Relatório intervenção de restauro no tecto da Igreja de Santo António do Estoril: enquadramento histórico e artitístico.
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RELATÓRIO DA INTERVENÇÃO NO TECTO DA IGREJA DE SANTO ANTÓNIO DO ESTORIL ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DA IGREJA 28 MARÇO 2016 ANA CORTEZ DE LOBÃO Entre Fevereiro e Abril de 2001 fez-‐se na Igreja de Santo António do Estoril uma intervenção, supostamente de restauro, de toda a pintura do teto pintada por Carlos Bonvalot entre Setembro de 1928 e Maio de 1929 e que estava já em mau estado de conservação. Ao que se sabe o pintor decorativo Domingos Mota terá, na altura, apresentado o orçamento mais competitivo para executar o restauro pelo que a ele lhe foi solicitada a empreitada. Quando em 2003 fiz um trabalho em História de Arte incentivada pelo professor Vitor Serrão, no âmbito do mestrado que então estava a fazer na Faculdade de Letras, com a autorização do então prior padre Armindo Garcia, empreendi uma pesquisa exaustiva de toda a documentação que está no arquivo da Igreja, assim como estudei a fundo toda a obra de Carlos Bonvalot; foi quando se desvendou finalmente do enigma que me intrigava há anos: porque teria uma igreja do século XVIII um teto pintado com a assinatura de um artista do século XX confirmada, aliás, pela data 1929!? Enfim, de facto a igreja tinha sofrido um violento incendio em Julho de 1927 e no espaço de dois anos tinha sido totalmente reconstruída respeitando ao máximo a linguagem artística original de época, desde os azulejos, às talhas e às pinturas do teto. Tive na altura o privilégio de conhecer a filha do pintor, Teresa Bonvalot, que disponibilizou igualmente muita informação complementar e me deu a conhecer muitas das suas obras, inclusivamente os estudos a óleo dos quadros da vida de Santo António que serviram de base ao que pintou no teto da Igreja entre 1928/29. Ela própria, note-‐se, deu-‐me a entender que ficara chocada com o resultado do trabalho feito em 2001 pois a pintura perdera, sobretudo os quadros da vida do Santo, toda a leveza do traço e cor, a sua originalidade. Com efeito, observando depois com mais cuidado, a intervenção alterara a delicadeza e tonalidade originais ficando muito mais carregada, mais escura e com algumas alterações de pormenor no traço de alguns desenhos, o que aliás facilmente se detectava comparando fotografias do antes e do pós intervenção. Foi então que também me dei conta de que, no dito suposto restauro que se fizera em 2001, o quadro que representa o milagre da Eucaristia, Santo António fora erradamente retratado com o hábito de Franciscano quando nessa altura era ainda monge Agostinho, portanto estaria de hábito branco; e isso
confirmava-‐se quer nos estudos do pintor Carlos Bonvalot, quer em fotografias do teto que havia anteriores a 2001. Sempre comentei com os sucessivos priores da paróquia desde então (na altura o padre Armindo Garcia e depois o padre António Teixeira) que esse erro deveria ser corrigido assim que fosse possível. Com o padre Ricardo Neves, prior do Estoril a partir de Setembro de 2011, vi finalmente a vontade e a possibilidade de isso se concretizar até porque era necessário intervir noutros pontos em que a pintura estava danificada por infiltrações do telhado e tornava-‐se urgente reparar. No inicio de 2015 no seguimento do combinado com o padre Ricardo e o Gonçalo Correia de Oliveira que com ele trabalhava, solicitei dois orçamentos a empresas especializadas em restauro, bem como o respectivo portefólio de trabalhos já realizados nesta área, à Junqueira 220 e à WOA -‐ way of arts, para se poder ter uma ordem de grandeza do valor eventualmente necessário a solicitar à Junta de Freguesia do Estoril, que entretanto já se disponibilizara a financiar a obra. O agravamento da doença do padre Ricardo e o seu desaparecimento súbito em Agosto de 2015, adiou naturalmente todo este processo até a que situação da paróquia estivesse regularizada, o que aconteceu a partir de Outubro com o novo prior em funções, o Padre Paulo Malícia. Só no inicio de 2016 voltamos a dar andamento ao que nos tínhamos proposto e depois de se optar pela empresa Junqueira 220, pela proposta mais apelativa quer em custos quer em tempo, a intervenção concretizou-‐se entre 15 de Fevereiro e 14 de Março de 2016. Da minha parte foi assegurada à equipa de restauro, a