporcionou uma crescente inserção internacional dos entes subnacionais argentinos, Castelo Branco (2009) aponta que tal exemplo pode servir de modelo para uma futura reforma no ordenamento jurídico brasileiro: “Em se tratando da experiência paradiplomática argentina, não obstante seja um dos únicos modelos de paradiplomacia institucionalizada no ordenamento jurídico mundial, conclui-se que se trata de um modelo arrojado, moderno e que, em momento algum, ofereceu qualquer risco ao pacto federativo daquele Estado. As experiências paradiplomáticas do país vizinho não só sofreram incrementos como foram aperfeiçoadas e ampliadas, tendo sempre por propósito buscar o desenvolvimento regional e local, sem se descuidar dos interesses do Estado como um todo.A expressa impossibilidade de as províncias celebrarem atos internacionais que sejam incompatíveis com a política exterior e os interesses do ente central conferem legitimidade a essas atividades paradiplomáticas, garantem o uso moderado e limitado do instituto e au7 Artículo 124º: Las provincias podrán crear regiones para el desarrollo económico y social y establecer órganoscon facultades para el cumplimiento de sus fines y podrántambién celebrar convenios internacionales en tanto no sean incompatibles con la política exterior de la Nación y no afecten las facultades delegadas al Gobierno federal o el crédito público de la Nación; con conocimiento del Congreso Nacional. La ciudad de Buenos Aires tendrá el régimen que se establezca a tal efecto. Disponível em:. Acesso em 25 de agosto de 2013. 218

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

torizam sua desconstituição em caso de desrespeito das normas aplicadas.É, sem dúvida, um modelo que pode influenciar uma futura institucionalização das atividades paradiplomáticas no ordenamento jurídico brasileiro.” (BRANCO, 2009, p. 69).

Colacrai e Zubelzú (2004, p. 338) argumentam que, além de promover uma descentralização político-institucional, a reforma constitucional proporcionou uma maior participação das regiões argentinas nos organismos que compõem a estrutura institucional do Mercosul, pelo envio de seus representantes aos comitês técnicos para que sejam consultados sobre diversas questões econômicas e sociais que possuem impactos regionais/locais. No caso brasileiro, a paradiplomacia não possui previsão constitucional expressa, pois a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 somente atribui à União a competência para relacionar-se com Estados estrangeiros8, cabendo ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais9 e ao Congresso Nacional referendá-los no plano interno10. Para outra autoridade assinar um ato internacional é preciso uma Carta de Plenos Poderes do Presidente da República, referendada pelo Ministro de Relações Exteriores. A única possibilidade de atuação internacional dada pela Constituição aos estados e municípios consiste na capacidade de firmar acordos financeiros externos, desde que com o aval do Senado Federal (Artigo 52, V) 11. 8 Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; 9 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; 10 Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; 11 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

219

Tanto a orientação majoritária da doutrina constitucionalista, quanto o Itamaraty, por meio de sua consultoria jurídica, defendem que não cabe às unidades federadas brasileiras celebrar acordos que acarretem compromissos no plano internacional, pois tal ato é de competência do Estado federal, que é quem possui personalidade jurídica internacional. Apesar disso, a experiência empírica nos mostra que são diversos os acordos informais envolvendo unidades federadas brasileiras e Estados ou unidades subnacionais estrangeiros (PRAZERES, 2004, p. 296-297). Ao analisar os acordos de cooperação intermunicipais, a Confederação Nacional de Municípios (2009, p. 29) nos informa que mesmo não tendo valor de lei, eles “representam os interesses das autoridades locais em desenvolver ações conjuntas no âmbito internacional”. Ou seja, apesar de não possuírem validade no plano jurídico, é de grande importância o valor político desses acordos celebrados no âmbito da paradiplomacia. Apesar desse modelo federalista centralizador que vigora no Brasil, a paradiplomacia vem sendo praticada regularmente em nosso país, sem que haja necessariamente uma afronta ao ordenamento jurídico pátrio. Rodrigues (2008, p. 1020) cita como exemplo a crescente quantidade de convênios de cooperação técnica entre municípios e estados federados brasileiros e contrapartes estatais estrangeiras, com o objetivo de implementar políticas públicas de proteção ambiental com base em tratados ou documentos internacionais. Outros exemplos de atividades paradiplomáticas que ocorrem sem que haja conflito com a Constituição Federal são: o estabelecimento de escritórios permanentes e/ou centros de comércio no exterior representando as unidades federadas; a hospedagem de representações de unidades federadas ou regionais de outros países; viagens ao exterior por autoridades subnacionais; participação em feiras ou eventos internacionais; a criação de zonas de cooperação sub-regional12; a participação de representantes em conferências, organizações internacionais, 12 É o caso do acordo envolvendo o Codesul e a Crecenea, do qual participam províncias argentinas (Chaco, Corrientes, Entre Rios, Formosa, Missiones e Santa Fé) 220

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

representações diplomáticas em capitais estrangeiras e até mesmo nas missões oficiais do governo brasileiro a países estrangeiros (PRAZERES, 2004, p. 298-299). Todas essas iniciativas ocorrem dentro da legalidade, sendo autorizadas pelo artigo 25, parágrafo 1º da Constituição Federal, o qual dispõe que: “São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.” De modo a conhecer e coordenar essas ações internacionais de suas unidades subnacionais, o governo federal brasileiro, por meio do seu Ministério de Relações Exteriores (MRE) criou, em 1997, a Assessoria de Relações Federativas (ARF) para lidar com as crescentes demandas federativas. Em 2003, esse órgão se transformou na Assessoria de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA), ainda vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, que busca captar os interesses e as ações dos entes federados e inseri-los na formulação da política externa, promovendo a articulação dos governos estaduais e municipais com o MRE e o governo federal (KUGELMAS; BRANCO,2005, p.181). Com o intuito de auxiliá-la na interlocução com os estados e municípios, a AFEPA possui escritórios de representação regional localizados em diversas cidades brasileiras, como Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, é preciso destacar também o papel da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), autarquia vinculada ao MRE que promove a cooperação internacional, “valendo-se de boas práticas, recursos e capacidades de órgãos e agências estaduais e municipais brasileiros, levados para outros países.” (RODRIGUES, 2008, p. 1023). A captação dos interesses das unidades subnacionais por parte do Estado federal em matéria de política externa é conhecida como diplomacia federativa e busca suprir a demanda dessas unidades, promovendo sua inserção internacional indireta, com o MRE fazendo o papel de mediador. O próprio MRE propõe aos estados federados uma alternativa à celebração direta de atos internacionais, que seria a “celebração e estados brasileiros (Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

