Relatório de Iniciação Científica (Ciências Sociais e Educação) - Relações raciais, representações sobre o corpo discente e a Escolas Públicas na Grande Vitória/ES (2012/2013)

May 19, 2017 | Autor: V. Aguiar Caloti | Categoria: Racismo, Relações Etnicorraciais, Educação e inclusão
Share Embed


Descrição do Produto

Relações raciais, representações sobre o corpo discente e a escolas
públicas na grande Vitória
" "
"Identificação: "
"Grande área do CNPq.: Ciências Humanas ou Linguística "
"Área do CNPq: Ciências Sociais "
"Título do Projeto: Representações sobre diversidade e identidades "
"Professor Orientador: Drª Cleyde Rodrigues Amorim "
"Estudante PIBIC/PIVIC: Vinícius de Aguiar Caloti "

Resumo: O respectivo estudo buscou analisar como a construção social do
negro e sua significação nas representações sociais, no âmbito das Escolas
Públicas da Grande Vitória, influencia no ordenamento das relações étnico-
raciais quotidianas na instituição escolar e consequentemente nas
construções das identidades de estudantes negros, através de um estudo de
caso realizado na Escola Almirante Barroso. Assim, partimos de uma análise,
principalmente pautada na leitura indiciária e na hermenêutica de
profundidade das representações sociais no interior escolar, constatando a
influência que as representações demarcadas pela negatividade imprimem à
autoestima, concepções, perspectivas e, consequentemente às construções
identitárias dos estudantes negros.

Palavras chave: Relações étnico-raciais; racismo; representações sociais;
educação e inclusão.

1 – Introdução

O Brasil ratificou na órbita supranacional, declarações várias,
comprometendo-se com a igualdade de direitos e a promoção da dignidade e
bem estar das pessoas, tais como a Declaração Universal dos Direitos
(1948); a Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial (1968) e, incluso, a Carta da III Conferência Mundial
contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias
Correlatas (Durban, 2001).
Desde alguns anos, uma substantiva produção legiferante está sendo
engendrada nas esferas federal, estadual e municipal. No campo da Educação,
ressaltamos a Lei federal nº. 10.639/2003, que apresenta a constituição de
uma nova visão acerca do negro brasileiro (inclusive alterando a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, 1996) e, para sua
implantação, em 2005 foram publicizadas as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, do Ministério da Educação
(MEC).
Ademais, para aplicar a supramencionada lei, o MEC fundou a Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), para promover
a instituição de políticas públicas, com o intuito de mitigar as
desigualdades sociais, através da efetiva inclusão dos sujeitos na Escola.
Desta forma, alguns estados construíram subsecretarias ou outros órgãos
para deferirem as orientações e diretrizes desse Ministério. Tais
dispositivos, acordes com a Constituição Federal brasileira (CF 1988),
indiciam um anseio de produção de igualdade, dentro do ordenamento jurídico
democrático de Direito brasileiro. Entretanto a inclusão e a isonomia
factual não se realizam, apesar do aparato legal prescritivo.

As representações sociais sobre o negro, estereotipadas e eivadas de
preconceitos, constituem uma das variáveis do desordenamento das relações
étnico-raciais na sociedade coeva. Estudos variegados sobre educação
denotam que o racismo contra os discentes classificados como negros,
intervém no desempenho escolar, como exprime uma pesquisa feita pelos
professores Angela Albernaz, Francisco Ferreira e Creso Franco, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Usando dados
extraídos da base do MEC, os pesquisadores inferiram que:

Estudantes negros estão aprendendo menos que os brancos de
mesmo nível social e que estudam na mesma escola.
Analisando as notas dos alunos no Sistema de Avaliação da
Educação Básica (SAEB), principal exame do ministério para
medir a qualidade da educação brasileira, os pesquisadores
[...] mostraram que os negros tinham, na média de todas as
disciplinas verificada, desempenho inferior em 9,3 pontos
ao dos brancos, mesmo quando eram comparados alunos da
mesma classe social e da mesma escola. O estudo,
financiado pela Fundação Ford, também aponta diferenças
nas notas entre brancos e pardos. Nesse caso, a diferença
a favor dos brancos é de 3,1 pontos. Para os
pesquisadores, os resultados são uma forte evidência de
que pode estar havendo preconceito na escola. Professores
podem estar tratando de maneira desigual, negros e brancos
na mesma sala de aula. (Jornal Folha de São Paulo,
18/05/2003)[1]

Enfim, as pesquisas sinalizam a não inclusão de estudantes negros na
Educação Básica. A má performance muitas vezes conecta-se com um quadro de
baixa autoestima, preconceito, discriminação, racismo e etc., ou seja, um
desordenamento nas relações étnico-raciais. Assim, pesquisadores coetâneos
asseveram que:

As reflexões que atribuem à educação o papel de promover a
transformação social nos apontam para, entre outras
coisas, a importância da criação de escolas com práticas
pedagógicas específicas para determinados grupos. Grupos
minoritários vêm lutando para uma educação diferenciada
que privilegie as necessidades, saberes e práticas
respectivas a estes. É em tom de reivindicação que
assentados e acampados do Movimento Sem Terra, e
comunidades indígenas e remanescentes de quilombos, entre
outros, buscam do Estado respaldo para uma educação
diferenciada que valorize as suas culturas (Mori; Amorim:
2011, 106).


No Espírito Santo, segundo os dados da Secretaria de Estado da Educação
(SEDU), há mais de 914 mil alunos matriculados, aproximadamente 203 mil
deles no Ensino Médio e EJA, sob a orientação de 21,4 mil Professores[2].
Assim, tal pesquisa visou analisar a influência das representações sociais
sobre o negro nas relações étnicorraciais, no âmbito das Escolas Públicas,
da região metropolitana da Grande Vitória, partindo de um estudo de caso na
EEEFM[3] Almirante Barroso, situada no bairro de Goiabeiras -
semiperiférico[4], abrangendo estudantes das camadas populares e de classe
média baixa, procedentes das cidades circunvizinhas à capital. Perquirindo
o acesso a um ensino mais substantivo e/ou a inserção num equipamento
público escolar próximo aos seus locais de trabalho, favorecendo a
mobilidade.