acessoria do enquadramento histórico e artístico, de um modo geral no que respeita à história da igreja de Santo António do Estoril e especificamente à intervenção do pintor Carlos Bonvalot na obra de reconstrução da igreja de Santo António depois do incendio ocorrido em Julho de 1927. Para se concretizar este tipo de trabalho é essencial contar com informação histórica e artística detalhada e, neste caso, foi fundamental também disponibilizar o suporte de imagens fotográficas anteriores à intervenção de 2001, que alterara em grande medida a pintura original. Conforme relatório elaborado pela equipa Junqueira 220 que agora executou o restauro, uma vez colocados os andaimes foi possível proceder desde logo à observação de perto e análise minuciosa das zonas a reparar e consolidar, porque tinham caído partes do teto pintado, para posterior restauro da pintura. Foi neste ponto que nos apercebemos do trabalho que tinha sido feito em 2001, claramente de má qualidade, uma vez que nos quadros da vida de Santo António, o pintor decorativo que então assumiu a execução, limitou-‐se literalmente a pintar por cima a pincel a quase totalidade dos painéis alterando e defraudando a sua originalidade, quer na cor quer no desenho e inclusivamente nas feições de grande parte das figuras representadas; no teto em abóbada, as volutas não foram felizmente tocadas mas pintado o fundo num tom beije claro para que tivessem mais realce, sem o menor cuidado note-‐se, conforme se verificou de
perto nos pormenores, uma vez que não seria detectado da vista distante. As volutas mantêm assim a traça e tonalidades originais mas apresentam grande sujidade a precisar, portanto, de limpeza. Ainda, na intervenção agora concluída procedeu-‐se à correção do hábito de Santo António no painel do milagre da Eucarisitia que ocorreu em Santa Cruz de Coimbra quando ainda era monge Agostinho; como atrás se fez referência, em 2001 o pintor decorativo ao repintar este quadro retratou erradamente o Santo com o hábito castanho de franciscano quando ainda não o era, claramente por falta de base e conhecimento quer da pintura de Carlos Bonvalot, quer da vida do próprio Santo António, naturalmente. Assim, e uma vez que apenas se intervencionou na figura do Santo, o restante painel permaneceu em tons escuros a destoar com a leveza e beleza das tonalidades originais agora recuperadas (foi propositadamente deixado um pequeno pormenor em formato rectangular nos tons originais, no desenho do primeiro degrau para se perceber a diferença). No nosso ponto de vista, logo que fosse possível, todos os painéis deveriam ser intervencionados para recuperar a pintura original de Carlos Bonvalot, assim como se devia proceder à cuidadosa limpeza dos desenhos das volutas que cobrem a abóbada da nave, bem como de todo o teto da Capela-‐Mor. A Igreja de Santo António: enquadramento histórico e Artístico Ao entrarmos na Igreja de Santo António do Estoril desde logo nos parece tratar-‐ se de um belo exemplar da arquitectura do século XVIII com os altares em rica talha barroca, as paredes revestidas de painéis de azulejos que retratam quadros alegóricos do Santo e o tecto em abóbada que logo nos capta o olhar com volutas decorativas de grande beleza, tudo pintado num rasgo de genialidade e perfeição no traço, representando igualmente cenas da vida de Santo António. Aliada a esta riqueza no interior, a fachada apresenta-‐se harmoniosamente concebida dentro da linguagem maneirista num gusto muito português designado por arquitectura chã,1 da qual constitui, aliás, um dos exemplos a destacar nesta zona. Poucos se apercebem, no entanto, de que o seu interior é resultado de um intervenção do segundo quartel do século XX. Com efeito, a igreja de Santo António do Estoril, tal como hoje a conhecemos, exceptuando o adro revestido de azulejos e a fachada, é uma obra de reconstrução fruto do extraordinário espírito empreendedor de um grupo de pessoas que, chocadas com o incêndio que a destruiu quase por completo no dia 22 de Julho de 1927, imediatamente se reuniram criando a Grande Comissão de Reconstrução da Igreja e com grande 1 A designação de Arquitectura Chã foi criada por George Kubler identificando-‐a como uma linha
tipicamente portuguesa na arquitectura da corrente maneirista. Ver em A Arquitectura Portuguesa Chã, Entre as Especiarias e os Diamantes 1521-‐1706 de George Kubler, Editora Vega, 1988.