221

dos ajustes complementares entre as partes de um tratado internacional em vigor, que poderiam complementar a matéria de interesse do estado federado e até mesmo indicá-lo como entidade executória do referido ajuste.’’ (PRAZERES, 2004, p. 304). O Paraguai e o Uruguai, outros dois membros fundadores do Mercosul, apresentam-se sob a forma de estado unitária (diferentemente do Brasil e da Argentina, que adotam o modelo federalista). Nesses dois países, o poder é centralizado pela Presidência da República, não havendo autonomia por parte dos governos subnacionais. Dessa forma, a atuação externa desses governos se dá por meio uma política de cooperação com o governo central (PRADO, 2013, p. 79). A Venezuela, membro pleno do bloco desde 2012, adota a forma de estado federativa (assim como Brasil e Argentina). Sua constituição, no entanto, não faz nenhuma referência ao grau de participação dos seus governos subnacionais nas relações internacionais, não lhes conferindo a competência expressa para atuar nesta área (Ibidem). Independente de previsão constitucional, o fato é que os governos subnacionais estão cada vez mais buscando parcerias externas para promover o seu desenvolvimento local, sem ter que depender exclusivamente da ação dos seus governos centrais. Nesse sentido, Prado (2013) aponta que a paradiplomacia pode servir como um instrumento estratégico para o fortalecimento do processo de integração regional. Nesse contexto, as regiões de fronteira se apresentam como um ambiente profícuo para a interação dos governos subnacionais no Mercosul. No ambiente fronteiriço do bloco, onde há uma maior vivência do processo de integração de forma horizontalizada, os governos subnacionais fronteiriços e a população que ali vive, criam seus próprios meios de interlocução social, cultural, política e econômica, destacando e criando ao mesmo tempo um tema de suma importância para o Mercosul. A fronteira é um locus propício para as ações de cooperação e para a inserção internacional dos governos subnacionais. Os relaciona222

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

mentos econômicos, culturais e sociais perpassam os limites impostos pela política e pelo direito, que por vezes, se apresentam como elementos basilares das relações entre os Estados Nacionais. Enquanto bloco destinado a promover a integração regional, o Mercosul possibilita uma maior interação entre os governos subnacionais, principalmente os fronteiriços, gerando um ambiente favorável às iniciativas paradiplomáticas. Dentro dessa perspectiva, Soldatos destaca a interdependência regional e a proximidade geográfica e demográfica como fatores determinantes para a paradiplomacia. “Factors of regional interdependence are also important external determinants of paradiplomatic activity. These factors take two principal forms. First, geographic and demographic proximity, environmental interdependence, cultural affinities, and economic complementarity – micro-regional factors – lead to transregional or transborder international co-operation and paradiplomacy.”(SOLDATOS, 1990, p. 48-49).

A partir de agora, passaremos a compreender o ambiente da fronteira, no qual a paradiplomacia encontra fatores mais favoráveis ao seu desenvolvimento, contribuindo para a integração dos governos subnacionais do Mercosul, bem como de suas respectivas populações.

3.

INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL

Quando abordamos o tema da paradiplomacia, a fronteira aparece como um espaço de destaque. Ao versar sobre o seu conceito clássico, Tito Carlos Machado de Oliveira, apesar de particularmente não compartilhar dessa visão, nos informa que: “Grosso modo, o que se entende como fronteira constitui-se numa delimitação territorial que irá definir, no caso em questão, onde se encerra um país e onde se inicia outro, estipulando a interrupção do poder de um Estado num determinado território.” (OLIVEIRA, 2005, p.577). A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

223

Apesar de tradicional, esse conceito de fronteira como limite encontra-se de certa forma incompleto e não atende aos objetivos do presente trabalho. O mais adequado seria trabalhar com o conceito de Lia Osório Machado, quem nos esclarece a distinção entre fronteira e limite: “É bastante comum considerar os termos fronteira e limite como sinônimos. Existe, contudo, diferenças essenciais entre eles que escapam ao senso comum. A palavra fronteira implica, historicamente, aquilo que sua etimologia sugere - o que está na frente (...). Mesmo assim, não tinha a conotação de uma área ou zona que marcasse o limite definido ou fim de uma unidade política. Na realidade, o sentido de fronteira era não de fim, mas do começo do Estado, o lugar para onde ele tendia a se expandir. (...) As diferenças são essenciais. A fronteira está orientada “para fora” (forças centrífugas), enquanto os limites estão orientados “para dentro” (forças centrípetas) (...) enquanto a fronteira pode ser um fator de integração, na medida que for uma zona de interpenetração mútua e de constante manipulação de estruturas sociais, políticas e culturais distintas, o limite é um fator de separação, pois separa unidades políticas soberanas e permanece como um obstáculo fixo, não importando a presença de certos fatores comuns, físico-geográficos ou culturais.” (MACHADO, 1998, p. 42).

A partir dessa perspectiva, podemos compreender a fronteira como um espaço de integração e não de separação. Nesse sentido, o documento elaborado pela Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional, intitulado “A PNDR em dois tempos: A experiência apreendida e o olhar pós 2010” (2010, p. 33) defende que as regiões fronteiriças não devem mais ser vistas como áreas longínquas e isoladas, mas sim como áreas capazes de estimular o desenvolvimento e a integração regional, já que as faixas contíguas dos países fronteiriços possuem propósitos comuns e vantagens comparativas que merecem ser mais exploradas.

