\"Relatos de um quotidiano fugaz. A Museologia municipal em Portugal, a partir da experiência de Cascais\"

July 31, 2017 | Autor: L. Sancho Querol | Categoria: Local Identities, Heritage Education, Cultural Values, Museum Management, Municipal Museums
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VOLUME 19

Conselho Editorial da Revista Expressa Extensão

Índice

Alexandre Ricardo dos Santos - Universidade Federal do Rio Grande do Sul CV: http://lattes.cnpq.br/5190429471529280 Áreas de atuação-  História da Arte Contemporânea, Imagem e História da Fotografia

Alfredo Alfageme Chao - Universitat Jaume I - Espanha

CV:http://www.uji.es/ES/departaments/fis/estructura/personal/e@/22752/?p_url=/ES/departaments/fis/estructura/personal&p_ item=22752&p_per_id=86955 Área de atuação - Sociologia da educação

Ana Lucia Prereira Schild - Universidade Federal de Pelotas CV: http://lattes.cnpq.br/1712864316987104 Área de atuação - Medicina Veterinária com ênfase em patologia animal

Carlos Yañez Canal - Universidad Nacional de Colombia

CV: http://www.manizales.unal.edu.co/index.php/apoyo-administrativo/hojas-de-vida-docentes/677-Carlos-Ya%C3%B1ez-Canal Área de atuação - Gestão cultural Área de atuação - Educação

Eda Schwartz - Universidade Federal de Pelotas

CV: http://lattes.cnpq.br/3684543700138279 Área de atuação - Enfermagem com ênfase em Enfermagem Médico-Cirúrgica

Edla Eggert - Universidade Vale do Rio dos Sinos

CV: http://lattes.cnpq.br/8360909218928418 Áreas de atuação - Educação popular, arte popular, artesanato, educação de jovens e adultos

Eduarda Maria Martins Moreira da Silva Vieira - Universidade Católica do Porto - Portugal CV: http://www.degois.pt/visualizador/curriculum.jsp?key=8969685792470721 Áreas de atuação - Conservação, Restauro, Museologia; Arqueologia Industrial e Técnica.

Eduardo Hahn - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/RS Áreas de atuação - Patrimônio Cultural

Flávia Fontana Fernandes- Universidade Federal de Pelotas CV: http://lattes.cnpq.br/2791199435022974 Áreas de atuação - agricultura familiar e produção sustentável

José do Nascimento Jr - IBPC (Instituto Brasileiro de Politicas Culturais) CV: http://lattes.cnpq.br/8755330523509810 Áreas de atuação - Economia da Cultura, Economia Criativa, Museologia

Josélia Maria dos Santos José Neves - Instituto Politécnico de Leiria - Portugal CV: http://www.degois.pt/visualizador/curriculum.jsp?key=6412948257094997 Áreas de atuação - Línguas e Literaturas

Vicente Julián Sobrino Simal - Universidad de Sevilla CV: https://investigacion.us.es/sisius/sis_showpub.php?idpers=5283 Áreas de atuação: Cidade, Arquitetura e Patrimônio

Maria del Pino Medina Brito - Universidad de Las Palmas de Gran Canaria CV: http://www.ulpgc.es/index.php?pagina=directorio&ver=inicio&v_estado=final_ok&v_id=0000001802 Área de atuação - Organização de empresas, turismo

Mario R. Cabrera - Universidad Nacional de Córdoba,  Argentina CV: http://www.efn.uncor.edu/departamentos/divbioeco/docentes.htm Área de atuação - Museus de ciências

Mary Anne Sampaio de Melo - University of Maryland CV: http://lattes.cnpq.br/0252428315793836 Área de atuação - Odontologia

Pedro Paulo Abreu Funari - Universidade Estadual de Campinas CV: http://lattes.cnpq.br/4675987454835364 Área de atuação: Turismo, Patrimônio, Relações de Gênero

Renata Ovenhausen Albernaz - Universidade Federal de Pelotas

CV: http://lattes.cnpq.br/7429671153120763 Áreas de atuação - Multiculturalismo, Pluralismo Jurídico, Direitos de grupos minoritários e políticas públicas

Comitê Científico Editorial da Revista Expressa Extensão Denise Marcos Bussoletti – Faculdade de Educação/ UFPel (presidente do Comitê) Celina Maria Britto Correa – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/ UFPel Evandro Piva – Faculdade de Odontologia/ UFPel Francisca Ferreira Michelon – Instituto de Ciências Humanas/ UFPel (Editora Executiva) Márcia Alves da Silva – Faculdade de Educação/ UFPel Revisor de Normas: Bibliotecário Ubirajara Budin Cruz / UFPel

Francisca Michelon. Arquivo pessoal.

David Mariscal Landín - Universidad Autónoma de Ciudad Juárez - México

Missão editorial da Revista Expressa Extensão Apresentação

Museus e Sociedade: as noites e os dias de uma instituição do conhecimento Editorial

ENTREVISTA Entrevista com José do Nascimento Júnior, 17 de setembro de 2014 Entrevistadoras: Francisca F. Michelon, Nóris Mara P. M. Leal

ARTIGOS Relatos de um quotidiano fugaz. A Museologia municipal em Portugal, a partir da experiência de Cascais Lorena Sancho Querol Jorge Alves dos Santos Maria Fernanda Costa

Sociomuseologia. Uma reflexão sobre a relação museus e sociedade Maria Cecília Filgueiras Lima Gabriele

Potencialidades da musealização, desafios da informação: estudo de caso a partir de museus de indumentária e moda Manuelina Maria Duarte Cândido

Integrar museus: Programa de ações museológicas da UFRB no Recôncavo da Bahia Rubens Ramos Ferreira Carlos Alberto Santos Costa

5 7 13 23 43 55 67

5 Experiências de Acessibilidade no Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo Márcia Beatriz dos Santos Bamberg

Do sal ao açúcar: as ações educativas do Museu do Doce da UFPel (Universidade Federal de Pelotas) Carla Rodrigues Gastaud Matheus Cruz Noris Mara Pacheco Martins Leal Patrícia Cristina da Cruz Sá Renata Brião de Castro

Hydrochoerushydrochaeris

RELATÓRIOS

Restauro de um espécime de Hydrochoerushydrochaeris (Mammalia, Rodentia, Caviidae) do Museu de Ciências Naturais Carlos Ritter-UFPel José Eduardo Figueiredo Dornelles Fernando Gonçalves Duarte Franck Lira da Silveira Luiz Fernando Minello

Documentação, restauração e exposição da obra Senhoras Tomando Chá da Pinacoteca Matteo Tonietti, Rio Grande, RS Andréa Lacerda Bachettini Ângela Marina Macalossi Keli Cristina Scolari

CASA DOS MUSEUS: ENSINO E EXTENSÃO Celina Maria Britto Correa Ricardo Sampaio Pintado

MEMÓRIA VISUAL DE EXTENSÃO As fotografias do Memorial do Anglo/UFPel e suas traduções para os outros sentidos Desirée Nobre Salasar Ubirajara Buddin Cruz

Representação gráfica digital aplicada à conservação e à restauração dos bens culturais: o caso do projeto de extensão Conservação Iconográfica

77 91 109 121 133 145 155

Jeferson Dutra Salaberry

EXTENSÃO IN LOCO Museus Universitários: uma política para estes lugares de conhecimento Francisca Ferreira Michelon

Carta de Rio Grande Carta de Rio Grande

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Missão editorial da Revista Expressa Extensão

A Revista Expressa Extensão é um veículo para os debates que cercam o tema da Cultura interdisciplinar entendida como processo capaz de integrar a universidade com a sociedade. Objetiva discutir a ação extensionista como forma singular no processo de formação do estudante, pela qual o conhecimento apresenta-se como uma ferramenta para a construção do sujeito consciente, nesta revista entendido como o sujeito do conhecimento. Intenta discutir a lógica transformacional que a transferência de tecnologia social por meio da extroversão do conhecimento é capaz de operar. Por fim, busca registrar e divulgar resultados da relação dialógica crítica da experiência vivencial universitária com as comunidades, dentro das oito linhas temáticas da Extensão, apresentadas no Plano Nacional de Extensão: Comunicação, Cultura, Direitos Humanos e Justiça, Educação, Meio Ambiente, Saúde, Tecnologia e Produção, Trabalho. Assim, tem como público alvo extensionistas, comunidade universitária, pesquisadores em temas relacionados com as linhas editoriais da revista e comunidade em geral. Publicação na revista: A Expressa Extensão aceita, na forma de colaboração, trabalhos originais que contemplem o escopo da revista, a ser apresentados para publicação em uma das seguintes seções: 1. Artigos: Documentos originais contendo o resultado de análise ou reflexão sobre questões atinentes à extroversão do conhecimento científico, em qualquer área do conhecimento. Texto originado em trabalho científico que tenha entre suas finalidades, contemplar a aplicação do

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7 conhecimento gerado pela academia na sociedade. Seção aberta na chamada para publicação a doutores. 2. Relatórios: Textos que relatem processos, metodologias e resultados de trabalhos de extensão em andamento ou concluídos e que foquem, especialmente, a relação do processo extensionista com a sociedade. Seção aberta na chamada para publicação a todos os extensionistas coordenadores de projetos/programas de extensão com possibilidade de co-autoria com outros docentes e alunos. 3. Memória Visual de extensão: Ensaio sobre atividades de extensão no qual o registro visual seja predominante tanto como objeto sobre o qual o texto se dirige como meio de registro de ações de extensão. Seção aberta na chamada para publicação a todos os extensionistas. Anualmente a Revista Expressa Extensão divulgará editais para submissão de propostas que serão avaliadas no sistema por pares cega. Os Critérios de avaliação levam em consideração o ineditismo, a origem da proposta em estudo ou trabalho de extensão, a qualidade teórica, a qualidade metodológica, a apresentação de resultados, a atualidade das referências, asuficiência argumentativa, a correção gramatical e de normalização, a idoneidade no uso de fontes primárias ou secundárias e no uso de entrevistas e a devida inserção nas linhas editoriais da revista. A Revista Expressa Extensão não se responsabiliza por opiniões e conteúdo expressos nos textos assinados, que são, assim como a correção linguística e uso de figuras nos mesmos, de integral responsabilidade dos autores.

Email para contato: [email protected] periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/expressaextensao

Museus e Sociedade: as noites e os dias de uma instituição do conhecimento Porque os museus são lugares múltiplos, que cumprem várias funções, as questões que deles emergem e a eles se dirigem também são numerosas, diversas e, às vezes, desafiadoras. Há muito o que perguntar sobre esta instituição que, embora tenha um conceito definido internacionalmente1, é melhor aceita quando denominada no plural, posto que deste modo se resguarda (ou se tenta resguardar) a sua exorbitante diversidade. Assim, se fosse necessário encontrar alguns pontos pelos quais se reconhecesse a possibilidade de uma matriz para esta instituição, estariam esses relacionados a sua função e, especialmente no Brasil, a sua missão social. Possivelmente, uma função em comum a qualquer instituição que reivindica o nome museu, seria a de proteger os bens do patrimônio cultural. Outra função seria a de contribuir para que a existência humana se torne mais significativa, reunindo as expressões da cultura que revigoram a percepção do mundo, em um ambiente favorável ao conhecimento. Ambas estas funções, que se estimulam mutuamente, parecem fundear uma gestão política das expectativas de que no futuro possa importar o que parece supérfluo no presente. Diante de funções nobres, evitam-se os temas aflitivos, como, por exemplo, o museu como um negócio. E os museus são bons negócios?2 O incontestável Guggenheim de Bilbao já rendeu a sua Fundação3 mantenedora mais de 10 milhões de visitantes, dos quais quase 70% são estrangeiros. Com estes visitantes, circulam 30 milhões de euros ao ano, que fazem render perto de 4500 postos de trabalho, apenas para manter o museu. Joseba Arregui Aramburu, então Ministro da Cultura do País quando

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surgiu o projeto do Guggenheim em Bilbao4, disse que este museu “mudou completamente o ponto de vista das pessoas e que, a partir de então, no País Basco todo mundo sabe que a cultura é um fator econômico de primeira instância”. E quem diria que ele não está correto? Entretanto, Bilbao não é fato isolado. O projeto de internacionalização do Louvre em Atlanta, no ano de 2006, não é tão mais tímido do que do basco. Depois das Olimpíadas de 1996, o governo de Atlanta buscou novas iniciativas para o crescimento econômico da cidade, entendendo que seria importante livrar-se da imagem de cidade fabril e costeira. Para tanto, fazia-se adequado constituir um aparelhamento lúdico e cultural, que foi se concretizando com a inauguração de um enorme aquário, um teatro e uma grande orquestra sinfônica. Depois disso, para tornar o cenário inquestionável, fazia-se necessária a presença de um grande Museu de Arte. Com um bom acordo comercial, estabelecido entre o High Museum of Art, da cidade de Atlanta e o Louvre5, a cidade recebeu uma incomum versão do parisiense fora da França. Um imponente edifício, projetado pelo famoso arquiteto italiano Renzo Piano, foi construído para ampliar as dependências do prédio original, projetado por Richard Meier nos primeiros anos da década de 1980.Uma ala inteira do novo prédio se inaugurou com obras tiradas das paredes ou da reserva técnica da matriz francesa e que viajaram sobre o mundo para permitir que as portas do novo High Musuem se abrissem com a aura do majestoso museu. Esta exposição de longa duração também foi enfática em destacar o próprio Louvre como tema: um museu mostrando outro museu. Grande aposta, que vale o começo de um bom negócio. Será possível pensar em museus-franquias? Outro exemplo é o caso de Abu Dabi, a capital do maior dos Emirados Arábes, em cujos objetivos consta se tornar um paraíso

turístico no Golfo Pérsico, para públicos educados e, portanto, exigentes quanto aos empreendimentos culturais. Os projetos dos museus incluem o Louvre, Guggenheim, o Museu Marítimo e um Centro de Espetáculos, na Ilha de Saaydiat, construídos pelos maiores arquitetos do mundo em um distrito cultural. A vocação dos museus está mudando? Estão se tornando lugar de espetáculos? Ou será que há essência nas palavras de Bruno Maquart, quando foi director da Agência FranceMuséums, ao dizer que todos merecem um museu, seja qual for sua condição social e que tê-lo é um direito humano. Por díspares que sejam entre si, em todas as perguntas acima vê-se o mesmo fundo, mais ou menos nítido: a sociedade. Não é um excesso pensar que os museus são espelhos em frente a outros espelhos que refletem o infinito dos sentidos de uma sociedade. São os dias e as noites (esplendorosas) dos museus. De um lado o museu do cidadão,ao qual ele tem direito. Do outro, o museu dos negócios. De um lado a casa da memória, de outro, a do espetáculo. E entre ambas há uma imensidão de possibilidades. Dentre elas, a de que o museu é um espaço autônomo de formação cultural, que dispensa outras instituições para exercer sua função e que pode, se for de interesse dos seus mantenedores, atuar com probidade no processo educacional. Frente a essas considerações, reunir experiências, relatos, registros e reflexões para pensar os museus e o que neles acontece, é o objetivo desta publicação. Deseja-se que este número da Expressa Extensão contribua para que mais imagens refletidas ajudem a compartilhar o conhecimento que cada museu é capaz de promover. Francisca Ferreira Michelon Editora Temática Museus e Sociedade Revista Expressa Extensão

Notas

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Segundo a versão aprovada pela 20ª Assembléia Geral do ICOM (International Comitte of Museum) em 2001 é “Instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para educação e deleite.” Um interessante documentário com este tema foi veiculado pelo canal de televisão History e pode ser acessado sob o título “El negocio dos los museos”. Dados sobre os quatro museus da Fundação Guggenheim podem ser encontrados na página http://www.guggenheim.org/. A execução do projeto do edifício do museu Guggenheim de Bilbao custou 100 milhões de dólares. Análise de dados sobre este empreendimento encontra-se em: Nero, Irene, “Computers, Cladding, and Curves: The Techno-Morphism of Frank Gehry’s Guggenheim Museum in Bilbao, Spain”(2004). Electronic Theses, Treatises and Dissertations. Paper 2651. Dados sobre os empreendimentos do Louvre podem ser encontrado na página http://www.louvre.fr/.

ENTREVISTA Francisca Michelon. Arquivo pessoal.

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Entrevista com José do Nascimento Júnior, 17 de setembro de 2014. Entrevistadoras: Francisca F. Michelon, Nóris Mara P. M. Leal

José do Nascimento Júnior

(11/10/1966, São Paulo, bairro Bela Vista). Graduado em Ciências Sociais e pósgraduado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Cursou, na Universidade de Barcelona,curso de especialização em Economia, Cultura e Cooperação Iberoamericana. Foi Diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais (DEMU/ IPHAN) e participou da criação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), do qual foi seu primeiro presidente de 2009 até 2013. Coordenou a implantação da Política Nacional de Museus de 2003 a 2013. Foi diretor do Museu de Antropologia do Rio Grande do Sul, diretor do Memorial do Rio Grande do Sul e coordenador do Sistema Estadual de Museus no Rio Grande do Sul. Assumiu a Coordenação de Museus e Artes Plásticas do Ministério da Cultura.

