Relatório do Banco Temático da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (2002-2006)

May 27, 2017 | Autor: D. Ferreira da Rocha | Categoria: Movimentos sociais, Justica Ambiental, Conflitos Ambientais, Bancos de dados
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REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL (RBJA) ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA /FIOCRUZ FASE - RJ

RELATÓRIO DO BANCO TEMÁTICO DA REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL (2002-2006)

EQUIPE Marcelo Firpo Porto e Julianna Malerba - Coordenação Geral Juliana Souza - Coordenação técnica Janaína Sevá - Consultoria Isabel Pereira - Secretaria RBJA Sabrina Lopes - Secretaria RBJA Ana Carolina Quintana e Diogo Ferreira da Rocha - Bolsistas PIBIC/FIOCRUZ

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Sumário

Sumário executivo

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1- Apresentação

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2. A Rede Brasileira de Justiça Ambiental

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3- O Banco Temático da Rede

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4-Aspectos conceituais e metodológicos

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5- Descrição Documental

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5.1 - Universo geral dos documentos: total e distribuição por ano 6- Casos e Temas Emblemáticos

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6.1 - Os territórios rurais como espaços de disputa por modelos alternativos de ocupação e uso do território 18 6.1.1- Infra-estrutura e modelo energético e de extração mineral

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6.1.2- Agronegócio.

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6.1.3- Conflitos Fundiários

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6.2 - Os territórios urbanos e as lutas contra as contaminações e pelo direito das populações trabalhadoras 28 6.3- Mecanismos de mobilização coletiva da rede

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7- Referências Bibliográficas

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ANEXO 1: Classificação e categorias adotadas para o banco temático

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ANEXO 2: Lista com as entidades da Rede

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Sumario executivo O presente relatório apresenta o Banco Temático da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), desenvolvido numa cooperação entre a FIOCRUZ e a FASE desde fins de 2004. A Rede foi criada por diversas entidades, movimentos sociais e pesquisadores no ano de 2002 como estratégia de construção e ampliação do movimento pela justiça ambiental no país. Seu eixo central reside na discussão e enfrentamento de um modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ambientalmente insustentável, marcado pela distribuição desigual dos impactos sócio-ambientais. A ação da RBJA tem permitido a publicização dos conflitos e das lutas sociais envolvendo o meio ambiente, compreendidos como expressões de disputas sobre o modelo de desenvolvimento que orienta as políticas do país e, conseqüentemente, o uso dos seus recursos e territórios. O Banco Temático consiste em um conjunto de documentos circulados desde 2002 pelos membros da RBJA, e encontra-se disponível para consulta pública na página da RBJA ( www.justicaambiental.org.br ). No relatório apresentamos a proposta do Banco e explicamos as classificações e categorias construídas para a classificação dos documentos de acordo com os princípios da justiça ambiental e que se encontram no sistema de consultas. Além disso apresentamos os resultados de uma análise dos documentos presentes no banco entre os anos 2002 a 2006. Visando oferecer elementos para uma reflexão sobre a própria Rede nos seus primeiros quatro anos de existência, organizamos no último e mais extenso capítulo uma discussão sobre os chamados casos e temas emblemáticos. Eles foram selecionados a partir dos conflitos e temas que se destacaram na lista de discussão da Rede nesse período gerando debates e mobilizações. Os casos foram analisados a partir de três grandes eixos temáticos que ilustram as principais contradições do modelo de desenvolvimento no país e geram situações de injustiças ambientais. Os dois primeiros se referem aos dois pólos territoriais: rural/urbano ou campo/cidade. O último, intitulado mecanismos de mobilização coletiva da rede, exemplifica algumas experiências e ações coletivas em que a RBJA assumiu um papel fundamental, em especial diante da omissão da ação governamental e das instituições frente a situações de injustiça. Além de ilustrar os conflitos sócio-ambientais que vêm marcando diversos territórios, instituições, populações, movimentos sociais e ambientalistas, os casos emblemáticos apontam para tensões, limites e potencialidades que permeiam as trajetórias dos movimentos sociais e da sociedade brasileira como um todo na luta por justiça ambiental.

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1- APRESENTAÇÃO

Este relatório apresenta o Banco Temático da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, desenvolvido numa cooperação entre a FIOCRUZ e a FASE desde fins de 2004. O banco já se encontra disponível para consulta na página da RBJA www.justicaambiental.org.br O banco consiste em um conjunto de documentos circulados pelos membros da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, que tem como eixo central a discussão sobre a distribuição desigual dos impactos sócio-ambientais e a publicização dos conflitos e das lutas sociais envolvendo o meio ambiente, compreendidos como expressões de disputas legitimas sobre o modelo de desenvolvimento que orienta as políticas do pais e, consequentemente, o uso dos seus recursos e territórios. O objetivo central do Banco Temático é possibilitar aos diversos atores que militam no movimento pela justiça ambiental o resgate de informações que circulam na Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), aumentando a capacidade de sinergia e atuação coletiva. Outros objetivos são subsidiar a própria Rede sobre seu percursos, ações e desafios, e fornecer subsídios para estudiosos da justiça ambiental no Brasil através de sistema de busca do acervo disponibilizado na internet. A partir da análise do acervo de documentos que circularam na Rede entre 2002 a 2006, o relatório situa a produção do conhecimento nas várias formas de ação coletiva e na articulação entre as diversas entidades e movimentos sociais que compõem a Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Aglutinando iniciativas de publicização de situações de injustiça ambiental, a Rede se fortalece pelo seu papel multiplicador de informações e mecanismos de ação política. Além de um resgate da Rede, também são analisados os aspectos conceituais e metodológicos envolvidos na construção de um acervo e de um espaço de trocas de experiências e valorização da memória dos conflitos sócio-ambientais. Com a intenção de construirmos uma análise sobre os documentos que oferecesse elementos para uma reflexão sobre a própria Rede, organizamos, nesse relatório, as informações do Banco em grupos de casos e temas emblemáticos. Isso nos permitiu identificar as tensões que permeiam as trajetórias dos movimentos sociais na luta por justiça ambiental, tais como as noções de justiça e injustiça, percepção sobre as situações de riscos, dentre outras questões. A análise das características gerais da documentação que compõe o acervo do Banco Temático da Justiça Ambiental permite uma reflexão sobre a atuação da RBJA, os principais conflitos sócioambientais que vêm sendo priorizados pelos movimentos e atores que atuam na Rede. Cabe

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refletirmos e encararmos os resultados positivos e as possibilidades que se abrem a partir deste trabalho, bem como os limites e impasses da ação em rede e do fortalecimento da memória dos conflitos sócio-ambientais sob a ótica das populações vulneráveis. Finalmente, destacamos o caráter pedagógico, instrutivo e político de um banco de dados desta natureza, considerado na perspectiva de consolidação de vias de interlocução entre saber científico, poder público e movimentos sociais.

2. A REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL

A Rede Brasileira de Justiça Ambiental foi criada em setembro de 2001, quando representantes de movimentos sociais, sindicatos, ongs, entidades ambientalistas, organizações afrodescendentes e indígenas, e pesquisadores universitários do Brasil – com a presença de convidados dos EUA, Chile e Uruguai - se reuniram no Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania na Universidade Federal Fluminense, na cidade de Niterói/RJ1. As discussões se centraram no fato do modelo de desenvolvimento dominante no Brasil destinar as maiores cargas de danos ambientais às populações socialmente mais vulneráveis - os setores mais pobres e miseráveis da sociedade refletindo a enorme concentração de poder na apropriação do território e dos recursos naturais que caracteriza a história brasileira. Por acreditarem que a preocupação ambiental se renova e se expande quando traz para o centro do debate as demandas e direitos das populações pobres e marginalizadas é que, a partir do Colóquio mencionado, foram elaboradas uma série de propostas para inserir o tema da justiça ambiental na agenda política nacional. Dentre elas estava a criação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, cujo objetivo era, através da troca de experiências, informações e campanhas, construir um ator coletivo que aproximasse as lutas sociais e ambientais. O trabalho da Rede, neste sentido, concentrase na denúncia pública de que a destruição sistemática do meio ambiente acontece predominantemente em locais onde vivem populações discriminadas, sejam elas negras, indígenas, pobres e trabalhadoras. Outra ação importante reside no apoio às lutas destas comunidades para resistir ao processo de degradação das suas condições de vida, ter acesso à terra e aos recursos naturais, manter suas culturas tradicionais e concretizar o seu direito de viver em um meio ambiente digno e sadio (incluindo ar puro, águas limpas, áreas verdes, solos férteis etc.). Com sua secretaria sediada no programa Brasil Sustentável e Democrático/FASE, a RBJA conta hoje com mais de 80 entidades filiadas e mantém uma lista permanente de discussão pela internet 1

Ver anexo 1 com a lista de entidades da RBJA.

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com mais de duzentos participantes. Por sua vez, os seus membros repercutem e amplificam o que circula na Rede para suas listas, redes e outros espaços dos quais participam. Esta participação crescente das entidades permite que a Rede venha articulando um trabalho importante de divulgação, discussão pública e pressão política no sentido de fazer avançar a luta por justiça ambiental no Brasil. Além de ser um instrumento de comunicação e articulação entre grupos e movimentos em todo o Brasil, ela tem organizado campanhas em apoio a comunidades diretamente envolvidas em conflitos sócio-ambientais. Através da organização de eventos e a participação de seus membros em discussões realizadas por parceiros, a Rede tem cumprido um papel importante em pautar as discussões com um debate sobre sustentabilidade que considere a democracia e justiça social como condições para garantia da diversidade sócio-territorial e da preservação ambiental.

3- O BANCO TEMÁTICO DA REDE

A construção do Banco é fruto de uma parceria entre a Fiocruz e a FASE, desenvolvida desde o final de 2004, a partir da demanda colocada pelos participantes do I Encontro da RBJA realizado no Rio de Janeiro em outubro deste mesmo ano. O banco pretende dar visibilidade aos conflitos sócioambientais e tem como foco os processos políticos de resistência às situações de injustiça ambiental em curso na sociedade, o que inclui inúmeras situações de risco produzidas por atividades econômicas e ações/omissões de governos. O universo documental abrange o período de 2002 a 2007, e permite acompanhar, simultaneamente, o fluxo da informação e a diversidade das fontes que circulam na lista de discussões da RBJA. Ao longo de quase três anos a equipe do Banco Temático se esforçou para coletar as informações produzidas pelos membros da lista de discussão da RBJA. Documentos como notícias, campanhas e denúncias que circularam entre 2002 e 2006 foram indexados por bolsistas do programa de iniciação científica PIBIC/ Fiocruz, e compõem a maior parte do acervo, seguidos de artigos, documentos jurídicos e laudos técnicos. A primeira fase do projeto envolveu encontros periódicos e uma oficina, em junho de 2005, com o intuito de divulgar e discutir com membros da Rede as categorias e esquemas classificatórios propostos. Ao final, foram definidas quatro classificações temáticas principais que servem como referência de consulta no portal do banco: atividades geradoras de injustiça ambiental, eixos de luta, experiências, populações e regiões. O produto principal do banco – um sistema de busca de acervo documental disponível na internet – foi operacionalizado a partir de dois instrumentos básicos: os procedimentos de indexação dos documentos, e a construção de toda a parte informática do projeto, desde o gerenciamento do acervo até o lay-out das páginas de consulta disponíveis na internet. 6

A segunda fase do projeto foi a avaliação e primeira divulgação do produto desenvolvido por meio de outra oficina, em agosto de 2006, com membros da própria Rede. A partir de então, foram registradas as principais demandas, as potencialidades e os limites a serem superados, tanto em relação ao layout da página, quanto à composição do acervo. Deste modo, buscou-se não somente ajustes operacionais como também a necessidade de aprimorar as discussões sobre tecnologias da informação e estabelecer contatos entre canais de comunicação com outros movimentos sociais. A terceira e atual fase consiste no término da indexação dos documentos acumulados e na divulgação do banco internamente à Rede e junto às comunidades científica e política as quais está vinculado. Também faz parte desta etapa a incorporação ao acervo de documentos pertinentes ao tema da justiça ambiental, que extrapolam a lista virtual, mas complementam o universo de ação e mobilização políticas dos grupos.