224

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

No âmbito do Mercosul, é justamente nas regiões de fronteira que a paradiplomacia ganha maior ênfase, já que, em virtude da aproximação territorial, as unidades subnacionais fronteiriças tendem a compartilhar um maior grau de interesses e necessidades comuns, facilitando assim a cooperação e a integração. “Uma estratégia, que busca aproveitar as oportunidades resultantes da transversalidade do comportamento populacional nas fronteiras, é criada. Esta estratégia, geralmente montada por entidades associativas, empresariais, etc. (lícitas ou ilícitas), sustenta iniciativas para incrementar fluxos comerciais diversos e, como efeito, estabelece novas rotas comerciais, mudança dos fluxos migratórios, dimensiona as conexões urbanas e redimensiona o papel do poder público: de todo modo, concebem formas menos ortodoxas de uso do território. Independentemente de sua forma e sua estrutura, estas localidades podem ser caracterizadas por “regioneseconómicas binacionales’’. (WONGGONZÁLES apud OLIVEIRA, 2005, p. 382).

Ainda segundo Oliveira (2005), parafraseando WongGonzáles, a integração no ambiente fronteiriço ocorre sob duas formas: a funcional e a formal. A funcional deriva das forças do mercado, sendo representada pelas articulações dos atores sociais e exercida por meio do comércio de bens e serviços, do empréstimo de máquinas e equipamentos e das manifestações conjuntas entre unidades de administração local não expressaspor acordos jurídicos. Já a formal deriva de acordos jurídicos entre as partes interessadas, podendo envolver importações e exportações aduaneiras, o estabelecimento de entidades supranacionais, intercâmbios estudantis, programas de controle sanitário, entre outros. Ao mencionar estudos na área de “cooperação subnacional” em regiões de fronteira, Scherma (2012, p. 127) nos revela que: “são relativamente poucos aqueles que os relacionam às políticas nacionais, interpretando-os mais como uma forma individual de fuga de uma cooperação oficial nacional lenta em busca de resultados mais rápidos”. A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

225

Podemos afirmar, portanto, que por meio da paradiplomacia (especialmente na modalidade de cooperação descentralizada) governos subnacionais pertencentes a países diferentes podem cooperar para atingir interesses e/ou solucionar problemas comuns envolvendo questões presentes nas áreas fronteiriças como: a formação de arranjos produtivos locais binacionais; a utilização de uma mesma infraestrutura para propósitos comuns, o compartilhamento de serviços públicos; a circulação de bens e serviços; o deslocamento de mão de obra; o combate ao descaminho e ao tráfico de entorpecentes transfronteiriço, entre outros. Quando falamos de estados e municípios fronteiriços, principalmente no caso de cidades-gêmeas, grande parte das políticas públicas deve levar em conta não apenas o nível nacional, como também o internacional, uma vez que ações desenvolvidas de um lado geram impactos do outro lado, existindo uma relação intrínseca de interdependência que se sobrepõe aos limites territoriais que separam um país do outro. O critério geográfico é tão importante para a paradiplomacia que Duchacek (1990, p. 16) a divide em três modalidades: regional transfronteiriça, transregional e global. A primeira representa a interação formal ou informal entre governos subnacionais fronteiriços de Estados distintos; a segunda representa os contatos entre governos subnacionais geograficamente distantes, mas cujos Estados centrais são vizinhos; e a terceira representa as ligações diretas entre governos subnacionais pertencentes a Estados que não fazem fronteira entre si. Diante do exposto, o tema da paradiplomaciatransfronteiriça e da integração fronteiriça de forma mais ampla ganha uma importante relevância. Vale ressaltar que a integração fronteiriça dos países do Mercosul constitui objetivo permanente e eixo prioritário do FCCR13. Por esse motivo, o órgão criou o Grupo de Trabalho de Integração Fronteiriça (GTIF), 2008, na ocasião da VII Reunião de Coordenadores 13 Disponível em: Acesso em 27 de junho de 2013. 226

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

Nacionais e Alternos do FCCR (Ata Nº 01/08) 14. Seu objetivo é promover estudos sobre o tema, além de inserir a discussão dos problemas fronteiriços dentro do Mercosul, contribuindo com o crescimento do bloco e atendendo às necessidades dos governos subnacionais. Outro espaço dedicado a essa temática é o Grupo Ad Hoc sobre Integração Fronteiriça (GAHIF), criado por meio da Decisão nº 05/02 do Conselho do Mercado Comum15 (órgão executivo do Mercosul) sob o fundamento de que “a fluidez e a harmonia do relacionamento entre as comunidades fronteiriças dos Estados-partes do Mercosul, nas suas mais variadas dimensões, constituem um dos aspectos mais relevantes e emblemáticos do processo de integração”. Seu objetivo é criar instrumentos que promovam a maior integração das comunidades fronteiriças, visando à melhoria da qualidade de vida de suas populações (Artigo 1º da referida decisão). Além de promoverem o avanço institucional do Mercosul, a criação de espaços dedicados à integração fronteiriça possibilitou também uma maior articulação entre os governos subnacionais, que passaram a expandir sua atuação internacional e construir novos instrumentos de cooperação. Dentre eles, destacam-se: I) Projeto Governança Fronteiriça: fortalecimento das capacidades dos Governos Departamentais e Locais do Mercosul16 Esse projeto surgiu da iniciativa do FCCR, com o objetivo de fortalecer as capacidades dos atores departamentais e locais das cidades-gêmeas localizadas nos cinco arcos de fronteira do Mercosul (Argen14 Disponível em: Acesso em 27 de junho de 2013. 15 Disponível em: Acesso em 27 de junho de 2013. 16 Documento de formulação Disponível em:. Acesso em 28 de outubro de 2013. A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