2 – Objetivos


Objetivo Geral
O presente estudo buscou analisar como as representações sociais sobre o
negro, influenciam as relações étnicorraciais e consequentemente as
construções identitárias (a autoestima, percepções, concepções de mundo e
perspectivas de futuro) de estudantes negros, no seio das Escolas Públicas
da Grande Vitória, através de um estudo de caso, realizado na EEEFM
Almirante Barroso.
Objetivos específicos
1. Obter informações sobre a construção social do negro, nas representações
sociais no interior do Colégio Almirante Barroso.
2. Verificar como essas representações influenciam as relações étnico-
raciais no âmbito da Escola.

3 – Metodologia

Este estudo se baseia numa análise qualitativa das representações
sociais sobre o negro, no âmbito da supracitada Escola. Para isso,
utilizamos uma pluralidade metódica, abrangendo uma hermenêutica de
profundidade e uma leitura indiciária das relações e representações
sociais. Partimos de uma pesquisa etnográfica, realizada mediante
observação participante (Malinowski, 1998) com entrevistas informais e
aplicação de questionários aos estudantes, a fim de enfocar melhor o nosso
objeto de análise.
As representações sociais são percepções, ideias, opiniões, imagens,
valores, crenças, atitudes, princípios, etc. com os quais significamos a
realidade, fenômenos sociais e circunstâncias que originam as condições de
existência individual e coletiva. Em suma, são formas de conhecimento
socialmente elaboradas e partilhadas, possuindo orientação prática e
concorrendo para a construção de uma realidade comum a um determinado
conjunto social (Jodelet, 2001).
Compreendemos igualmente, as representações sociais como um sistema
cultural que, no contexto da definição de Geertz (1989), são "sistemas de
símbolos que interagem ou padrões de significados que trabalham
interativamente". Segundo Amorim (2011), ao representarmos socialmente a
realidade, somos influenciados pela cultura social em que vivemos, embora
elaboremos ideias próprias e novas, a partir da nossa imaginação e de como
pensamos/refletimos sobre a nossa vivência/interação com os outros
indivíduos. As representações constituem um conjunto de saberes sociais
adquiridos pelo sujeito em sua vivência, mas reformulados e colocados em
ação, através de sua prática cotidiana.

Sendo dinâmicas, as representações produzem comportamentos
e influenciam relacionamentos, englobando ações que se
modificam umas às outras. Não são meras reproduções,
tampouco reações a estímulos exteriores determinados;
antes, são sistemas que possuem uma lógica própria, uma
linguagem particular e uma estrutura que tem como base
tanto valores quanto conceitos. Não são simples opiniões a
respeito de algo ou imagens de algum objeto. São
verdadeiras teorias construídas coletivamente, destinando-
se à interpretação e à construção da realidade (Moscovici,
2004).