4 - ASPECTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS DO BANCO TEMÁTICO “ (...) não se pode fazer uma ciência das classificações sem se fazer uma ciência das lutas dessas classificações e sem se tomar em linha de conta a posição que, nesta luta pelo poder de conhecimento, pelo poder por meio do conhecimento, pelo monopólio da violência simbólica legítima, ocupa cada um dos agentes ou grupos de agentes que nela se acham envolvidos, quer se trate de simples particulares (...) quer se trate de profissionais autorizados” (Bourdieu, 2005:149)

Interessada em evidenciar os processos sociais constitutivos dos grupos e identidades sociais mobilizados em torno da Justiça Ambiental, a equipe trabalhou com as noções de “conflito”, “informação” e “memória” em sua relação com os movimentos sociais. Essas noções, por sua vez, nos permitem identificar as concepções de justiça e injustiça que estão em jogo em cada um dos conflitos, as diferentes percepções de risco, a que atividades produtivas e setores da sociedade estão ligados os conflitos e permite ainda mapear a natureza da ação social, seja de grupos, seja de indivíduos. A noção de conflito, diretamente vinculada à situação de disputa entre grupos específicos por objetivos e interesses confrontantes, traz elementos importantes para pensarmos como os grupos constroem discursos e formas de participação legitimadoras de seus modelos de apropriação dos territórios e dos recursos da natureza. Esses modelos pressupõem (ou apresentam) formas técnicas, sociais e culturais próprias e os conflitos decorrentes da disputa entre eles envolvem não apenas movimentos sociais organizados, empresas agroexportadoras e indústrias transnacionais, mas instituições regulatórias e políticas públicas. (Acserald, 2004:07-35).

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Além das posições econômicas e sociais desiguais entre os grupos, a produção e circulação das informações que tornam visíveis as situações de injustiça ambiental e os conflitos sócio-ambientais estão perpassadas pelo reconhecimento das situações de risco e conflito pelas populações envolvidas. A própria desigualdade de poder na arena política decisória que define as formas de apropriação sobre os territórios e os recursos permeia certos relatos “técnicos” e institucionais, entretanto, é preciso considerar nesta dinâmica a partir de que referências culturais e valorativos o sujeito apreende, reinterpreta e informa sua ação aos demais grupos que interagem no tecido social e como constrói internamente uma justificativa para sua disseminação. Outra dimensão importante é a percepção de que tais usos, legitimados nos discursos formulados por quem controla os espaços decisórios, são questionados pelos atores envolvidos nos conflitos. Nesse questionamento são acionadas as categorias de justiça e injustiça para desconstruir os discursos que legitimam o modelo e criar novos discursos que visam mudar a correlação de forcas e garantir uma distribuição mais eqüitativa sobre os recursos e as definições sobre seus usos. A noção de memória social destaca-se neste trabalho pelo papel que cumpre em processos onde atores com distintas identidades e práticas, incorporam-se a um movimento unificado que busca articular diferentes narrativas em uma narrativa comum no caso a luta por justiça ambiental. Este é o exemplo da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, no qual distintos grupos – indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais – vêm criando um discurso e estratégias comuns contra a monocultura do eucalipto. Outra questão incorporada nesta discussão sobre a memória foi o tema da valorização da reconstituição dos conflitos pelas próprias comunidades e entidades. Constata-se uma sistemática ausência de documentos sob esta ótica, com a conseqüente perda de referenciais históricos de luta e de mecanismos de articulação política. Percebia-se, entretanto, um processo de re-significação e, ao mesmo tempo, de renovação dessas experiências em que o discurso sobre a desigualdade social é reatualizado sob as bases de uma perspectiva sócio-ambiental de interpretação dos conflitos. Portanto tornou-se imperativo o trabalho de valorização da memória das lutas encampadas pelos atores sociais e do conhecimento técnico-político acumulado pelas entidades na atuação em rede. No relatório e na proposta futura do próprio Banco Temático isso se realiza pela recuperação da informação sobre os chamados casos emblemáticos. Estes são considerados aqueles que ilustram importantes situações de injustiça ambiental no país discutidos pela Rede a partir das categorias “eixos de luta” e “experiências”. 2

2

As classificações do Banco encontram-se em anexo.

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A proposta metodológica do banco temático delimita-se em três eixos: origens e fontes da informação, processo de organização do acervo e construção de instrumentos de pesquisa. A respeito da origem da informação, pode-se dizer que ela é um elemento constitutivo e norteador do processo de classificação e indexação dos documentos. Ao se considerar a proveniência e a autoria dos documentos, foi possível reunir e recompor debates a respeito de um determinado conflito. Também é viável a partir deste método identificar divergências e convergências de posturas políticas, bem como rupturas e articulações entre setores sociais e políticos. O processo de organização do acervo consiste em relacionar o universo documental disponível com discussões teóricas a respeito dos conflitos sócio ambientais no Brasil e com a experiência concretas das entidades mobilizadas na RBJA. Optou-se por classificar e agrupar os documentos a partir da categoria atividades geradoras de injustiça ambiental em detrimento, por exemplo, do tipo ou remetente da mensagem, pois assim é possível delinear perfis de processos produtivos e políticas públicas freqüentemente relacionadas aos danos sociais e ambientais percebidos pelos atores articulados na Rede. Se, por um lado, procurou-se garantir a indexação dos documentos no âmbito dos processos sociais em que são produzidos, atribuindo termos remissivos que os conectem e para que estas múltiplas entradas de pesquisa sejam concretas, por outro foi preciso construir e re-intrerpretar as conexões e vínculos entre forma e conteúdo de documentos, ou seja, entre linguagem e ação social. Mas foi preciso ponderar que, historicamente falando, sistemas de identificação e classificação constituíam instrumentos para a ação coletiva. Segundo Ginzburg (1986), também representavam para o Estado mecanismos de enquadramento e, conseqüentemente, de criminalização das lutas de classes. Foucault acrescenta ainda que classificar corresponde ao paradoxo de “incluir para excluir” e vice-versa. Ao mesmo tempo em que, ao produzir um documento, uma forma de linguagem, ou ainda uma classificação, empreende-se o esforço de adentrar e se fazer reconhecer por meio deste discurso autorizado, reforça-se os limites para tal ação. Assim, ao analisarmos um conjunto documental no intuito de classificarmos, estamos avaliando suas possibilidades criativas, mas também estamos limitando-o a certos olhares. (Foucault, 1970/2006). O banco é, portanto, um instrumento de pesquisa em permanente construção. Como em todo arquivo em uso, há uma retroalimentação dos valores simbólicos da documentação à medida que ela está sendo utilizada e apropriada. Como salientou Ângela Maria de Castro Gomes3, é o presente que rege o trabalho de memória, já o passado aparece como algo que é e permanece causando e 3

No “Seminário Quando o campo é o arquivo. Etnografias, histórias e outras memórias guardadas”, LAH/UFRJ e CPDOC/FGV, Rio de Janeiro, 25 e 26 de novembro de 2004.

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provocando conseqüências na vida cotidiana, apontando o pesquisador tão sujeito e ator da história quanto os seus pesquisados. Assim, os arquivos, ao mesmo tempo em que representam recortes da realidade e uma fragmentação das informações e dos processos estudados, são produto de um esforço de reconstrução da memória sobre estes processos a partir de elementos determinados que, por sua vez, devem estar explícitos aos interessados

5- DESCRIÇÃO DOCUMENTAL: RESULTADOS NO PERÍODO 2002-2006 POR CATEGORIAS DE ANÁLISE O Banco Temático é composto por documentos oriundos das discussões que passam pela RBJA, tais como: notícias, denúncias, artigos, campanhas, relatórios, divulgação de eventos, encontros, termos de cooperação técnica, laudos periciais, trabalhos acadêmicos, entre outros. O universo temático desta documentação aborda os casos de injustiça ambiental em suas variações e especificidades, conforme as classificações abaixo4:

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Atividades geradoras de injustiça ambiental: Inclui as principais atividades e situações geradoras de riscos e conflitos entre populações, trabalhadores/as, entidades, governo, empresas e setores econômicos.



Eixos de luta: Ações e mobilizações de entidades e grupos organizados em torno de conflitos socioambientais visando articular e implementar a luta na direção da justiça ambiental. Populações envolvidas e atingidas Grupos populacionais envolvidos em situações de justiça e injustiça ambiental.



Populações envolvidas e atingidas: Grupos populacionais envolvidos em situações de justiça e injustiça ambiental.



Regiões: Os documentos do banco estão relacionados com suas regiões. A categoria Nacional refere-se a ações inter-regionais e nacionais e não incorpora conflitos regionais.



Experiências, ações e mobilizações propositivas de entidades e grupos em torno de conflitos socioambientais, voltadas a dar visibilidade e implementar experiências na direção da justiça ambiental.

Ver anexo 1 as categorias correspondentes.

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5.1 - UNIVERSO GERAL DOS DOCUMENTOS: TOTAL E DISTRIBUIÇÃO POR ANO Os dois gráficos a seguir representam a distribuição da indexação de documentos nas categorias correspondentes às atividades geradoras de injustiça ambiental e sua distribuição entre os anos 2002 a 2006. Estão disponíveis 1645 documentos deste período.

A classificação “Atividades geradoras de injustiça ambienta”l representa o grande eixo temático do banco com a proposta de dar visibilidade para as principais atividades produtivas, órgãos decisórios e situações de risco. Está distribuído entre as seguintes categorias: 1. 2. 3. 4. 5. 6.

Atividades de produção agrícola e animal; Atividades de extração mineral e produção industrial; Atividades de infraestrutura e produção de energia; Situações relacionadas a descarte de rejeitos e poluição; Atuação das instituições governamentais e da justiça. Preservação ambiental e recursos hídricos Figura 1: Distribuição das atividades geradoras de injustiça ambiental no período 2002 a 2006 Atividades de infra estrutura e produção de energia 9%

18%

Atividades de produção agrícola e animal

20%

Atuação das entidades governamentais e da justiça 24%

29%

Situações relacionadas a descarte de rejeitos e poluição Preservação ambiental e recursos hídricos

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Os dados seguintes apresentam o total de indexações das atividades em cada ano (2002/2006), sendo que predominam as atuações das atividades governamentais e da justiça. Há uma posição equilibrada entre as atividades de extração mineral e produção industrial e atividades de produção agrícola e animal.