esforço e notável capacidade de organização, levaram a cabo a sua reedificação. A igreja tem no entanto uma origem mais remota e, embora seja escassa a informação, sabe-‐se que começou por ser uma capela composta por uma única nave, associada a um convento franciscano de devoção a Santo António que data do primeiro quartel do século XVI; o conjunto subsistiu e foram-‐se fazendo algumas alterações à sua estrutura, nomeadamente na segunda metade do século XVII. Com o terramoto de 1755, também fatídico na zona de Cascais, a igreja ficou destruída mas o processo de reconstrução começou quase de imediato, dinamizado pelo guardião franciscano frei Basílio de S. Boaventura, tendo a obra sido concluída em 1758. A Chronica Seráfica da Santa Província dos Algarves,2 é o importante documento que descreve, nesse mesmo ano, a história do convento e da igreja até essa data. A nova igreja surgiu então de maiores dimensões, com a fachada que actualmente se conhece, numa composição de grande equilíbrio de três arcos em cantaria que dão acesso ao adro, o central de maior dimensão, encimados por três janelas grandes que deixam entrar a luz pelo coro; na parte superior surge rematada por uma moldura, também em cantaria, que acolhe o nicho com a imagem em pedra de Santo António com o menino Jesus. A composição da fachada resulta na harmonia entre a alvenaria de pedra rebocada e pintada, as molduras das janelas e dos arcos em cantaria, e o remate superior com os fogaréus (símbolo devocional) e a cruz no ponto central mais alto, que lhe conferem grande beleza. O século XIX veio dar outro destino a este convento uma vez que, com a instauração do liberalismo após a guerra civil, em 1834, foi decretada a extinção das ordens religiosas masculinas; assim, em 1835 acabou por ser vendido em hasta pública a Manuel Joaquim Jorge sem que, no entanto, fosse incluída a igreja na arrematação, apenas o encargo de a manter fechada e minimamente preservada. A sua neta, Ana Teresa Goularde de Vasconcelos quando recebeu em herança o legado de seu avô em 1906, foi notificada pela Junta de Freguesia que lhe conferia o mesmo encargo que ela acabou por transferir para a Irmandade de Santo Antonio. Com efeito, só no início do século XX a igreja voltou a conhecer uma nova dinâmica através da referida Irmandade, entretanto criada e dirigida por Monsenhor António José Moita, assumindo a responsabilidade da igreja e a abertura ao culto em 1914. Apenas no ano seguinte a Irmandade tomou oficialmente e legalmente posse da igreja e, com grande determinação, Monsenhor Moita revitalizou a vida deste templo numa época de grande hostilidade ao catolicismo, em pleno arranque da 1ª República. Depois do incêndio de 1927 que praticamente destruiu a igreja, e reaberta a 13 de Junho de 1929, tornou-‐se no primeiro pároco da recém criada paróquia de 2 A Chronica Seráfica da Santa Província dos Algarves é um documento que descreve em 1758 a
fundação e história de conventos franciscanos. Trata-‐se de uma fonte histórica importante na qual se encontram informações acerca do Convento de Santo António do Estoril.
Santo António do Estoril; a sua presença e personalidade vincada, ao longo de dezenas de anos, até à sua morte em 1956 foi de extrema importância para a paróquia. O Estoril, entretanto, estava a tornar-‐se numa estância termal com alguma procura, o embrião daquilo que viria a ser o projecto turístico da Costa do Sol, impulsionado por Fausto Figueiredo.3 O incêndio de 1927 e a reconstrução da Igreja: a pintura do tecto por Carlos Bonvalot. O destino trágico que marcou a igreja de Santo António em 1755 com o terramoto, veio novamente a tocar-‐lhe no dia 22 de Julho de 1927, quando um violento incêndio a destruiu quase por completo. Monsenhor António José Moita, homem de grande carisma, reuniu à sua volta pessoas de grande influência política e social, designadamente o Conselheiro Ernesto Driesel Schroeter, capazes de dinamizar a angariação de fundos e organizer a tão desejada e rápida reconstrução do templo. Formada a Grande Comissão de Reconstrução da Igreja imediatamente se impulsionou toda a organização, felizmente registada em actas repletas de preciosas informações que hoje se encontram no arquivo da igreja; para elaborar o projecto de reconstrução foi nomeado o arquitecto Tertuliano Marques e, ao longo de dois anos, o tempo que duraram as obras até ser de novo inaugurada no dia de Santo António, a 13 de Junho de 1929, a todas as pessoas envolvidas e a todas as intervenções foi exigido