A sua trajetória com os Museus, que iniciou no Rio Grande do Sul, expandiu-se, atingindo grande expressão no Governo Federal com a inédita criação de uma Política de Museus no Brasil. Como foi o início do seu trabalho com os Museus? Comecei a trabalhar com Museus no Governo de Olívio Dutra, quando este se tornou governador do Estado. A partir do Curso de Graduação e pelo meu interesse pela Antropologia, fui me aproximando do Museu Antropológico do Rio Grande do Sul e quando fui convidado para compor a Secretaria Estadual de Cultura, solicitei ir para este Museu. Disse que gostaria de ir para o museu [estadual] em pior situação, justamente para ajuda-lo a melhorar. Poderia ter pedido para ir para o Museu Júlio de Castilhos ou para o Museu da Comunicação Social, mas eu queria ajudar o Museu Antropológico. Iniciamos com um plano de ação que partiu de ampla discussão, para a qual contamos com vários especialistas que foram solicitados a opinar sobre muitos aspectos. Assim, fomos adensando o museu, fazendo seminários internos, criando uma agenda cultural de temas importantes. Mesmo estando na Rua Andradas, 1234, no décimo andar de um edifício, esta ação fez com que ele tivesse mais movimentação do que muitos outros museus. Quando fazemos as coisas e elas vão dando certo, acabamos aumentando o trabalho que temos. Cada vez que o Pilla Vares, Secretário de Cultura do Estado, me chamava no Gabinete, havia uma demanda nova. Primeiro ele me pediu que eu reativasse o Sistema de Museus, mais adiante me pediu que eu coordenasse o Memorial. Assim, houve

14 - (2014) | expressa extensão um momento em que eu era Diretor do Museu Antropológico, Coordenador do Sistema Estadual de Museus e Diretor do Memorial do Rio Grande do Sul. Minha vida passou a ser na Praça da Matriz circulando com dois celulares de um museu para o outro, sobretudo porque o trabalho no Memorial era uma tarefa de tempo integral. Como foi a experiência com o Sistema Estadual de Museus e como isto contribui, mais tarde, para a criação do Ibram [Instituto Brasileiro de Museus]? O Sistema de Museus foi um trabalho grande, que serviu para testar o que dava certo e o que não dava: fizemos oficinas, lançamos o primeiro Edital de Museus no Brasil, o Promuseus, com o programa de fomento que fizemos com a FAPERGS , reativamos os fóruns. O Rio Grande do Sul, naquele momento, era o pólo de discussão da museologia no Brasil. Convidávamos os especialistas para virem discutir no Estado os temas mais atuais. Na primeira discussão sobre o Patrimônio Imaterial e Museus, logo após ocorrer a Convenção [para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial] e a sua promulgação, a Diretora do IPHAN, Márcia Santana, foi convidada para discutir este tema, que estava recém surgindo. Hoje, este é um tema em pauta, mas na ocasião ninguém falava sobre patrimônio imaterial. Tanto foi assim que no último fórum que coordenamos, na cidade de Rio Grande, o Secretário de Patrimônio, Museus e Artes Plástica do Ministério da Cultura, Octávio Elísio, veio, diretamente de Brasília, para abrir o evento e fazer uma palestra. Aqui [Rio Grande do Sul] era o Pólo de discussão da temática Museus no País. Neste fórum, fizemos uma carta [Carta de Rio Grande] que deveria ser entregue aos então candidatos à presidência Lula e Serra e aos candidatos aos governos dos Estados. Portanto, o Rio Grande do Sul era um pólo. Não se tinha, ainda, um espaço de uma visão progressista no campo da cultura e, em especial, nos museus, que atraísse e formulasse políticas. Foi por isso que ocorreram aqui vários eventos, como o do CIDOC e do ICOM que, inclusive, se revitalizou a partir da ação da Secretaria Estadual de Cultura e do Sistema. Foi um momento inspirador para o que veio depois: a política de Museus. O Rio Grande do Sul polarizava em todos os temas: aqui ocorriam as edições do Fórum Social Mundial. O primeiro documento da política nacional de Museus, lançado em maio de 2003 pelo Ministro Gilberto Gil, é uma atualização, com um ano de diferença, da Carta de Rio Grande e foi a primeira política setorial do Ministério da Cultura. O que fez surgir este ambiente tão intenso no Rio Grande do Sul? Nós conseguimos, a partir da ação da Secretaria, ter criatividade para gerar um ambiente que movimentou o Estado. Fizemos oficinas em todos os lugares, seja onde quer que fosse, com quantos museus fosse preciso e com pessoas, muitas ou poucas, não importava a quantidade. Não havia preguiça. Havia o desejo de construção de uma rede fortalecida e foi isso que propiciou ter este ambiente de discussão. Fizemos um movimento para que surgisse um curso na UFRGS e depois na UNISINOS. Fizemos um curso de especialização em Santa Maria, na UNINFRA. Esta universidade conseguiu se articular com os municípios da região Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 13-19, 2014.

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e possibilitou que muitas pessoas fossem formadas. Várias destas estão hoje atuando nos museus daquela região ou fazendo pós-graduação. A associação das pessoas e das instituições foi permitindo que surgissem bons projetos, um deles foi a sinalização dos museus com placas na Estrada, projeto que contou com a ajuda do DER (Departamento de Estradas Rodagem). O Sistema de Museus fez convênio com o Sistema de Museus da Catalunha, para permitir trazer especialistas. Ou seja, foi um momento no qual muitas coisas foram experimentadas. Foi um laboratório, que não tinha a intenção de o ser, mas que fez com que fossem testadas diferentes ações, das quais muitas acabaram compondo a agenda do Ibram. Uma dessas foi a Semana dos Museus. Esta ideia no Rio Grande do Sul foi, ano a ano, agregando mais munícipios. Todos acabavam querendo ter o seu nome no cartaz da Semana, mas para tanto, cada munícipio devia enviar sua programação para a Secretaria. Não há uma ação da política nacional de museus que não foi, em maior ou menor grau, testada no Rio Grande do Sul. Este foi o primeiro Estado a fazer o cadastro dos seus museus, inclusive, neste cadastro foram sendo agregados os dados de outros Estados e se chegou a elencar 1200 museus. Este cadastro, que aplicado nacionalmente levantou mais de 3 mil museus é, ainda, uma peculiaridade. Sabíamos que este era um instrumento indispensável para a construção de uma política pública nesta área. Não há um recurso similar para as bibliotecas e arquivos, por exemplo. O Sistema Nacional de Bibliotecas não tem este tipo de cadastro, tampouco o de Arquivos. Nós construímos a arquitetura de uma política pública que é integral e atinge todas as áreas. Claro, que na dimensão nacional se tem outra projeção, outra escala. Se faziam oficinas com especialistas do Rio Grande do Sul e nacionais, sobre todos os temas. Assim, aqui circulavam as ideias e o pensamento, fundamentais para transformar os museus. Qual o impacto do Estatuto dos Museus no Brasil? O Estatuto dos Museus e, agora, o Decreto [8124/2013, que regulamenta o Estatuto] são temas cruciais paraos cursos de Museologia e para a área de patrimônio. É necessário que os profissionais da área se apropriem dos instrumentos e os façam funcionar, senão a Lei vira letra morta. Por exemplo, a Declaração de Interesse Público tem que ser exercitada, solicitada, tal como o tombamento. Hoje se tem, em nível nacional, todos os instrumentos montados: temos o órgão gestor de uma política, temos os instrumentos de fomento, os instrumentos de regulação e os instrumentos de difusão (Semana de Museus, Primavera dos Museus...). E, ainda, temos as ações internacionais, se queremos colocar estas como instrumentos de uma política pública. Em nível macro, todos os instrumentos existem. Agora, eles precisam ser exercitados, capilarizados, ou seja, precisam existir da mesma forma em todos os municípios. Cada município precisa ter o seu Estatuto Municipal de Museus, seu Plano Setorial funcionando bem como o restante. É desse modo que se faz a política enraizar. E aí, mesmo que a política entre em colapso em nível nacional, se ela estiver enraizada nos municípios, o sistema se mantém até que venha outro governo e que possa retomá-la, porque haverá uma base estruturada. Portanto, o desafio da Política de Museus, hoje, é o seu enraizamento em Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 13-19, 2014.

16 - (2014) | expressa extensão nível estadual e municipal, a transformação dos instrumentos nacionai sem instrumentos estaduais e municipais e o entendimento por parte das pessoas da área do patrimônio e da memória de que os instrumentos estão a sua disposição e de que precisam fazer valer , através desses, os seus direitos. Por exemplo, eu quero declarar de interesse público nacional algum bem do Rio Grande do Sul: que Pedras Altas seja um bem declarado de interesse nacional. Com esta política, eu posso fazer valer esse direito. Claro que sempre se mexe com interesses porque o patrimônio não é uma ação neutra, quando se quer preservar. Mesmo sem a sua regulamentação, o Estatuto já foi utilizado pelo Ministério Público para garantir que a casa do Museu Magüta, pertencente ao povo Ticuna, na tríplice fronteira Brasil, Perú e Colômbia, não fosse penhorada. Para tanto o MP alegou o seu valor cultural e de memória via estatuto. Fizemos algo inovador, e agora, os diretores de museus nacionais tem que passar por uma seleção pública, por uma comissão que avalia sua capacidade de gestão. Formulouse a ideia, também, do Museu associado, a reformulação do Comitê Gestor do SBM, de instrumentos como Cadastro Nacional, e inúmeros outros temas que estão presentes na Política Nacional de Museus, que foram traduzidos na legislação. Qual o descompasso que existe entre a Política Pública dos Museus e sua aplicabilidade? O que eu avalio é que em algum sentido “nós”, o Estado, avançamos mais do que o Setor. No geral, o setor e a sociedade estão mais adiantados do que o Estado. Neste caso, o setor ainda não absorveu a agenda política implantada. Ainda não esta apto para ver a dimensão dos instrumentos que estão criados, diferente de outras áreas, que têm os instrumentos e os usam bem, como a do cinema. A comunidade do cinema está todo o tempo no Estado: Fundo Setorial do Audiovisual, Ancine, Secretaria de Audiovisual, etc. Este é um setor que tem mais presença na sua relação com o Estado e mais maturidade no uso dos instrumentos e que compreendem quando devem avançar. Assim, a área de memória e de museus precisa se apropriar mais dos instrumentos. Talvez seja uma função dos Cursos passar essa ideia para os estudantes, para que compreendam este universo e evitem o comportamento “museocêntrico”, que é o só olhar para dentro da instituição e achar que ela se resolve em si. A instituição tem conexões externas e a má política influencia o interior de uma instituição, assim como a boa política. Então, é preciso entender o tema da política pública não como algo distante, mas algo que influencia na vida do profissional. Por exemplo: documentação. Se houver uma política pública nacional que ajude a ter o sistema de documentação, os instrumentos e os meios, será melhor para o profissional. Se não houver, ele terá que se virar sozinho. O mesmo acontece na área da preservação, da educação, da segurança, e em todas as instâncias que demandam das políticas públicas que seja dado um retorno e que surjam serviços. E necessário entender os museus como um serviço público de natureza cultural e dentro deste universo, o que eles podem se qualificar. Os museus precisam, como diz Érico Veríssimo não ser arquipélago, ser continente. Mas, para transformar os museus em Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 13-19, 2014.

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continente é preciso que alguma coisa os articule. Esta coisa é a política pública. Para nós isso é difícil porque não estamos acostumados à política pública de cultura.Veja o exemplo da França que há mais de 200 anos tem política de museus, desde a Revolução Francesa. Os museus, na Revolução, foram uma ação de Estado, que acabou por dar origem a um setor de museus que vive até hoje: iniciou como um departamento e transformou-se na reunião de museus franceses. Trata-se, esta, de uma narrativa cultural de políticas públicas. Nós já caminhamos muito, mas há uma distância entre os profissionais da área e aquilo que já se conseguiu. Mas, em alguma hora, essas coisas se juntam: o Estado congela e a sociedade avança. Os profissionais precisam se apropriar de vez da Política Nacional de Museus [PNM], como algo da sociedade, para além de governos. Só assim voltaremos ao “espírito” inicial da PNM, de um movimento social e cultural para a área da memória e museus, uma verdadeira “militância”, como alguém me disse que era militante da PNM, logo no inicio. Creio que a institucionalização fez perder esse espírito e, assim, um pouco da força que isso tinha. Qual o impacto do surgimento dos cursos de Museologia para o campo no Brasil e como isso ocorreu? Os cursos foram fundamentais. Houve um ano em que o Ibram fez mais de 300 oficinas. Naquele momento surgia o REUNI, como política do MEC. Então tive a ideia de procurar o MEC, a SESu e pedi para falar na ANDIFES, na reunião dos reitores em São João del Rey. Estabeleci a seguinte estratégia: em uma apresentação mostrei aos reitores o tamanho da demanda que se tinha nas oficinas em cada estado e disse que a nossa parte era uma qualificação pontual e que este público desejava um ensino continuado e uma formação geral. Nós continuaríamos fazendo as oficinas, mas não poderíamos atender aquelas pessoas que desejavam um ensino continuado. Com apenas dois cursos de Museologia no País, não se dava conta daquela demanda. A partir daí, houve o interesse por parte dos reitores em agregar a museologia. Vários nos procuraram para ter mais informação e conhecer os projetos que se tinha, então. Deu certo, tanto que estamos indo para o surgimento do 15o curso do país [na UFPr] em 12 anos. É a área que mais cresceu proporcionalmente nas humanidades. E as pessoas perguntavam se haveria campo para todos esses profissionais. O mercado não está saturado. Há campo para estes profissionais e há muita demanda. Mas, o mais importante é que não se pode ter uma política pública sem o profissional da área. Sabíamos, na época, que não se poderia ter uma política de museus sem museólogos. E, ainda hoje, só 5% dos profissionais dos museus são museólogos, num total de quase 3500 museus. E, ainda, há um campo enorme fora dos museus. Não há hoje uma região do Brasil sem curso de Museologia. Há cursos do Pará à Pelotas, criados em 12 anos, contra a realidade que se tinha até então de dois cursos, sendo que o último tinha mais de 40 anos. E, conseguimos gerar toda a estrutura de construção do conhecimento, com a criação do mestrado e do doutorado. Isso foi uma guerra contra a especialização, que não é um compromisso da Universidade com a Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 13-19, 2014.

18 - (2014) | expressa extensão área do conhecimento. O curso de especialização pode ou não ocorrer. Mas quando se tem o graduação, inicia a carreira e a consequente busca pelo pós-graduação. Hoje o Brasil tem o único Doutorado em Museologia das Américas, na UNIRIO. A USP, que mantinha o especialização em Museologia, foi levada a abrir o Mestrado e já está pensando no curso de graduação e doutorado Este movimento é que faz o cenário avançar para dar sustentabilidade para as políticas publicas. A região Sul continua tendo o maior número de cursos de graduação, com cinco cursos: um no Paraná, dois em Santa Catarina e dois no Rio Grande do Sul. Qual o papel dos cursos em relação às Políticas Públicas? Os cursos renovam a forma de pensar. No entanto, ainda falta nos cursos a formação mais prática. O museólogo não pode ser um sociólogo que pensa os museus. Deve pensar, também. Mas o que garante a especificidade do museólogo é a parte prática: saber fazer uma documentação, saber conservar. E algumas graduações ainda acham que este universo técnico é uma idéia conservadora. Mas é, justamente, o conhecimento técnico que é necessário no museu. A explosão dos cursos precisa agora balizar a formação. O ser específico é também o ser universal. Por esta razão, o museólogo deve discutir os museus na sociedade, a função do objeto, mas sem perder a garantia do conhecimento específico. No entanto, já foi uma salto muito grande. O Brasil é hoje o país que mais tem cursos de graduação. Era importante fazer os cursos ou regular os museus? Fizemos os dois Era necessário ter museólogos nos museus. O museólogo é importante , mas não é o único profissional nos museus. Agora estamos vendo concursos e contratação por toda a parte, mas temos ainda uma caminho longo para consolidar e qualificar os cursos. E, antes de 2003 os próprios museólogos diziam que a sua, era uma profissão em extinção. Não é o que se fala agora, não é mais esta a visão do campo. A política pública permeia toda a ação e toda a perspectiva de futuro do campo dos museus. As políticas publicas devem ser uma parte da formação dos futuros profissionais museólogos. E o Museu Universitário? Qual o seu diferencial, o seu impacto e as suas dificuldades de existência? O Museu universitário é um museu do qual as universidades precisam dar conta.O problema é que as universidades querem ter os museus, mas não conseguem mantê-los. A USP tem uma construção para três museus parada em uma enorme crise. Então, é necessário ver o papel dos museus universitários. São museus de formação universitária? São museus de difusão de conhecimento? Eu diria, os museus universitários são, talvez, a única porta da sociedade para o que se produz dentro da universidade. A sociedade pode não conhecer nada do que a universidade produz, mas os museus podem dar a saber o que se faz na Universidade. A difusão permanente do conhecimento passa pelos museus e não há outra forma mais dinâmica. Portanto, se a Universidade entender que isto é estratégico na relação universidade-sociedade, os museus serão tratados de outra forma. Museu não é só extensão. É um instrumento que está na ponta da cadeia de produção do conhecimento. É o canal Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 13-19, 2014.