227

tina-Uruguai; Uruguai-Brasil; Brasil-Paraguai; Paraguai – Argentina; Argentina – Brasil), buscando aprofundar a integração fronteiriça por meio da capacitação de agentes públicos locais para a atuação internacional, preparando-os para a formulação e execução de projetos de captação de recursos junto a organismos internacionais e regionais, como o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM). Com esses recursos, busca-se promover o desenvolvimento econômico, social, cultural, ambiental e institucional dessas regiões de fronteira, superando seus problemas estruturais em áreas como saúde, segurança e educação e seus baixos índices de desenvolvimento humano e econômico. O projeto é financiado pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID) e liderado pela Fundação SimónBolivar, responsável pela sua execução financeira, juntamente com o Congresso de Intendentes e a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Estão envolvidas também outras universidades do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, que atuarão na capacitação de 150 gestores públicos locais e membros da sociedade civil dos cinco arcos de fronteira por meio de um curso que terá duração de um ano e será realizado predominantemente na modalidade de educação à distância e, também, com encontros presenciais. II) Projeto Fronteiras Abertas Esse projeto propõe a criação de uma Rede Inter-regional para a Cooperação Transfronteiriça e para a Integração Latino-americana. Procura fomentar a cooperação descentralizada de um grupo de regiões italianas (Lombardia, Piamonte, Toscana, Umbría e a província autônoma de Bolzano) na América Latina e estimular a cooperação Sul-Sul entre as unidades subnacionais dos países latino-americanos pela transferência de boas práticas, permitindo uma cooperação descentralizada triangular. Uma de suas características relevantes é o esforço em melhorar a capacidade dos atores locais na elaboração de projetos de captação de recursos. Suas principais atividades são informações em sua página

228

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

da internet, a elaboração de documentos de trabalho, formação técnica (por meio de viagens de estudos, cursos on-line e seminários presenciais), assistência para elaboração de projetos, consultorias especializadas, criação de uma rede de institutos e pesquisadores de estudos fronteiriços, entre outros. (ODONNE; RHI-SAUSI, 2009). No âmbito do Mercosul, o projeto se propôs a aproximar-se das realidades fronteiriças do bloco, contribuindo com os estudos sobre o tema e favorecendo a criação de consensos entre as unidades subnacionais para promover projetos de desenvolvimento e processos de intercâmbio, de modo a desenvolver a região pela cooperação descentralizada. A princípio, sua área de atuação no Mercosul seria a tríplice fronteira envolvendo Argentina, Brasil e Paraguai. No entanto, em virtude das demandas surgidas, a proposta foi ampliada a todos os membros originários do bloco, incorporando também o Uruguai (Ibidem). Com relação às políticas nacionais fronteiriças dos Estados-partes do Mercosul, Brasil (150 km), Paraguai (50 km)17 e Uruguai (20 km com o Brasil) estabeleceram a dimensão de uma faixa de fronteira em suas legislações. A Argentina estabelece não uma faixa, mas uma zona de fronteira como fator de segurança. (FURTADO, 2013). No âmbito brasileiro, a Constituição Federal em seu Artigo 20, § 2º, estabelece que a faixa de fronteira no país possua até 150km de largura ao longo das fronteiras terrestres. Ela é considerada como fundamental, tanto para a defesa do território nacional, quanto para fatores econômicos, a exemplo da discussão patrocinada pela recém-criada Lei nº 12.723/2012, que estabelece a criação de lojas francas em municípios da faixa de fronteira cujas sedes se caracterizam como cidades-gêmeas de cidades estrangeiras. Regulamentada pela Lei nº 6.634/79, a faixa de fronteira corresponde a aproximadamente 27% do território nacional, 17 Ley nº 2.532, de 17 de fevereiro de 2005. Artículo 1º.- Se establece zona de seguridad fronteriza la franja de 50 kilómetros adyacente a las líneas de frontera terrestre y fluvial dentro del territorio nacional. Disponível em:. Acesso em 28 de junho de 2013. A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

229

possui 15.719 km de extensão, abriga cerca de 10 milhões de habitantes de 588 municípios de 11 estados brasileiros e é lindeira a 10 (de um total de 12) países da América do Sul (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL: SECRETARIA DE POLÍTCAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2010, p. 29). Sua importância estratégica para a integração sul-americana é tamanha, que o governo federal desenvolveu iniciativas para promover o desenvolvimento dessas regiões, tais como: a) O Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF)18- criado pelo Ministério da Integração Nacional (MI), se encontra em processo de implementação e possui como objetivo principal promover o desenvolvimento das estruturas físicas, sociais e produtivas da Faixa de Fronteira, com ênfase na ativação das potencialidades locais e na articulação com outros países sul-americanos. Dentre suas linhas de ação, destaca-se o desenvolvimento integrado das cidades-gêmeas com base nas suas potencialidades locais, pelo fato de representarem uma oportunidade para fortalecer e catalisar os processos de integração social e institucional a nível supranacional (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL: SECRETARIA DE POLÍTCAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2010, p. 34); b) A Comissão Permanente para o Desenvolvimento e a Integração da Faixa de Fronteira (CDIF) - instituída pelo decreto federal de 08 de setembro de 201019, sua finalidade é propor medidas e coordenar ações buscando o desenvolvimento de iniciativas necessárias a atuação do governo federal na região fronteiriça. Apesar dessas iniciativas, ainda em desenvolvimento, existe certa omissão histórica do Poder Público federal nas áreas de fronteira, pelo fato de estarem distantes dos grandes centros decisórios e possuírem baixa densidade populacional, dificultando o desenvolvimento e a in18 Disponível em:. Acesso em 28 de junho de 2013. 19 Disponível em:. Acesso em 28 de junho de 2013. 230

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

tegração fronteiriça. Como consequência dessa omissão, as unidades subnacionais demandam uma maior autonomia para atuar no plano internacional e, consequentemente, poderatender de maneira mais eficaz os anseios de suas populações locais (GRUPO DE TRABALHO INTERFEDERATIVO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA, 2010).