As representações sociais podem ser consideradas como o substrato dos
preconceitos e estereótipos elaborados, incorporados e construídos no
pensamento, a partir de esquemas inconscientes de percepção, avaliação e
apreciação, mediante o aprendizado da linguagem, valores, concepções e
crenças expressas pelas culturas nas quais convivemos, desde o nascimento.
Introjetamos o mundo, a partir de categorias mentais e conceitos
classificatórios, quanto aos seres humanos, objetos, relações e fenômenos
sociais, assim formulando e concebendo a realidade de uma maneira peculiar,
através da construção de juízos de valor sobre todas as informações que
depreendemos, levando-nos à formação de pré-juízos ou preconceitos que
orientam as nossas ações.
Logo as representações sociais sobre o negro eivadas pelo estigma[5],
ou seja, locupletas de estereótipos, preconceitos e discriminações[6], não
somente influenciam negativamente as relações sociais étnicorraciais, mas
também as construções identitárias, autoestima, concepções de mundo e
perspectivas de futuro de estudantes negros. Assim propusemo-nos a uma
análise qualitativa destas representações, centrados na hermenêutica de
profundidade (Thompson, 2011) e no indiciarismo.
A hermenêutica de profundidade (HP) evidencia tanto o fato de que o
objeto de análise é uma construção simbólica significativa, exigindo uma
interpretação, quanto que as formas simbólicas[7] estão, outrossim,
inseridas em contextos sociais e históricos de variados tipos, estando
estruturadas internamente de diversas maneiras. Logo o estudo das formas
simbólicas é fundamental e inevitavelmente um problema de compreensão e
interpretação.
Embora as formas simbólicas possam ser analisadas minuciosamente por
métodos formais ou objetivos, fatalmente apresentam problemas
qualitativamente distintos de compreensão e interpretação. Tais processos
devem ser vistos, não na perspectiva de uma dimensão metodológica que
exclua radicalmente uma análise formal ou objetiva, mas num prisma
complementar e indispensável a eles. Assim a HP apresenta um referencial
dentro do qual esses vários métodos de análise podem ser situados,
sistematicamente inter-relacionados e ligados entre si. Dessa forma as suas
potencialidades podem ser consideradas e seus limites desenhados.
Pensando-se na investigação social, consideramos o objeto de estudos
enfocado (no caso, as representações sobre o negro) um território pré-
interpretado. O mundo sócio histórico não é apenas um campo-objeto que está
ali para ser observado; mas também um campo-sujeito que é construído, em
parte, por sujeitos inseridos em tradições históricas e sociais que, no
curso rotineiro de suas vidas quotidianas, estão constantemente preocupados
em compreender, a si mesmos e aos outros, e em interpretar as ações, falas
e acontecimentos que se dão ao seu redor (doxa).
Deste modo, quando os analistas sociais buscam interpretar uma forma
simbólica, eles procuram interpretar um objeto que pode ser uma
interpretação e que provavelmente já foi interpretado pelos sujeitos que
constroem o campo-objeto do qual a forma simbólica é parte. Os analistas
então oferecem uma interpretação de uma interpretação, ou seja, uma
reinterpretação de um campo pré-interpretado (hermenêutica da vida
quotidiana); sendo relevante discutir precisamente como esta re-
interpretação relaciona-se/informa-se pelas pré-interpretações existentes
entre os sujeitos que constroem o mundo sócio-histórico (Thompson, 2011).
Segundo Thompson (2011), é necessário partir dessa hermenêutica da vida
quotidiana (interpretação da doxa), porém superando-a, a fim de considerar
outros aspectos das formas simbólicas, que brotam da constituição do campo-
objeto. Para ele, a HP é um referencial metodológico amplo que compreende
três fases ou procedimentos principais: a análise sócio-histórica, a
análise formal ou discursiva e a interpretação/re-interpretação. Essas
fases devem ser vistas como dimensões analiticamente distintas de um
processo interpretativo complexo.
Compreendemos que as formas simbólicas não subsistem num vácuo, elas
são produzidas, transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas
específicas. O objetivo da análise sócio-histórica é reconstruir as
condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção das
formas simbólicas. Thompson subdivide tal análise em quatro aspectos dos
contextos sociais.
Primeiramente, podemos identificar e descrever situações
espaçotemporais específicas em que as formas simbólicas são produzidas
(faladas, narradas, inscritas) e recebidas (vistas, ouvidas, lidas) por
pessoas situadas em locais específicos, (re)agindo a tempos particulares e
a locais especiais, sendo a reconstrução desses ambientes uma parte
importante da análise sócio-histórica. Em seguida, concebemos que as formas
simbólicas estão também especificamente assinaladas dentro de certos campos
de interação. Outro nível da análise sócio-histórica se refere às
instituições sociais.
Instituições sociais podem ser vistas como conjuntos relativamente
estáveis de regras e recursos, juntamente com relações sociais que são
estabelecidas com eles. As instituições sociais dão formas particulares aos
campos de interação, aos quais elas dão forma através da fixação de uma
gama de posições e trajetórias; ao mesmo tempo, porém, também criam campos
de interação ao estabelecer essas novas posições e trajetórias. Quanto à
estrutura social, esta se refere às assimetrias e diferenças relativamente
estáveis que caracterizam as instituições sociais e os campos de interação.
Analisar a estrutura social é identificar as assimetrias, as diferenças e
as divisões (Thompson, 2011).
Como algures abordado, esta pesquisa foi realizada no âmbito da EEEFM
Almirante Barroso, no horário de aulas do Ensino Médio, notadamente nas
salas de aulas e pátios da instituição, onde havia uma predominância de
discentes negros e pardos, nos períodos vespertino e noturno. A Escola se
localiza em Goiabeiras - bairro semiperiférico de Vitória, abarcando muitos
estudantes das camadas subalternas da sociedade capixaba, provenientes da
Grande Vitória, buscando um Aparelho Escolar, onde o ensino é mais
qualitativo e/ou mais próximo dos locais de trabalho.
Conforme supracitamos, os objetos e expressões que circulam nos campos
sociais são também construções simbólicas complexas que apresentam uma
estrutura articulada. Tal característica postula uma fase de análise que
pode ser descrita como análise formal ou discursiva. Esta análise se
interessa primariamente pela organização interna das formas simbólicas com
suas características estruturais, seus padrões e relações.

O uso de expressões na comunicação do dia a dia é
ordenada, mas esta ordem deriva de, e reproduz uma
gramática prática, uma sintaxe prática, que é tanto
adquirida, como empregada num intercâmbio corrente das
expressões linguísticas do dia a dia. Consequentemente,
embora as instâncias do discurso sejam sempre situadas em
circunstâncias sócio-históricas particulares, elas também
apresentam características e relações estruturais que
podem ser analisadas formalmente, com a ajuda de vários
métodos do que eu chamei de análise discursiva (Thompson,
2011: 371).