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de extroversão desse conhecimento e por isso faz parte de um cenário de formulação, no qual cumpre o papel social de dar entendimento à sociedade do que a universidade produz. Assim, devemos fazer a seguinte pergunta ao museu universitário: a exposição no museu é para deleite dos pares ou é o instrumento de extroversão do conhecimento? Se é para deleite dos pares, então o museu é uma coisa. A linguagem é outra e não há o compromisso de extroverter o conhecimento. As preocupações são de especialistas para especialistas. Neste caso, o povo vai ao museu, não entende nada. No entanto, se é um difusor de conhecimento, bem, nesse caso, ele precisa ser um tradutor do conhecimento. É um exercício acadêmico mais difícil, porque necessita estabelecer a conversa com a sociedade. Ora, uma exposição não tem nota de rodapé. É necessário que quem a visite a entenda. Se o museu fizer isso, será um bom museu universitário, que traduz o conhecimento sem desqualifica-lo. Por que os museus de ciência fazem mais sucesso do que os museus de história? Também na Escola as ciências são mais valorizadas na grade curricular do que as humanidades. Se não houver essa disputa no campo da universidade em relação à educação, nós vamos perder espaço para a ciência hard porque esta aprendeu a transformar tudo em experimento lúdico, o conhecimento abstrato em uma experiência concreta. Nós temos que trazer este fato para as humanidades que é onde, eu vejo, há mais dificuldade de tradução do conhecimento. E não se trata de se ter um recurso interativo ou não e sim de ter uma linguagem, uma forma de expressão que traduza o nosso conhecimento de modo interessante. Em uma palestra que eu fiz no Museu do Índio, observei como a exposição para mim, antropólogo, estava muito boa. Só que para outra pessoa, que não soubesse o significado de “cosmologia”, como entender o que é isso, quais os comparativos com a nossa sociedade? E a melhor forma de traduzir isso é quando o visitante consegue fazer a sua interpretação, sua síntese, sem mediação, sem interferências. Isso é um desafio, não só no Brasil. Mas como as universidades estão se expandindo no país, este se torna um desafio maior, porque a manutenção disto sai caro para a universidade. Então, me encanta o modelo do Museu da UFRGS, que não é um museu de coleção, mas da universidade. Há, portanto, uma dinâmica diferente. Hoje é uma exposição de geologia, amanhã pode ser de artes, depois de botânica e toda vez que se vai ao museu, há uma coisa nova. Não sei nem se a linguagem é a correta, mas sempre que a pessoa visita, há outra coisa para ver. Assim, ao invés de cada departamento ter seu “museuzinho”, seu nicho de poder, uma sala com nome de museu, que na verdade, é um espaço de poder, há um museu que é um espaço dinâmico onde a pesquisa se traduz. Joga-se peso na pesquisa, joga-se peso na difusão da pesquisa e a universidade cumpre o seu papel. É um desafio. Estamos falando teoricamente, mas sabemos que cada universidade tem a sua realidade. Se fosse fácil, já estaria tudo resolvido e não estaríamos aqui falando sobre isso.

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Francisca Michelon. Arquivo pessoal.

ARTIGOS

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Relatos de um quotidiano fugaz. A Museologia municipal em Portugal, a partir da experiência de Cascais Tales of a fleeting every day life. Municipal Museology in Portugal, from the experience of Cascais

Lorena Sancho Querol

Doutora em Museologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa. Investigadora em Pósdoutoramento no Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra (CES-UC). E-mail: [email protected]

Jorge Alves dos Santos

Doutorando em Sociologia no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL). Investigador do extinto Observatório das Atividades Culturais (OAC). E-mail: [email protected]

Maria Fernanda Costa

Antropóloga e responsável pelo Museu do Mar Rei D. Carlos, Câmara Municipal de Cascais (CMC). E-mail: [email protected]

Resumo Num contexto cultural seriamente afetado pelas políticas de ajustamento económico que estão a ser aplicadas no sul da Europa, e tomando como estudo de caso um pequeno museu municipal localizado na Vila de Cascais, a poucos quilómetros de Lisboa, procuramos neste artigo refletir sobre o papel sociocultural dos museus locais em Portugal. Queremos perceber quais os rumos que conduzem a uma Museologia verdadeiramente útil às nossas sociedades e quais os modelos de gestão que nos podem ajudar a ressignificar o museu sob a ótica da sua sustentabilidade. Afinal: quem sustenta quem? Ou… como se desenvolve a habilidade de ser museu, quando a própria sociedade e seus conceitos de cultura, património ou identidade estão em profunda reformulação? Palavras-chave: Museus municipais. Comunidade piscatória. Horizontes de utopia.

Abstract In a cultural context seriously affected by the economic adjustment policies that are being implemented in southern Europe, and based on the case study of a small municipal museum located in the town of Cascais, just a few kilometers from Lisbon, we seek in this article to reflect on the sociocultural role of local museums in Portugal. We want to understand which direction may lead to a Museology truly useful to our societies, and what management models can help us reframe the museum from the perspective of sustainability. After all: Who supports whom? Or ... How can the ability to be museum be developed, when society itself and its concepts of culture, heritage or identity are going through a major reshape? Keywords: Municipal museums. Fishing community. Horizons of utopia.

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Introdução1 Os museus apresentam hoje diferentes tipologias em função da sua natureza, da relação com o território ou da temática a partir da qual se desenvolveram. Este é um aspeto essencial na definição da sua anatomia, da sua missão e do seu modelo de gestão. No contexto português, onde a principal divisão administrativa do território é o município, o museu de tutela municipal acaba por ser a tipologia mais numerosa e mais representativa da Museologia portuguesa. Por este motivo, mas também pelo seu marcado carácter local, estes museus desenvolvem um papel essencial no contexto das políticas culturais municipais, em matérias tão estruturantes como a educação patrimonial, o estudo e a salvaguarda da diversidade cultural e natural, ou a investigação da micro-história local. Devido às profundas mudanças que se encontram em curso em Portugal como consequência da atual crise económica, diversos domínios da cultura, entre os quais o dos museus, tem vindo a sofrer fortes alterações nos seus modelos de gestão e no desenvolvimento das suas funções essenciais. Neste cenário, e tomando como estudo de caso um museu municipal cujos passos tenho seguido de perto nos últimos anos, o Museu do Mar Rei D. Carlos, em Cascais, propus-me refletir sobre esta tipologia museológica, sobre a sua situação e desafios atuais, mas também sobre o seu lugar na construção de uma sociedade inclusiva e sustentável. Com este objetivo, solicitei a colaboração de dois colegas diretamente relacionados com esta Museologia e com este Museu: um investigador na área da cultura, Jorge Santos, e a diretora do respetivo Museu, Fernanda Costa. O primeiro irá ajudar-nos a perceber melhor o perfil, as características e a situação atual dos museus municipais no contexto nacional, a segunda, ao aceitar o desafio de responder a uma pequena entrevista, irá, por sua vez, aproximar-nos das práticas quotidianas desta Museologia.

Enlaçando mundos A Fernanda Costa e eu - a autora do artigo - iniciámos os nossos percursos na Museologia marítima quando este milénio já se adivinhava no horizonte Atlântico. Enquanto eu começava uma colaboração com o Museu de Marinha, em Lisboa, para dinamizar a área da conservação dos diversos espólios que habitam este majestoso santuário da história marítima portuguesa, ela integrava a equipa do Museu do Mar Rei D. Carlos, um museu de cariz municipal integrado na Rede de Museus da Câmara Municipal de Cascais (CMC) desde a sua criação em 2004, e na Rede Portuguesa de Museus (RPM) desde 2011.

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Reais, Estandartes históricos, Astrolábios das mais diversas formas e essências…). Como antropóloga, o desafio da Fernanda Costa consistiria em aprender a caminhar com a comunidade piscatória da Vila de Cascais, para perceber o devir de uma outra vida no mar: tradições, formas de organização em terra e no mar, crenças e rituais, artes do quotidiano… Sem o saber, pois só nos conheceríamos alguns anos depois, a vida unia-nos pela maresia e pela convicção de uma Museologia fluída, onde há espaço para interesses divergentes (POULOT, 2011, p. 144). Entretanto seguimos os nossos rumos. Agora também eu ando no universo local, onde investigo questões estruturantes do ponto de vista da função social dos museus, numa fase de reformulação de valores e sentidos como a que vivemos no sul da Europa. A Fernanda, por seu lado, tornou-se triplamente local, dirigindo neste momento três instituições relacionadas com o mar em Cascais (o Museu do Mar Rei D. Carlos2, o Forte de São Jorge de Oitavos3 e o Marégrafo de Cascais4). A nossa paixão pelo mar continua… mas os museus agora vivem uma época de maré baixa que, a nosso ver, só conseguirão superar com sucesso tornando-se verdadeiramente úteis para a sociedade nas suas diversas formas (ACASO E DE PASCUAL, 2014), e desenvolvendo um modelo de gestão profundamente sustentável. Em maio de 2014, propus-lhe uma conversa informal para refletirmos sobre a função social dos museus municipais neste trepidante presente que vivemos na Europa do sul, onde os museus se tornaram acrobatas da cultura. Ela aceitou. No contexto deste número temático da Expressa Extensão, e do propósito de escrever sobre “Museus e Sociedade”, a nossa ideia casava felizmente com o desafio proposto pela Revista. O Museu do Mar Rei D. Carlos seria o nosso objeto de reflexão, e Cascais o seu contexto e razão de ser. Falamos de uma Vila situada na “Costa do Sol”5, a 20 km a oeste de Lisboa, com uma história estreitamente ligada à aristocracia portuguesa e europeia, cuja força vital vem da comunidade piscatória - hoje subestimada e em forte desvitalização - e onde atualmente vivem mais de 200 mil habitantes. Um aglomerado que respira as memórias de uma intensa história de 650 anos, num contexto caracterizado pela riqueza da sua diversidade natural, que lhe valeu este ano o título de destino mais sustentável do mundo (BOLETIM MUNICIPAL DE CASCAIS, 2014, p. 3).

Como conservadora, o meu desafio principal era estabelecer um diálogo construtivo com os responsáveis do Museu para assim poder delinear planos de atuação que permitissem reanimar várias das coleções de património marítimo mais valiosas do mundo (Galeotas Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 23-42, 2014.

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estabelecem entre ambos ao longo do tempo (SANTACANA; LLONCH, 2008, p. 93), mas também para levantar questões cujas respostas cabe-nos construir a todos/as no seio de uma sociedade comprometida com o presente, no seu sentido coletivo e desde as poéticas do quotidiano local.

Os museus de tutela municipal em Portugal Figura 1: Localização de Cascais no território português. Fonte: Google Maps

No final do século XX, a evolução dos museus portugueses foi marcada por um crescimento continuado do número de instituições (NEVES; SANTOS; LIMA, 2013) e pela diversificação de tipologias museológicas (SANCHO QUEROL, 2011, p. 214) decorrente, em grande medida, da forte iniciativa e do investimento realizado pelas diversas tutelas, com particular evidência para os municípios. Este fenómeno guarda relação com o modelo de organização administrativa do país, caracterizado pela ausência de regiões6, e onde os distritos acabam por ser a principal divisão administrativa do território (18 no continente, mais duas Regiões Autónomas: Açores e Madeira). Segundo este modelo, a divisão dos distritos dá lugar aos concelhos/ municípios (308 no total), e estes, por sua vez, encontram-se divididos em freguesias (3091 na atualidade), que são as unidades territoriais de menor dimensão na estrutura nacional. Sob esta perspetiva, ao longo das últimas décadas7, tem cabido aos municípios o desempenho de um importante papel de ordem política e social do território, de onde podemos destacar a definição de políticas culturais e de planos de desenvolvimento local, em que o museu, pelo seu perfil, assume uma posição estratégica.

Figura 2 Vista panorâmica da Vila de Cascais. (Foto: Lorena Sancho Querol)

Este é o nosso contributo a essa “utopia editorial” que a Expressa Extensão representa no contexto do universo museológico aquém e além Atlântico. Sob a forma de entrevista, apresentamos uma reflexão simples, estruturada em três partes, com as quais quisemos construir uma sinfonia a varias vozes sobre os usos, os desusos e os maus usos dos museus municipais. No fundo, preocupam-nos questões comuns aos outros museus, com uma diferença que nos parece essencial referir: os museus marítimos enlaçam cultura e natura, e por isso são um híbrido museológico onde, com frequência, se encontram a ciência e a técnica, a história local, a etnografia, a história natural, as artes, a arqueologia… É por isso que estes museus constituem um cenário privilegiado para mostrar a interação entre o meio cultural e o meio natural, para dar a conhecer as relações que se Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 23-42, 2014.

Enquanto equipamentos estruturantes na definição de políticas culturais, mas também sociais e educativas, os museus encontram-se ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, atuando como entidades abertas que se relacionam com a população local, promovendo a sua participação, através de uma atuação mais ativa e direta junto do meio que os rodeia. É a busca de cumplicidades, que leva ao intercâmbio de interesses comuns, mas também de saberes e experiências submersas no tempo. Neste cenário, as funções básicas dos museus de tutela municipal, de acordo com o que está definido na Lei-quadro dos Museus Portugueses8, vão desde a investigação à divulgação, passando pela recolha, conservação e documentação do variado património (local, regional e nacional) que se encontra na sua dependência, intervindo no território onde estão inseridos e destinando a sua ação aos diferentes tipos de públicos. Para percebermos melhor a realidade da museologia municipal em Portugal, e recorrendo aos resultados obtidos no último estudo realizado nesta matéria (NEVES; SANTOS; LIMA, 2013)9, podemos referir alguns dados de interesse que nos permitem enquadrar melhor o estudo de caso escolhido para o presente artigo.

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28 - (2014) | expressa extensão Com efeito, durante a primeira década no século XXI o número de museus em Portugal cresceu aproximadamente 25%, passando de 491 (no ano 2000) para 626 (em 2009)10. Neste período, os museus dependentes da administração local11, para além de serem os mais significativos, continuaram a aumentar, crescendo de 39% em 2000 para 49% em 200912, o que, considerando apenas os museus municipais, nos coloca perante um total de 265 em 2009, frente aos 172 que existiam no ano 2000. Concorrem para essa dinâmica diversos fatores, tais como a valorização do património cultural, a requalificação urbana ou a relação com o turismo. Neste contexto, e numa primeira abordagem, podemos dizer que se trata de museus de tipologia Mista e Pluridisciplinar, de Etnografia e Antropologia, ou de Arte; que ao nível da região (com base nas NUTS 2) se encontram disseminados por todo o território, predominado a sua presença nas regiões Norte e Centro; que em relação ao ano de abertura, e tendo em conta o número de instituições que abriram as portas nas duas últimas décadas, se verifica o acentuar da juvenilidade dos museus nacionais. Num segundo olhar, agora relacionado com o funcionamento destes museus, podemos salientar os seguintes dados pelo seu interesse: em quanto à figura do/a responsável, confirma-se o aumento da formação de nível superior, mas também o incremento das responsabilidades por inerência do cargo, ao invés da especialização; em relação ao quadro de pessoal, observa-se o crescimento do número de museus com quadro de pessoal, mas também o número de pessoas que trabalhavam nestas entidades (pelo menos até o ano 2009); em relação aos recursos financeiros confirma-se a fraca existência de orçamentos próprios, o que não acontece com os recursos informáticos, onde se deram consideráveis melhorias na existência de computadores e do acesso à internet; no relativo ao acervo, consolidouse a adoção de formas de registo mais exigentes (sumário e desenvolvida) mas, apesar das melhorias verificadas na inventariação dos bens da coleção, existe ainda muito trabalho por fazer no âmbito dos registos fotográfico e informático; finalmente, em relação às atividades, aumentaram o número de museus com serviço educativo próprio, as ações dirigidas a vários tipos de públicos, e também a procura do estabelecimento de parcerias. Ainda neste contexto, e mais concretamente ao nível da organização dos museus de tutela municipal, importa referir outras duas alterações. A primeira delas consiste na crescente adoção do modelo de gestão centrado numa estrutura polinucleada, ou seja, na criação de um tipo de museu que é composto por uma sede e por diversos núcleos temáticos, disseminados pelo território (modelo introduzido e em predominância na tutela municipal). Da mesma forma, observa-se mais recentemente a criação de redes museológicas com o objetivo de desenvolver os diversos potenciais do trabalho em rede (NEVES; SANTOS; LIMA, 2013, p. 34-36). Entre os argumentos que nos ajudam a perceber estas últimas mudanças, estão questões relacionadas com a gestão do património in-situ existente no concelho, com a sua

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disponibilização pública, e também com as novas exigências do atual contexto socioeconómico, que levam à necessária racionalização dos recursos existentes. É nesse sentido que os museus na dependência das autoridades locais acabam por ser dos mais ativos e dinâmicos em Portugal (CAMACHO; NEVES, 2010, p. 30). Centrando-nos agora nos museus municipais de Cascais, podemos dizer que se trata de um dos concelhos portugueses com maior densidade museológica, mas também, que a grande maioria deles estão na dependência direta (ou indireta) da autarquia. Acrescentese igualmente que estes museus partilham os aspetos positivos e negativos do panorama anteriormente traçado. Por outro lado, constata-se uma estratégia de continuidade por parte da autarquia, na persecução de uma política cultural já evidenciada no estudo museológico realizado naquele concelho (SANTOS; NEVES, 2005; SANTOS, 2006). Esta política assenta em linhas de ação consubstanciadas, quer através da preservação e reafetação do património existente no concelho - adaptando-o a equipamentos de cariz museológico - quer através da qualificação dos museus já existentes, seja pelo melhoramento de serviços ou pela criação de novas valências, pela reprogramação museológica, pelo estudo, conservação e inventariação de coleções, e também pelo aumento de atividades educativas direcionadas a diversos tipos de públicos. A concretização desta estratégia está patente na credenciação e integração de três dos seus museus na RPM, em 2011.