4.

O CASO DE MATO GROSSO DO SUL

O estado de Mato Grosso do Sul faz fronteira com o Paraguai (membro formador do Mercosul) e com a Bolívia (país associado ao Mercosul, conforme tratado assinado em 28/02/1997). De um total de 78 municípios, 44 (mais da metade) encontram-se localizados na faixa de fronteira (GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, 2012). Segundo documento intitulado “Plano de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira/MS20”, elaborado pelo governo estadual: “O meio geográfico que melhor caracteriza a Faixa de Fronteira é aquele formado pelas cidades-gêmeas. Esses adensamentos populacionais cortados pela linha de fronteira (seja esta seca ou fluvial, articulada, ou não, por obra de infraestrutura) apresentam grande potencial de integração econômica e cultural, assim como manifestações condensadas dos problemas característicos da fronteira, que aí adquirem maior densidade, com efeitos diretos sobre o desenvolvimento regional e a cidadania.” (GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, 2012, p. 13).

Feito essa consideração, o documento nos informa que Mato Grosso do Sul possui oito cidades–gêmeas: Corumbá/Puerto Suárez (Bolívia); Bela Vista/Bella Vista Norte (Paraguai); Ponta Porã/Pedro Juan Caballero (Paraguai); Paranhos/Ypejhú (Paraguai); Coronel Sapucaia/CapitánBado (Paraguai); Porto Murtinho/Carmelo Peralta (Para20 Disponível em:. Acesso em 16 de setembro de 2013. A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

231

guai); Mundo Novo/Salto del Guairá (Paraguai); Sete Quedas/Pindoty Porã/Corpus Christi (Paraguai). O documento aponta ainda que essas cidades devem constituir-se em um dos alvos prioritários das políticas para a Faixa de Fronteira. Além das cidades-gêmeas, quatro municípios do MS compõem a Rede Mercocidades (Bela Vista, Coronel Sapucaia, Dourados e Paranhos21), um importante espaço de cooperação descentralizada a nível municipal. O estado também faz parte de experiências de integração subnacional, como o Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul(CODESUL) e a Zona de Integração do Centro-Oeste da América do Sul (ZICOSUL). O CODESUL existe desde 1961, quando os estados do Rio Grande Sul, Santa Catarina e Paraná assinaram um convênio criando, além do referido conselho, o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo-Sul (BRDE) com o intuito de solucionar históricos problemas de desequilíbrio regional no país. Mato Grosso do Sul foi incorporado em 1992. Além de atuar como um foro para ações coordenadas por parte dos quatro estados participantes, o CODESUL busca a integração e a cooperação com governos subnacionais de outros países, principalmente da América do Sul, com destaque para a sua aproximação com a Comissão Regional de Comércio Exterior do Nordeste Argentino (CRECENEA-Litoral), formada pelas províncias argentinas de Corrientes, Chaco, Entre Ríos, Formosa, Misiones e Santa Fé. Prado (2013, p. 89) alega que “a iniciativa CODESUL/CRENECEA-Litoral tem se mostrado o principal bloco de iniciativa de governos subnacionais dentro do Mercosul’’. O ZICOSUL, por sua vez, busca fortalecer a integração econômica, social e cultural das regiões que o compõem (norte da Argentina, norte do Chile, Paraguai, Bolívia e Mato Grosso do Sul). Segundo seusite oficial, seu principal objetivo é: 21 Disponível em:. Acesso em 7 de agosto de 2013. 232

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

“lograr la inserción de la subregión en el contexto internacional desde el punto de vista competitivo, desarrollando el comercio exterior con los mercados internacionales mediante la articulación de ejes de comunicación, así como también promover la integración social y cultural, como mecanismo para lograr el desarrollo económico-social de las regiones que la integran22.”

Outra iniciativa de destaque envolvendo a cooperação descentralizada foi o projeto Linha Internacional, executado na faixa de fronteira Brasil/Paraguai, que envolveu as cidades--gêmeas de Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai) no período de 2009 a 2012. Esse projeto buscou reurbanizar o espaço envolvendo as duas cidades, de modo a fortalecer a construção de uma identidade comum entre os dois povos. Sua realização se deu por meio de uma fonte de financiamento disponibilizada pelo Programa URB-AL III, um programa de cooperação regional da Comissão Europeia, cuja finalidade é promover o desenvolvimento social e territorial das comunidades locais da América Latina, gerando possíveis soluções para os problemas enfrentados pelos governos subnacionais latino-americanos. A iniciativa foi coordenada pelos governos locais em parceria com duas entidades espanholas: o Conselho Provincial de Málaga e a não governamental (ONG) Paz y Desarrollo23. Até o final de 2012, o projeto alcançou mais de 2.231 beneficiários diretos, entre comerciantes, funcionários e membros de comissões de bairro, pela capacitação técnica envolvendo suas respectivas funções. Ademais, conseguiu também avançar no projeto de infraestrutura local por meio da construção de novos estabelecimentos comerciais e da organização territorial urbana do espaço fronteiriço envolvendo as duas cidades-gêmeas24. 22 Disponível em:. Acesso em 7 de agosto de 2013. 23 Disponível em:. Acesso em 5 de outubro de 2013. 24 Dados disponíveis em: . Acesso em 10 de dezembro de 2013. A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