Existem várias maneiras de se conduzir à análise formal ou discursiva,
dependendo dos objetos ou circunstâncias particulares de investigação,
podendo distinguir vários métodos ou tipos de análise. Em função do objeto
deste estudo, optamos pela análise argumentativa dos discursos. Formas de
discurso, como construções linguísticas supraproposicionais, podem abranger
cadeias de raciocínio que podem ser reconstruídas de várias maneiras. O
objetivo da análise argumentativa é reconstruir e tornar explícitos os
padrões de inferência que caracterizam o discurso.
Para realizar essa análise, são produzidos vários métodos que
possibilitam romper o corpo do discurso em conjuntos de afirmativas ou
asserções, organizadas ao redor de certos tópicos ou temas, e então mapear
as relações entre estas afirmativas e tópicos em termos de determinados
operadores lógicos, ou quase-lógicos (implicação, contradição,
pressupostos, exclusão, etc.). A análise argumentativa é demasiado útil
para o estudo do discurso abertamente político, pois muitas vezes tal
discurso é apresentado sob a forma de argumento, numa série de proposições
ou asserções, tópicos ou temas, encadeados conjuntamente de uma maneira
mais ou menos coerente, procurando muitas vezes, com a ajuda de adornos
teóricos, persuadir uma audiência (Thompson, 2011).
No trabalho em questão, a análise formal argumentativa foi utilizada
para analisar a produção discursiva dos estudantes dentro do Colégio
Almirante Barroso, nos pátios e principalmente nas salas de aulas. Incluso
utilizamo-la na leitura das construções responsivas dos 29 questionários
semiestruturados aplicados e das várias entrevistas informais realizadas,
atinando ao corpo desta pesquisa.
A interpretação/reinterpretação é a terceira e última fase do enfoque
da Hermenêutica de Profundidade (HP). Aludimos alhures, que as formas
simbólicas ou discursivas possuem um "aspecto referencial", elas são
construções que tipicamente representam algo, referem-se a algo, dizem
alguma coisa sobre algo. É esse aspecto referencial que procuramos
compreender no processo de interpretação.
Esta é facilitada pelos métodos da análise formal ou discursiva, porém
distinta. Tais métodos procedem através da análise, eles quebram, dividem,
desconstroem, procuram desvelar os padrões e efeitos que constituem e que
operam dentro de uma forma simbólica ou discursiva. A interpretação
constrói sobre esta análise, como também sobre os resultados da análise
sócio-histórica, implicando num movimento novo de pensamento, procedendo
por síntese e construção criativa de possíveis significados (explicação
interpretativa do que está representado ou do que é dito) - complemento
necessário à supradita análise formal ou discursiva.
Enfim, o processo de interpretação supera as análises sócio-histórica e
formal discursiva, excedendo a contextualização das formas simbólicas
tratadas como produtos socialmente situados e o fechamento delas como
construções que apresentam uma estrutura articulada. É o caráter
transcendente das formas simbólicas que deve ser compreendido pelo processo
de interpretação que, mediado pelos métodos do enfoque da Hermenêutica de
Profundidade (HP) é simultaneamente um processo de reinterpretação, onde
reinterpretamos um campo pré-interpretado, projetando um significado
possível que pode divergir do significado construído pelos sujeitos que
constituem o mundo sócio-histórico (Thompson, 2011).
Nesse estudo também utilizamos os princípios do indiciarismo, tanto
como subsídio, a fim de analisar as representações sociais sobre o negro no
âmbito da Escola, quanto na análise/leitura das categorias dos discursos e
dos dados contidos nos questionários aplicados na instituição, a fim de
transformá-los em informação que signifique o objeto focalizado. A partir
dos parâmetros teóricos e metodológicos do indiciarismo, procuramos nos
atentar aos detalhes, quanto incursionamos ao campo, pesquisando pistas,
sinais e sintomas do fenômeno estudado. Buscando a conciliação de
racionalidades e de sensibilidades complementares. Escovando a história
para trás. Remontando a trama das relações sociais e construindo uma
narrativa minuciosa, racional e interpretativa das relações sociais
étnicorraciais.
Entre os parâmetros fundamentais do indiciarismo apontamos: inferir as
causas a partir dos efeitos; não hierarquizar as fontes; construir os
procedimentos de investigação durante a pesquisa; a análise detetivesca; a
microanálise ou análise microscópica; o caráter subjetivo e indireto do
conhecimento; o estudo das especificidades do objeto; o exercício da
conjectura na análise; o pluralismo teórico e metodológico; a conciliação
razão-sensibilidade; o estudo intensivo, minucioso e exaustivo do material
pesquisado (Coelho, 2007).
Segundo a obra "Como Elaborar Projetos de Pesquisa", de Antonio Carlos
Gil, a nossa pesquisa qualitativa, também pode ser classificada como
pesquisa descritiva, quanto a seus objetivos gerais; pesquisa
bibliográfica, estudo de campo e estudo de caso, em relação aos
procedimentos técnicos utilizados.
As pesquisas descritivas objetivam principalmente a descrição de
características de determinada população ou fenômeno, ou então, o
estabelecimento de relações entre variáveis. Um de seus aspectos mais
relevantes associa-se à utilização de técnicas padronizadas de coleta de
dados, tais como o questionário e a observação sistemática. Entre as
pesquisas descritivas, destacamos aquelas cujo objetivo é estudar as
características de um grupo. Outras têm por objetivo levantar as opiniões,
atitudes e crenças de uma população.
Algumas pesquisas descritivas vão além da simples identificação da
existência de relações entre variáveis, e pretendem interpretar a natureza
dessa relação. Assim, tem-se uma pesquisa descritiva que se aproxima da
explicativa. No caso em questão, este estudo objetiva analisar a construção
social da categoria negro, no seio das representações sociais no interior
do Almirante Barroso, verificando a influência dessas representações nas
relações étnicorraciais no recinto da Escola.
O estudo de caso consiste num estudo denso de um ou poucos objetos de
conhecimento, possibilitando um conhecimento mais amplo; partindo duma
flexibilidade metodológica, apesar das dificuldades de generalização.
Dentre seus objetivos, podemos citar: descrever a situação do contexto em
que está sendo feita determinada investigação; formular hipóteses ou
desenvolver teorias; e explicar as variáveis causais de determinado
fenômeno em situações complexas que não possibilitam a utilização de
levantamentos e experimentos (Gil, 2002).
A pesquisa que empreendemos trata-se de um estudo de caso, uma vez que
tomamos para diagnose um Colégio cosmopolita no bairro semiperiférico de
Goiabeiras (Vitória), que acolhe estudantes da Grande Vitória, a fim de
estudar como as representações sociais sobre o negro, influenciam as
relações étnicorraciais no panorama desta região. Além disso, é um estudo
de campo, dado realizarmos uma incursão ao Almirante Barroso, durante o
período de um ano letivo, pautando-nos numa pesquisa etnográfica, realizada
através da observação participante, onde atuamos como Professores
substitutos de Sociologia, ministrando aulas, realizando entrevistas
informais e aplicando questionários.


4 – Resultados e discussões

Conforme sobredescrito, a Escola sobre a qual incursionamos está
inscrita num bairro semiperiférico de Vitória, abrangendo estudantes da
região da Grande Vitória, que procuram uma melhor infraestrutura de
aparelho Escolar e corpo docente (principalmente no período diurno) e/ou
buscam estudar próximo aos locus de trabalho, por uma questão de
deslocamento/mobilidade (precipuamente aqueles do noturno, ressaltando o
Ensino de Jovens e Adultos – EJA).
Em cerca de um ano de estágio supervisionado, espaço-tempo em que
realizamos a nossa pesquisa, frequentamos a referida instituição em dois
períodos, o noturno – onde acompanhamos e lecionamos para estudantes do
Ensino Médio regular e do EJA (cinco turmas ao todo); e o vespertino,
atuando com o Ensino Médio Regular e junto ao Ensino Médio apenso aos
cursos técnicos de Recursos Humanos e Meio Ambiente (cinco turmas idem)[8].