À conversa com Fernanda Costa Juntando a toda esta informação algumas questões que nos permitiriam repensar o lugar do museus na nossa sociedade, no dia 16 de junho fui recebida pela Fernanda Costa na sua sala de trabalho, para falar sobre o museu onde decorre grande parte da sua vida profissional. No sótão de um edifício clássico do século XIX, onde se encontra localizado o Museu do Mar Rei D. Carlos (MMRDC) desde a sua criação em 1978, ficamos as duas à conversa, não sem antes ter alinhado alguns pensamentos relacionados com o objetivo da nossa entrevista. Com todos os nossos condicionantes, mas também com a paixão que nos une aos museus de pequena escala; conscientes do horizonte infinito que temos pela frente na nossa tarefa de levar o museu vento em popa numa sociedade em profunda reformulação, queríamos refletir sobre a situação atual da Museologia municipal em Portugal, tomando como ponto de partida um Museu comprometido com as suas gentes, formas e mundos.

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Figura 3 Fachada principal do Museu do Mar Rei D. Carlos, 2014. Coleção fotográfica MMRDC.

(Lorena Sancho Querol) Fernanda, há quanto tempo está ligada ao Museu do Mar Rei D. Carlos (MMRDC)? (Fernanda Costa) Estive ligada 18 anos até 2008 e agora desde janeiro de 2013. Nos primeiros tempos desenvolvi trabalho de investigação da etnografia marítima com a comunidade piscatória local. Fazia o levantamento das tradições orais, das tradições de pesca, a procura de doações que nos ajudassem a desenvolver o nosso papel de estudo e valorização das suas formas de vida… O Museu tem privilegiado o desenvolvimento de uma relação forte com a comunidade local desde as suas origens, para poder perceber as mudanças em curso - sobretudo desde a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia - mas também para poder conhecer este outro olhar sobre as vivências marítimas locais. Temos trabalhado as questões de variabilidade cultural, e tem sido, sobretudo, com o setor feminino.

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Figura 4 Peixeiras na Avenida de Madrid, no Monte Estoril, na década de 60s. Coleção de Etnografia Marítima, MMRDC.

Uma costa, uma história, suas gentes… e um Museu Fala-me um pouco da origem e da missão deste Museu, da sua razão de ser numa Vila como Cascais… Numa viagem fugaz pela história, posso dizer-te que este terreno e este edifício onde hoje habita o MMRDC já tiveram outras vidas muito diferentes (ANDRADE, 1964; FALCÃO, 1981; PAILLER, 2001; RAMALHO, 2003; SOUSA, 2003). Este é precisamente o tema da nossa última exposição “Memórias Vividas” (COSTA, 2014) onde expusemos à luz as vidas anteriores do Museu, para que as pessoas pudessem perceber outras caras da história local até agora menos conhecidas. A partilha destas “pequenas histórias” permitenos respirar de outra forma o espírito do lugar, permite-nos perceber melhor os processos socioculturais no espaço e no tempo. Saber que nos séculos XVIII e XIX este terreno foi parada militar dos regimentos aquartelados na Fortaleza de Cascais, que em 1879 foi construído o Sporting Clube de Cascais - edifício a partir do qual se desenvolve o atual Museu - e que se manteve ativo na sua qualidade de sociedade desportiva e recreativa da nobreza e da alta burguesia cascalense até 1974, ou que, nessa altura, e por um curto período na fase posterior à Revolução do 25 de

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32 - (2014) | expressa extensão Abril, seria ocupado por uma organização política revolucionária chamada LUAR (Liga de Unidade e Ação Revolucionária), permite-nos perceber o devir de uma história intensa. Ou seja, o Museu que hoje conhecemos só começa a delinear-se no papel a partir de 1976 - após a entrega do Clube à administração pública - e depois de tomada a decisão de atribuir-lhe uma função cultural destinada a valorizar, a um mesmo tempo, a história e a cultura locais, mas também a biodiversidade característica desta zona da costa portuguesa. Desta forma inicia-se o processo de instalação do Museu (que acontece entre 1978 e 1992), e também o grande período de investigação que permite estruturar a dimensão científica da instituição, onde a atenção iria centrar-se em quatro áreas temáticas: Arqueologia Náutica e Subaquática, Marinharia e Navegação, Etnografia Marítima e História Natural. Este tipo de museus, que surgem a partir da adaptação de um imóvel com histórias e vivências próprias, têm um caminhar diferente. Herdam espaços, funções e sentidos com os quais devem aprender a conviver no tempo. São acrobatas da história, e em cada uma das suas paredes nos permitem sentir os ecos da mudança. Por outro lado, embora sob a perspetiva da Museologia atual respondemos ao perfil de museu local - de cariz municipal e tutelado pela CMC - na realidade, pelas temáticas que trabalhamos, e que definem a nossa missão museológica, acabamos por ser um “museu glocal”. Este “glocalismo” vem dado pela abordagem de temáticas que partem do local e cruzam olhares a outras escalas: biodiversidade versus educação ambiental, cultura local versus cultura global, tradição/inovação versus sustentabilidade… mas também porque temos o privilégio, a responsabilidade e o compromisso de ajudar a construir diálogos transversais entre gentes e mundos a partir desta Vila. Olhamos para o Museu como um instrumento de compreensão ativa da população e do território, mas também como um lugar de encontro e reflexão dos pequenos e dos grandes temas da atualidade ligados ao mar.

Do discurso hegemónico ao colaborativo: o museu como processo (emancipador), meio (de desenvolvimento) e ferramenta (de gestão inclusiva da diversidade) Num período como o que estamos a viver nos países do sul da Europa, onde o fantasma do discurso hegemónico nos assola em cada esquina, e onde ao mesmo tempo vemos espalhar-se (com maior ou menor discrição) iniciativas colaborativas, de cidadania participativa, de gestão partilhada dos territórios, recursos, saberes ou experiências… Como pode o museu ajudar a construir um presente melhor? Falemos um pouco sobre o museu como processo… O museu faz sentido pela sua capacidade de alimentar o diálogo a diferentes níveis. A questão é… de que tipo de diálogo falamos? Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 23-42, 2014.

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Sabemos que, neste momento, quer pelas pegadas inevitáveis da globalização, quer por que assistimos a uma mudança de paradigma que tem na cultura uma das suas mais poderosas ferramentas de construção e exercício da democracia, o museu, na sua qualidade de gestor de conhecimento, e de laboratório de partilhas e experiências culturais, detêm um papel importante na evolução das nossas sociedades. Por isso, ao falar em diálogo, refiro-me a diálogos multidirecionais que privilegiam a intersubjetividade, diálogos que dão voz à diversidade local, diálogos que vão ao encontro das outras peças do puzzle, para com elas construir o museu no dia a dia. Este é, na minha opinião, o poder cultural do museu. Por isso, o nosso grande desafio neste momento é, no fundo, o de trabalhar com o município na sua escala micro, para poder perceber outras dimensões sociais, culturais ou patrimoniais ignoradas pelos discursos de uma museologia hegemónica. Um exemplo interessante poderia ser uma das nossas últimas exposições temporárias13. Era uma exposição fotográfica sobre histórias de vida ligadas ao mar de Cascais, onde pessoas que fizeram qualquer coisa de relevante para a sociedade local, ao longo das suas vidas, partilhavam as suas experiências. Pescadores, surfistas, banheiros da praia… pessoas que salvaram vidas, que conheceram de perto um determinado acontecimento histórico, que ensinaram a nadar a geração das minhas filhas nas praias locais, foram os/as protagonistas no Museu. Isto gerou uma série de interações muito enriquecedoras a vários níveis… Referes-te então ao museu como mediador? Sim, do (o) museu como mediador na compreensão dos processos de transformação local, na valorização da diversidade, no reforço e na construção de processos identitários que tomam como ponto de partida a pequena escala, o quotidiano local… Nesse sentido, temos vindo a desenvolver estratégias que privilegiam a comunicação entre museu e escola, museu e comunidades, museu e saber científico, museu com outros museus… o que, se tivermos em consideração o nosso caráter público, coloca-nos perante o desafio de “criar rede” na sociedade atual. No entanto, sinto ainda falta de uma rede entre museus marítimos, sobretudo a nível nacional, já que a nível internacional, desde que acolhemos o encontro do ICMM14, em 2013, temos estado a trocar ideias e a desenvolver conversas com vários museus. Na tua opinião, a que achas que se deve esta falta de rede? Acho que existe falta de dinamismo e pouca partilha de trabalho entre equipas. Considero também que ainda nos falta ir mais longe na reflexão, como estamos a fazer aqui e agora, o que não é mais do que uma consequência da falta de rede para perceber as luzes e as sombras dos nossos museus do mar no panorama cultural atual.

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Falemos do museu como processo de produção e socialização de conhecimento. Quais as forças que foram ganhando sentido com a experiência?

trabalho, sabia tudo sobre a vida no mar e a vida em terra. Quando não podiam ir para o mar trabalhavam a terra.

Esta nossa rede social é construída no dia a dia de várias formas. Eu começaria por falarte do museu como espaço de aprendizagem não formal e do trabalho regular de cooperação que desenvolvemos com a rede de escolas locais e de outros concelhos. Neste âmbito, o diálogo tem permitido criar projetos temáticos relacionados com os programas curriculares em curso para abordar questões essenciais sobre a preservação da biodiversidade, mas também projetos de educação patrimonial que permitem valorizar a cultura da comunidade piscatória local. Neles privilegiamos o diálogo entre gerações através da partilha de saberes e experiências de vida.

Com eles e elas fomos enriquecendo o nosso acervo de etnografia marítima, definindo os conteúdos do respetivo núcleo da exposição permanente, mas também fomos estabelecendo pontes com outras realidades sociais locais para dinamizar formas de transmissão que começam a ser cada vez mais fracas dentro da própria comunidade.

Estas e outras experiênciaspermitem-nos identificar erros sistemáticos de procedimento, melhorar dinâmicas de trabalho, ou detetar segmentos de não público que, por algum motivo, não vêm ao Museu. No fundo permitem-nos alargar horizontes… aprender a ser melhor museu. Foi assim que conseguimos perceber, por exemplo, que as crianças entre 1 a 5 anos não tinham expressão no nosso programa de atividades. Então decidimos desafiá-las a criar uma exposição participativa sobre biodiversidade com as suas famílias. Desta forma, durante 3 meses, filhos/as e mães/pais trabalharam incansavelmente até ter a exposição construída. A experiência tem sido fascinante a todos os níveis, ainda está em curso - estamos a construir a cenografia - e vai ser exposta na nossa sala das exposições temporárias. Estas experiências permitem-nos testar a relação entre o campo teórico e o prático, perceber o que faz realmente sentido no nosso caminhar quotidiano. Referias há pouco a educação ambiental, a tradição, a sustentabilidade… como articulas todos estes desafios e de que forma os trabalhas no vosso território de ação? É importante perceber que no museu temos o privilégio de trabalhar com fontes primárias da história em pessoa. Exemplo disso é o trabalho com a comunidade piscatória de que te falava no princípio. Eles e elas ajudam-nos a construir algumas das camadas do que hoje conhecemos como micro-história. Esta dimensão do nosso projeto é essencial, porque nos permite perceber, com pormenor, o profundo processo de mudança que se encontra em curso desde que abrimos as nossas portas, na década de 90. Ao longo dos anos, temos vindo a conhecer as origens de quem vinha viver para Cascais à procura de trabalho (Figueira da Foz, Leirosa, Murtosa, Aveiro, Algarve, Peniche, Ericeira…). Sabemos que o que os/as trouxe até aqui foi um excelente porto de abrigo, o desenvolvimento da pesca e as más condições de sobrevivência provocadas pelo defeso nos locais de origem. A comunidade piscatória de Cascais, com quem temos vindo a desenvolver

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Acho que aqui podemos falar do museu como fio condutor, pois temos feito várias experiências que permitem estabelecer novos diálogos entre as pessoas que integram esta comunidade e a comunidade escolar, o setor sénior da Vila, o setor da investigação… O objetivo é dinamizar os saberes que vemos mais ameaçados e que sabemos que constituem uma parte essencial do nosso caminhar junto do mar. Neste contexto, estamos a desenvolver trabalho com três gerações da comunidade: a de 60s para cima, a dos 40s e, muito lentamente, a dos 20s. As gerações mais jovens, como esta última, foram-se desligando do passado mais recente, tomam outros rumos… rejeitam as suas raízes. No entanto, ainda há um fenómeno com o qual se identificam: as Festas do Mar. É aqui que vamos a seu encontro… na Festa. Por outro lado, tentamos chegar aos desejos dos nossos públicos, perceber o que procuram para construir com eles os novos projetos. Isto leva-me a falar-te de outros segmentos da sociedade que também nos ajudam a construir o dia a dia. Refiro-me, por exemplo, aos militares que partilham conosco saberes especializados sobre o mar - como acontece com o Instituto Hidrográfico da Marinha -, ou ao Programa de Voluntariado da CMC, através do qual um pequeno grupo de aposentadas colabora conosco na construção de ateliês temáticos, visitas ou projetos museológicos. Este é o caso de uma antiga professora de Braille, que trabalhou muitos anos para o Ministério da Educação, e que atualmente nos está a ajudar a implementar um projeto de Museologia acessível nesta área. Eles e elas é que nos pedem para ir mais longe no conhecimento sobre a situação atual da nossa plataforma continental, sobre a proteção dos oceanos, sobre o futuro dos nossos submarinos ou sobre a fauna marinha ameaçada nesta zona da costa. Esta conversa lembra-me o trabalho de investigação que estou a desenvolver com quatro museus europeus de cariz local, em torno das novas formas de participação cultural. As ultimas reflexões levam-nos a estabelecer uma clara diferença entre as noções de público e utilizador/a15. Faz sentido esta diferença para ti? Sim, faz, claro que faz! As pessoas apropriam-se, sugerem, ajudam a construir os processos, permitem-nos perceber onde há necessidades, como enriquecer os seus conhecimentos, que caminhos são mais úteis... Esta diversidade de perfis e experiências levou-nos a abrir, há pouco tempo, duas rúbricas: “O Segredo das coisas do Mar”, onde falamos dos temas que levantam a nossa Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 23-42, 2014.

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curiosidade e cuja explicação não encontramos facilmente à mão, como por exemplo: Porque acontece a onda de algas vermelhas que invadem as nossas praias?; e “As Conversas do Mar”, um ciclo de conferências temáticas variadas, onde se pode falar, por exemplo, sobre o mundo do Sal (paisagem, transformação, tradição…) enfim, ideias que, a pouco e pouco, vão ganhando forma de palestras informais no Museu.

entre esta e o exterior, o que nos coloca perante um modelo de gestão que me parece ser mais dinâmico. A questão que temos entre mãos é precisamente a definição de novas fronteiras que permitam praticar uma Museologia social, cultural, económica e ambientalmente mais sustentável. Este desafio é estrutural e obriga-nos a repensar algumas fórmulas profundamente sedimentadas, o que no contexto da Museologia de tutela municipal não é tarefa fácil.