233

O estado de Mato Grosso do Sul participa, ainda, de dois comitês de fronteira Brasil-Paraguai (Salto del Guairá/Guaíra/Mundo Novo e Pedro Juan Caballero/Ponta Porã). A última reunião de um comitê de fronteira (Salto del Guairá/Guaíra/Mundo Novo) foi realizada em setembro de 2007. Há, no entanto, interesse mútuo em retomar as reuniões dos comitês25. Com relação à Bolívia, por acordo assinado em 25/03/11, foram instituídos os “Comitês de Integração Fronteiriça Brasil-Bolívia”, com o objetivo de promover as integrações política, econômica, social, física e cultural das populações lindeiras. Os Comitês operam em quatro localidades: Brasiléia-Epitaciolândia/Cobija; Guajará-Mirim/Guayaramerín; Corumbá/Puerto Suárez; e Cáceres/San Matias. Coordenados pelo Ministério das Relações Exteriores dos dois países, elessão foros de composição flexível, aos quais são convidados a participar representantes dos governos federal, estadual e municipal, bem como membros da sociedade civil. Nesse sentido, foi estendido convite ao governo de Mato Grosso do Sul para integrar a reunião do Comitê Corumbá/Puerto Suárez26. Por fim, podemos mencionar também a participação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), como uma das universidades executoras do projeto “Governança Fronteiriça” 27. Apesar dessa crescente inserção internacional, nenhum dos 78 municípios de Mato Grosso do Sul possui, em sua esfera administrativa, uma área dedicada aos assuntos internacionais, como uma agência ou uma secretaria específica de acordo com pesquisa publicada no ano de 2009 pela Confederação Nacional de Municípios e apenas três desses municípios foram apontados como possuindo algum funcionário res25 Dados fornecidos pelo Ministério das Relações Exteriores, por meio do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), mediante solicitação número nº 09200000285201320. 26 Ibidem. 27 Disponível em:. Acesso em 29 de outubro de 2013. 234

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

ponsável por lidar com assuntos internacionais: Campo Grande (diretor-presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico de Campo Grande), Paranhos (chefe de gabinete) e Coronel Sapucaia (secretário de administração) (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS, 2009). No âmbito estadual, também não há uma secretaria própria que trate de assuntos internacionais, a exemplo de outros estados brasileiros. Contudo, a administração estadual de MS dispõe de estruturas menores tais como: o Conselho Extraordinário de Relações Nacionais e Internacionais para o Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso do Sul (CONEX)28 , a Assessoria para os Assuntos do Conselho de Desenvolvimento e Integração (ASSESUL)29 e divisões da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da Indústria, do Comércio e do Turismo (SEPROTUR) e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia (SEMAC) que tratam da agenda do comércio exterior, negociações comerciais e convênios internacionais em diversas áreas. Importante destacar, no entanto, que o estado é o único no Brasil a possuir um escritório de representação comercial no exterior, localizado na Itália30 (BUENO, 2010).

28 Lei Estadual nº12.223 de 22/12/2006, artigo 16: “Fica criado o Conselho Extraordinário de Relações Nacionais e Internacionais para o Desenvolvimento Econômico do Estado de Mato Grosso do Sul, com a finalidade de prestar assessoramento ao Poder Executivo e de estabelecer mecanismos de promoção da política de relações públicas e de cooperação nacional e internacional para o desenvolvimento econômico do Estado”. 29 Lei Estadual nº12.223 de 22/12/2006, Artigo 10, I, a) 3. 30 http://www.brazilplanet.info/Foco/Mato_Grosso_do_Sul/Mato_Grosso_Do_Sul_ Do_Coracao_Do_Brasil_Para_Milao_E_Europa.kl A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

235

Outro avanço institucional importante foi a criação do Núcleo Regional de Integração da Faixa de Fronteira do Estado de Mato Grosso do Sul (NFMS) por meio do Decreto nº 13.303, de 22 de Novembro 201131, o qual conta com três Grupos de Trabalho (Borda Fronteira Bolívia, Borda Fronteira Paraguai e Fronteira Centro)32. Apesar de crescentes, as iniciativas paradiplomáticas em Mato Grosso do Sul ainda são poucas, principalmente em comparação com outros estados fronteiriços como o Rio Grande do Sul, por exemplo. No caso específico da captação de recursos (uma das modalidades de paradiplomacia), apesar de haver diversos organismos e agências internacionais dispostos a financiar projetos, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco do Japão para Cooperação Internacional (JBIC), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e a Cooperação Andina de Fomento (CAF), a baixa capacidade de arrecadação (e o consequente pequeno poder de endividamento) dos municípios localizados na faixa de fronteira, a falta de mão de obra qualificada para identificar e elaborar projetos de captação de recursos junto às fontes disponíveis no mercado e a falta de emponderamento institucional dos municípios constituem grandes entraves (GRUPO DE TRABALHO INTERFEDERATIVO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA, 2010, p. 43). Apesar da inexistência de uma área internacional institucionalizada não impedir que os municípios realizem atividades internacionais, é grande a sua importância na implementação e na coordenação dessas atividades, principalmente no que se refere à aprovação de projetos de cooperação técnica e à articulação para financiamento com agências internacionais(CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS, 2011, p. 25).

31 Disponível em:. Acesso em 16 de setembro de 2013. 32 Disponível em:. Acesso em 16 de setembro de 2013. 236

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

No caso específico dos recursos humanos, esse entrave poderia ser superado pela capacitação técnica dos agentes públicos (objetivo a ser alcançado por projetos como o “Governança Fronteiriça” e o “Fronteiras Abertas”) e da atuação do analista de relações internacionais. O perfil multidisciplinar e versátil desse profissional o torna apto a coordenar as atuações externas dos governos subnacionais, buscando oportunidades para a sua inserção no plano internacional de modo a atender os interesses locais. Nesse sentido, Miyamoto (1999, p. 96) aponta que é cada vez mais crescente a busca por profissionais dinâmicos e flexíveis capazes de utilizar instrumentos internacionais para satisfazer as necessidades internas dos governos subnacionais. Atualmente, Mato Grosso do Sul possui dois cursos de bacharelado em Relações Internacionais: um na capital, ligado a um Centro Universitário privado (UNAES/ANHANGUERA) e outro na cidade de Dourados, vinculada à Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). No entanto, mesmo havendo projetos de pesquisa que estudam o comportamento do estado no comércio internacional, suas relações de fronteira e sua atuação internacional, os currículos de ambos os cursos não abordam disciplinas que versam sobre os estudos da paradiplomacia e da cooperação descentralizada, tampouco assuntos relacionados à cooperação internacional. Observa-se, portanto, uma baixa interação entre academia e governo na construção de estratégias e agendas favoráveis a inserção internacional do estado (NASCIMENTO, 2013).