A investigação, como já foi dito, arraigou-se também na pesquisa
etnográfica com observação participante, envolvendo entrevistas informais.
Adendamos que além do expediente das aulas no período noturno, tivemos a
oportunidade de assistir a um conselho de classe e no turno vespertino
pudemos aplicar 29 questionários numa turma inteira do 2º ano. Esclarecemos
que intentamos espraiar tal aplicação pra outros mais anos e turmas do
Ensino Médio, neste e noutros turnos, porém encontramos óbices de alguns
Professores e corpo Técnico-Pedagógico, incluso devido ao tempo requerido,
uma aula inteira para fazê-la, dado o tamanho e formato dos questionários.
Devido à nossa atuação, preleções, entrevistas informais e observações
em dois turnos, várias turmas e anos do Ensino Médio Regular e EJA
(totalizando 10 turmas do 1º, 2º e 3º anos), acreditamos poder estender
alguns resultados da aplicação de questionários no 2º ano do Ensino Médio
com Técnico de Meio Ambiente, para o corpo discente do Almirante Barroso,
uma vez que os resultados das observações, entrevistas informais e
anotações nos cadernos de campo adotados para registrar as interpretações
das ações, discursos e representações sociais, notadamente sobre o negro,
apresentam um nexo de continuidade no interior institucional, conforme
apercebemos.
Infracitamos alguns dados acerca das representações sociais sobre o
negro no âmago da Escola. Os percentuais resultam da tabulação dos dados e
produção de informações, a partir dos 29 questionários semiestruturados
aplicados, convergindo com as coletas e transcrições das entrevistas
informais e observações de diálogos dentro da instituição.
Inicialmente apresentamos as autodeclarações de "raça/cor" nos
questionários, livre e estimulada na formatação IBGE, cotejando com os
dados das observações realizadas. Tanto nos questionários aplicados, quanto
nas entrevistas informais e nas análises dos discursos, dentro das salas de
aulas e observados nos pátios, nos dois turnos, notamos parcas
autodeclarações de estudantes negros. Consoante a tabela e atinando-se aos
questionários, 58,63% dos estudantes foram identificados enquanto
pretos[9], porém apenas 13,79% assim se autoafirmou nas perguntas
estimuladas, dentro da especificação IBGE e menos ainda, 10,35% nas
autodeclarações livres.

Tabela 1. Raça/cor por autodeclaração livre, estimulada (IBGE) e
segundo observação na pesquisa.
"Raça/cor "Autodeclaração "Autodeclaração "Observação "
" "(livre) "(IBGE) "(IBGE) "
"Amarela "3,45% "6,90% "0,00% "
"Branca "17,24% "13,79% "13,79% "
"Indígena "17,24% "17,24% "13,79% "
""Morena" "13,79% "NA "NA "
"Preto "10,35% "13,79% "58,63% "
"Pardo "34,48% "48,28% "13,79% "
"NR "3,45% "0,00% "0,00% "


Acrescendo o quinhão da categoria "pardo" ao "preto", temos 72,42% de
indivíduos classificados enquanto negros que, adicionados aos 13,79% de
indígenas nos fornece uma soma de 86,21% de pessoas categorizadas como
"minoria sociológica", na acepção do filósofo e educador Paulo Ghiraldelli
Jr[10]. Dos 58,63% de estudantes pretos questionados observados, 23,53%
deles apenas se autoafirmaram pretos, 64,71% pardos, 5,88% amarelos e 5,88%
indígenas, não somente denotando desconhecimento quanto aos marcadores
sociais que apresentam a negritude, mas também indiciando portar
representações negativas sobre o negro, introjetadas de uma sociedade
hierarquizada e estratificada em classes sociais, onde o racismo é um fato
social (Durkheim, 1978)[11], apresentando-se institucionalizado. Já quanto
aos pardos observados, 50% deles se firmaram enquanto brancos.
Segundo os discentes indagados: 62,07% acreditam que o preconceito
racial no Brasil exista abertamente, 58,62% acreditam que este preconceito
racial seja discutido, apesar de 82,76% não conhecerem nenhuma
reivindicação do movimento negro (dos supostos 17,24% conhecedores, 40%
apenas têm ciência do "Dia da Consciência Negra", enquanto vindícia).
Quando questionados acerca da premissa estruturada de que "haveria
igualdade de oportunidades para negros e brancos na sociedade brasileira":
13,8% disseram que "há igualdade racial no Brasil"; 75,85% que "faz parte
do imaginário social brasileiro, mas não é verdade"; 3,45% "não faz parte
do imaginário social brasileiro"; 3,45% afirmaram que "isso nunca existiu"
e 3,45% não responderam.
Quanto às políticas de ações afirmativas, inquirimos os estudantes em
relação às suas posições acerca do sistema de cotas sociais e raciais,
defrontando-nos com a necessidade de lhes dar ciência e lhes explicar sobre
as políticas de quotas adotadas no concurso de vestibular da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES), para os alunos oriundos das Escolas
Públicas, uma vez que a maioria dos entrevistados e indagados, pouco ou
nada sabia sobre esta questão.
Assim, nós obtivemos 89,66% de respostas favoráveis às cotas sociais,
porém somente 65,52% àquelas raciais. A maioria das pessoas é favorável às
cotas para estudantes de Escolas Públicas, justificando e argumentando em
prol da necessidade da produção de igualdade e justiça social, incluso
afirmando estarem em descompasso em relação aos seus homônimos e
concorrentes, advindos das Escolas Privadas. Abaixo apresentamos alguns dos
discursos dos estudantes acessados.