Tentamos não deixar pontas soltas, privilegiamos o envolvimento entre pessoas e projetos a longo prazo. Queremos dar espaço aos debates contemporâneos porque sabemos que os museus são bons para pensar, bons para estabelecer ligações, bons para questionar formas e conteúdos.

Neste contexto de mudança, não podemos nunca recuar do ponto de vista conceptual e ideológico em aspetos essenciais como a interdisciplinaridade das equipas, suas condições estáveis de trabalho ou a autonomia de projeto. A partir daqui, parece-me importante podermos continuar a contratar recursos especializados, pontualmente, como forma de enriquecer a equipa e de poder desenvolver novos projetos. Este “trazer de fora” é muito

Qual o rumo dos nossos museus? Desabafos e desafios de uma (desejada) Sustentabilidade Museológica. Como responsável de três instituições museológicas, o Museu do Mar Rei D. Carlos, o Forte de São Jorge de Oitavos e o Marégrafo de Cascais, de que forma olhas para o panorama museológico atual e para a falta de reconhecimento crescente do papel dos museus locais na nossa sociedade? Refiro-me à estratégia de subestimar o papel da direção, a um minguar constante de equipas - inversamente proporcional ao aumento de responsabilidades culturais do museu - no fundo, a uma falta de “dignidade museológica”. Bem, é importante referir que o Marégrafo é um equipamento da Direção Geral do Território (DGT) que estabeleceu um protocolo com a CMC em 2005, a fim de promover a sua manutenção e valorização histórico-museológica, e que, desde junho de 2013, se encontra afeto ao MMRDC, o que faz todo o sentido. Simultaneamente, e para colmatar a falta de recursos humanos, também damos apoio a outros dois museus da rede municipal: o Museu Farol de Santa Marta16 e o Forte S. Jorge de Oitavos, principalmente no período de férias e fins de semana. No entanto, na minha opinião o que mais nos fragiliza é o facto de terem deixado de entrar pessoas novas nos museus, em termos gerais, e nos municipais em particular, mas também o facto de vermos limitada a possibilidade de ir buscar fora conhecimento especializado, para poder dar resposta a tarefas essenciais do museu. Isso sim parece-me essencial! Por outro lado, e agora olhando para a situação como um desafio, ou seja à procura do lado positivo, acho que estas mudanças podem conduzir à reformulação da nossa forma de gerir o museu do ponto de vista humano. Falo, por exemplo, de motivar as nossas equipas para o adequado desenvolvimento dos trabalhos em curso, alterando funções, definindo novas dinâmicas de trabalho, estabelecendo grupos de várias formas e tamanhos em função dos projetos. Isto é, acho que as condições atuais, embora não sendo boas, quando bem conduzidas podem trazer novas formas de partilha dentro da própria equipa, mas também Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 23-42, 2014.

importante e permite-nos ter uma outra reflexão, uma outra produção, alimentar outras redes… Podes falar-me da equipa do Museu? Quem faz parte dela? No MMRDC somos no total 13 pessoas e damos apoio a outros equipamentos museológicos sempre que necessário. A gestão não é precisamente fácil, pois temos falta de recursos humanos a vários níveis. Por isso, todas as pessoas da equipa fazem rotativamente atendimento ao público na receção e na loja. E a investigação? Como acontece num contexto destas características? A investigação é desenvolvida por estas mesmas pessoas, num modelo de gestão em que o dia a dia envolve também um pequeno desafio a este nível. Com este objetivo, e em função dos projetos, as pessoas da equipa realizam, em simultâneo com as suas funções quotidianas, uma parte da pesquisa de algum dos projetos em curso, de forma a podermos dinamizar novas áreas e temas. Assim está a funcionar, por exemplo, o projeto de investigação sobre a nossa coleção de malacologia, que dará lugar a uma exposição a inaugurar em finais deste ano. O que acrescentarias à tua equipa? Massa crítica com formação superior na área da Biologia, do Restauro… mas também uma terceira técnica para o serviço educativo, duas pessoas com formação específica e domínio de idiomas para atendimento ao público… Que outros ingredientes sentes em falta quando projetas um museu capaz de responder as necessidades da sociedade atual? -Equipas multidisciplinares, tendo em conta o perfil e a missão -Participação e partilha de conhecimentos a vários níveis, e de várias formas -Parcerias

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38 - (2014) | expressa extensão -Orçamento que nos permita dar resposta às necessidades de manutenção dos acervos, e à investigação de forma estruturada e a longo prazo. Para terminar, e porque não podemos esquecer que nos campos da cultura e do património assistimos neste momento a um alargar de ideias, conceitos e práticas… Podes dizer-me qual dos seguintes conceitos faz sentido no vosso Museu? Museu caleidoscópico, Património expandido, Quotidiano cultural, Domínio público, Laboratório, Mapeamento coletivo, Poéticas do café da esquina… É difícil escolher! Deixa-me dizer-te que, em primeiro lugar, nos identificamos com o “quotidiano cultural”, pois não vejo outra forma de criar “sentido de comunidade” com a nossa comunidade piscatória, com a comunidade escolar, com as equipas de colaboradores/as, em fim, com todas aquelas pessoas que nos ajudam a crescer na experiência e no saber partilhado. No fundo, é a questão dos “horizontes de utopia” que, nos pequenos museus, formam parte de um caminhar consciente e atento a todas aquelas mudanças que estão em curso, e que nos permitem definir o nosso lugar e a nossa função na construção do presente… “Laboratório”… claro! Por isso falei-te da importância de fazermos experiências de vários tipos, para conhecermo-nos melhor a nós, e à sociedade da qual formamos parte. “Domínio público” para mim traz a questão da democratização do museu, o desafio de desenvolver as “clássicas” funções museológicas de forma socialmente mais alargada, com base em metodologias de programação partilhada, de exposição participativa… resultantes da escuta dos pedidos e sugestões de quem quer caminhar connosco. As pessoas procuram cada vez mais um papel ativo no museu, querem fazer parte do processo. “Mapeamento coletivo”, é algo que considero fundamental, e que utilizei no levantamento etnográfico com as mulheres da comunidade piscatória. Mas gostava de ter condições para o continuar a fazer de forma mais pormenorizada, e também noutros níveis e contextos. “Museu caleidoscópio” é o rumo que tento que as coisas levem, por isso a participação é condição indispensável na construção do nosso projeto. Finalmente, as “Poéticas do café da esquina” permitem-nos descobrir outros sentidos, criar rede… Essa poética e os seus versos são para mim a voz em off do Museu.

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Considerações finais ou… Repensar as Museologias a beira-mar Ser museu local não deveria ser sinónimo de museu com muros (físicos ou intelectuais, entre “quem está dentro” e “quem está fora”), resultado de uma estratégia de visibilização política (cosmética cultural?) ou nascido para ser a casa de uma silenciosa coleção. No entanto, nos últimos anos temos visto crescer este tipo de situações com frequência, e isso dános que pensar. Contrariar as inércias desta Museologia de fachada envolve uma certa ousadia museológica, própria de quem considera que o museu pode e deve ser uma ferramenta de mudança, no sentido inclusivo e sustentável do termo. Na verdade, se isto acontece, é porque os museus são órgãos de poder cultural, e este poder, como qualquer outro, pode ser exercido de diversas formas. Construir uma sociedade democrática envolve também o desafio de democratizar a cultura, no sentido mais lato do verbo (democratizar) e do conceito (cultura), isto é, cruzando olhares, experiências ou caminhos, respeitando o seu caráter evolutivo, mas também a sua pluralidade de formas. Esta é a causa que nos move, e também a que nos levou a colocar a palavra “relato” no título deste artigo: um relato narra uma pequena história, conta-se na primeira pessoa, contém vários tempos no seu interior, mas a voz que o narra outorga-lhe a magia de um presente subjetivo, de uma fugacidade partilhada. Este é para nos o sentido e a razão de ser da Museologia de pequena escala, a que mora na porta ao lado. Sob esta perspectiva, torna-se evidente a necessidade de reformular e pluralizar os modelos de gestão, mas também à necessidade de conquistar novos patamares de liberdade de ação que concedam a este tipo de museus uma outra margem de movimento, menos dependente das lógicas, interesses e mecanismos políticos locais. A experiência diz-nos que esta é a melhor forma de fazer caminho, de nutrir processos museológicos em que os próprios conceitos de cultura, património ou identidade são definidos a várias vozes, respeitando o seu caráter dinâmico, mantendo a negociação de sentidos culturais em aberto. Quando nos propusemos escrever este artigo, fizemo-lo pensando em valorizar uma forma de Museologia muito expressiva em Portugal, a municipal, mas também em olhar de diferentes perspetivas este modelo de gestão museológica na atualidade, para refletir sobre os seus usos. Fizemo-lo a partir de um museu cujo percurso nos é familiar, que nos traz as questões do mar (um dos grandes patrimónios de um país como Portugal), que aceitou o desafio de partilhar connosco os seus pontos de vista sobre a fase de mudança que vivemos (marcada pelas incertezas, flutuações, transformações e desequilíbrios), mas também porque, como nós, acredita que estas mudanças podem ser um estímulo para a criatividade e para a construção de novos caminhos.

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Concluímos assim que, para articular mundos, socializar conhecimentos ou ajudar a definir percursos sociais e culturais no tempo, o museu deve trabalhar desde uma perspetiva plural, flexível e comprometida com os valores que conduzem a um desenvolvimento sustentável. Concluímos, também, que queremos uma globalização desde baixo, com o olhar atento no aqui e agora, e onde a palavra museu seja capaz de acolher as pequenas histórias quotidianas com o mesmo brilho, profundidade e potência, com que até agora falou das histórias de culturas colossais (PAMUK, 2012).

SANTOS, J. A.; NEVES, J. S. Os museus municipais de Cascais:políticas culturais locais e património móvel. Série Documentos de Trabalho, n. 6. Lisboa, 2005. SANTOS, M. L. L. (coord.). O panorama museológico em Portugal [2000-2003]. Lisboa: Instituto Português dos Museus. Rede Portuguesa de Museus e Observatório das Atividades Culturais, 2005. SANTOS, M. L. L. (coord.); NEVES, J. S. Inquérito aos museus em Portugal. Lisboa: Ministério da Cultura. Instituto Português dos Museus, 2000. SOUSA, M. J. P. B. R. Cascais 1900. Lisboa: Medialivros, 2003.

Referências

Notas

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Texto recebido em 15 de outubro de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014.

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Este artigo constitui um produto científico do projeto de pós-doutoramento da primeira autora do texto. Sob o título “A Sociedade no Museu: estudo sobre participação cultural nos museus locais europeus” (SOMUS), o projeto é cofinanciado pelo Fundo Social Europeu através do Programa Operacional Potencial Humano, e por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) no âmbito da Bolsa de Pós-Doutoramento com a referência SFRH/ BPD/95214/2013. Para conhecer o Museu do Mar Rei D. Carlos entre em: http://www.cm-cascais.pt/museumar/. Para conhecer o Forte de Oitavos entre em: http://www.cm-cascais.pt/equipamento/forte-de-saojorge-de-oitavos. Para conhecer o Marégrafo de Cascais entre em: http://www.cm-cascais.pt/equipamento/ maregrafo-de-cascais. A “Costa do Sol” é a faixa costeira a oeste de Lisboa. A beleza do seu património cultural e natural, junto do seu clima agradável e de uma intensa história ainda hoje presente de diversas formas (arquitetura, gastronomia, tradições marítimas…), fazem dela um dos mais atrativos destinos turísticos da costa portuguesa. Esta zona é também conhecida, nas rotas de turismo internacionais, como a “Riviera portuguesa”. Embora a criação das regiões administrativas esteja prevista na Constituição da República Portuguesa (art.º 255), a sua instituição ainda não foi concretizada (art.º 256). A atual distribuição regional do território corresponde à Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos de nível 2 (NUTS 2) e é constituída pelas unidades: Norte, Centro, Lisboa, Alentejo, Algarve, Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (Decreto-Lei n.º 244/2002, de 5 de novembro). Este processo dá-se com maior evidência a partir de meados da década de setenta, altura em que se estabelece o sistema democrático português, iniciado com a Revolução do 25 de abril de 1974, que põe fim a um período de ditadura cujas origens remontam ao ano de 1933. A Lei-Quadro dos Museus Portugueses (Lei n.º 47/2004 de 19 de agosto) é a lei mais recente em matéria de política museológica em Portugal. Encontra-se disponível em: http://www.icomportugal.org/documentos_leg,129,164,lista.aspx. O estudo foi realizado pelo Observatório de Actividades Culturais (OAC), com o apoio do Instituto dos Museus e da Conservação IP e decorre dos anteriores estudos Inquérito aos Museus em Portugal Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 23-42, 2014.

42 - (2014) | expressa extensão (SANTOS; NEVES, 2000) e O Panorama Museológico em Portugal [2000-2003] (SANTOS; NEVES; SANTOS; NUNES, 2005). As principais fontes dos dados são o Inquérito aos Museus (IMUS) do Instituto Nacional de Estatística (INE) e a BdMuseus (base de dados do recenseamento nacional dos museus) gerida pelo então OAC. Esta foi criada em abril de 2000 através do protocolo estabelecido entre o Instituto Português de Museus, o OAC e o INE e funcionou até 2012. [10]

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Em termos práticos, convêm referir que a noção de museu aqui adotada é a da BdMuseus e tem por base um conjunto de critérios mais gerais, considerando museu “todas as entidades autodenominadas museu, em funcionamento permanente ou sazonal, com pelo menos uma sala ou espaço de exposição e com pelo menos uma pessoa ao serviço” (NEVES; SANTOS; LIMA, 2013, p. 43). No entanto, já o INE, adota uma outra noção de museu baseada na aplicação de outros 5 critérios que as instituições devem cumprir cumulativamente para serem consideradas museu. Esses 5 critérios são: ter pelo menos uma sala de exposição; ter uma abertura ao público permanente ou sazonal; ter pelo menos um conservador ou técnico superior (incluindo pessoal dirigente); ter orçamento segundo uma ótica mínima (ter conhecimento do orçamento); e ter pelo menos inventário sumário. (ibidem). Estes critérios estabelecem a base numérica das estatísticas oficiais. Recorde-se ainda que segundo o Artigo 3º da Lei Quadro um museu é:“uma instituição de caráter permanente, com ou sem personalidade jurídica, sem fins lucrativos, dotada de uma estrutura organizacional que lhe permite: a) Garantir um destino unitário a um conjunto de bens culturais e valorizá-los através da investigação, incorporação, inventário, documentação, conservação, interpretação, exposição e divulgação, com objetivos científicos, educativos e lúdicos; b) Facultar acesso regular ao público e fomentar a democratização da cultura, a promoção da pessoa e o desenvolvimento da sociedade”. Convêm referir que, no plano da Administração local, para além dos municípios existem outras entidades que também tutelam museus. É o caso das assembleias distritais, das empresas municipais e das juntas de freguesia (NEVES; SANTOS; LIMA, 2013, p. 52). Esta é uma tendência que se confirma também ao nível europeu, como comprovam os dados do EGMUS (HAGEDOM-SOUPE; ERMERT, 2004) e do E=MU2 (GREFFE; KREBS, 2010) em que os museus municipais significam cerca de metade dos casos observados. Acrescente-se que este último projeto procura investigar a relação entre os museus e os municípios de vários países europeus. O Contador de histórias e o Mar / The Storyteller and the Sea. Esta exposição esteve patente ao público de 12 abril a 11 de maio de 2014. ICMM - International Congress of Maritime Museums. Esta investigação enquadra-se no âmbito do projeto de pós-doutoramento referido na nota 1, onde as primeiras reflexões em torno da questão dos usos sociais do museu local deram lugar ao artigo “Sujeitos do património: os novos horizontes da Museologia Social em São Brás de Alportel”, atualmente no prelo. Para conhecer o Museu Farol de Santa Marta entre em: http://www.cm-cascais.pt/equipamento/ farol-museu-de-santa-marta

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Sociomuseologia. Uma reflexão sobre a relação museus e sociedade Sociomuseology. A reflection on the relation of museums and society

Maria Cecília Filgueiras Lima Gabriele

Professora Adjunta da Universidade de Brasília. Doutora em Museologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, ULHT, Lisboa. E-mail: cecilia. [email protected]

Resumo O tema aqui apresentado trata da relação entre museus e sociedade, contemplando questões teóricas e práticas relacionadas à Sociomuseologia. Contém ideias, pensamentos e reflexões que embasaram a Tese de Doutorado intitulada Musealização do Patrimônio Construído: Inclusão Social, Identidade e Cidadania. Museu Vivo da Memória Candanga, defendida na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. No cerne está o conceito da Sociomuseologia, que pensa o museu como possível agente de transformação social. Daí a importância do caminho percorrido pelo objeto que é exposto no museu, desde sua escolha, até sua comunicação. Este processo busca envolver a comunidade para que ela se reconheça participante do processo e convidada a refletir sobre temas relevantes para sua comunidade. Palavras chave: Museologia. Sociomuseologia. Transformação Social.