o maior rigor. A pintura do tecto da igreja da autoria do pintor Carlos Bonvalot foi, pode dizer-‐ se, uma das felizes intervenções na reconstrução deste templo; o nome do pintor foi proposto pelo arquitecto à Comissão ao que todos concordaram e, com efeito, a acta de 21 de Novembro de 1927 refere já a apresentação de uma primeira proposta em esboço para apreciação. Até se decidir e definir, entre a Comissão e o pintor o trabalho a realizar, a assinatura de um contracto e o início da realização do trabalho, levou alguns meses, pois tudo se fez com todo o detalhe; o contracto ficou finalmente acordado e assinado em Abril de 1928: «Entre a Comissão Promotora da Reconstrução da Igreja de Santo António do Estoril e Carlos Bonvalot, pintor d’Arte (…) pela quantia de sessenta mil escudos, a decoração do tecto do corpo da igreja (…) em pintura a têmpera, no estilo século XVII»4 Todas as clausulas ficaram cuidadosamente definidas mas as indicações precisas dos temas retractados nos painéis foram sendo dadas por Monsenhor Moita, à 3 Fausto
de Figueiredo foi o grande impulsionador do Estoril como estância balnear de luxo, nesta fase ainda em projecto, delineado pelo arquitecto francês Martinet. 4 In
Minuta de Contracto, Arquivo da Igreja de Santo António do Estoril, Pasta 1 CONTAS, Orçamentos, Documentos Vários, Contas e Contractos para a Reconstrução da Igreja.
medida que o pintor foi realizando, um por um, os esboços dos quadros a executar, até finalmente dar inicio ao trabalho em Setembro desse ano. A proposta ao pintor e a decisão de se encarregar igualmente da pintura do tecto da Capela-‐Mor, acabou por surgir posteriormente, à margem do previsto, apenas porque resultou da disponibilidade financeira da Comissão, que desde o princípio se caracterizou pelo grande rigor na gestão dos seus recursos; ficou assim acordado com o pintor a realização da pintura do tecto da Capela-‐Mor, com a temática sugerida por Monsenhor Moita, pelo preço de 12.000$. Toda a obra executada por Carlos Bonvalot merece o devido destaque, pela sua originalidade e qualidade e pode considerar-‐se inédita na época; a qualidade e perfeição no traço são uma nota dominante, não só pelo pormenor dos quadros em si, mas a forma como envolve as personagens que retracta, o cuidado no detalhe quer nas feições quer no traje, quer no espaço que recria e por todo o ambiente místico que reflecte. Quanto à pintura da abóbada revela uma clara inspiração no tecto da capela do convento de Santa Marta inclusive no realce do medalhão central fazendo uso equilibrado da cor em tonalidades suaves; a linguagem identica ao século XVII está muito bem conseguida com o movimento das volutas que envolve o medalhão central, ao qual o pintor deu um destaque especial, recriando o milagre certamente mais conhecido da vida de Santo António: das mãos de Nossa Senhora recebe no seu colo, o Menino Jesus. Aqui transmite toda a força que o momento tem, toda a simbologia que representa aliada a suavidade e ternura no gesto, retratando Nossa Senhora envolta numa nuvem suspensa por anjos, entregando o seu filho ao Santo que, estando de joelhos a rezar, o recebe de braços abertos. A beleza e o pormenor no tratamento bem como a firmeza e perfeição no traço, usando o colorido em tons suaves jogando com a luz, recria uma pintura que já se praticara no século XVII, tal como fora pedido ao pintor e estipulado no contracto; trata-‐se duma pintura decorativa de caracter narrativo com toda a força mística da temática religiosa, utilizando outros elementos que compõem o conjunto e lhe dão alguma dinâmica, como as volutas e os florões. Dos quatro quadros que de cada lado do tecto do corpo central da igreja representam episódios da vida do Padroeiro, dois passaram-‐se em Portugal, dando assim algum ênfase aos momentos que o relacionam com a sua terra de origem; esta foi, ao que se apurou sugestão feita ao pintor por Monsenhor Moita. Foram feitos esboços para apresentar à Comissão como vem referido nas actas, mas para alem disso, Carlos Bonvalot pintou óleos sobre tela de todos os quadros que retratou no tecto da igreja, fonte fundamental de suporte ao estudo da obra do pintor. A pintura foi executada utilizando a técnica em têmpera, tal como estava acordado no contracto, uma técnica que usa pigmentos secos temperados ou seja dissolvidos em matéria (goma por exemplo) que os torna aderentes e que os fixa e estabiliza no suporte a que estão destinados. Ao primeiro olhar poderia pensar-‐se que se trata de um fresco, como aliás apareceu referido em algumas