"Porque alunos de escolas particulares têm mais condições,
para entrar em uma faculdade" (JCS, 18 anos). "Por que
eles têm que ter direitos aos estudos e de ter uma boa
educação, para ser alguém na vida" (ISB, 16 anos). "Porque
muitas pessoas que estudavam em escola particular têm mais
condição financeira, enquanto os estudantes de escola
pública não" (LDC, 15 anos). "Porque o ensino de escola
pública acaba não sendo exigente como o de escola
particular" (AMM, 16 anos). "Porque alunos de escolas
particulares têm mais condições, para entrar em uma
universidade" (MPS, 16 anos). "Porque o ensino público não
é tão bom quanto o privado, o interesse dos alunos não são
iguais, isso prejudica os estudantes de Escola Pública"
(NOC, 16 anos). "Pois quem estuda em escola particular tem
muito mais chance de passar. Mas mesmo assim eles julgam
dizendo que os cotistas atrapalham" (JAS, 18 anos).
"Porque os estudantes teriam que ter mais chances de
estudos" (MLS, 17 anos).

Na citação acima, perspicazmente selecionamos alguns discursos de
alunos abordados que são favoráveis às cotas sociais para aqueles egressos
de instituições públicas, porém contrários às cotas raciais. Se enxergam a
política de cotas sociais como ação de promoção à igualdade e justiça
social, todavia veem como atentado ao mérito, "preconceito" ou
"beneficiação", nos dizeres dos mesmos, as políticas de cotas raciais para
pretos e pardos.

"O fato da sua cor não muda nada, pois não te impede de
entrar em uma faculdade" (JCS, 18 anos). NR[12] (ISB, 16
anos). "Porque não devemos separar as pessoas negras, dos
demais estudantes. Não é porque são negros que tem que
está separado" (LDC, 15 anos). "Sou contra porque se somos
todos iguais, não deveria ter essa 'beneficiação', acaba
criando uma distinção entre os próprios estudantes" (AMM,
16 anos). "O fato da sua cor, não impede de entrar em uma
universidade, se a pessoa é inteligente" (MPS, 16 anos).
"Todos são iguais perante a lei, então todos são iguais
perante o governo também" (NOC, 16 anos). "Não deveria ter
cotas raciais, pois é a mesma coisa que preconceito.
Deveria ter um limite para ambos, independente da cor"
(JAS, 18 anos). "Por que não é pra existir preconceito"
(MLS, 17 anos).

Para nós, este desnível entre aqueles favoráveis às cotas sociais e os
propícios às cotas raciais para estudantes de Escolas Públicas, mesmo
argumentando em prol da igualdade e justiça sociais, indica não somente uma
vacância, quanto às formações social, política, econômica e cultural
brasileiras, no currículo da Educação Básica, dificultando a compreensão da
história social e política exclusivas e o não reconhecimento da matriz
negra e seu contributo à nossa sociedade, mas também são vestígios de uma
construção social do negro demarcada por estereótipos e preconceitos, no
imaginário social brasileiro e nas representações destes estudantes.
Perguntando ainda aos discentes, se eles já sofreram algum preconceito
racial e/ou presenciaram alguma atitude racista na Escola, 65,52% afirmaram
que sim; provindos dos próprios Professores e/ou do grupo de colegas,
alguns relatando haver experimentado o racismo sob a forma de bullying[13].
Outra questão que abordamos, foi se eles achavam que haveria diferenças no
tratamento ministrado a estudantes brancos e negros no ambiente escolar:
44,83% dos alunos asseveram sim, 44,83% não e 10,34% disseram não
observarem diferenças no tratamento nesta Escola, porém atestaram-nas em
outras pelas quais passaram. Já quanto a experienciarem algum preconceito
racial e/ou atitude racista na vida quotidiana, seja na infância, família,
trabalho, comunidade, Escola...; 79,31% declararam haver sofrido e/ou
presenciado tais situações.

"Uma professora chamou um aluno de pretinho da macumba,
por ele estar em pé conversando" (JJM, 16 anos). "Um aluno
sofreu preconceito, todos riram dele e ele saiu chorando"
(NOC, 16 anos). "Quando eu e minha mãe entramos em uma
loja, um pouco mais cara e ninguém veio nos atender"
(GSSS, 15 anos). "Ouço pessoas trocando palavras ofensivas
o tempo todo, por exemplo, macaco, preto e etc." (AMM, 16
anos). "Professores por causa de minha cor não me dá tanta
atenção, como ao restante da turma e também apelidos
maldosos" (JOS, 16 anos). "Ao entrar em uma determinada
empresa minha amiga sofreu esse tipo de preconceito só
pela sua cor" (BTS, 16 anos). "Falavam coisas absurdas
sobre os negros, tipo piadinhas sem graça" (TVS, 16 anos).
"Trabalho, o menino era uma cor negra ficava zuando ele ai
ele não gostou e acabou saindo da escola por que disso"
(CGF, 15 anos).

Quando demandamos a alguns discentes entrevistados que respondessem o
que lhes viessem à mente e de chofre (preferencialmente sob apenas uma
palavra), ao receberem determinadas palavras que nós disséssemos;
constatamos que a palavra "macumba" foi representada negativamente em 93,1%
das vezes, enquanto "desespero", "coisa do demônio", "afrodescendentes",
"ruim", "pessoas que não são felizes e têm inveja", "obras feitas para o
demônio", etc.; resultados advindos de pessoas, independentes das igrejas
cristãs as quais frequentavam (curiosamente apenas 37,93% dos abordados,
declararam-se vinculados às denominações cristãs e protestantes).
Com relação aos termos "branco" e "negro", foram respectivamente muito
citados: "pessoa clara", "rico", "nem todos são racistas", "são mais uma
diferença", etc.; e "pessoa escura", "raça", "pobre", "classe D", "tenho
orgulho de ser parda (morena)"[14], "trabalhadores", "gente", "ancestrais",
"como todos", etc. Já quanto às respetivas expressões "cor dos olhos",
"tipo de cabelo" e "cor da pele", foram muito mencionadas: "azuis",
"verdes"; "liso", "bom", "status social", "cacheado", "ondulados",
"loiros"; e "morena", "branca".
Analisando o discurso dos estudantes no recinto da Escola, ou seja,
observando a dialógica nas salas de aulas e pátios da instituição, as
entrevistas informais e as responsivas aos questionários semiestruturados,
verificamos uma preferência pelos marcadores raciais associados aos
ideários de beleza referenciados pela matriz branca. Inclusive notamos uma
hierarquização e estratificação da predileção desses caracteres, segundo
esta alusão. Salientamos haver, entre as palavras e expressões acima
demasiado mencionadas, muitas representações sociais demarcadas pela
negatividade, produzindo simbolicamente um lugar social de confinamento do
negro (Carvalho, 2006)[15].
Por fim nesta pesquisa, destacamos que as aplicações de questionários
expuseram um autodesempenho estudantil insatisfatório para 62,07% dos
estudantes (76,47% deles negros e 17,65% indígenas), percentual corroborado
através das observações em salas de aulas e entrevistas informais no
período, que acreditamos ser muito maior no turno noturno. Para nós estes
dados revelam também a importância das componentes "raça" e "classe
social", na leitura e interpretação de informações que tangem ao
autodesempenho insatisfatório discente, estando (in)direta e implicitamente
relacionados à autoestima, concepções de mundo, perspectivas de vida e,
consequentemente às construções identitárias.