Abstract The theme presented here deals with the relationship between museums and society, covering theoretical issues and practices related to Sociomuseologia. It contains ideas, thoughts and reflections that supported the Doctoral Thesis entitled Musealization the Built Heritage: Social Inclusion, Identity and Citizenry. Living Museum of Memory Candanga defended in Lusophone University of Humanities and Technology. At the core is the concept of Sociomuseologia, which sees the museum as a possible agent of social transformation. That is the importance of the path traveled by the object that is exposed at the museum from its choice until your communication. This process seeks to involve the community so that it is recognized participant in the process and invited to reflect on issues relevant to their community. Keywords: Museology. Sociomuseology. Social Transformation.

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Introdução Há muito as reflexões sobre museus e sociedade acontecem em todo o mundo e vêm contribuindo e fomentando experiências, que procuram se adequar a múltiplas visões de mundo e da museologia. O caminho percorrido na formulação de propostas teóricas trazem em seu bojo o conceito considerado da Sociomuseologia, fundamental nestas discussões, e a relação que ela estabelece com o patrimônio cultural dos povos. Em 1972, na Mesa-Redonda de Santiago do Chile1, uma apresentação sobre a situação sociopolítica, econômica e técnica da América Latina , proferida pelo arquiteto e urbanista Jorge Henrique Hardoy, foi fundamental para o entendimento de que os museus poderiam ter uma participação mais ativa na comunidade, assumindo seu caráter educativo, formativo e difusor de conhecimento. Na ocasião ficou definido “um novo conceito de ação dos museus: o museu integral, destinado a proporcionar à comunidade uma visão de conjunto de seu meio material e cultural” (ICOM, 1972). 2

Neste encontro, como bem lembra Santos (1999), todos os expositores eram profissionais latinoamericanos e bem comprometidos com suas realidades sociais. As ideias de Paulo Freire, que havia sido indicado para presidir o encontro mas não pode fazê-lo, ficaram evidentes nas propostas finais. Para Santos, a construção do conceito de museu integral foi um importante marco na museologia, pois evidenciou a importância de direcionar o olhar para a realidade social, bem como buscar a conscientização da cultura e da identidade nos discursos da instituição museológica. A museóloga enxerga este momento como o ponto de inflexão da museologia contemporânea: (...) a passagem do sujeito passivo e contemplativo para o sujeito que age e transforma a realidade. Nessa perspectiva, o preservar é substituído pelo apropriar-se do patrimônio cultural, buscando a construção de uma nova prática social. (SANTOS, 1999, p. 09).

Esse jeito de ‘fazer museologia’ realçou a importância da inclusão da comunidade na dinâmica do museu, em especial por meio da interdisciplinaridade. Porém, há de se ressaltar que dois eventos anteriores já indicavam sinais da mudança de paradigma do papel dos museus na formação da sociedade e na educação. Foram eles o Seminário Regional da UNESCO3, Rio de Janeiro, 1958, abordando o papel pedagógico dos museus, e a IX Conferência Geral do ICOM, Paris e Grenoble, 1971, com o tema “O Museu a serviço do homem, atualidade e futuro – O papel educativo e cultural”. No Seminário do Rio de Janeiro focou as atividades educativas dos museus nas instâncias formais e não formais e em Paris foi apresentado um conceito inovador de museu, Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 43-53, 2014.

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o ‘neighbourhood museum’, ou museu da vizinhança, cujo objetivo de criação foi o de construir a história da comunidade, ressaltando sua identidade cultural, valorizando suas características mais relevantes, procurando orgulhar seus participantes, com a finalidade de trabalhar os problemas que estavam aflingindo a comunidade e buscar soluções para problemas sociais e urbanos4. Esta proposta continha em seu bojo uma mudança na estrutura tradicional de museu pois, na prática, assumia um papel não mais de simples coletor, mas uma postura reflexiva, junto à comunidade, reconhecendo suas contradições, seus problemas e imaginando possíveis soluções. George Henri Rivière e Hugues de Varine foram relevantes incentivadores de muitas destas iniciativas museológicas inovadoras, que foram levadas a cabo nas décadas de 1970 e 1980, e que culminaram com os chamados museus comunitários, ecomuseus e museus locais. Mas estas formas ditas “alternativas” de ações museológicas não foram bem aceitas na reunião do ICOM de 1983, em Londres. A partir de então começou uma série de reuniões que buscaram meditar, divulgar e compreender as experiências em curso. Um marco neste processo foi o I Ateliê Internacional Ecomuseus/Nova Museologia, que aconteceu no Canadá, e que resultou na Declaração de Quebec - Princípios de Base de uma Nova Museologia5. Em 1985, em Lisboa, no II Encontro Internacional/Nova Museologia/Museus Locais, foi efetivamente criado o Movimento Internacional para a Nova Museologia, MINOM, que em 1986 passou a ser reconhecido como organização afiliada do ICOM. Santos entende como princípios norteadores da chamada Nova Museologia: (...) o reconhecimento das identidades e das culturas de todos os grupos humanos; a utilização da memória coletiva como referencial básico para o entendimento e a transformação da realidade; o incentivo à apropriação e reapropriação do patrimônio, para que a identidade seja vivida na pluralidade e na ruptura; o desenvolvimento de ações museológicas, considerando como ponto de partida a prática social e não as coleções; a socialização da função de preservação; a interpretação da relação entre o homem e o seu meio-ambiente e da influência da herança cultural e natural na identidade dos indivíduos e dos grupos sociais; a ação comunicativa dos técnicos e dos grupos comunitários, objetivando o entendimento, a transformação e o desenvolvimento social. (SANTOS, 1999, p. 12)

Este processo contribuiu para que parte da comunidade museológica passasse a compreender a relação território-patrimônio-comunidade como indissociável e a participação da comunidade na interpretação de seus símbolos ‘in situ’ como fundamental para o estabelecimento de uma relação profunda entre museus e sociedade. Estas ideias colaboraram para o alargamento do conceito de patrimônio cultural e o entrosamento da museologia com os problemas sociais, econômicos e políticos das regiões. Neste contexto a museologia passou a assumir o papel de possível agente de desenvolvimento comunitário (PRIMO, 1999). Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 43-53, 2014.

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Todas estas ações e proposições tomaram por base o conceito de museu utilizado na Declaração de Santiago, bem mais comprometido com a sociedade do que o empregado oficialmente pelo ICOM, na época:

A educação sistematizada abre novas perspectivas de compreensão do mundo, as exigências se ampliam e são externadas de forma mais precisa, ao mesmo tempo que as demandas sociais tornam-se cada vez mais elaboradas e pertinentes.

(...) o museu é uma instituição a serviço da sociedade, da qual é parte integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe permitem participar na formação da consciência das comunidades que ele serve; que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades na acção, situando suas actividades em um quadro histórico que permita esclarecer os problemas atuais, isto é, ligando o passado ao presente, engajando-se nas mudanças de estrutura em curso e provocando outras mudanças no interior de suas respectivas realidades nacionais; [...] (ICOM, 1972)

Na Sociomuseologia, estas questões são componentes básicos para a construção deste modelo de museu mais comprometido com a sociedade. As ações podem ser feitas tanto com relação ao objeto em si, promovendo sua ligação com a memória, como nas ações educativas, trabalhando o patrimônio cultural com a comunidade.

Museu como agente de desenvolvimento social Dentre as várias interpretações desta aproximação encontra-se a Sociomuseologia, que dota o museu da missão de ser meio facilitador de desenvolvimento e transformação social. Toma para si esta tarefa, com base nas ciências sociais, procurando fomentar por meio de atividades pedagógicas e educacionais, práticas reflexivas sobre o patrimônio cultural. O “diálogo” entre o homem e o objeto musealizado depende da abordagem escolhida pelos profissionais do museu para intermediar a ação. Quando os museus passam da condição passiva de meros expositores e ganham as ruas, no sentido de conquistar as pessoas, ganham também vida, reciclam-se, renovam-se e podem participar ativamente da formação de cidadãos mais comprometidos com seu patrimônio. Se o grande mediador entre o homem e o objeto, no processo museológico, é a linguagem expositiva, é ela que vai determinar o que o objeto tem a “falar” de si mesmo, de sua função, de sua feitura e de sua importância. Para Guarnieri (1990), se um dos locais onde se estabelece a relação entre o homem e o seu patrimônio é o museu, este deve ter uma atitude ativa em relação à sociedade. Quando o Objeto é comunicado de forma eficaz e didática, ganha uma nova dimensão no contexto e tem seu grau de pertencimento ao ciclo do homem reativado. Por isso a instituição museológica não pode estar separada da vida e da realidade, pois reconhece como um de seus papéis fundamentais a difusão de conhecimentos, a fim de instigar a capacidade de reflexão e questionamento. Ela acredita que a difusão do conhecimento científico e tecnológico é uma forma de alcançar a independência econômica, política e cultural. Guarnieri enxerga na educação importância fundamental na independência de um país. É, de fato, a possibilidade mais segura de emancipação de uma nação. Em poucas gerações pode-se constatar a capacidade de soerguimento em bases sólidas e que tendem a melhorar com o passar dos anos. Os frutos são percebidos na melhoria de qualidade de vida da sociedade em geral e na diminuição de subempregos. Estas ações convergem também para o entendimento da cidadania, à medida que as classes mais desfavorecidas são inseridas no mercado formal de trabalho e passam a ter ciência de seus deveres e direitos garantidos por lei.

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Se a pesquisa deve alimentar as ações museológicas, a escolha do tema deve estar em sintonia com a demanda da comunidade e com a missão da instituição. Santos propõe a interação de várias áreas do conhecimento no repensar o museu. Este não pode ser visto como ciência contemplativa, mas que interage. É necessário trabalhar não com a possibilidade do conhecimento dado, mas construído e reconstruído, substituindo o sujeito passivo, que observa o que o técnico faz, para o sujeito que é parte integrante do processo. Julga necessário trabalhar com a [...]museologia como um processo no qual as ações de pesquisa, preservação e comunicação são aplicadas, tendo como referencial os objetivos e diretrizes definidos com a participação dos sujeitos envolvidos. (SANTOS, 2000, p. 110)

A comunicação é capaz de integrar e eliminar fronteiras, mas as identidades precisam ser preservadas e valorizadas, pois têm um papel transformador. Segundo Santos, é papel da educação ajudar os estudantes a construírem seus próprios quadros valorativos a partir de suas próprias culturas, e as escolas e os museus podem atuar como um sistema aberto, em permanente relação com o meio, diminuindo a distância entre a educação formal e a nãoformal. De acordo com Moutinho (2007), a Sociomuseologia, é uma área interdisciplinar, capaz de se relacionar de forma multidisciplinar com diversos campos do saber, principalmente com as ciências sociais e humanas, procurando aliar as estruturas museológicas às sociedades contemporâneas, com o objetivo de ser meio facilitador do desenvolvimento e inclusão social, com base no patrimônio cultural e natural, tangível e intangível da humanidade. Este conceito enfatiza a aproximação da museologia com os valores sociais e comunitários e a participação da comunidade em todo o processo, desde o incentivo aos movimentos ligados à memória, até a escolha dos objetos a serem musealizados e sua forma de exposição.

Estratégias e experiências A ação educativa é um fator importante na relação patrimônio cultural, museu e sociedade. E esta será mais exitosa quanto mais próximas da comunidade estiverem as estratégias e metodologias desenvolvidas para a interface da ação cultural e educativa com os visitantes e a sociedade. (SANTOS, 2000) Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 43-53, 2014.

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A museóloga Maria Célia Santos, no Museu de Arte Sacra da Bahia6, fez uma proposição de visitas guiadas onde enfatizava as características da arquitetura e dos objetos, contextualizando-os, com informações que íam além do objeto em si. Vinham à baila temas como as características econômicas, sociais e políticas em diversos períodos das coleções, mas também aspectos relevantes das relações sociais envolvidas, bem como a comparação com os correlatos dos dias atuais. A participação dos alunos foi muito expressiva.

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Na ocasião, foi feita também a montagem do Museu Didático Comunitário. O edifício doado carecia de uma grande reforma, que foi executada pelos membros da comunidade. Sob o ponto de vista do patrimônio arquitetônico, este fato valorizou as técnicas construtivas locais. Os moradores da pequenina cidade de Chordeleg fizeram as telhas, os tijolos e as esquadrias nos moldes da arquitetura vernácula, que vinha sendo substituída pelas inovações trazidas de fora. Com o processo, os moradores passaram a valorizar suas técnicas, pois perceberam que as novidades importadas prejudicavam o desempenho térmico de suas habitações e, além disso, tornavam-nas mais frágeis com relação aos frequentes abalos sísmicos (Figura 02 e Figura 03).

Santos ainda apresentou o Museu aos professores de uma grande escola do bairro, com um planejamento de adequação dos conteúdos das disciplinas às coleções do museu. Mas os alunos interferiram na programação inicial e demonstraram interesse em saber mais sobre a evolução da cidade, pois a escola está situada no Centro Histórico de Salvador. Foi então que

A comunidade voltou o olhar para a produção de objetos que a identificam e que

surgiu a ideia de uma ação educativa que partiu do museu, mas que atuou como um processo de musealização do espaço urbano, com a participação de alunos, professores e moradores. Estas práticas museológicas inovadoras trabalharam com o patrimônio global, ou seja, com o homem, o meio ambiente, o saber e o artefato, no tempo e no espaço7.

foram resgatados dentro do processo museológico. Além do crescimento da autoestima e da consciência social do grupo, houve um reconhecimento do patrimônio cultural quando se desvelaram as marcas identitárias que estavam para se perder definitivamente.

A abordagem de Santos tem grande relevância no cenário museológico brasileiro. Em seu pensamento o patrimônio deve ser visto e compreendido como algo que tem sentido para as pessoas. Acredita que o grande desafio dos museus é sair de seu contexto linear e fechado, para ampliar sua ação educativa na busca de integração com a escola e com o meio, colocar-se a serviço do capital social e cultural da sociedade. (GABRIELE, 2012)

Neste diapasão, um belo exemplo de como museus e sociedade podem ser construídos juntos é a experiência em torno dos ‘Paños de Gualaceo’8, em Chordeleg, Equador. Quando a museóloga Ione Carvalho chegou à aldeia, com uma demanda museológica, que partiu da UNESCO/Organização dos Estados Americanos, OEA, para montar uma exposição sobre a técnica, descobriu que somente oito mulheres, de cerca de 70 anos, da primitiva comunidade de pastores, sabiam a técnica de produzir a trama, tecida a partir do fio tingido, e marcado com nós, para construir os desenhos. Esta técnica, própria do lugar, estava morrendo com as mulheres. O motivo principal do desinteresse na técnica era a falta de perspectiva econômica com a venda das peças produzidas. A partir desta descoberta foi feita uma oficina para ensinar as mulheres mais novas da comunidade o saber local que estava se perdendo. Verificou-se que a anilina usada estava desbotando e descobriu-se então um senhor que sabia como as cores eram fixadas no tecido. A partir desta informação um engenheiro químico da universidade local foi acionado e descobriu como poderia fixar a tinta por meio de um processo químico mais prático, barato e eficiente. Ou seja, a memória foi trabalhada para que a técnica não se perdesse, e ao mesmo tempo pudesse servir de gerador de renda para a comunidade local (Figura 01).

Figura 01 Oficina de Ikat, técnica utilizada para tecer os Paños de Gualaceo. Chordeleg, Equador. Fonte: Arquivo Ione Carvalho

Figura 02 Museu Didático Comunitário. Chordeleg, Equador. Situação em que se encontrava a casa doada. Fonte: Arquivo Ione Carvalho

Mais que uma exposição, Ione Carvalho percebeu que lá deveria ser feito um trabalho de conscientização da cultura aliada a ações de desenvolvimento social. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 43-53, 2014.