publicações 5 contudo, além de ser claramente mencionado no contracto a utilização da têmpera, o uso desta técnica foi identificado já na observação próxima. O tecto da Capela-‐Mor recebeu um tratamento essencialmente decorativo, mantendo os mesmos elementos ornamentais numa composição de grande beleza conjugando molduras em tonalidade azul pastel que acompanham a forma da abóbada, o entrelaçado de volutas também em tons pastel e um conjunto de quatro medalhões de simbologia religiosa relacionada com a eucaristia: a hóstia e o cálice, o cordeiro de Deus, a Cruz de Cristo e o cacho de uvas, o pelicano e as crias e finalmente, no cruzamento das linhas da abóbada, a pomba símbolo do Espírito Santo. Os quadros da vida de Santo António na pintura do tecto da nave central Medalhão Central Emoldurado de forma oval, este quadro retrata o milagre mais conhecido da vida do Santo e à qual se associa, geralmente, a sua imagem: o momento em que Nossa Senhora lhe entrega nos braços o Menino Jesus. Em Camposampiero, perto de Pádua vivia um seu amigo, o Conde Tiso onde Santo António se hospedou por uns dias; quando o Santo orava no seu quarto, o conde espreitou e viu que ele tinha nos seus braços o Menino Jesus em carne e osso. Esta visão, como prometeu a Santo António, só contou depois da sua morte. Quadro 1 esquerda No Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra ainda como jovem monge Agostinho, além dos estudos e da oração, tinha de fazer alguns trabalhos, como limpar e arrumar. Numa ocasião em que prestava um desses serviços e por isso não podia assistir à missa, embora esse fosse o seu desejo, pôde ver o momento da elevação da hóstia consagrada e prostrou-‐se para adorar Jesus presente na Eucaristia. Este o painel onde agora se fez a correcção na figura de Santo António, que por lapso de interpretação e falta de base histórica de quem executou o restauro em 2001, tinha sido retratactado com o hábito castanho de Franciscano quando ainda não o era; a pintura estava nessa altura conforme se confirma nas fotografias em muito mau estado devido à humidade e ao salitre. 5 O Catálogo da Exposição Retrospectiva Carlos Bonvalot 1893-‐1934 e o livro O Estoril e a Paróquia
de Santo António de João Aníbal Henriques referem-‐se erradamente à pintura do tecto da igreja como se tratasse de um fresco.
Quadro 2 esquerda Encontrava-‐se em Marrocos quando caiu gravemente doente; decidiu regressar a Portugal juntamente com o irmão Filipe, embarcou num veleiro que foi arrastado por uma tempestade indo parar a Itália, perto de Messina na Secília; foi este o momento que se pretendeu retratar aqui. Quadro 3 esquerda Durante a estadia em França os frades estavam reunidos na sala capitular do convento e António estava a pregar-‐lhes tendo por tema a crucificação. Enquanto explicava o significado da inscrição posta sobre a cruz de Jesus, apareceu S. Francisco que, como suspenso no ar, com os braços estendidos em forma de cruz, abençoava os frades; aqui neste quadro apenas Santo António parece ver S. Francisco, embora na descrição do milagre o episódio tenha suscitado grande emoção e a consolação dos presentes. Quadro 4 esquerda Este terá sido o último quadro a ser pintado pois foi nele que o pintor assinou a sua obra, Bonvalot 1929; aqui retrata-‐se Santo António quando se encontrou com o Senhor poderoso e tirano Azzelino de Romano que, perante as suas palavras repreendedoras denunciando a crueldade, em vez de castigar o frade pela sua ousadia, por disposição divina ajoelha-‐se, humilde perante ele e confessa a sua culpa Quadro 1 direita Estando em Itália Santo António soube, por revelação divina, da injusta condenação do pai em Lisboa, acusado de ter morto uma pessoa. Para o livrar dessa situação aparece nesse momento ao regedor que o condenara à forca e leva-‐o junto da sepultura; perante a admiração dos presentes, por clemência divina, o morto confirma a inocência do pai de Santo António. Quadro 2 direita Ao que se sabe, em 1228 o Papa Gregório IX, que já conhecia a fama de santidade deste frade franciscano, mandou-‐o chamar e ordenou-‐lhe que pregasse os exercícios a ele e ao Sacro Colégio de Cardeais; tal como acontecera com os apóstolos no dia de Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre ele e todos os presentes, ainda que de origens diferentes, entenderam-‐no com toda a clareza. Quadro 3 direita Morte de Santo António a 13 de Junho de 1231 no Convento de Arcella, rodeado dos seus irmãos frades.