5 – Conclusões

O estudo enfocado nesta pesquisa analisou como a construção social da
categoria negro, demarcada pela negatividade no seio das representações
sociais na esfera das Escolas Públicas da Grande Vitória, influencia no
ordenamento das relações étnicorraciais cotidianas e, consequentemente na
autoestima, compreensões de mundo, pontos de vista e construções
identitárias de estudantes negros. Basicamente, analisamos as formas
simbólicas presentes na ordem dos discursos, nas salas de aulas e pátios
institucionais, entrevistas informais e representações colhidas mediante os
questionários semiestruturados aplicados.
Convalidamos a nossa conjectura, através de uma interpretação
hermenêutica da conexão em rede das informações sobre as representações
sociais: as poucas autodeclarações de raça/cor associadas a estudantes
negros (livre e estimulada pela classificação do IBGE), cotejadas com a
observação do quinhão presente de estudantes negros; as opiniões sobre a
implementação das políticas sociais afirmativas pelo Vest-Ufes, mais
especificamente o descompasso entre os favoráveis às cotas sociais e as
raciais; a reflexão acerca da ideia que atravessa o imaginário social
brasileiro, sobre a afirmação de que haveria igualdade de oportunidades
para negros e brancos; os muitos relatos de experiências (e descrições)
relativas a preconceitos raciais na esfera da vida quotidiana, incluso na
Escola; as narrativas quanto às diferenças de tratamento no ambiente
escolar, ministradas a estudantes negros e brancos; laivos de
representações autoritárias acerca das categorias: "branco", "negro",
"macumba" e as perspectivas, angústias e anseios sobre os "tipos de
cabelo", "cor de pele", "cor dos olhos" desejados; e por fim, os dados de
autodesempenho estudantil.
Assim, realizamos um estudo de caso no Colégio Almirante Barroso, uma
Escola cosmopolita situada no bairro semiperiférico de Goiabeiras, uma vez
que ela abarca estudantes das camadas populares e classe média baixa,
oriundos de bairros periféricos inscritos em municípios pertencentes à
região metropolitana da Grande Vitória, procurando uma melhor
infraestrutura de equipamento público escolar e/ou estudar próximos aos
seus locais de trabalho, facilitando a mobilidade/deslocamento.
Acreditamos que através do recurso lógico da inferência indutiva[16],
podemos estender para as Escolas Públicas da Grande Vitória, os resultados
apresentados no corpo deste relatório, subproduto do estudo de caso
produzido em quase um ano de estágio supervisionado, atuando como Professor
substituto nos períodos vespertino e noturno em dez turmas da instituição.
A possibilidade desta indução se fundamenta na amostra selecionada, através
da escolha desta Escola cosmopolita que, como dissemos algures, abrange
estudantes da periferia da Grande Vitória, permitindo-nos ter uma visão dos
resultados na esfera da região, extravasando a dimensão local.
Neste trabalho, ademais das entrevistas formais e das observações nas dez
turmas e pátios institucionais que realizamos nos dois turnos em que
atuamos, quisemos aplicar um contingente mais amplo de questionários
semiestruturados, não apenas, nas outras turmas/turnos que acompanhamos,
mas também no período matutino. Todavia não tivemos autorização para fazê-
lo dos Professores e corpo Técnico-Pedagógico com quem construímos uma
relação de trabalho. Acreditamos que a aplicação de um conjunto maior de
questionários não nos permitiria alcançar resultados distintos, embora
quiçá nos possibilitasse lançar luzes mais minuciosas sobre o objeto
enfocado, ademais de roborar um pouco mais com a captação de dados para o
projeto de nossa Profª orientadora.
Finalmente, a perspectiva para uma possível continuidade deste trabalho
de pesquisa, numa provável iniciação científica vindoura, pautar-se-ia numa
avaliação do desempenho escolar, através dos respectivos boletins dos
estudantes acompanhados no Ensino Médio, efetuando também uma análise
quantitativa, mediada por métodos estatístico-matemáticos, da influência
das representações sociais assinaladas por elementos negativos nas relações
sociais no interior da Escola.