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Considerações finais

Figura 03 Museu Didático Comunitário. Chordeleg, Equador. Situação após a restauração pelos membros da comunidade. Fonte: Arquivo Ione Carvalho

No Museu Didático Comunitário de Itapoã9, o objetivo e a missão, definidos no Plano Político Pedagógico, era o avanço em desenvolvimento social, numa escola de 1° e 2° graus, com o Curso de Magistério. Foram desenvolvidas as seguintes ações: a concepção inicial do museu, a mobilização da escola, a definição de temas e ações, a programação e execução de atividades e a concepção do novo museu. As referências trabalhadas foram: identidade, tempo, espaço e transformação. O acervo era o institucional, o universo do trabalho, da escola, do bairro, do material arquivístico e iconográfico. Como instrumentos legais, constam a Ata de Criação, o Regimento, o Estatuto e Projeto Pedagógico da Escola e os Objetivos do Museu. A gestão era compartilhada, ou seja, todos compartilhavam igualmente da autoridade e tinham responsabilidade sobre o bem comum. Os professores participavam do planejamento e da escolha do tema geral do ano seguinte. Ao longo do percurso, tudo era feito seguindo as metas estabelecidas nos planos de ação e segundo um programa de avaliação sistemática. Um dos projetos desenvolvidos pelo museu-escola foi com a Colônia de Pescadores de Itapoã. Foi feita uma apresentação do programa, realizado um primeiro diagnóstico e definida uma relação dos temas a serem desenvolvidos e dos problemas a serem trabalhados pelo grupo. A integração dos agentes com os pescadores foi muito importante e aconteceu a partir da discussão sobre o que é patrimônio, num seminário em seu ambiente de trabalho, no mar. Com a assimilação do conceito, os próprios pescadores começaram a definir o que eles consideravam como patrimônio. As atividades foram desenvolvidas a partir dos temas selecionados e avaliadas periodicamente. A ação propiciou uma integração entre a escola e a comunidade da região em torno do tema, presente na vida dos que moram no bairro.

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Considerando o conceito de Sociomuseologia, o que se pretende que esteja nos museus é uma seleção dos feitos e/ou vestígios do homem, nem sempre grandiosos para a humanidade como um todo, mas importantes para uma determinada sociedade. Este conteúdo pode ser de ordem cultural, histórica, política, científica, ou para fins de educação, lazer e pesquisa dentre os mais variados temas. É a preservação do legado e seu relacionamento com a sociedade que verdadeiramente importam. As ações escolhidas para serem apresentadas aqui tiveram um grande envolvimento com a comunidade, e surgiram a partir de uma demanda museológica. O que as torna particularmente emocionantes é que sua feitura contou com a participação das pessoas comuns, que depois se descobriram na parte interna dos museus e não mais como visitantes, mas como agentes definidores do que deveria estar ali representado. Sejam os museus grandes ou pequenos, podemos expor temas que importam à comunidade. E isso é um primeiro passo para as pessoas se perceberem dentro dos museus, com linguagens expositivas que abarquem um maior número de pessoas, de diversas faixas etárias e que se sintam contempladas por motivos que as atraiam aos locais de exposição. Os museus podem ser vistos como um lugar de aprendizado, não formal, prazeiroso e agradável, um lugar de contemplação e de fruição do saber, um lugar de encontro com os sentimentos mais profundos e necessários para o reconhecimento das nossas condições como cidadãos de um universo cheio de contradições e oportunidades.

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A Mesa-Redonda de Santiago do Chile, foi organizada pelo ICOM, a pedido da UNESCO e aconteceu entre os dias 20 a 31 de maio de 1972 em Santiago. O objetivo era pensar o papel do museu na América Latina. Tornou-se um marco na Museologia, pelas novas proposições de atuação desta disciplina na sociedade. O Seminário Regional da UNESCO sobre a Função Educativa dos Museus contou com a participação do ICOM e profissionais do Brasil. Esta ação era parte de um projeto da UNESCO para discutir o tema em várias regiões do mundo. O Seminário contou com a participação de nomes importantes no cenário museológico nacional e internacional. O modelo apresentado foi o do Museu de Anacostia, em Nova York, pelo seu Diretor John Kinard (SANTOS, 1999). Era um exemplo de como ações museológicas podem transformar a rotina de uma comunidadepor meio de ações educativas e de esclarecimento sobre temas que afetam diretamente a saúde e a autoestima do grupo social. Este documento foi traduzido por Mário Moutinhoe publicado pelas Edições Lusófonas, Cadernos de Sociomuseologia, Nº 15. Tema apresentado no Curso de Estudos Aprofundados em Museologia, no seminário proferido pela Professora Maria Célia Teixeira Moura Santos, em agosto de 2008, no Rio de Janeiro. Todos os exemplos citados neste artigo constam da Tese de Doutorado em Museologia, apresentada pela autora na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, Lisboa e disponível em: http://www.museologia-portugal.net/files/upload/doutoramentos/maria_cecilia_gabriele.pdf Esta experiência aconteceu em Chordeleg, na província de Azuay, no Equador, conduzida pela museóloga Ione Carvalhoque havia estudado com Georges-Henri Riviere. A instalação do Museu Didático Comunitário de Itapoã, MDCI, é fruto de uma ação integrada entre o Curso de Museologia e o Doutorado em Educação da Universidade Federal da Bahia, a Secretaria de Educação do Estado da Bahia-Instituto Anísio Teixeira, 1°e 2° Graus do Colégio Estadual Governador Lomanto Junior e os moradores do Bairro Itapoã de Salvador, BA. O MDCI trabalhou com o cotidiano da escola e do bairro de Itapoã, qualificado como patrimônio cultural. (Santos M. C., Museu e comunidade: uma relação necessária, 2000)

Texto recebido em 15 de outubro de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014.

Notas [1]

Candido (2008) menciona como importantes para a formação da Nova Museologia, além da Mesa-Redonda de Santiago do Chile de 1972, a Jornada de Lurs em 1966 e o Colóquio Museu e Meio-Ambiente, na França, 1972. Santos (1999), em Reflexões sobre a Nova Museologia, enxerga no Seminário Regional da UNESCO, no Rio de Janeiro, em 1958, que tinha como objetivo discutir a função dos museus como educativo, um prenuncio das mudanças posteriores.

Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 43-53, 2014.

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Potencialidades da musealização, desafios da informação: estudo de caso a partir de museus de indumentária e moda Potential of musealization, information challenges: a case study from clothing and fashion museums

Manuelina Maria Duarte Cândido

Professora Adjunta I da Universidade Federal de Goiás (UFG), do curso de Museologia. Doutora em Museologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected]

Resumo Museus ligados à indumentária e à moda no Brasil são abordados aqui como um caso específico, mas não singular, de ausências no patrimônio preservado no Brasil ou, ainda, de lacunas nas informações disponíveis para a sociedade a respeito deste patrimônio. Procuramos mostrar algumas discussões contemporâneas sobre museus e patrimônio no Brasil e os desafios para o enquadramento deste complexo universo em sistemas de informação como o Cadastro Nacional de Museus (CNM). Palavras-chave: Museus. Musealização. Informação. Moda. Cadastro Nacional de Museus.

Abstract Museums related to clothing and fashion in Brazil are discussed here as a specific case, but not unique of absences in heritage preserved in Brazil, or even gaps in the information available to company regarding this heritage. We try to show some contemporary discussions on museums and heritage in Brazil and the challenges for this complex universe be included in information systems such as the National Museums Register (CNM). Keywords: Museums. Musealization. Information. Fashion. National Museums Register.

Introdução Este texto tenta seguir o rastro dos museus ligados a indumentária e moda no Brasil, buscando compreender sua inserção e também sua invisibilidade no quadro mais geral do patrimônio, além de pontuar as interseções, sobreposições e limites das categorias como moda, roupa, indumentária, vestuário, figurino e

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outras, que contribuem para tornar este universo complexo e de difícil apreensão por sistemas de informação como o Cadastro Nacional de Museus (CNM).

com as seguintes categorias de patrimônio: Natural, Material ou tangível (móvel e imóvel), Imaterial ou intangível.

Desta forma, a partir de um estudo de caso, demonstramos a existência de ausências no patrimônio preservado no Brasil ou, ainda, de lacunas nas informações disponíveis para a sociedade a respeito deste patrimônio. A escolha aqui foi moda e indumentária, motivada pelas aproximações que temos tido com o curso de Design de Moda da Universidade Federal de Goiás e com pesquisadores da área de História da Moda e da Indumentária, mas alguns obstáculos no acesso poderiam ser extrapolados para outras tipologias.

Tais categorias, evidentemente, são tomadas aqui apenas para fins didáticos, sem olvidar a interrelação entre as diferentes vertentes do patrimônio. Da mesma forma, preferiríamos usar um conceito antropológico de cultura que compreende também a natureza como algo construído e apreendido pelo nosso sistema de valores culturais3, mas no que disser respeito

Podemos afirmar que este é um momento efervescente para o debate sobre roupas e patrimonialização no Brasil, marcado pela criação de um Museu da Moda no Rio de Janeiro e certa disputa sobre a precedência entre aqueles que desejam o título de primeiro museu da moda do país. Houve ainda a realização de um inédito curso de Museologia da Moda em abril de 2013, no Rio de Janeiro, com a presidente do Costume, Comitê do ICOM (Conselho Internacional de Museus) para Coleções e Museus de Vestuário1. Alguns outros impulsos merecem ser ressaltados, como a formação do Colegiado da Moda, órgão dentro do Ministério da Cultura, no final de 2010, e a 23ª Conferência Geral do ICOM realizada pela primeira vez no Brasil em agosto de 2013, trazendo uma importante representação do mencionado comitê para o Rio de Janeiro. Para fundamentar nossa contribuição, trazemos o artigo 216 da Constituição Brasileira, que define o que vem a ser nosso patrimônio cultural: Constituem patrimônio cultural2 brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I -  as formas de expressão; II -  os modos de criar, fazer e viver; III -  as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV -  as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V  -  os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Com base neste artigo e no capítulo sobre o meio ambiente, que infelizmente nesta Constituição, ainda é tratado sob uma perspectiva meramente biológica, podemos trabalhar

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à legislação iremos mencionar os diferentes órgãos responsáveis pelo patrimônio cultural e pelo natural. No que tange ao patrimônio cultural os principais órgãos de proteção em nível federal são o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) do qual se desdobrou, em 2009, o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), enquanto que o patrimônio natural, devido aos fatores antes mencionados, ficam na alçada dos órgãos ambientais, tais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), ligado ao Ministério do Meio Ambiente e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Em termos de marco legal podemos registrar que o Brasil possui uma refinada legislação que antecede inclusive a criação de alguns instrumentos de reconhecimento em nível internacional, como nosso tombamento federal, instituído pelo Decreto-lei no 25 de 1937 e o Decreto federal no 3.551 de 4 de agosto de 2000, que instituiu o registro de bens imateriais. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), por exemplo, somente em 1972 aprovou a Convenção de Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural que criou a lista do Patrimônio da Humanidade e, em 2003, a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Os mencionados instrumentos legais para a proteção do patrimônio cultural no Brasil criaram as figuras do tombamento e do registro, bem como os livros onde são assentados os bens por eles preservados. São quatro livros de Tombo e quatro de Registro, a saber: Livro de Tombo Arqueológico, Paisagístico e Etnográfico; Livro de Tombo Histórico; Livro de Tombo de Belas Artes; Livro de Tombo de Artes Aplicadas; Livro de Registro dos Saberes, para os conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; Livro de Registro de Celebrações, para os rituais e festas que marcam vivência coletiva; Livro de Registros das Formas de Expressão, para as manifestações artísticas em geral; Livro de Registro dos Lugares, para mercados, feiras, santuários, praças onde acontecem práticas culturais coletivas. Além da legislação já citada, sem pretender exaurir a questão, podemos mencionar mais alguns importantes instrumentos como a Lei Federal no 3924/ 1961, que protege o patrimônio arqueológico, a Portaria no 55/1990 do Ministério da Ciência e Tecnologia que regula a coleta de materiais fossilíferos sob fiscalização do DNPM e o Estatuto dos Museus

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(Lei 11.904/2009). Há ainda, em geral criadas sob inspiração das leis federais, leis estaduais e municipais de proteção, em quase todos os estados e vários dos municípios brasileiros.

de utilitários a semióforos, tal como entendido por Pomian (1984) e o museu é o lugar privilegiado para organizar e consagrar esta passagem, cuja finalidade não é a preservação ou as referências patrimoniais em si, mas o que nelas há de potência para levar a sociedade a se situar e se projetar no tempo, em uma relação passado-presente-futuro.

O que gostaríamos de ressaltar com este preâmbulo é a história de uma lacuna: onde se localizam nestes marcos legais e institucionais, espaços para indumentária e moda como patrimônio? Quando a moda é tradição, liga-se à preservação dos saberes e fazer, no campo do patrimônio intangível, e já há iniciativas de preservação, como as pesquisas de Beatriz Góis Dantas sobre a renda em Sergipe. Mas e quando se trata da produção industrial? Ou da matéria?

Os processos de musealização, que podem constituir instituições museológicas ou não, iniciam-se com um processo de seleção e atribuição de sentidos diferenciados a um conjunto de referências patrimoniais que faz parte de um universo referenciado maior, que ficará fora do processo de musealização e será nele representado por este recorte. Tal seleção faz destas referências patrimoniais ou indicadores da memória elementos que serão preservados (musealizados) a partir da aplicação de procedimentos de salvaguarda (conservação e

A indústria têxtil no Brasil poderia estar sendo abordada pelo aspecto da musealização do patrimônio industrial ou da Arqueologia Industrial, campos que não têm em nosso país, a mesma força que em países como Portugal ou Reino Unido, por exemplo.

documentação) e de comunicação (exposição e ação educativo-cultural) patrimoniais e poderão fazer parte de diferentes argumentos no diálogo com a sociedade. O museu é um instrumento de mediação e as referências patrimoniais musealizadas se rearticulam sucessivamente em diferentes discursos: museus são políticos, datados e interessados.

Entretanto, no campo dos objetos ligados à moda, podemos falar de um processo de invisibilidade (ANDRADE et al., 2013), e ferramentas de largo uso pelos profissionais do campo da Museologia como catálogos de museus e mesmo o Cadastro Nacional de Museus (CNM) e seus mecanismos de busca tendem a omitir informações sobre indumentária quando parte de acervos maiores e ecléticos, o que vem a ser grande parte da realidade das instituições em nosso país (ANDRADE, inédito).

Assim também a Museologia passa por grandes transformações e é fruto de seu tempo. Podemos realçar algumas grandes rupturas no âmbito do pensamento museológico internacional como a Declaração de Santiago (1972), que discutiu e ressaltou a função social dos museus, especialmente na América Latina, a Carta de Québec (1984) que lançou o Movimento Internacional por uma Nova Museologia (MINOM), existente até hoje, e a Declaração de Caracas (1992), que renovou os princípios da carta de Santiago reforçando a ideia de um desenvolvimento sustentável e o potencial do museu como canal de comunicação. Estes sucessivos documentos permitiram pensar e conceituar museus como processos de musealização e processos de musealização, mesmo não institucionalizados, como museus. Em sintonia com estas renovações do pensamento museológico mundial, Waldisa Rússio sintetizou o fato museal, relação entre o homem e objeto em um cenário, de forma a abarcar tanto manifestações mais tradicionais4 como as releituras do fenômeno5.

Em se tratando de um texto dirigido em grande parte a profissionais e pesquisadores de fora do campo, cabe apresentar alguns conceitos para a compreensão da Museologia e seus interesses de estudo.

Museus, Museologia, musealização A Museologia foi definida por Waldisa Rússio como parte das ciências humanas e sociais um objeto específico, o fato museal ou museológico. “O fato museológico é a relação profunda entre homem – sujeito conhecedor –, e o objeto, parte da realidade sobre a qual o homem igualmente atua e pode agir.” (RÚSSIO, 1981 apud BRUNO, 2010, p. 123). Há, portanto, um forte sentido relacional e comunicacional da Museologia, que se baseia em processos nos quais um objeto emissor (não necessariamente material, pois qualquer referência patrimonial pode ser tomada como objeto museológico) é posto em diálogo com o sujeito que o interpreta e lhe atribui significados, e esta relação ocorre em um cenário ou ambiente que não é apenas o local em que a relação se dá, mas também um conjunto de elementos que participam da construção da mensagem e interferem em sua decodificação. De acordo com Almeida (2004, p. 331), o modelo de comunicação museal proposto por Rússio se aproxima do semiótico-textual, pois além de ter duas vias, entre emissor e receptor, leva em conta o universo cultural de cada um. Ao estudar a relação dialógica da sociedade com seu patrimônio, a Museologia deve também estar atenta para desvelar as lacunas. Os objetos têm potencial para passarem Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 55-65, 2014.

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HOMEM

Relação

Figura 1 OBJETO

CENÁRIO

Fato museal e suas expressões na forma de museus e de processos de musealização.

Novo museu = território + patrimônio + população

Fonte: Manuelina Duarte

MUSEU / PROCESSO DE MUSEALIZAÇÃO

Museu tradicional = edifício + coleção + público

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O mundo dos museus e da Museologia está cada vez mais atento ao que acontece no Brasil e ao nosso potencial de renovação do campo. Nossas experiências singulares e expressivamente numerosas como museus comunitários, museus indígenas, museus de favela, pontos de memória e similares, vêm atraindo não somente eventos significativos como a Conferência Geral do ICOM, mas o foco de publicações importantes como a Revista Museum International (2012, número especial sobre o Brasil). Ao mesmo tempo, no campo da cultura em geral e da economia da cultura6, em particular, os museus são elemento importante e também ganhando destaque em publicações de referência como o recente número da revista The Economist (2013) dedicado a museus.