Figura 2: Distribuição das atividades geradoras de injustiça ambiental por ano 160

140

120

Atividades de extração mineral e podução industrial Atividades de infra estrutura e produção de energia

100

Atividades de produção agrícola e animal

80

Atuação das entidades governamentais e da justiça Situações relacionadas a destarte de rejeitos e poluição

60

Preservação ambiental e recursos hídricos

40

20

0 2002

2003

2004

2005

2006

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As tabelas abaixo sobre distribuição por região e população indicam o predomínio das populações indígenas e populações rurais no universo de casos de injustiça ambiental discutidos na Rede. As populações indígenas estão registradas como vítimas nas ações de madeireiras, garimpos e práticas de grandes corporações, além de relatos de agressões, ameaças e diversas formas de violência. Os trabalhadores e populações rurais também são registrados como vítimas violência nos conflitos fundiários, na construção de barragens e hidroelétricas e nos impactos da soja, do eucalipto e outras monoculturas, além da degradação gerada pela exploração do trabalho, como contaminação por agrotóxicos. No outro extremo encontramos baixo registro de crianças e mulheres atingidas. Tal ausência reflete a tradicional invisibilidade em que é mantida a temática, já que em função da divisão sexual do trabalho as mulheres, ao cuidarem dos filhos, dos idosos, da limpeza e da comida, são afetadas de maneira particular quando os processos de degradação resultam na proliferação das doenças, na poluição ou escassez das águas, na redução dos alimentos para a família, etc. Contudo, a pesquisa revela que no caso das mulheres existe uma participação ativa na luta contra a monocultura, especialmente em contrapartida à atuação da Aracruz Celulose. Já em relação às crianças vitimizadas são apontados casos de poluição, áreas contaminadas e as enfermidades como conseqüência. TABELA 1: Número de documentos por tipo de população Populações envolvidas e atingidas Populações indígenas Trabalhadores/as e populações rurais Populações litorâneas e ribeirinhas (pescadores/as e caiçaras) Populações urbanas Trabalhadores/as industriais e urbanos/as Quilombolas Trabalhadores/as extrativistas Mulheres Crianças Total

Número de documentos 328 285 120 214 112 87 58 29 25 737

TABELA 2: Número de documentos por regiões Regiões Nacional Região Sudeste Região Norte Internacional (América Latina) Região Nordeste Região Sul Região Centro-Oeste Internacional (Outros) Total

Número de documentos 495 421 260 185 150 133 116 91 1145

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A categoria Nacional refere-se a conflitos, debates temáticos e ações inter-regionais e nacionais, sendo, portanto, a que tem em maior número no banco temático. São debates em torno de ações de instituições governamentais, de Ongs e conselhos de meio ambiente; encontros e seminários; articulações internacionais; transferência de riscos; divulgação da luta pelo banimento do amianto e alternativas de integração regional. Em segundo, os casos abrangem a região sudeste,. podendo ser distinguidos as principais situações de injustiça ambiental nos seguintes estados: Em Minas Gerais, a luta contra a construção e reparo dos danos causados pelas barragens e hidroelétricas. No Espírito Santo predominam as ações da Rede Alerta contra o deserto verde provocado pelas monoculturas de eucalipto, onde se destaca e a atuação dos indígenas Tupiniquim e Guarani pela demarcação de suas terras, assim como a luta dos quilombolas. Em São Paulo, os casos de contaminação provocada pela Rhodia e Shell e por fim, no Rio de Janeiro pode ser verificado o caso dos quilombolas da Marambaia, que vivem uma situação de conflito com a Marinha, que por manter um centro de treinamento militar na ilha, dificulta a demarcação das terras quilombolas, e a repercussão do vazamento químico da empresa Cataguases de Papel. Este evento, ocorrido em 2003, teve como conseqüências a contaminação do Rio Paraíba e Pomba, afetando pescadores e populações que são abastecidas por esses rios. Outra possível explicação para o destaque da região sudeste é a maior facilidade de circulação de informações, dada a localização da secretaria da Rede que propicia maior facilidade para circulação de informações locais. Na região Norte e Região Centro Oeste concentram problemas semelhantes e eles incidem no estado do Pará, onde a luta pela terra concentra casos de violência, pistolagem e corrupção, como em Altamira. Além do histórico sobre o povo indígena Cinta-Larga e Raposa Serra do Sol. Na categoria eixos de luta são destacadas as lutas pela terra e a luta contra o banimento e outras formas de combate às atividades ou situações de risco. Este último tem como principal ação o banimento de substâncias químicas, com destaque para o amianto e mercúrio, mas também algum destaque para as ações e debates em favor da luta contra incineração e a co-incineração de resíduos perigosos (queima de resíduos nos fornos das indústrias de cimento e cerâmica). Este caso também inclui a discussão contra a exportação de lixo, seja de pneus da Europa para o Brasil, seja de resíduos tóxicos entre os estados brasileiros.

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TABELA 3: : Número de documentos por eixos de luta Eixos de luta Luta pela terra Luta pela preservação da biodiversidade e da vida Luta contra grandes corporações Banimento e outras formas de combate às atividades de risco Combate aos crimes, ameaças e outras formas de violência contra militantes Movimentos de atingidos por barragens Luta contra monocultura do eucalipto e da soja Luta dos/as expostos/as e contaminados/as por substâncias perigosas Luta contra transferência de riscos Luta pela moradia e saneamento Movimento de mulheres Luta contra o trabalho escravo Luta contra o racismo ambiental Luta contra a biopirataria Total

Número de documentos 282 214 209 177 163 137 116 95 44 30 17 14 13 7 1083

O principal destaque para a luta pela terra revela que a dinâmica dos movimentos pela justiça ambiental no Brasil se concentra em torno da luta histórica por direitos fundamentais, que incluem a reforma agrária, a luta contra a monocultura, a luta pela moradia e saneamento. E também o combate ás situações de violência contra militantes geradas no processo destas lutas, revelando que a luta pela justiça ambiental está intrinsecamente articulada com a luta pela democracia. Os movimentos pela preservação da biodiversidade e da vida destacam conflitos gerados no processo de discussão de políticas florestais, criação de áreas de preservação e Unidades de Conservação, assim como os impactos de grandes empreendimentos sobre as condições ambientais.

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A tabela sobre experiências revela que diversos membros da Rede tem participado de conselhos e comissões junto ao governo e instancias da sociedade civil (CONAMA, Comitês de Bacia, etc). As articulações internacionais têm estado bastante presentes nos debates e ações da rede. Isso em grande medida é fruta da articulação com a Oilwatch (uma rede internacional de vigilância e resistência as atividades petroleiras) e das articulações do Gt químicos com o IPEM (rede internacional de combates aos poluentes orgânicos persistentes) e Rede Gaia contra a incineração. A judicializacao dos conflitos, através da ação do ministério publico e do encaminhamento de denuncias ao judiciário e as promotorias pelas organizações também aparecem como uma das formas de ação dos grupos mobilizados contra as situações de injustiças ambientais. Tambem as ações da relatoria de direito humano ao meio ambiente5 tem um forte destaque nos debates, já que a rede é a articulação que subsidia as ações da relatoria . A luta pela demarcação de terras tem sido uma das principais ações propositivas desenvolvidas pelos movimentos, cujas ações aparecem destacadamente na lista de discussao da Rede.

TABELA 4: : Número de documentos por experiências Experiências Atuação de conselhos, comitês e fóruns Articulações internacionais Ações judiciais Demarcação de terras (indígenas, extrativistas e quilombolas) Missões e relatorias de direitos humanos Energias alternativas Reassentamentos e auto-assentamentos Educação ambiental Sistemas agroecológicos ou agroflorestais Arte e cultura Produção agrícola familiar: Reciclagem Coopeativismo popular e autogestão Turismo comunitário Total

Número de documentos 207 149 132 102 54 20 18 10 9 8 4 3 4 3 617

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A Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento (PIDHDD) articula-se desde o início dos anos 1990 para promover a troca de experiências e a soma de esforços na luta pela implementação dos direitos humanos, integrando organizações da sociedade civil de diversos países do continente, destacadamente o Peru, Equador, Argentina, Chile, Bolívia, Colômbia, Paraguai, Venezuela, entre outros Mais informações em http://www.dhescbrasil.org.br/

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6. CASOS E TEMAS EMBLEMÁTICOS DA RBJA Os casos e temas emblemáticos foram selecionados a partir dos conflitos e temas que se destacaram na lista de discussão da Rede gerando debates e mobilizações. Eles ilustram conflitos sócio-ambientais que vem marcando diversos territórios, populações, movimentos sociais e ambientais, sendo freqüentemente destacados pela mídia e por diversos veículos de comunicação. A apresentação dos casos emblemáticos possui duas funções básicas: de um lado revela com mais detalhes as dinâmicas da sociedade, as formas de ação dos movimentos e da própria rede frente aos conflitos, resignificados como situações de injustiça ambiental. De outro contribui para elucidar as características do modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ambientalmente insustentável que se materializa nos casos em questão. Em tempos de globalização, o modelo econômico brasileiro vem confirmando sua inserção histórica no comércio global via exportação de mercadorias (“commodities”), seja através do agronegócio, seja pelos ciclos de mineração e produção de metais como o aço e alumínio. Tais setores, assim como as obras de infra-estrutura em transporte e energia a eles vinculados, representam parcela expressiva de importantes conflitos que são denunciados na Rede. Freqüentemente através dos investimentos de grandes corporações e das obras em infraestrutura, os casos revelam as enormes assimetrias de poder entre os que lucram com esses negócios e as populações que sofrem com seus impactos. As instituições públicas e a justiça freqüentemente não cumprem seus papéis legais de defenderem o meio ambiente, a saúde e os direitos humanos das populações atingidas. Muitas das denúncias associadas aos casos refletem as enormes assimetrias no acesso a informação, à justiça e à participação nos processos decisórios que marcam as injustiças ambientais. Ilustram os problemas relacionados ao exercício dos direitos humanos e políticos fundamentais através das políticas públicas, das ações de governo, da legislação, das práticas institucionais, do funcionamento da justiça e dos fóruns decisórios. Os casos foram agrupados em torno de três grandes eixos temáticos que ilustram as principais contradições do modelo de desenvolvimento no país que geram situações de injustiças ambientais. Os dois primeiros se referem aos dois pólos territoriais: rural/urbano ou campo/cidade. O último, intitulado mecanismos de mobilização coletiva da rede, exemplifica algumas experiências e ações coletivas em que a RBJA assumiu um papel fundamental, em especial diante da omissão da ação governamental, das instituições e dos fóruns decisórios.