6 – Referências Bibliográficas

AMORIM, C. R. Projeto de Pesquisa "Representações sobre Diversidade e
identidades" apresentado ao Departamento de Educação, Política e
Sociedade/UFES em dezembro/2011.
BRASIL. Constituição da república Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. São Paulo, Editora Saraiva, 2004.
BRASIL. Lei nº. 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Inclui a obrigatoriedade
da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" no currículo oficial da
rede de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, 2003
BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório do Comitê Nacional para Preparação
da Participação Brasileira na III Conferência Mundial das Nações Unidas
Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância
Correlata. Durban, 31 de agosto a 7 de setembro de 2001.
CARVALHO, J. J. O confinamento racial do mundo acadêmico brasileiro.
REVISTA USP, São Paulo, n.68, p. 88-103, dez./fev. 2005-2006.
COELHO, C.M. Gilberto Freyre: indiciarismo, emoção e política na casa-
grande e na senzala. 2007. 218 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade Federal do Espírito Santo, Espírito Santo. 2007.
DIAS, I. C.; MARCOS, S. T. As espécies de raciocínio: dedução, indução e
abdução. Disponível em: . Acesso em: 25 de Agosto de 2013.
Diretrizes Curriculares Nacionais para A Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. Brasília: Ministério da Educação/ SEPPIR, junho de 2005. 35p.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. 2 ed. São Paulo: Editora
Nacional, 1978.
GEERTZ, C. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guabanabra
Koogan,1989.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada.
4ª ed., Rio de Janeiro, Zahar, 1998.
GONZALEZ, L.; HASENBALG, C. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero,
1982.
JODELET, D. As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2001
MALINOWSKI, B. "Argonautas do Pacífico Ocidental". Os Pensadores, São
Paulo, Abril Cultural, 1998.
MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 2
ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
MORI, V. Y. & AMORIM, C. R. Contra o eurocentrismo: possibilidades de
valorização da diversidade étnica e sócio-cutural no contexto escolar.
In: Cadernos do LEME. Campina Grande, vol.3, no 1, p. 166-122. jan/jul
2011.
SANT' ANA, A. O. História e conceitos básicos sobre o racismo e seus
derivados. In: Munanga, K. (Org.). Superando O Racismo Na Escola.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2005.
THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: Teoria social crítica na era
dos meios de comunicação de massa. ED: Vozes. Petrópolis, R.J, 2011.


-----------------------
[1] Jornal Folha de São Paulo. Disponível em:
. Acesso em: 18 de Maio de 2003.
[2] Dados da SEDU. Disponível em: . Acesso
em: 01 de Novembro de 2011.
[3] Acrônimo que designa Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio.
[4] Bairro cujo perfil econômico dos moradores compreende, desde as camadas
populares à classe média baixa.
[5] O termo estigma assinala uma pessoa portadora de uma inscrição
simbólico-social que, de certa forma, a avilta perante o grupo social no
qual ela está inserida. Assim, o termo estigma expõe "[...] a situação de
um indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena." (Goffman,
1998). Para mais informações, sobre esta categoria, vide a obra - GOFFMAN,
E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4ª ed. Rio
de Janeiro, Zahar, 1998.
[6] "Estereótipo é um conceito bem próximo de preconceito, podendo ser
definido, segundo Shestakov, como uma 'tendência à padronização, com a
eliminação das qualidades individuais e das diferenças, com a ausência
total do espírito crítico nas opiniões sustentadas'. Para Dunningan, o
estereótipo é 'um modelo rígido e anônimo, a partir do qual são produzidos,
de maneira automática, imagens ou comportamentos'. O estereótipo é a
prática do preconceito. É a sua manifestação comportamental. O estereótipo
objetiva (1) justificar uma suposta inferioridade; (2) justificar a
manutenção do status quo; e (3) legitimar, aceitar e justificar: a
dependência, a subordinação e a desigualdade." (Sant' Ana: 2005, p. 67)
"Preconceito é uma opinião preestabelecida, que é imposta pelo meio, época
e educação. Ele regula as relações de uma pessoa com a sociedade. Ao
regular, ele permeia toda a sociedade, tornando-se uma espécie de mediador
de todas as relações humanas. Ele pode ser definido, também, como uma
indisposição, um julgamento prévio, negativo, que se faz de pessoas
estigmatizadas por estereótipos." (Sant' Ana: 2005, p. 64) A discriminação
racial, na acepção conceitual denotada pelas Nações Unidas (Convenção da
ONU/1966, sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial),
significa "qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferências baseadas
em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha como
objeto ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou
exercício, em condições de igualdade, os direitos humanos e liberdades
fundamentais no domínio político, social ou cultural, ou em qualquer outro
domínio da vida pública." (Sant' Ana: 2005, p. 65)
[7] As formas simbólicas são o produto de ações situadas e contextualizadas
que estão baseadas em regras, recursos, etc., disponíveis ao produtor; mas
elas são também algo mais, pois são construções simbólicas complexas,
através das quais, algo é expresso ou dito (Thompson, 2011).
[8] Especificamente: três primeiros anos e dois segundos anos do Ensino
Médio técnico (meio ambiente e recursos humanos), no turno vespertino. Uma
turma de 2º e 3º anos, no Ensino Médio regular e uma de 1º, 2º e 3º anos do
EJA, no período noturno.
[9] Iteramos o pertencimento da categoria "preto" à classificação IBGE e
sua utilização nas perguntas formuladas sobre raça/cor. Segundo também este
instituto a categoria "negro" abrange "pretos" e "pardos".
[10] Para mais informações sobre a categoria "minoria sociológica", na
concepção do Filósofo e Profº Paulo Ghiraldelli Jr., leia o texto: A
importância das políticas de ação afirmativa. Disponível em:
. Acesso em: 11 de Julho de 2013.
[11]Para Émile Durkheim (1978), fatos sociais são "coisas". São formas
coletivas de se agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo e dotadas de
um poder coercitivo.
[12] NR: não resposta.
[13] Apenas através da audição do caso, cientificamo-nos que se tratava de
um caso de racismo. A estudante em questão – DPBA de 16 anos, relatou-nos o
caso, sob a forma de bullying, sem refletir sobre a questão racial.
[14] Afirmação de uma estudante preta em nossa abordagem.
[15] A expressão se refere ao cerceamento que o negro está sujeito, numa
sociedade onde o racismo se encontra institucionalizado. Já Gonzalez e
Hasenbalg (1982), operacionalizam a categoria "lugar do negro".
[16] Para mais informações sobre as possibilidades do uso da inferência
indutiva na investigação científica, recomendamos o artigo: DIAS, I. C.;
MARCOS, S. T. As espécies de raciocínio: dedução, indução e abdução.
Disponível em: . Acesso
em: 25 de Agosto de 2013.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.