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de não estarem previstas no ordenamento jurídico interno dos países do Mercosul (com exceção da Argentina), iniciativas envolvendo a cooperação descentralizada e outras modalidades de paradiplomacia ocorrem com cada vez mais frequência no âmbito do bloco. Com o objetivo de fortalecer o processo de integração regional e inserir as unidades subnacionais na construção da política mercosuli-

A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

237

na, importantes iniciativas foram desenvolvidas, conforme mostradas no presente trabalho. Dentre elas, destaca-se o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul (FCCR), pelo fato de compor a estrutura institucional do bloco e por permitir que as entidades subnacionais proponham seus interesses de forma descentralizada, gerando a proposição de novas iniciativas de cooperação e fortalecendo cada vez mais a integração regional, que passa a ser enxergada para além dos governos centrais. Ainda que não tenha um poder de decisão efetivo dentro da estrutura do bloco, por se tratar de um órgão consultivo, é de grande valor a sua contribuição na legitimação da paradiplomacia no âmbito da integração regional. Importante destacar também o fato de as regiões de fronteira (devido à proximidade geográfica e demográfica com países vizinhos) se apresentarem como áreas dotadas de grande potencial para a atuação no âmbito da paradiplomacia e da cooperação descentralizada. De forma paralela, a integração fronteiriça dos povos do Mercosul fortalece também a própria ideia de integração regional, fazendo com que ela extrapole o âmbito das cúpulas presidenciais e se manifeste de forma concreta na realidade local dos cidadãos. Todo esse contexto indica que a paradiplomacia, e a integração fronteiriça são fenômenos políticos relevantes e que devem ser levados em consideração na elaboração de políticas públicas, principalmente por parte de governos subnacionais localizados em áreas fronteiriças, como é o caso do estado de Mato Grosso do Sul. É preciso, no entanto, um maior avanço institucional por parte desses governos, por meio da criação de órgãos específicos para lidarem com questões internacionais, do investimento na capacitação técnica de seus agentes públicos e de uma maior interação com o meio acadêmico, de modo que tais iniciativas possam ser exploradas com maior eficiência.

238

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

REFERÊNCIAS ARGENTINA. Constitución de la nación argentina. 1994. Disponível em:. Acesso em: 29nov. 2011. BRASIL. Decreto n. 350, de 21 de novembro de 1991. Tratado para a Constituição de um Mercado Comum entre a República Federativa do Brasil, a República Argentina, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai (Tratado de Assunção). Disponível em:. Acesso em: 10 de dezembro de 2013. ______. Decreto de 8 de setembro de 2010. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 9 set. 2010. ______. Lei n° 12.723, de 09 de outubro de 2012. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 10 out. 2012. ______. Lei n° 6.634, de 02 de maio 1979. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 03 maio 1979. ______. 2009. Constituição da República Federativa do Brasil: 1988. São Paulo: Saraiva. ______. Ministério da Integração Nacional: Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional. 2010. A PNDR em dois tempos: A experiência apreendida e o olhar pós 2010. Brasília, Novembro de 2010. ______. Grupo de Trabalho Interfederativo de Integração Fronteiriça. 2010b. Bases para uma Proposta de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira. Brasília. Disponível em:. Acesso em: 25 nov. 2013. BUENO, I. 2010. Paradiplomacia contemporânea: trajetórias e tendências da atuação internacional dos governos do Brasil e EUA. Tese de Doutorado. Universidade de Brasília. Brasília. Brasil. BRANCO, A. C. 2009. Paradiplomacia& entes não-centrais no cenário internacional. Curitiba: Juruá. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. 2009. Observatório da Cooperação Descentralizada no Brasil. Brasília.

A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

239

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. 2011. As áreas internacionais dos municípios brasileiros. Brasília. PRIETO, N.C. 2004. O outro lado do novo regionalismo pós-soviético e da Ásia-Pacífico: a diplomacia federativa além das fronteiras do mundo ocidental. In: VIGEVANI, Tullo; WANDERLEY, Luiz Eduardo; BARRETO, M. Inês e MARIANO, P. (orgs). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC; UNESP/EDUSC, . p. 251-282. DUBOIS, A. Cooperación descentralizada. 2000. In: Diccionario de acción humanitaria y cooperación al desarrollo. Icaria Editorial. Disponível em:< http://www.dicc.hegoa.ehu.es/listar/mostrar/42>. Acessoem: 27 jun. 2013. FONSECA, M. G.; VENTURA, D.. 2012. La participación de los entes subnacionales en la política exterior de Brasil y en los procesos de integración regional. Revista CIDOB d’afersinternacionals, n.º 99, (septiembre 2012), p. 55-73 FURTADO, R.. 2011. As fronteiras no âmbito do Mercosul: apontamentos sobre a formação da agenda política de integração fronteiriça. Univ. Rel. Int., Brasília, v. 9, n. 1, p. 371-381, jan./jun. 2011 ______. 2013. Descobrindo a faixa de fronteira: a trajetória das elites organizacionais do Executivo Federal: As estratégias, as negociações e o embate na constituinte. Curitiba: CRV. FRONZAGLIA, M. L. 2005. Unidades subnacionais: um estudo de caso sobre a cidade de São Paulo – de 2001 a 2004.Campinas, UNICAMP. (Dissertação de Mestrado). GONÇALVES, E.das N.; STELZER, J.. 2009. Direito internacional sob novos paradigmas: os Estados, as pessoas e as controvérsias. Florianópolis: Conceito Editorial. GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. 2006. Lei Estadual nº 3.345 de 22/12/2006.Disponível em:. Acesso em: 12 dez. 2013. ______. 2012. Plano de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira/MS. Disponível em:. Acesso em: 16 set. 2013.