Quadro 4 direita Acompanhado de grande multidão de povo e em solene procissão um cortejo fúnebre conduziu-‐o à sua última morada, a igreja de Santa Maria de Pádua, onde queria ser sepultado. O pintor Carlos Bonvalot Nascido a 24 de Julho de 1893, Carlos Bonvalot teve uma passagem curta pela vida para quem, certamente, teria muito mais para dar; a morte levou-‐o com apenas 40 anos de idade, deixando-‐nos o contributo da sua obra, não só no campo da pintura e da decoração, como também na pesquisa, estudo e ensino das artes. A sua pintura, sem que obrigatoriamente esteja associada a uma corrente artística, acaba por se enquadrar num moderado compromisso entre a linha figurativa tradicional e alguma tendência para o modernismo. Manteve assim, uma certa autonomia delineando uma evolução que abrange diversas abordagens temáticas. Esteve presente em várias exposições da Sociedade Nacional de Belas Artes, foi bolseiro em Paris em 1919 e esteve em Itália entre 1920/21, onde aprofundou os estudos sobre técnica de restauro; na sequência do crescente interesse que desenvolveu por esta temática realizou um importante trabalho científico sobre as pinturas quinhentistas da Igreja Matriz de Cascais. Acabou por se tornar num artista de actividade multifacetada, pintando e ao mesmo tempo investigando e aprofundando conhecimentos nas matérias que maior interesse lhe despertaram, como o restauro e a decoração, assim como a museologia, áreas em que exerceu a sua actividade profissional. A sua pintura atravessou diversos campos que vão da paisagem e cenas de costumes, à pintura temática realista de preocupações sociais, ao retracto intimista dos pequenos quadros familiares, usando aguarela, o guache, o pastel e o óleo sobre tela. Na área das artes decorativas, teve algumas intervenções nomeadamente na sua moradia de Cascais e noutras casas particulares, passando pelo importante contributo, único no género, de pintar o tecto da igreja de Santo António do Estoril, na sua reconstrução após o incêndio de 1927; nesta intervenção, são também da sua autoria os desenhos dos painéis de azulejos, depois executados pelo azulejador da fábrica Santana, Gilberto Renda. Estas terão sido as últimas grandes obras de Carlos Bonvalot que veio a falecer, quando se preparava para assumir o cargo de Director da Oficina de Restauro do Museu Nacional de Arte Antiga, a 13 de Fevereiro de 1934, ano em que completaria 41 anos de idade. A sua pintura está hoje representada em vários museus nacionais dos quais se destaca em Cascais o Museu Condes de Castro Guimarães, em Lisboa o Museu da Cidade e o Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Porto o Museu Soares dos Reis e em Viseu o Museu de Grão Vasco.6 6 Ver Catálogo da Exposição Retrospectiva Carlos Bonvalot 1893-‐1934, Câmara Municipal de
Os painéis de azulejos: Carlos Bonvalot e Gilberto Renda Revestir as paredes da igreja com painéis de azulejos foi sempre uma ideia presente entre os membros da Comissão pois essa tinha sido uma das grandes perdas, em termos de património artístico, provocada pelo grande incêndio de 1927. Apenas se salvaram os azulejos de grande qualidade que ainda hoje existem nos espaços que não foram consumidos pelas chamas: na passagem da igreja para a antiga sacristia (imagem de Nossa Senhora das Dores), na própria antiga sacristia assim como no adro da igreja e todos datam do século XVIII. A questão dos azulejos foi controversa, talvez a única que gerou alguma polémica entre os responsáveis pela reconstrução, não só por via dos orçamentos que foram solicitados, mas também pelos mestres azulejadores envolvidos e as temáticas que se exigiam. Depois de sugerias algumas oficinas de azulejos, os projectos e orçamentos que se apresentaram passíveis de serem avaliados, foram apenas os da responsabilidade dos mestres Victória Pereira (que tinha realizado os painéis da igreja de S. Mamede em Lisboa) e Leopoldo Batistini azulejador de renome na época; depois de alguma discórdia, nomeadamente de alguma resistência de Monsenhor Moita, foi a Victória Pereira que se adjudicou a empreitada. A grande polémica surgiu quando, depois de