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6.1- OS TERRITÓRIOS RURAIS COMO ESPAÇOS DE DISPUTA POR MODELOS ALTERNATIVOS DE OCUPACAO E USO DO TERRITORIO O território rural ou dos lugares relativamente afastados dos centros urbanos é o espaço que reflete as disputas e tensões entre os diferentes projetos de ocupação, preservação e uso da terra e dos recursos naturais. É o espaço dos territórios indígenas, extrativistas, de quilombolas, pescadores e outras populações tradicionais, as quais cada vez mais se organizam, afirmam suas identidades e atuam na defesa de seus interesses. Os conflitos fundiários e a luta pela reforma agrária também se realiza nestes territórios, eventualmente em disputa com visões ambientalistas restritas que ignoram a dimensão social e os princípios da justiça ambiental. É neles que se encontram os principais ecossistemas em ameaça, como a floresta amazônica, o cerrado, o pantanal, os manguezais, o que ainda restou de mata atlântica, as bacias hidrográficas e as nascentes de seus rios. A luta pela preservação destes territórios tem aproximado algumas entidades ambientalistas para além de uma visão estritamente conservacionista, articulando ecologismo com justiça social e uma visão crítica dos grandes projetos econômicos de desenvolvimento, os quais concentram seus esforços nos benefícios de curto prazo gerados pela exploração dos recursos naturais e da terra. O território rural é também o espaço da reprodução social de grupos tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores tradicionais, geraizeiros, etc) e onde tem emergido propostas alternativas, como agricultura familiar, reforma agrária e agroecologia, através das quais os movimentos sociais buscam reverter os impactos decorrentes do agronegócio e suas monoculturas da soja, eucalipto e cana-de-açúcar. A discussão sobre a discriminação étnica e racial, um dos bastiões do movimento pela justiça ambiental nos EUA que integrou os movimentos pelos direitos civis às lutas ambientalistas, foi responsável pela criação do Gt Racismo em 2005. Possui como objetivo difundir a noção de que as dimensões da injustiça ambiental também recaem sobre etnias discriminadas historicamente, particularmente indígenas e quilombolas. Neste sentido, procuramos fazer a análise dos conflitos dos territórios rurais a partir de três grupos de conflito: (i) infra-estrutura e modelo energético de extração mineral, (ii) impactos do agronegócio; e (iii) conflitos fundiários.

6.1.1- Infra estrutura e modelo energético e de extração mineral A construção de barragens e hidroelétricas é alvo de mobilizações dos movimentos sociais que se organizam para apoiar e assessorar famílias atingidas e reassentadas como o MAB (Movimento dos atingidos por barragens); o Gesta (Grupo de estudos sobre temáticas ambientais da

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UFMG) – e Comissões de atingidos. A seguir indicamos alguns casos importantes discutidos pela Rede. No ano de 2003 ganha visibilidade a luta contra as barragens de Murta e Irapé, em Minas Gerais. O principal elo de articulação com a Rede para a divulgação do conflito é o Gesta. A entidade presta assessoria aos atingidos por meio de denúncias, campanhas e elaboração de laudos técnicos sobre os impactos das barragens na região. Ao longo de 13 anos, a população atingida se organizou num movimento - batizado de Comissão dos Atingidos pela Barragem de Irapé - cuja história de resistência e luta se tornou referência no Estado de Minas Gerais. Desde 2003 a comissão denuncia indefinição e ocultamento dos conflitos por parte da CEMIG (companhia energética de Minas Gerais) em relação aos acordos sobre terras para reassentamento. Outras denúncias feitas um ano depois aponta para a postura da Companhia energética contra os atingidos na tentativa de conseguir a licença de operação. Em 2006 o Gesta divulga carta à Rede sobre a não concessão da LO pela CEMIG, fazendo referência à atuação da PRMPF e da RBJA. O empreendimento da hidrelétrica de Campos Novos resultou num comunicado do MAB, em 2005, informando da denúncia feita pela FASE junto a OEA em relação às violações dos direitos humanos durante a construção, denúncia que também solicita medidas cautelares pelo Estado brasileiro. Outra ação do MAB foi uma carta ao BID, financiador da obra, denunciando violação dos direitos das famílias atingidas e cerceamento de militantes. Este caso se destacou também pela denúncia de irregularidade na estrutura das obras.

Em 2006 a nota do Núcleo Amigos da

Terra/Brasil informou do esvaziamento da Barragem de Campos Novos e dos prejuízos causados pelo empreendimento. Questionando a viabilidade deste tipo de financiamento. Em 2003 é divulgada nota da Radiobrás sobre possível parceria entre a Eletrobrás, IBAMA E MMA sobre a instalação da UHE (Usina Hidrelétrica) de Belo Monte: na Amazônia. Referência `a Belo Monte como uma das usinas em pauta e como exemplo de projeto de alto impacto revivido pelo governo Lula. Artigos apontam incapacidade dos governos em aprender com experiências de governos anteriores. Indica discussão pública do projeto como tímido avanço. Ainda em 2003, uma notícia do JB informa mudança no foco da discussão do governo em relação a Belo Monte. UHE teria tendência a ser descartada em prol da adoção de um complexo de

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usinas no rio Madeira. Estratégico, pois viabilizaria navegação no rio e aumentaria integração nacional. Em 2006 é divulgada entrevista com Tarcísio Feitosa, da CPT, sobre o clima de tensão na região de Altamira em relação construção da UHE Belo Monte. Lideranças e empresários locais protestam e mobilizam a opinião pública em favor do projeto.

Com relação ao Rio Madeira, como parte da campanha “Rio Madeira Vivo” alguns movimentos sociais tentam alertar para as conseqüências socioambientais da construção da hidrelétrica do Rio Madeira lançando cartilhas e enviando cartas para as entidades da Rede. Entre os documentos que relatam as audiências públicas em torno deste projeto, a questão central entre os membros da lista foi a declaração do Presidente da República de que índios, quilombolas, ambientalistas e Ministério Público travam o desenvolvimento do País, além de artigo publicado na Carta Maior sobre o processo de consulta a respeito das hidrelétricas da região.

Na mesma linha de discussão sobre que modelo de desenvolvimento deve ser priorizado nos projetos de infra-estrutura, podemos resgatar as mobilizações contra a transposição do Rio São Francisco (2005). Podem ser observados três eixos de atuação e discussão nas notícias, nas cartas e campanhas da Rede. O primeiro se refere a iniciativa Bispo Dom Luiz Flavio Cappio, quando em setembro de 2005, em protesto contra a transposição, protagonizou uma greve de fome marcada por uma carta enviada ao presidente Lula. O desdobramento do conflito se deu com a suspensão temporária e estratégica do projeto. No entanto, as expectativas iniciais sobre a

disposição

governamental ao diálogo foram frustradas logo em seguida e receberam críticas dos participantes da Rede. As notícias iniciais sobre a disposição governamental ao diálogo desapareceram ao longo do dia enterradas em declarações de que o projeto tem cunho social e irá beneficiar populações pobres. Foi elaborado um dossiê sobre o conflito pelos participantes da discussão, onde nos relatos é enfática a divergência entre o discurso do governo – os benefícios sociais - e o que se observa nas prioridades dos elaboradores do projeto, que é a destinação das águas para irrigação. O segundo movimento da atuação é relativo à crítica dos movimentos sociais sobre o relatório do Banco Mundial, multilaterais ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, o qual cita a possibilidade de ações mais eficientes e de menor custo para garantir a distribuição dos recursos hídricos na região do semi-árido. divulgados pela rede Brasil sobre instituições financeiras O documento tem caráter confidencial e após algumas análises sobre o impacto econômico e social das 20

obras o relator aconselha repensar o projeto através de iniciativas de menor custo, com aproveitamento de obras já existentes que gerem efeitos de curto e médio prazo. Na dinâmica dos comentários sobre o relatório, os participantes buscaram maiores informações e, através da interferência da Rede Brasil Sobre Instituições Financeiras Multilaterais, buscou-se um posicionamento mais conclusivo do Banco. Em contrapartida, representantes do Banco afirmaram que este é um documento não-oficial, desatualizado e que sua posição foi publicada num artigo no Estado de Minas em Fevereiro de 2005. O terceiro movimento do conflito é a intervenção dos órgãos públicos em conjunto com o Fórum Permanente em Defesa do São Francisco que consegue liminar cassando a licença prévia do Ibama para o início das obras. Foram incorporados argumentos de inviabilidade do projeto em relação à legislação ambiental e outros, ancorados por dados dos governos estaduais envolvidos de que não existe déficit hídrico nas regiões a serem afetadas pela obra. Entretanto, foram encontrados documentos relativos ao ano de 2006 sobre declarações do governo federal com objetivos de retomar a obra. Atos e acampamentos de movimentos sociais contra transposição marcam então o período pós-eleitoral, mas sem a mobilização efetiva das entidades envolvidas.

As lutas encampadas pelos movimentos sociais e entidades de preservação do Rio São Francisco contra as ameaças de implementação do projeto têm semelhança com um tema pouco debatido na Rede, a hidrovia Paraná-Uruguai. Este projeto teve a crítica de movimentos sociais diretamente ligados à preservação no Pantanal. No governo Fernando Henrique foi negociado que as obras não teriam início, porém, no primeiro ano do governo Lula houve a proposta de inclusão do projeto no Plano Plurianual. O primeiro registro documentado na Rede foi em 2003 com o lançamento da carta para o presidente Lula na tentativa de impedir o andamento desta pauta. Posteriormente, são vinculados às ameaças de outros projetos de infra-estrutura no Pantanal. Nos debates sobre integração regional no âmbito do Mercosul / Bacia do Prata ele aparece em evidência, embora pontualmente. Estas características suscitam semelhantes análises sobre os impactos sócio-ambientais de grandes setores industriais. Estes impactos levantaram duas questões de fundo, uma delas é o debate, inclusive dos grandes veículos de comunicação sobre a demanda de energia e dos recursos naturais exigidos para a construção e sobre o funcionamento de grandes cadeias produtivas. Concomitantemente, as articulações políticas e o movimento de entidades com suas campanhas traziam à tona os impactos e os danos que esses grandes empreendimentos implicavam para as comunidades atingidas.

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Os projetos da cadeia de alumínio e siderurgia tiveram repercussão na Rede em 2003 e apontou os projetos da Albrás Alumínio e extração da bauxita no Pará e Maranhão. Houve ainda o impacto da contaminação do Rio Barcarena no Pará em 2003 e o impacto da destruição cultural dos quilombolas que resistiram contra a CVRD derrubando uma torre de transmissão de energia que abastecia a siderúrgica. Em 2003 já se anuncia a proposta de instalação de um complexo siderúrgico no Maranhão. Dois anos depois foi realizada uma missão de investigação da Plataforma Dhesca (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais) para apurar a possibilidade de violações de direitos humanos no processo de construção da siderúrgica. Um dos pontos mais relevantes na conclusão do relatório preliminar dos grupos é que há um forte engajamento das diversas esferas de governo (municipal, estadual e federal) para viabilizar a instalação do pólo siderúrgico na Ilha de São Luís. Segundo o relatório as posturas governamentais incluem promover reformas legais e apressar procedimentos administrativos para, dessa forma, criar as condições necessárias à realização do empreendimento mesmo que isso signifique violar ou aceitar violações de direitos humanos e ferir princípios constitucionais da Administração Pública como os da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, como se verá a seguir.