240

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

KEOHANE, R. O. e NYE JR.; J. S. 1989. Power and interdependence.Boston, Scott, Foresman. KUGELMAS, E.; BRANCO, M. S.. 2005. Os governos subnacionais e a nova realidade do federalismo”. In: WANDERLEY. Luiz Eduardo e VIGEVANI, Tullo (orgs). Governos subnacionais e sociedade civil: Integração regional e Mercosul. São Paulo: EDUC; Fundação Editora da UNESP; FAPESP, p.161-188. MACHADO, L. O..1998. Limites, fronteiras, redes. In: T. M. Strohaecker, A. Damiani, N.O.Schaffer, N.Bauth, V.S.Dutra (org.). Fronteiras e espaço global. AGB-Porto Alegre, Porto Alegre, p.41-49. MARIANO, M. P.; MARIANO, K. L. P. 2005. Governos subnacionais e integração regional: considerações teóricas. In: WANDERLEY, L. E.e VIGEVANI, T.(orgs). Governos subnacionais e sociedade civilintegração regional e Mercosul. São Paulo: EDUC; Fundação Editora da UNESP; FAPESP,p.131-160. MARIANO, M. P.; MARIANO, K. L. P.. 2002. As teorias de integração regional e os estados subnacionais. Impulso, Piracicaba, v.13, n. 31, p. 47-68. MERCOSUL. 2008. Mercosul/FCCR-CN/Ata nº 01/08. VII Reunião de Coordenadores Nacionais e Alternos do FCCR. ______. 2004. Mercosul/CMC/DEC nº 41/04. Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul. ______. 2002. Mercosul/CMC/DEC nº 05/02. Grupo Ad Hoc Sobre Integração Fronteiriça. MIYAMOTO, S. 1999. “O estudo das Relações Internacionais no Brasil: o Estado da Arte.” In: Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n.12, jun., pp.83-98, 1999. NASCIMENTO, R. F.. 2013. O analista de relações internacionais e a sua importância para a inserção internacional do estado do Mato Grosso do Sul. Monografia de Graduação em Relações Internacionais, Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados. ODDONE, N.; RHI-SAUSI, J. 2009.Cooperación transfronteriza en América Latina y MERCOSUR:Integración y Cooperación Fronteriza en el MERCOSUR. Montevideo, Ministerio de Asuntos Exteriores y de Cooperación de España, Agencia Española de Cooperación Internacional al Desarrollo – Pro-

A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

241

grama de Cooperación Mercosur-AECID y Foro Consultivo de Municipios, Estados Federados, Provincias y Departamentos del MERCOSUR, p. 33-107 OLIVEIRA, M. F. 2013. In: PRADO, D. F. B. do. As cidades como atores nas relações internacionais: a atuação via rede.Disponível em:. Acesso em: 25jun. 2013. OLIVEIRA, T. C. M.de. 2005. Tipologia das relações fronteiriças: elementos para o debate teórico-prático. In: OLIVEIRA, Tito Carlos Machado de. (org.) Território sem limites: estudos sobre fronteira. Campo Grande: Editora UFMS,p.377- 408. PAIKIN, D. (2011), Federalismo e integración regional: los vínculos de las províncias argentinas con el MERCOSUR, Revista Relaciones Internacionales; no. 41. Instituto de Relaciones Internacionales,p. 131-148. Disponível em: Acessoem:2 ago. 2014. PRADO, H. S.de A. AInserção dos atores subnacionais no processo de integração regional: o caso do Mercosul. Dourados: Ed. UFGD, 2013. PRAZERES, T. L. Por uma atuação constitucionalmente viável das unidades federadas brasileiras ante os processos de integração regional. In: VIGEVANI, Tulloetal (orgs). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC; Fundação Editora da UNESP; Bauru: EDUSC, pp. 283-312, 2004. RODRIGUES, G. M. A.. 2008. Relações internacionais federativas no Brasil. Revista Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 1015-1034. ROSENAU, J.1990. Turbulence in world politics. Princeton: Princeton University Press. SALOMÓN, M.. 2012. Em que medida é possível integrar a Cooperação Descentralizada na dimensão Sul-Sul da política externa brasileira? Revista Mural Internacional. Ano III - nº 2. Dezembro 2012. pp. 9 – 15. ______. NUNES, C.. 2007 A ação externa dos governos subnacionais no Brasil: os casos do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre. Um estudo comparativo de dois tipos de atores mistos. Contexto internacional,  Rio de Janeiro,  v. 29, n. 1,  jun.  Disponível em: . Acesso em  01  jul.  2014.  http://dx.doi.org/10.1590/S0102-85292007000100004. 242

Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto

SCHERMA, M. A. 2012. As fronteiras nas relações internacionais. Revista Monções, Vol.1, n.1 – Janeiro/Junho de 2012. P. 103-132 SOLDATOS, P. 1990. An Explanatory Framework for the Study of Federated States as Foreign-policy Actors. In: MICHELMANN, Hans J.; SOLDATOS, Panayotis. Federalism and International Relations: the role of subnational units.New York: Oxford University Press, pp. 34-53. VIDIGAL, E. 2010. A paz pelo comércio internacional – aauto-regulação e seus efeitos pacificadores. Florianópolis: Conceito Editorial. VIGEVANI, T.; WANDERLEY, L.E. (Org). 2005. Governos subnacionais e sociedade civil: integração regional e Mercosul. São Paulo: Ed.Unesp; EDUC; Fapesp.

A PARADIPLOMACIA COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA NO MERCOSUL E...

243

Este livro foi composto nas tipologias Zurich, Din 1451 e Minion Pro, impresso em cartão 250 g e papel offset 75 g certificados, provenientes de florestas que foram plantadas para este fim, e produzido com respeito às pessoas e ao meio ambiente.

Publique seu livro. Viabilizamos seu projeto cultural! Visite nossa home page: www.ithala.com.br

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.