executados os primeiros painéis e transportados para a igreja para começarem a ser colocados, a Comissão numa decisão de grande tensão entre os seus membros e sobretudo por imposição de Monsenhor Moita, recusou-‐os definitivamente, alegando a falta de qualidade e o seu flagrante desenquadramento; esta situação levou naturalmente à indignação, protesto e pedido de indemnização por parte do azulejador que considerou inadmissível a forma como foi recusado o seu trabalho. Como entretanto estava-‐ se já em finais de 1928 e o tempo tornava-‐se curto, recorreu-‐se a Carlos Bonvalot que acabou por realizar os desenhos para os painéis, depois executados por Gilberto Renda, cujo nome estava já ligado sobretudo a diversos painéis de azulejos realizados em estações de Caminhos de Ferro que entretanto se foram construindo (Sines, Santiago do Cacém, Vila Viçosa, Caminha etc) e era o mestre azulejador principal na Fábrica de Santana. A confirmar o nome de Carlos Bonvalot como desenhador e Gilberto Renda como executor na fábrica de Santana, está o registo no canto inferior do painel que retracta O anel achado no Poço, à direita na capela-‐mor. A família Bonvalot tem na sua posse os estudos a aguarela dos quadros representados nos paineis de azulejo. Cascais, 1995
A estatuária, as talhas e mármores dos altares Toda a estatuária que existe actualmente na igreja de Santo António, assinada e datada (Thedim 1929), foi da autoria de José Ferreira Thedim, (curiosamente o mesmo que executou a imagem de Nossa Senhora de Fátima realizada para o Santuário Mariano) executada na sua oficina em Santo Tirso, em madeira policromada e encomendada especialmente para substituir a que existia antes do incêndio. Assim no altar da Capela-‐Mor está S. Domingos e S. Francisco de Assis; no altar lateral esquerdo virado para o corpo da igreja, a imagem de Nª Senhora da Conceição; no altar à sua esquerda, o Sagrado Coração de Jesus, Nª Senhora de Fátima e Santa Teresinha; no altar lateral direito virado para o corpo da igreja, a imagem de Santo António e o Menino Jesus; no altar à sua direita, Nª Senhora das Dores, S. Pedro e S. José e o Menino Jesus. As imagens sacras foram colocadas nos cinco altares em talha dourada de grande beleza que datam dos Séculos XVII/XVIII e eram, originalmente, da igreja de Santa Marta. O convento de Santa Marta após a extinção das ordens religiosas foi adaptado a um hospital e posteriormente desactivada a sua igreja pelo que estes altares tinham sido desmontados e depositados, uma parte no edifício do Museu de Arte Antiga e outra numa cave da Basílica da Estrela; a Comissão encarregue da reconstrução da igreja de Santo António do Estoril conseguiu, após algumas diligências, que estes altares fossem novamente reunidos e assim incluídos no projecto de reconstrução do arquitecto Tertuliano Marques. O seu estado carecia no entanto de restauro pelo que, quando ali foram colocados e recuperados, ganharam um novo esplendor. A completar o conjunto juntaram-‐se os altares em pedra encomendados em Pêro Pinheiro conjugando o mármore creme, encarnadão e o Negro de Mem Martins numa harmoniosa composição jogando cor, formas e volumes de efeitos diferentes, rematados por um friso de decoração de embutidos em volutas, num trabalho de grande mestria. Note-‐se que os altares em talha foram agora analisados com cuidado e estão já a precisar de limpeza e restauro pelo que já se solicitou orçamento para cada um individualmente incluido a estatuária, para que gradualmente se possa proceder à sua recuperação. As pedras tumulares no chão da igreja No pavimento da igreja está também, pode dizer-‐se, parte da sua história. A Capela-‐Mor e o corpo central do templo receberam, durante a reconstrução, pedra mármore nova; a Capela-‐Mor num arranjo mais cuidado, alternando uma composição a meia esquadria de quadrados em pedra mármore branco e cinza vinda de Pero Pinheiro e no corpo central um pavimento em pedra branca encomendada a um pedreiro do lugar da Galiza (perto do Estoril). Note-‐se que estas decisões finais, em termos de acabamentos, foram muito discutidas e condicionadas por questões orçamentais.