Outro projeto foi a instalação das usinas de álcool no Pantanal onde o foco é a ação de grupos ambientalistas pela preservação da região. São campanhas e cartas de repúdio, especialmente, do Fórum de Defesa do Pantanal e outras entidades que questionam a legalidade de decreto do governador do MS, autorizando a instalação de usinas na região em 2003. O ponto extremo da luta aconteceu com a iniciativa de alto impacto e repercussão cometido pelo ambientalista Francisco Ancelmo que sacrificou a própria vida, culminando com o arquivamento do projeto por parte do MP e movimentos sociais em 2005. Existe uma outra característica nos projetos de grandes empreendimentos que pode se referir particularmente para a atuação da Petrobrás, associando-a como Duplo Padrão em função da postura da estatal frente à legislação ambiental, que não permite empreendimentos em parques e áreas protegidas no Brasil. Entretanto, impedida de atuar nessas áreas, o faz em países onde a legislação é mais permissiva. Em julho de 2005, o Ministério do Meio Ambiente do Equador suspendeu a licença ambiental para a exploração da área, concedida à Petrobras no governo anterior, de Lucio Gutiérrez. Existe um documento de agosto do mesmo ano dizendo que o governo do Brasil estava pressionando o do Equador para que este liberasse a licença ambiental. A FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, por meio do Projeto Brasil Sustentável e Democrático, lançou em

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2006 o livro denúncia Petrobras: integración o explotación? (Petrobras: integração ou exploração?). A idéia do livro surgiu com as denúncias recebidas pela Rede. Movimentos sociais equatorianos revelaram que a Petrobras vinha causando danos ao ambiente e às populações locais com atividades de exploração de petróleo. As organizações temiam também a pretensão da empresa em atuar no Parque Nacional Yasuni, onde há uma reserva do povo indígena Huaorani. No que concerne aos instrumentos de decisão, influência e coação, definidos aqui tanto como os mecanismos formais de deliberação e implementação de políticas públicas e demais instâncias de governo que são influenciados por lobbies de setores econômicos, empresas e proprietários de terras, quanto os mecanismos de pressão – inclusive através de ameaças e violência – visando dificultar o avanço da mobilização social em diversos casos aqui relatados. Na Rede são frequentemente divulgadas informações sobre os crimes, ameaças e violência contra militantes, seja em relação aos grandes projetos, como mencionados acima, seja aqueles advindos dos conflitos fundiários e da resistência dos atores em situações diversas. São encontradas violações aos direitos indígenas, de moradores e trabalhadores contaminados por parte de corporações e instituições governamentais, assim como alianças entre estes. Alguns conflitos específicos fornecem elementos para discutir estes processos de decisão como o licenciamento e a adequação ambiental. O licenciamento de hidroelétricas, por exemplo, envolveu debates entre instituições de setores energéticos, o Ibama e movimentos sociais em 2003. Uma das críticas levantadas, é que neste processo os estudos técnicos são deixados para as empresas interessadas em explorar as bacias. Os conflitos gerados pelo descompasso entre os interesses do empreendedores e das comunidades atingidas são deixados de lado. O licenciamento torna-se então uma ação de flexibilizações legislativas como, por exemplo, medidas compensatórias e termos de compromisso. Uma das maiores ameaças ao patrimônio socioambiental é o projeto de construção de barragens ao longo do rio Ribeira de Iguape. Estudo de inventário hidrelétrico aprovado pela Eletrobrás previa a construção de quatro barrangens (Tijuco Alto, Funil, Itaoca e Batatal). No entanto, se construídas, inundariam permanentemente uma área de aproximadamente 11 mil hectares, incluindo aí áreas cobertas com importantes maciços de mata atlântica e terras ocupadas por pequenos agricultores. O licenciamento foi negado pelo Ibama em 2003 alegando falhas no EiaRima e estudos desatualizados.

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A siderúrgica Vega do Sul (2003) contou com a iniciativa de grupos e movimentos preservacionistas ao ingressar com Ação Civil Pública com pedido liminar para esclarecer pontos obscuros e falta de transparência no processo de licenciamento do empreendimento, que segundo informantes da Rede, ocorreu antes de qualquer estudo. Houve ainda práticas de associação de lideranças locais para burlar a legislação ambiental. As atuações de entidades governamentais são relatadas em campanhas de entidades, seja por exigências pela agilização das demandas, seja nos protestos contra omissão em situações de urgência. Outros também indicam a atuação de comissões de direitos humanos da câmara dos deputados em terras indígenas e articulações internacionais como a importação de pneus, e o caso mais recente da posição do Brasil sobre a rotulagem de transgênicos. Em 2002 se destaca a Terra indígena Raposa Serra do Sol e as apelações de senadores contra sua homologação. Portanto, apesar das inúmeras formas de mobilizações e a ampliação de canais institucionais para sua participação no controle social do estado desde o fim da ditadura militar, verifica-se a permanência de uma contradição estrutural na sociedade brasileira, onde a postura autoritária do estado é ancorada pelo apoio dos setores mais conservadores, como pode ser verificada na pesquisa pela categoria ‘eixos de luta’ no Banco Temático.

6.1.2- Agronegócio. A discussão acerca dos impactos do agronegócio inclui o debate da monocultura do eucalipto puxado pela Rede Alerta Contra o Deserto Verde. Neste subgrupo as discussões da Rede estão fortemente marcadas pela questão sobre racismo ambiental. A dimensão da discriminação étnica incidem no histórico de conflitos vivenciados entre os indígenas Tupiniquim e Guarani e a empresa Aracruz Celulose (ES). Os indígenas, apoiados pela Fase ES e membros da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, mobilizaram diversas campanhas difundidas na RBJA incluindo aquelas produzidas durante seminários e em situações de ocupação e reintegração de posse. Em propaganda no site da empresa, em outubro de 2006, foram publicadas declarações de que as populações indígenas seriam “supostos índios”, além de terem se utilizado de uma fotografia de uma liderança indígena para ilustrar sua tese. A Comissão Tupinikim e Guarani apresenta ao MPF Ação Civil Pública e Ação Penal contra Aracruz Celulose por danos morais coletivos e violação ao direito à imagem. É proposta na Rede uma divulgação para listas internacionais e são recolhidas assinaturas

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contra a campanha racista da corporação, já que foi constatada que a estratégia da empresa é de difamação contra a identidade dos povos indígenas através da mídia e junto à sociedade civil em geral.

Existem outros casos de racismo ambiental que envolvem violência, prática e omissões de órgãos governamentais, atividades produtivas como garimpo e a resistência aos impactos do agronegócio. Este último em especial repercute na Rede através de denúncias sobre os efeitos devastadores dos monocultivos para o meio ambiente e para o tímido avanço da reforma agrária. Os casos mais difundidos são sobre a soja no cerrado e no centro-oeste (2002), eucalipto e celulose e carnicicultura no Ceará e Bahia.

A área do Baixo Parnaíba, devastada pelo avanço da sojicultura, compreende mais ou menos dez municípios do estado do Maranhão. As denúncias que chegam da região são de que o arranjo entre antigos proprietários e agregados que havia antes da chegada da soja vem sendo desfeito pelos novos proprietários, que ao chegar desmatam toda área coberta para o plantio da monocultura. A campanha de iniciativa do sindicato de trabalhadores e trabalhadoras rurais de São Raimundo das Mangabeiras – MA em 2003, além de apresentar as investidas das famílias junto com o STTR ao INCRA-MA, denuncia o estado de descaso e abandono dessas autoridades em detrimento a uma possível compra da área por sojeiros do Sudeste do País. Em 2005, A morte de 15 trabalhadores rurais em decorrência dos agrotóxicos utilizados no plantio de soja na região dos Cerrados Piauienses foi denunciada pela Fetag-PI à Delegacia Regional do Trabalho. Segundo fontes advindas da participação na lista da Rede e que fez a denúncia pública da situação, o governo do estado é o principal defensor do processo que se dá na região e tenta mostrar que a morte dos trabalhadores rurais não foi por envenenamento com agrotóxico nas fazendas de soja. Em 2006 foi lançada campanha de posicionamento da Fase sobre as monoculturas. O documento é emblemático já que nele a entidade expõe os principais problemas relacionados à esta prática ao mesmo tempo que propõe alternativas a este modelo, como a agricultura agroecológica. Nesta discussão destaca-se a dimensão de gênero. Com a chegada das plantações de eucalipto da fábrica da Araracuz, no Espírito Santo, as mulheres, como os demais habitantes da região, viveram mudanças na organização do seu território e do seu lugar na comunidade. A iniciativa das mulheres ao ocupar a fábrica da Aracruz celulose no RS, e a divulgação de cartilhas

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“As mulheres e o eucalipto”, em articulação com a Via Campesina em 2006 foram exemplos emblemáticos de repercussão na Rede. A ação da Rede Alerta Contra o Deserto Verde pela Aracruz está centrada nas críticas às atividades de desmatamento e plantação de eucalipto para a cadeia de produção de celulose, ao mesmo tempo em que expulsa comunidades que trabalham e vivem do sustento dos recursos oferecidos pela vegetação nativa. Soma-se a isso uma estratégia particular da empresa ao lançar mão do marketing para a conquista da opinião pública, inclusive contra as populações afetadas, particularmente na atuação da Aracruz Celulose. A empresa está instalada no Espírito Santo e no RS e sua atuação foi mapeada a partir de documentos do tipo denúncias e campanhas; ao lado do amianto e da Petrobras é o conflito mais extenso e difundido somando-se 16 campanhas. Observam-se formas de articulação das empresas com os governos locais e seus principais mecanismos de justificação política: emprego, geração de renda e desenvolvimento.

No âmbito das experiências que viabilizem condições para a justiça ambiental podemos eleger projetos de desenvolvimento alternativos, como as atividades extrativistas, as experiências de povos tradicionais, como as quebradeiras de coco babaçu e projetos de agroecologia. Projetos agroecológicos aparecem na Rede por meio de cartas coletivas resultantes de encontros de movimentos expondo as principais demandas para desenvolver a agroecologia como paradigma de sustentabilidade. A citada carta de posicionamento da Fase sobre as monoculturas (2006) com propostas a este modelo é emblemática.

6.1.3- Conflitos Fundiários Neste caso o processo de reconhecimento, demarcação e homologação de terras indígenas também abarca, assim como no agronegócio, toda a dimensão do conceito de racismo ambiental, a exemplo da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em 2002, o Conselho Indígena de Roraima divulga nota da audiência publica que dá reconhecimento permanente da TI aos índios, o que significa a continuidade dos esforços durante os anos seguintes, por meio de campanhas internacionais pela homologação e principalmente contra a violência e impunidade. São relatados coações e assassinatos contra os líderes indígenas. Observou-se que a demora e indefinição do governo brasileiro na homologação favoreceram o retorno de garimpeiros para a Raposa Serra do Sol, após um período de mais de cinco anos em que a área ficou praticamente livre dessa atividade ilegal.