No que se refere aos corredores laterais, guardam conjugadas com o lagedo, as várias pedras funerárias com inscrições gravadas, de túmulos onde foram depositados os corpos de pessoas ilustres em diferentes épocas. Bastante desgastadas pela usura mecânica ao longo dos tempos, algumas das quais já ilegíveis, são uma fonte de grande importância para o conhecimento da história da igreja. Para uma melhor percepção e identificação dos túmulos ali existentes numeraram-‐se no corredor lateral esquerdo de 1 a 7 e no corredor lateral direito de 8 a 11: 1 Pedra tumular com brasão de armas e inscrição SA D BERNARDO / DO REGO E DE SUA MOLHER MA BOR / GES E DE SEVS ERDEIROS 1593 2 Pedra tumular com inscrição SA DE SEBASTIÃO FRZ PDRO E DE SVA MOLHER ANA LOPEZ E DE SEVS ERDEIROS 1593 3 Pedra tumular ilegível 4 Pedra tumular com inscrição (sec XVI/XVII) SA DE ANTº DINIS E D S MOlhER E ERDEIROS 5 Pedra tumular com inscrição (séc. XVI/XVII) SA DE MANOEL PITO 6 Pedra tumular com brasão e inscrição gravada em toda a volta AQI IAZ DO MA CORNEIO / MVLER QE OI DEL CAPITANO ABERDUGO / DE GUARDALAIARA / CASTELLANO DEL CASTº DE SAMº TEL Pº ROVBENEL / LA QL MORIO A 10 / DE MARZO DE 1..96 / ANOS LAQL SE P / S DEIGº TELº E D …
7 Pedra tumular com inscrição SA DE AMTº FALEIRO FAFE S. E DE SVA MOLHER MA M ANOEL E SEVS ERDEIROS 1577 8 Pedra tumular com brasão ESTA SA MANDO / V REDUZIR A CAR NRº JOSE ANICE / TO TORREANO DE FARIA MORGA / DO DA CAZA DO ES TORIL PA SI SVA MER E / DESCENDENTES ANNO DE 1777 9 Pedra tumular com inscrição (séc. XVII) SA DE ROQE LO / PEZ CAVALEIR O DA CAZA DEL / REI NOSSO SR E D E SVA MOLHE / R R. LIANOR FRZ EM ESTA NÃ SE / E ETERARA NIGE. (Nesta não se enterrará ninguém) 10 Pedra tumular com inscrição (séc. XVI/XVII) ESTA SA DE Iº MANOEL / MESTRE DA CAREIRA DA IMDIA E DE SVA M / OLHER IONA RÕIZ E / DE SEVS ERDOS 11 Pedra tumular com inscrição (séc. XVI/XVII) SA DE IORIE ESTEVEZ E DE IORIE MANOEL E CA LUIZ Esta descrição foi feita a partir de um levantamento realizado pelo Dr José Benard Guedes em Junho de 1974 para o Patriarcado de Lisboa. Existe uma outra pedra tumular ilegível e que não foi inventariada nessa altura, na passagem da Capela-‐Mor para a antiga sacristia Outras obras de interesse Na antiga Sacristia que escapou ao incêndio destacam-‐se os azulejos policromados do século XVIII e o Lavabo do século XVII de grande beleza em mármore de várias cores e qualidades com alçado encimado pela cruz acompanhado aos lados e em cima de volutas. Quanto ao móvel grande de madeira do Brasil, com quatro gavetões ao centro e
um armário de cada lado, veio da Capela da Cidadela em Cascais juntamente com a Teia do coro em Jacarandá Joanino, e mais algum espólio ao abrigo de um contracto celebrado em Dezembro de 1927, entre o Palácio Nacional da Cidadela de Cascais e a Irmandade de Santo António do Estoril; em cima do referido móvel está colocada uma Maquineta com Calvário de talha dourada do século XVIII e no seu interior um curioso conjunto de figuras representando o Calvário com três cruzes e uma série de soldados e outros figurantes, tudo policromado. Existe ainda uma pintura em retábulo do século XVII representando o Calvário, com S. Francisco ao pé da Cruz que seria ainda espólio da antiga igreja. A balaustrada e respectivas cancelas em madeira que separam os lados da parte central da igreja veio da extinta igreja das Trinas assim como a pia de água benta. A grilhagem e cupula do Púlpito colocado na parede lateral da nave central da igreja é igualmente uma bonita peça a destacar; trata-‐se de um Púlpito em talha dourada do século XVIII, com decoração recortada assente em base de mármore que veio também de Santa Marta. Tal como a talha dos altares este Púlpito está a precisar de limpeza e restauro.
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