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Temos outro exemplo da relação entre racismo ambiental e conflito fundiário envolvendo índios e garimpeiros. A situação dos indígenas Cinta-Larga contra a violência praticada pelos garimpeiros em Rondônia pode ser resgatada desde o início da trajetória da Rede. Os indígenas Cinta-Larga, que ocupam a terra indígena Roosevelt, foi constantemente divulgado sob a ação do Projeto Relatores Nacionais em Direitos Humanos Econômicos Sociais e Culturais (DhESC), uma iniciativa da Plataforma DhESC Brasil e pelo ISA (Instituto socioambiental). Em 2003, sob informações da relatoria, circulou na Rede moção a favor das populações indígenas ameaçadas de re-invasão de suas terras pelos garimpeiros. Os índios, constrangidos, ficam vulneráveis a aceitarem acordos lesivos e se submetem aos interesses de empresários da mineração e contrabandistas. Isso faz com que recomece, com grande força, a pressão do entorno de atravessadores, compradores e traficantes que atuam expressivamente no mercado ilegal de diamantes. A tensão advinda de interesses conflitantes é manipulada no sentido desfavorável aos índios, fomentando-se o preconceito e discriminação contra eles. Em Abril de 2004, garimpeiros são encontrados mortos na floresta, na região do garimpo. Na mesma época o ISA lança um relatório sobre o histórico do conflito e a Rede Brasileira de Justiça Ambiental retoma o debate e a campanha lançada em novembro de 2003, com incremento das assinaturas e apoio dos membros da lista. Outro caso de drisciminação étnica envolve as comunidades quilombolas da Marambaia (RJ). Em 2006 a Ong Koinonia entrou em contato com a Rede para comunicar a situação atual do quilombo. Famílias de ex-escravos moram na Ilha desde a abolição da escravatura, e apesar da comunidade ser reconhecida oficialmente como remanescente de quilombo, ainda não teve suas terras demarcadas. A Koinonia, em articulação com a RBJA, explica os dois tipos de estratégia que são usados na tentativa de expulsão dos quilombolas pela Marinha, que ocupa parte da ilha com um centro de treinamento militar: (i) uma estratégia “fria”, que envolve proibições e uma série de intervenções não-oficiais que tornam a vida das comunidades “insuportável” provocando a saída de famílias, sendo que muitas foram morar em áreas urbanas periféricas; e (ii) uma estratégia “quente”, com movimentações claramente voltadas para a expulsão dos quilombolas, como ações de reintegração de posse contra os habitantes, classificados como “invasores”. Para justificar essa classificação, a Marinha e seus partidários, como o prefeito César Maia, lançam mão de um discurso que corrobora o racismo ambiental ao argumentar com o perigo de “favelização” da ilha ao serem regularizadas as terras quilombolas.

Também mapeamos o impacto gerado pela carcinicultura. No ano de 2005 foi divulgada carta dirigida às entidades da Rede a fim de solicitar apoio à luta pela implementação da moratória ao licenciamento de empreendimentos de carcinicultura no Brasil. Em caravelas, seu estuário é

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utilizado diretamente por centenas de famílias de catadores de caranguejo, pescadores e marisqueiros(as), incluindo uma área de remanescentes de quilombos e de comunidades tradicionais ribeirinhas. Em 2006, foi concedida liminar determinando que sejam suspensas todas as fases do processo de licenciamento ambiental do empreendimento de carcinicultura na Região. Contudo, no Ceará, a chegada de novos empreendimentos no litoral mobilizou as comunidades costeiras e o fortalecimento delas culminou na troca de experiências sistematizadas na "Carta de Fortaleza dos Povos das Águas". Este documento representa a visão coletiva de sujeitos que, a partir de suas vivências e experiências, se posicionam em relação aos projetos de desenvolvimento na zona costeira do Ceará. São repassadas na Rede notícias e denúncias sobre o agravamento da situação das comunidades afetadas. Observa-se que a sustentação e manutenção do agronegócio são feitas por meio de alianças entre instituições governamentais e proprietários de terras. Além disso, a legitimação da expansão de monoculturas de eucalipto encontra respaldo em certificações florestais sem a contribuição coletiva de Ongs e movimentos sociais.

6.2- OS TERRITÓRIOS URBANOS E AS LUTAS CONTRA AS CONTAMINAÇÕES E PELO DIREITO DAS POPULACOES TRABALHADORAS

O território urbano é o espaço clássico das situações caracterizadas como injustiça ambiental, pelos grupos que deram origem ao movimento por justiça ambiental nos EUA, decorrentes das atividades de expansão industrial, do consumo de massa e das contradições das cidades em expansão em sociedades marcadas pelas desigualdades. Os ambientes de trabalho, a poluição química, os acidentes ambientais, as áreas contaminadas pelo lixo urbano e industrial envolvem as principais situações de risco e tem gerado conflitos ambientais que afetam trabalhadores e populações discriminadas que habitam as chamadas “zonas de sacrifício”, expressão criada por Robert Bullard, um dos teóricos da justiça ambiental nos EUA. As reações sociais a estes problemas envolvem diferentes tipos de mobilização e níveis de organização por parte dos movimentos e dos atores políticos vitimizados. A relativa importância atribuída a alguns setores industriais como garantias para o desenvolvimento – siderurgia, mineração e energia - vem produzindo casos de contaminação

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ocupacional e ambiental no Brasil. Isso propiciou a emergência de movimentos e organizações de trabalhadores e populações afetadas por riscos específicos, como o amianto na indústria da construção civil; os POPs (poluentes orgânicos persistentes) nos casos das empresas Rhodia na Baixada Santista e Shell em Paulínia, no estado de São Paulo; o Césio 137 no acidente radioativo ocorrido em Goiânia em 1987; a contaminação por chumbo na cidade baiana de Santo Amaro, que afeta principalmente a população negra; pólos mineradores/industriais com um importante histórico de injustiças ambientais que afetam trabalhadores, moradores e pescadores, como na Baía de Sepetiba/RJ, Maranhão e Pará. O debate e a mobilização em torno de todas essas situações, com históricos de dramas familiares e comunitários relacionados à contaminação, é responsável pela criação de um grupo de trabalho sobre Químicos (Gt químicos), uma instância de articulação que une diferentes grupos de membros da RBJA e do Fórum Brasileiro de Ongs e Movimentos Sociais (com quem a Rede mantém constante dialogo) que atuam na luta contra os riscos químicos, como o banimento do cancerígeno amianto e a implementação da Convenção de Estocolmo, que visa a banir a produção, uso e disposição de algumas substâncias químicas perigosas. As questões vinculadas ao saneamento básico e às favelas, apesar de constituírem um importante conflito sócio-ambiental nas cidades brasileiras, ainda vêm sendo pouco trabalhadas em sua relação com a justiça ambiental, embora grupos como movimento HIP HOP do Ceará venha fazendo a articulação dessas lutas comunitárias com a justiça ambiental. Os movimentos de trabalhadores organizados em torno de associações e grupos de trabalho formada na Rede, como o Gt químicos, é um grupo que tem se destacado desde o início da RBJA. Eles intervêm no sentido de combater as atividades de risco e as grandes empresas nas contaminações e nos crimes corporativos. Três casos podem ser destacados como exemplares para o entendimento de como vem sendo encampadas, junto à Rede, as lutas pela Justiça Ambiental no espaço urbano: o movimento pelo banimento do amianto, que se estende para articulação interregional e internacional; a luta contra a importação de pneus da UE; a contaminação da multinacional francesa Rhodia na Baixada Santista, SP; e por último, a contaminação do condomínio recanto dos pássaros em Paulínia, SP. A Rede se integra à luta pelo do banimento do amianto em 2003, através da articulação internacional. A Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto) apresenta carta em protesto contra a revogação do banimento na Argentina. No ano seguinte a Ethernit é condenada em ação civil pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo para indenizar seus 2.500 trabalhadores e ex-trabalhadores em todo o Brasil. Ainda neste ano circulou na Rede abaixo-assinado para o presidente Lula sobre a inclusão da variedade crisotila do amianto, o único ainda permitido pela

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legislação brasileira, na lista de Convenção de Rotterdan. Neste sentido, no que tange à articulação regional e local, existem documentos que relatam alianças entre lideranças locais e empresas para a legitimação do uso do amianto. No ano de 2005 foi repassado à Rede um release sobre a efetivação do banimento do amianto crisotila em 25 países membros da União Européia cujo conteúdo sinalizava sobre as condições desiguais de luta no Brasil e nos países membros da UE. Estava em jogo então a revogação de leis estaduais de banimento em São Paulo e Mato Grosso do Sul pelo Supremo Tribunal Federal(STF), que ameaça revogar também as leis dos estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro por meio de três ADINs (ação direta de inconstitucionalidade) propostas para torná-las inconstitucionais, subterfúgio legal usado para contestar o federalismo conquistado pela Constituição de 1988, que deu aos Estados poderes concorrentes com a União para legislar sobre saúde e meio ambiente. O segundo caso relativo aos problemas que atingem populações urbanas é o da Rhodia na Baixada Santista, considerado um dos maiores desastres ambientais já ocorridos na América Latina: os resíduos produzidos pela fabricação de agrotóxicos organoclorados afetaram a saúde não só dos trabalhadores das fábricas como da população dos municípios por onde este lixo industrial foi espalhado clandestinamente. A ACPO – Associação de Combate aos Poluentes Orgânicos Persistentes - POPs- é a entidade criada a partir deste caso, e tem tido uma intensa atuação não somente na RBJA como em diversos fóruns nacionais e internacionais voltados à segurança química. Sua atuação tem sido importante nas discussões sobre os efeitos da incineração e co-incineração dos resíduos e na campanha permanente contra a transferência de resíduos tóxicos. A partir da denúncia feita pela ACPO, de que a multinacional Rhodia iria transportar mais de 3800 toneladas de resíduos de sua estação de espera em São Vicente, São Paulo, para serem incineradas em Camaçari, na Bahia, a Rede iniciou em 2005 uma campanha junto aos organismos governamentais e à sociedade civil que foi capaz de mobilizar não apenas os movimentos sociais baianos ligado à Rede, como o próprio Ministério Público e a Assembléia Legislativa do estado. O resultado foi a paralisação do transporte e da queima de parte dos resíduos que lá chegaram e a instituição de uma Campanha permanente contra a transferência de resíduos tóxicos entre Estados da Federação. A partir desta campanha, foi iniciada uma outra mobilização contra transferência de riscos relativa à importação de pneus que, ao longo das demandas e da necessidade de atuação dos movimentos, se transformou em uma campanha da própria Rede, em coalizão com FBOMS, REBRIP e outras articulações. No ano de 2005 a Rede participou de audiência pública no senado federal em Brasília para discutir o projeto de lei sobre a contrapartida ambiental para importação de pneus. O projeto em questão abria a possibilidade para a importação de pneus usados para o Brasil,

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sendo proibida no país desde 1991. Em informe sobre a audiência, a secretaria da Rede afirma que diversos setores do governo e diversas organizações da sociedade civil são contrárias a proposta e durante a audiência pública essa posição foi fortalecida, o que resultou na formação de um grupo de trabalho para aprofundar o debate sobre o tema antes que o projeto fosse para votação. Foi então elaborado um documento para a audiência com a coleta de assinaturas. Em julho de 2006, por ocasião da primeira audiência que aconteceu entre na OMC, uma coalizão de ONGs, formada pelo FBOMS, Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Conectas Direitos Humanos, Greenpeace Brasil e WWF Brasil, divulgaram declaração “Não queremos que o Brasil se torne o lixão da União Européia” que contou com o apoio de mais de 100 redes e entidades do mundo inteiro. A sociedade civil organizada de mais de 30 países pede que a União Européia reveja sua posição e que os árbitros não priorizem questões comerciais às questões ambientais e de saúde pública. O conflito que expôs a situação das populações contaminadas pela empresa Shell circulou na Rede a partir de 2003. Oito anos antes (1998) foi divulgada pela mídia a exposição de trabalhadores e populações em Paulínia por substâncias perigosas. Os moradores localizados próximos ä fábrica, no condomínio de classe média Recanto dos Pássaros, movem suas contestações através de uma carta dirigida à Shell, expondo a situação de desamparo causada pela empresa, ao deslocar os moradores para outras instalações nas proximidades e diluir o modo de vida e as condições de moradia anteriores ä época do acidente. Segundo a carta, a conduta da Shell é de substituir os funcionários encarregados mediar o caso e coagir os moradores. Além disso, o documento expõe outras condutas da empresa ao longo das negociações e o apelo para divulgação do caso. Entretanto, não houve nenhum registro de prosseguimento da situação dos moradores. Tratando-se de um caso claro de injustiça ambiental, no qual uma população socialmente vulnerável está exposta aos danos ambientais de uma empresa que segue um modelo de desenvolvimento que penaliza as condições de saúde da população trabalhadora, a Rede solicitou troca de informações sobre o caso com o fim de fortalecer a luta, entretanto, não foram divulgadas maiores informações sobre a continuidade das negociações dos moradores com a empresa. O problema das áreas contaminadas atinge inúmeros outros casos, que entretanto se expressam através de uma atuação menos visível, descontínua e pouco articulada por parte das populações afetadas. Essas são situações típicas de sujeição às injustiças ambientais nas quais se inserem comunidades urbanas de baixa renda e vulneráveis. As notícias inicialmente surgem na Rede através de outros atores, e pela importância possuem alguma continuidade, mas que acaba se perdendo pelas dificuldades de organização dos grupos afetados. Um exemplo foi o caso da Vila

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Carioca (2002), uma favela da zona sul de São Paulo, no qual a Shell tem provocado a contaminação de águas subterrâneas e solo, em decorrência do aterro de compostos tóxicos, tais como a borra oleosa e resíduos de pesticidas6. Surgem então informações, como "a Shell tenta esconder provas da sua contaminação em Vila Carioca, zona Sul da capital, retirando terra com organoclorados para ser incinerada na Bahia". Entretanto, o conhecimento desta situação de injustiça ocorre basicamente ao nível das reportagens e denúncias e não se configurou em uma ação específica no âmbito da Rede. Esse fato marca a necessidade do movimento pela justiça ambiental alcançar as populações urbanas mais vulneráveis que vivem nas periferias das grandes metrópoles brasileiras.

Alguns casos nos territórios urbanos envolvem a percepção do risco e a ação política das populações observadas em contextos de exposição e contaminação de longo prazo. No caso da Baía de Sepetiba , a partir do histórico de contaminação da região provocada pela indústria Ingá, apontamos duas questões centrais: a situação da população afetada - pescadores estigmatizados pela decadência da pesca artesanal - e as discussões sobre a destinação do passivo ambiental. Em 2006 foi divulgado o convite da audiência pública sobre propostas para o passivo da empresa falida. Segundo comentários de membros que participaram do evento, foram apresentados projetos sobre o “encapsulamento” dos resíduos perigosos, assim como se discutiu sobre os riscos da destinação dos resíduos para adubação. A Rede também contribuiu para mapear o conflito que deu visibilidade às lutas dos moradores do município de Magé (RJ), que se mobilizam com a criação da Associação de Justiça Ambiental (AJA) para divulgar os riscos e denunciar a postura da empresa Essencis. Especializada no tratamento, mistura (“blendagem” para a incineração em fornos de cimento) e destinação final de resíduos industriais, havia uma preocupação por parte da população local com os efeitos da poluição produzida por essa empresa, e a Associação exigia uma análise aprofundada do solo, ar e água contaminados. Neste caso mais pontual constituem-se dois registros bastante esclarecedores sobre o movimento pela justiça ambiental no país: a mobilização inicial dos moradores para alertar sobre os riscos da poluição da empresa, seguida de um abaixo assinado pela Rede para apuração das denúncias relativas às ameaças contra uma militante do movimento, que teve seu carro alvejado por balas. Embora neste caso a suspeita nunca fosse devidamente investigada e confirmada, a relação

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Cf. as informações fornecidas pela CETESB (fls.1102, item “e”), relatório de inspeção (fls.1110/1111) e autos de infração (fls.1112/1113 e 1167/1168).

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entre violência e perseguição política a lideranças de movimentos por justiça ambiental é freqüente em vários casos e regiões do país. Outro caso emblemático se refere às vítimas da tragédia ocorrida em setembro de 1987 em Goiânia (GO), depois que uma cápsula de Césio- 137 foi "abandonada" nos escombros do Instituto Goiano de Radioterapia, carregada para uma oficina de sucatas e desmontada. Os fragmentos do material radiativo foram distribuídos entre dezenas de pessoas e anos depois, quando aparecem os efeitos da radioatividade para milhares delas, são esquecidas pelo poder público. O representante da Associação das Vítimas do Césio 137, reivindicou assistência médica e financeira do governo federal. Dezoito anos após o acidente em Goiânia, muitas das vítimas estão desempregadas e "não tem como garantir seus direitos à vida e à saúde".

6.3- MECANISMOS DE MOBILIZAÇÃO COLETIVA DA REDE

Desde sua criação, a Rede tem como um dos seus principais objetivos fortalecer as lutas locais por justiça ambiental no país. Nesse sentido, a Rede tem desenvolvido uma serie de ações, cujos registros estão presentes no Banco. Sua análise permite apontar os avanços e desafios postos para a Rede nos próximos anos e pode ser um subsidio importante para o próximo encontro nacional da rede que deverá ocorrer este ano. A primeira ação que vale a pena destacar refere-se à divulgação das experiências de luta e a promoção de um intercâmbio entre atores, realizado através da própria lista virtual ou das oficinas e espaços de discussão que a rede promove nos fóruns e encontros em que participa. Um dos resultados concretos desse intercâmbio tem sido a crescente articulação com movimentos latino americanos o que reflete, conforme pudemos ver, no numero de registros existentes para a categoria experiencias. Outras importantes ações coletivas da Rede vem contribuindo para que a reivindicação dos grupos organizados pelo direito ao meio ambiente (através participação política, da equidade no acesso aos bens ambientais) se fortaleça por meio, sobretudo, da publicização de denúncias sobre conflitos ambientais marcados pelas desigualdades de acesso, controle e decisão sobre os recursos naturais e da elaboração e divulgação de campanhas de solidariedade. Em sua trajetória, as documentações do tipo denúncias refletem, por exemplo, conflitos fundiários, a exploração dos

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trabalhadores rurais, violência contra os indígenas e também descartes ilegais de lixo tóxico, transferências de resíduos perigosos, contaminações. A experiência das campanhas tem significado uma estratégia de pressão política conjunta, que, além de conseguir publicizar as demandas dos grupos envolvidos em situações de injustiças ambientais, possibilita a emergencia de uma critica e percepção comum sobre os impactos do modelo de desenvolvimento. Nas campanhas, as manifestações contra barragens e grandes empreendimentos, contra a monocultura do eucalipto, mobilizações contra violência aos indígenas (seja no nível local ou no internacional, como no caso do Equador) e o banimento do amianto predominam no histórico da Rede. Uma análise cronológica revela que no primeiro ano da lista de discussões, em 2002, as primeiras campanhas incidiram na atividade pesqueira, e no clamor contra a exploração desordenada dos recursos naturais de Porto de Moz. Em 2003 as lutas mencionadas anteriormente não se encerram, entretanto iniciam-se as campanhas em oposição às barragens no Xingu, as cartas pelos povos indígenas cinta-larga e também pela homologação da TI Raposa Serra do Sol. No ano seguinte é iniciada campanha contra a exploração do Parque Yasuní pela Petrobrás no Equador. O ano de 2005 começa com campanhas de protesto na ocasião do assassinato da Irmã Dorothy Stang, a intensificação das campanhas contra o avanço das negociações da Petrobrás, no Equador, e a importação de pneus usados, sendo a última, com forte repercussão em 2006. A visibilidade dos conflitos e o seu enfrentamento também é verificada nas produções feitas pelos movimentos sociais por meio de campanhas, cartas e moções, assim como a publicação de folders, cartilhas e folhetos explicativos que, apesar de pouca, reflete o registro da cultura popular sobre os conflitos vivenciados. Outra importante ação de visibilidade e exigibilidade de direitos é realizada pela Rede através da assessoria ao Relator Nacional para o Direito ao Meio Ambiente, um projeto da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (Plataforma DhESC Brasil). O projeto é realizado a partir da nomeação de relatores, designados pela sociedade civil, para avaliar a capacidade de o país cumprir com suas obrigações nacionais e internacionais no plano dos direitos humanos e apresentar propostas em torno da agilização da realização prática de cinco direitos específicos (educação, saúde, alimentação, moradia adequada, trabalho e meio ambiente). Sua missão é subsidiar (como especialistas em diálogo com a diversidade dos saberes produzidos pelas populações) a organização, o controle social e o monitoramento da sociedade civil para incidir na qualificação das políticas públicas. Além disso, cabe a ela o papel de diagnosticar, relatar e recomendar temas, contradições, demandas e poderes, trazendo conteúdos e metodologias para o debate amplo da sociedade. A rede é a entidade que assessora o trabalho do relator por meio do

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envio de denuncias e da participação na organização de missões in loco e na divulgação e acompanhamento da implementação das recomendações feitas pelos relatores. Existem pelo menos vinte registros que envolvem as ações da relatoria; dentre elas o primeiro relatório brasileiro, em 2003, sobre direitos humanos, econômicos, sociais e culturais. Os pontos centrais do documento são estudos de casos realizados pelos relatores na Região Amazônica e as recomendações advindas do acompanhamento desses eventos. As principais denúncias ambientais foram os impactos do projetos de construção das usinas hidrelétricas de Belo Monte e a homologação de terras indígenas. Também se sobressaem violações não somente nos planos culturais sociais e econômicos, como também as violações físicas, relatadas em 2004, durante a investigação da atividade de carcinicultura, da pesca industrial e sua ameaça às populações litorâneas do Ceará. No ano de 2006 houve a realização do Seminário de Avaliação e Planejamento do Projeto Relatores Nacionais em DhESCA. Foram avaliadas as ações realizadas, apontadas estratégias e as novas missões para este ano. Alguns conflitos que implicavam em violações aos direitos humanos foram priorizados e classificados em tipologias, sendo eles os relacionados à cadeia produtiva de produção de energia e de minérios; os relacionados ao agronegócio – monocultura (camarão, soja, eucalipto etc.) e pecuária; e os relacionados às contaminações urbano-industriais de populações e trabalhadores/as. Nesse sentido a experiência da construção do próprio banco cumpriu um papel fundamental para criação dessas tipologias. A rede, como o próprio nome sugere, tem optado por ser uma articulação horizontal, de organizações articuladas em rede. A relevância da temática, a difusão do conceito (que deve-se em grande medida ao trabalho da própria rede) e o próprio sucesso das ações de intercambio de informações, de articulação entre grupos, de denuncias e campanhas deu a Rede, a cada ano, mais visibilidade e aumentou o numero de organizações filiadas, ao mesmo tempo que criou tensionamentos sobre seu grau de incidência. Algumas discussões apontam a existência de uma demanda interna (entre os próprio membros) e, sobretudo externa (de atores governamentais, outras redes e organizações da sociedade civil) para a Rede atuar como ator político próprio, que mais que a divulgação e apoio a lutas, construa posicionamentos próprios e participe de espaços de dialogo e incidência junto ao governo e sociedade civil como um ator coletivo. Isso tem suscitado grandes discussões no interior da lista e deverá ser definido e pactuado coletivamente no próximo encontro. Vale destacar que alguns férteis debates não puderam transformar-se em ações políticas mais concretas em função dessa indefinição. Um desses exemplos foi o debate sobre o Selo Betinho: O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) inicia campanha para coleta de 35

informações públicas sobre as empresas candidatas ao Selo Balanço Social. Baseado num dossiê produzido pela secretaria da Rede, as análises sobre o selo sintetizam o debate em duas etapas. A primeira é relativa à publicação da proposta do selo e as posições dos participantes sobre a viabilidade de legitimar simbolicamente a atuação de empresas poluidoras, além de dúvidas levantadas sobre objetivos da iniciativa e critérios de avaliação. A segunda refletiu sobre a intenção de um Dossiê–Petrobrás com

denúncias acumuladas na Rede para ser enviada ao IBASE. A

continuidade do debate foi de qual seria a postura da Rede, ou seja, a omissão, com os riscos de não se posicionar diante de um debate tão estratégico; ou a abertura de um canal de discussão sobre o assunto que enfatize a legitimidade, a ética e também as questões de racismo, de poluição e contaminação ambiental e não propriamente sobre a sistemática do prêmio em si. Com relação às ações de posicionamento e mobilização próprias e, sobretudo, a participação em espaços de representatividade, a articulação da Rede tem se dado principalmente no interior do Gt Químicos. Trata-se de um Gt que resgata, amplia e dá continuidade ao movimento sindical e pela saúde dos trabalhadores, articulando-se ao FBOMS, sendo que vários dos seus membros possuem posições já consolidadas e experiência no que se refere a uma abordagem em torno da justiça ambiental. Desde sua formação o GT Químicos tem feito um debate qualificado sobre a exposição e naturalização dos riscos a que são submetidos trabalhadores e populações, articulando-se com redes e organizações nacionais e internacionais, conforme já citado, e tem construído campanhas próprias e em articulação com outras redes e organizações sobre o tema.

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7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ACSERALD, Henri (org). Conflitos Ambientais no Brasil. RJ: Relume-Dumará, 2004. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. RJ: Bertrand Brasil, 2005 (8ª edição). FOUCAULT. Michel. A ordem do discurso. Aula inaugural no College de France, 02/12/1970. Ed. Loyola: São Paulo, 2006 (13ª ed.). GUINZBURG, Carlo, Sinais, raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas e sinais. São Paulo, Companhia das Letras, 1986 SEMINÁRIO Quando o campo é o arquivo. Etnografias, histórias e outras memórias guardadas. CPDOC/FGV e LAH/UFRJ, Rio de Janeiro, novembro de 2004. Celso Castro e Olívia Cunha (orgs). ZUCARELLI, Marcos Cristiano. O Papel do Termo de Ajustamento de Conduta no Licenciamento Ambiental de Hidrelétricas. In: III Encontro da ANPPAS, Brasília, 2006.

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ANEXO 1: CLASSIFICAÇÃO E CATEGORIAS ADOTADAS PARA O BANCO TEMÁTICO

Classificação 1: Atividades geradoras de injustiça ambiental: Inclui as principais atividades e situações geradoras de riscos e conflitos entre populações, trabalhadores/as, entidades, governo, empresas e setores econômicos. Categorias

Atividades de produção agrícola e animal Atividades pesqueiras e carcinicultura Madeireiras Monocultura, agrotóxicos e transgênicos Outras Atividades de extração mineral e produção industrial Indústria química e do petróleo Mineração, garimpos e siderurgia Outras Atividades de infraestrutura e produção de energia Barragens e hidrelétricas Hidrovias, rodovias, gasodutos Energia e radiações nucleares Termoelétricas Outras Situações relacionadas a descarte de rejeitos e poluição Acidentes químicos ambientais Contaminação por substâncias perigosas Lixo e resíduos industriais Outras Atuação das instituições governamentais e da justiça Políticas públicas e legislação ambiental Atuação de entidades goventamentais Atuação da Justiça e do Ministério Público Outras Preservação ambiental e recursos hídricos Implantação de áreas protegidas Usos e poluição da água Outras Classificação 2: Eixos de luta: Ações e mobilizações de entidades e grupos organizados em torno de conflitos socioambientais visando articular e implementar a luta na direção da justiça ambiental. Categorias

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Banimento e outras formas de combate às atividades de risco Biopirataria Luta contra grandes corporações Luta contra monocultura do eucalipto e da soja Luta contra o racismo ambiental Luta contra o trabalho escravo Luta contra transferências de riscos Luta dos/as expostos/as e contaminados/as por substâncias perigosas Luta pela moradia e saneamento Luta pela terra Movimentos de atingidos por barragens Movimentos de mulheres Preservação ambiental

Classificação 3: Populações envolvidas e atingidas: Grupos populacionais envolvidos em situações de justiça e injustiça ambiental. Categorias Crianças Mulheres Populações indígenas Populações litorâneas e ribeirinhas (pescadores/as e caiçaras) Populações urbanas Quilombolas Trabalhadores/as e populações rurais Trabalhadores/as extrativistas Trabalhadores/as industriais e urbanos/as

Classificação 4: Regiões: Os documentos do banco estão relacionados com suas regiões administrativas.

Categorias Internacional América Latina Internacional outros Nacional Região Centro-Oeste Região Nordeste Região Norte Região Sudeste Região Sul

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Classificação 5: Experiências: Ações e mobilizações propositivas de entidades e grupos em torno de conflitos socioambientais, voltadas a dar visibilidade e implementar experiências na direção da justiça ambiental. Categorias Ações judiciais vitoriosas Arte e cultura Articulações internacionais Cooperativismo popular e autogestão Demarcação de terras (indígenas, extrativistas e quilombolas) Direitos humanos Educação ambiental Energias alternativas Produção agrícola familiar Reassentamentos e auto-assentamentos Reciclagem Sistemas agroecológicos ou agroflorestais Turismo comunitário Busca por palavras-chave: Agentes, autores/as, substâncias perigosas e outros tipos de riscos, datas e períodos históricos, localização (UF, municípios, localidades), entidades da Rede, empresas envolvidas e título do documento. A inclusão da busca por palavras-chave no sistema permite indexar os documentos em tipificações que as classificações anteriores não abrangem.

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ANEXO 2: LISTA COM ENTIDADES DA REDE: Ação Verde - TO Amigos da Justiça Ambiental - RJ Ambiente Global (AMGLO) - SP Assembléia Permanente de Entidades de Defesa do Meio Ambiente (APEDEMA) - RJ Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) Associação Caeté Cultura e Natureza - SC Associação de Defesa do Meio Ambiente (AMAR) - PR Associação de Preservação e Equilíbrio do Meio Ambiente de Santa Catarina (APREMA) - SC Associação de Combate aos POP´S (ACPO) - SP Associação de Ambientalistas Amigos do Parque da Água Branca - SP Associação de Proteção ao Meio Ambiente Cianorte (APROMAC) - PR Associação Livre para Gerenciamento Ambiental (ALGA) - RS Associação Comunitária de Produção Ambiental Chico Mendes (ACOPACHIM) Associação Novas Propostas para a Agroecologia na Amazônia (GTNA) - PA Associação Palmares de Ilhotinha - SC Associação Paraibana dos Amigos da Natureza (APAN) - PB Associação Projeto Roda Viva - RJ ATLA – Associação Terra Laranjeiras, Juquitiba-SP Associação Vida Verde - MS Bicuda Ecológica - RJ Brasil Sustentável e Democrático Campanha “Billings Eu Te Quero Viva” - SP CEBRAC - Fundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural - DF Central Única dos Trabalhadores (CUT) Centro de Estudos Integrados e de Promoção do Ambiente e da Cidadania (Ceipac) – SC Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana - ENSP/FIOCRUZ – RJ Centro de Pesquisas Ecológicas Culturais e Sociais – CEPECS Brasil Coalizão Rios Vivos - MS Conselho de Administração da Comunidade Iny - MT Conselho Pastoral dos Pescadores - PE ECOA - Ecologia e Ação - MS ECOCIDADE - RJ Equipe de Conservacionistas de Santa Cruz (ECOSC) - RJ FASE FIUPAM – AM Fórum Carajás - Maranhão Fundação SOS Euterpe Edulis - SC Fundação Vitória Amazônia - AM Fundaçao Viver, Produzir e Preservar – PA Greenpeace Brasil Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBA) - BA Grupo de Ação Ecológica (GAE) - RJ Grupo de estudos sobre temáticas ambientais - GESTA/UFMG - MG Grupo de Defesa da Natureza (GDN) - RJ Grupo de Defesa Ambiental e Social de Itacuruça (GDASI) - RJ Grupo de Trabalho Amazônico (Rede GTA) Grupo Ecológico "Salve o Tamanduateí" - SP

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IBASE Instituto de Desenvolvimento Ambiental (IDA) - DF INESC - Instituto de Estudos Sócioeconômicos (INESC) - DF Instituto de Vivência Ambiental (IN VIVA) Instituto Ipanema - RJ Instituto Rede Brasileira Agroflorestal (REBRAF) - RJ Instituto Serra da Canastra - MG Instituto Terra - RJ Instituto Terrazul - CE KOINONIA Laboratório do Espaço Antrópico (LEEA) da UENF - RJ Laboratório de Estado, Trabalho, Território e Natureza - IPPUR/UFRJ - RJ Laboratório de Estudos de Cidadania, Territorialidade, Trabalho e Ambiente - ICHF/UFF – RJ Laboratório de Gerenciamento Costeiro da FURG – RS Liga ambiental - PR Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Movimento de Defesa da Vida do Grande ABC - SP Núcleo de Ação Ecológica Caminho da Vida - SP Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais da UFSC – SC Organização de Desenvolvimento Sustentável e Comunitário (ODESC) - MG Os Argonautas - PA Os Verdes Movimento de Ecologia Social - RJ Pastoral da Juventude Rural de São Mateus - PR Programa da Terra (PROTER) - SP Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM/USP) - SP Rede Alerta contra o Deserto Verde ES/BA/RJ/MG Rede Internacional de Rios Rede Matogrossense de Educação Ambiental Rede Virtual Cidadã pelo Banimento do Amianto Sindicato dos Sociólogos do Estado de S. Paulo - SP Sindicato dos Petroleiros de Caxias - RJ Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro - RJ Sindicato dos Petroleiros de Santos - SP Sindicato dos Químicos do ABC - SP Sindicato dos Químicos de Bacarena - PA Sindicato dos Químicos Unificados - Osasco, Campinas, Vinhedo e Região Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Mateus - PR Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Vale do Ribeira e Litoral Sul (SINTRAVALE) - SP Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - PA Sociedade dos Amigos e Moradores do Bairro Recanto dos Pássaros / Paulínea - SP Sociedade Protetora da Diversidade das Espécies (PROESP) - SP Sociedade Rio Clarense de Defesa do Meio Ambiente (SORIDEMA) - SP Terra de Direitos – PR Terrae – SP Verde America - SP VIACICLO - SC Vitae Civilis – SP

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