O Comitê Brasileiro do ICOM foi criado em 1947, nosso país este representado desde a primeira reunião do Conselho, realizada no Louvre em 1946. Hoje somos 585 membros ativos individuais e 77 membros ativos institucionais8. O país possui mais de três mil museus, com grande diversidade temática e originalidade nos modelos de implantação. O Instituto Brasileiro de Museus reconhece a existência de grandes vazios geográficos na distribuição de museus pelo país (IBRAM, 2011), mas não se refere especificamente a algumas lacunas temáticas. Pela nossa experiência de campo consideramos que malgrado a existência de alguns museus especializados em vestuário, grande parte dos acervos desta natureza estão em museus com acervos muito diversificados e que eventualmente, em uma descrição de suas coleções, mencionam algumas (mais expressivas numericamente, ou aquelas consideradas de maior importância) e omitem outras. Além desde fator de invisibilidade há questões gerais da área como algumas fragilidades institucionais e é exemplo disto o fato do cadastro Nacional de Museus ter ficado fora do ar durante meses em 2012 e 2013, impedindo as consultas online.

O Conselho Internacional de Museus, ICOM, é uma organização criada em 1946 por profissionais de museus que reúne hoje mais de 30 mil membros (museus e profissionais) em 136 países e territórios. Seus objetivos são relacionados com a conservação, a preservação e a difusão do patrimônio mundial para a sociedade. Este patrimônio é compreendido como cultural e natural, presente e futuro, material e imaterial. Seus antecedentes encontram-se no Office Internationale des Musées (OIM), criado em 1927, dentro da Sociedade das Nações, que por sua vez antecedeu a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). No mesmo ano, publicando as conferências proferidas em uma reunião realizada em Genebra, surgiu a revista Museion (Lorente, 2012, p. 36). Toda esta estrutura sofre reformulações epós a 2ª Guerra Mundial, quando é criada a ONU e, como parte dela, a UNESCO7. O fundador do ICOM foi o americano Chauncey Jerome Hamlin, inspirado pela experiência da American Association of Museums. Ele mesmo presidiu o Conselho até 1953, sendo sucedido por Georges Salles, amigo de juventude de Georges Henri Rivière, que foi o primeiro diretor do ICOM, de 1948 até 1965, quando se tornou conselheiro permanente até sua morte em 1985. Estas figuras emblemáticas deram os contornos iniciais do ICOM e suas influências no panorama internacional dos museus e da Museologia já foram largamente estudadas e publicadas (LORENTE, 2012; GORGUS, 2003; DE LA ROCHA MILLE, 2011).

Especialidades tipológicas e a invisibilidade da moda e da indumentaria nos museus brasileiros Desde a primeira Conferência Geral do ICOM, em 1948, houve a organização das discussões em comitês temáticos internacionais. Atualmente o Conselho se estrutura a partir de 114 comitês nacionais e 31 comitês internacionais temáticos, entre os quais está o Costume, Comitê para Museus e Coleções de Indumentária, criado em 1962. Outro comitê que também dialoga fortemente com a temática da moda como patrimônio é o COMCOL, Comitê para Coleções, interessado em discussões sobre teoria, prática e ética de coleta e coleções tanto de bens tangíveis como intangíveis. Entre seus temas estão também mencionados restituição de bens culturais e coleta contemporânea (COMCOL, s.d.). Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 55-65, 2014.

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O Cadastro Nacional de Museus é uma ferramenta desenvolvida e mantida online pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) a partir do preenchimento de um formulário pelas instituições. Ele funciona de certa forma como um guia online de museus brasileiros e poderá gerar publicações desta natureza a tirar pelo fato de que o Ibram mantém pesquisa sobre guias de museus publicados anteriormente no país:

Figura 2 Guias de museus publicados no Brasil.

ANO

FONTE / AUTOR

1953

TORRES, Heloisa Alberto. Museums of Brasil. Ministry or Foreign affairs. Cultural Division. Publication office. 1953. 82p.

1958

HOLLANDA, Guy de. Recursos educativos dos Museus Brasileiros. Centro Brasileiro de Pesquisa Educacionais e da Organização Nacional do ICOM (The International Council of Museums). 1958. 271p.

1972

ALMEIDA, Fernanda de Carmago e. 1939 - Guia dos Museus do Brasil: roteiros dos bens culturais brasileiros levantados em pesquisa nacional. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura. 1972, 317p.

1978

CARRAZZONI, Maria Elisa (coord.) Guia de Museus do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura. 1978. (Série Guias Culturais brasileiros; v.1)

1984

FERNADES, Neuza; SANTOS, Fausto Henrique; MOURA, Fernando Menezes de. Catálogo dos Museus do Brasil. Associação Brasileira de Museologia. 1984. 50p.

1997

ALMEIDA, Maria Christina Barbosa de (coord). Guia de Museus brasileiros. São Paulo: USP. 1997. 352p.

2000

Universidade de São Paulo. Comissão de Patrimônio. Guia de Museus Brasileiros. Universidade de São Paulo - SP: ed.da USP. Imprensa Oficial do Estado, 2000. (Uspiana - Brasil 500 anos). ISBN: 85-314-0572-6 (EDUSP). 498p.

Fonte: Ibram

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O total de museus mapeados, somados museus presenciais e virtuais é de 3.118. Tais instituições encontram como opções para se classificarem, as seguintes tipologias (podendo se classificar em mais de uma): Antropologia e Etnografia, Arqueologia, Artes Visuais, Ciências Naturais e História Natural, História, Virtual, Biblioteconômico, Documental, Arquivístico.

Como vimos, se com uma busca por palavras-chave na descrição dos acervos, e mesmo testando vários termos diferentes, muitos acervos expressivos de indumentária ficam de fora da lista, ainda mais quando o próprio Cadastro Brasileiro de Museus só atende a buscas pela denominação do museu ou localização geográfica.

No cadastro as informações são auto-declaradas e foi possível realizar até 2012, para o objetivo de mapear acervos de indumentária, buscas nos campos “Nome do museu” e “Descrição do acervo”. Infelizmente, em seu retorno, o cadastro online privilegia a pesquisa pela localização geográfica das instituições e não mais apresenta a possibilidade de busca de palavras na descrição do acervo, campo este que não é mais visível para o consulente sequer procurando os dados dos museus um a um. Assim, hoje só seria possível localizar as palavras-

Já a bibliografia indica que existem somente dois museus especializados em acervos de indumentária, o Museu do Traje e do Têxtil da Bahia e o Museu de Hábitos e Costumes da Fundação Cultural de Blumenau, e que o maior acervo desta natureza em museu de arte são as cerca de 100 peças do Museu de Arte de São Paulo (MASP), em que ocupa um papel secundário e é referida como parte das “Coleções Diversas” (BONADIO, 2012).

chave de elas fizessem parte do nome do museu, o que não representa a realidade dos museus com acervos de moda e indumentária. Uma preocupação, surgida no diálogo com especialistas da área de História da Moda é a existência de uma vasta gama de termos para se referir à indumentária, diversidade esta que pode mascarar a noção de um conjunto maior, pela fragmentação da informação. As buscas por palavras-chave no Cadastro Nacional de Museus precisou ser feita, portanto, com cada uma das seguintes entradas: Moda, Têxtil, Roupa, Vestuário, Traje, Figurino, Indumentária. Na pesquisa por estas palavras-chave apareceram as 21 instituições listadas a seguir, que pelo nosso conhecimento do campo não incluem muitos importantes acervos, possivelmente invisibilizados dentro de acervos que são descritos com realce maior para outras tipologias: Museu Histórico Nacional, Museu Nacional do Calçado, Casa da Memória do Povo de Jaguaretama, Centro de Memória Audiovisual, Espaço Cultural Contemporâneo (Brasília), Museu de Arte Dica Frazão, Museu do Têxtil e da Moda da Universidade Regional de Blumenau, Museu Henriqueta Catharino, Museu Histórico Edvino Carlos Hoelscher, Museu Histórico Helena Assumpção de Assumpção, Museu Histórico Municipal (Sete Lagoas), Museu Histórico Municipal Nice Antonieta Schüler, Museu Histórico Prof. Celso Zoega Taboas, Museu Municipal de São José dos Campos, Museu Municipal Dr. Orlando Dias Athayde, Museu Municipal Parque da Baronesa, Museu Público do Município de Descalvado, Museu Casa Costa e Silva, Museu Casa Guimarães Rosa, Museu da Fundação Evangélica, Museu Virtual da Moda. Tal lista foi complementada para apresentação no evento “Moda e Patrimônio Cultural em Perspectiva: I Seminário em História e Historiografia da Moda e Indumentária”9 com informações esparsas que nos chegaram por vias diversas, acerca da existência de acervos desta natureza também nos seguintes museus: Museu Mariano Procópio (Juiz de Fora, MG), Museu de Arte de São Paulo, Museu Hering Dois Peixinhos, Museu Imperial, Museu do Traje e do Têxtil (Salvador, BA), Museu Carmem Miranda, Museu da Moda (Canela, RS).

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Algumas considerações Muitos questionamentos surgiram destas pesquisas preliminares e uma delas diz respeito às motivações para esta invisibilidade das coleções de moda. Seria mesmo uma questão de gênero (TAYLOR, 2004, apud BONADIO, op cit). Por outro lado, notícias tanto na imprensa quanto entre os especialistas da área dão conta de que vários novos museus de moda e de indumentária estão surgindo. A temática é candente e há poucos estudos sobre o estado da arte da musealização da moda e da indumentária no Brasil (ANDRADE, inédito). Como estratégias imediatas para fortalecer a área vislumbramos a necessidade de um mapeamento tanto dos museus especializados como de acervos e objetos isolados dentro de museus não especializados (museus municipais, museus de arte, museus biográficos, entre outros). Tal mapeamento, que reputamos relevante como projeto de pesquisa e de extensão universitária, deve também incluir um levantamento da produção intelectual sobre estes museus, e resultar na organização de pelo menos um catálogo digital. Para tanto, é essencial a criação de grupos de pesquisa e trabalho interdisciplinares, que também promovam estes acervos como fontes de pesquisa para diversas áreas do conhecimento. Somente assim se justificarão os recursos já investidos na musealização de acervos que podem estar sendo subutilizados ou até se deteriorando por falta de atenção em reservas técnicas e depósitos mal organizados, mas também será possível perceber lacunas e planejar políticas de aquisição para o futuro. Um trabalho fundamental tem sido feito por Rita Morais de Andrade, que além dos textos já mencionados, dissertação de mestrado e tese de doutorado possui diversas outras publicações, entre elas uma revisão da literatura especializada na história do vestir, que apareceu em número anterior desta mesma revista (ANDRADE, 2009). Segundo a autora, A história do vestir no Brasil está ainda por ser escrita. Ao contrário dos colegas historiadores na Inglaterra, Chile, Estados Unidos, França e Itália, não temos um panorama da história da moda e da roupa brasileira, nem mesmo uma que inicie com a colonização portuguesa, período em que efetivamente as roupas e tecidos seriam encontrados aqui. (ANDRADE, 2009, p.158). Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 55-65, 2014.

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Há uma contribuição fragmentada, e mais voltada para a história da moda. As lacunas nos museus também contribuem e são ao mesmo tempo influenciadas por este panorama, salvo algumas iniciativas como a do evento organizado na Universidade de São Paulo em 2006 que gerou importante publicação (PAULA, 2006). A Revista Visualidades (da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás) tem aparecido como um locus fundamental para a discussão da questão, com presença de artigos em vários de seus números que aprofundam o tema, incluindo o mais recente, de Daniela Calanca (2013). A autora apresenta reflexões sobre o sistema da moda italiana e suas conexões com patrimônio, a partir de um centro de excelência neste ramo de pesquisa, a Universidade de Bolonha. A partir das parcerias acadêmicas estabelecidas entre esta e universidades brasileiras como a Universidade de São Paulo e a Universidade Federal de Goiás, antevemos um expressivo avanço no debate sobre musealização da indumentária e da moda, especialmente com a aproximação da Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus (ICOM) de 2016 na Itália, evento em que participarão muitos brasileiros, vários deles participantes do COSTUME, o Comitê Internacional do ICOM para Museus e Coleções de Vestuário. Este será certamente um momento estratégico para fortalecer os laços institucionais e impulsionar ações relativas à moda como patrimônio no Brasil.

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GUARNIERI, Waldisa Rússio. A interdisciplinaridade em Museologia (1981). In: BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Waldisa Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma trajetória profissional. Volume 1. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2010. INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS Museus em números. Brasília: Ibram, 2011. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. MUSEUM INTERNATIONAL: Achievements and Challenges in the Brazilian Museum Landscape. Paris: ICOM, v. 64, n. 1-4, 2012. NASCIMENTO JUNIOR, José do (org.). Economia de museus. Brasília: MinC. Ibram, 2010. PAULA, Teresa Cristina Toledo de (Org.). Tecidos no Brasil: museus e coleções. São Paulo: Museu Paulista da USP, 2006. POMIAN, Krzysztof. Coleção. In: Memória & História. Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda. 1984. (Enciclopédia Einaudi, 1)

Legislação BRASIL. Lei nº 3.924, de 26 de Julho de 1961. Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos. Diário Oficial da União (DOU). Seção 1. 28/07/1961. p. 1569. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.  BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. cnpQ. Portaria no 55/1990. Regula a coleta de materiais fossilíferos sob fiscalização do DNPM. Diário Oficial da União (DOU). Seção I, 15/03/1990, p. 5.460. BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Institui o Estatuto dos Museus e dá outras providências. Diário Oficial da União (DOU). Seção 1. p. 1 - 4. 15/01/2009. Texto recebido em 30 de outubro de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014.

Notas [1]

O ICOM se organiza em 31 comitês temáticos internacionais, nos quais os membros se inscrevem de acordo com suas afinidades.

[2]

Ver a este respeito, por exemplo, Laraia (1986).

[3]

Relação do público com a coleção em um edifício.

[4]

[5]

Relação da população que vive em um território e nele produz seu patrimônio, com tudo aquilo que forma este patrimônio (ideia de patrimônio integrado que rompe com as categorias patrimoniais apresentadas no início deste texto apenas para fins didáticos). Economia da Cultura é uma área recente e que tem como premissa perceber os bens culturais em consonância com três naturezas de valor – valor funcional, valor simbólico e valor emocional (Bonet, 2004) –, e desta forma dialoga profundamente com as discussões no âmbito do patrimônio cultural e seus usos. Dentro da Economia da Cultura um dos setores é a produção de vestuário e acessórios de moda, que tenta, assim como os museus, diversificar a atenção do campo, muitas vezes excessivamente concentrado na indústria do espetáculo e na produção audiovisual.

[6]

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

[7]

Dados fornecidos pelo ICOM-Brasil em 2013, a cuja diretoria agradeço.

[8]

Seminário organizado e realizado conjuntamente pela Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de Goiás (UFG) em junho/2013, no qual apresentamos uma versão preliminar das ideias reelaboradas para este texto.

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Integrar museus: Programa de ações museológicas da UFRB no Recôncavo da Bahia Integrating museums: Program of museological actions of UFRB in Recôncavo of Bahia

Rubens Ramos Ferreira

Museólogo graduado pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail: rubens. [email protected]

Carlos Alberto Santos Costa

Professor do Curso de Museologia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Doutor em Arqueologia pela Universidade de Coimbra, UC, Portugal. E-mail: [email protected]

Resumo Pensar em integração regional entre a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e a região do Recôncavo sem o devido conhecimento da realidade que ele abriga, seria como trabalhar em vão, sem (re)conhecimento de causa. Partindo desse principio, foi desenvolvido, no decorrer do ano de 2011 e 2012, associado a um projeto de pesquisa intitulado “Projeto de levantamento e caracterização das instituições museológicas do Recôncavo da Bahia”, o Programa Integrar Museus. Refere-se este a uma ação museológica da UFRB voltada às realidades socioculturais das instituições no Recôncavo da Bahia. Em um processo que reuniu uma proposta de identificação, de mapeamento e de caracterização qualitativa e quantitativa da realidade museológica regional, essa ação manifestase como um espaço de extensão e ampliação do diálogo entre UFRB e as instituições museológicas do Recôncavo da Bahia, contendo uma série de ações socioculturais, como visitas às instituições, eventos de promoção dos saberes museais e outras. São exemplos: o “I Encontro Integrar Museus: patrimônios virtuais”, orientado para a população da região, a disponibilização dos dados levantados, apresentados em uma plataforma digital e a projeção de um curso EAD de gestão museológica para a comunidade atingida pelo projeto. Palavras chave: Recôncavo. UFRB. Museologia. Instituições Museológicas.

Abstract Think of regional integration between the Federal University of Bahia Reconcavo and the Reconcavo region without proper knowledge of the reality that it houses would be working in vain, without due (re) knowledg of the case. Based on this principle, was developed in the course of 2011 and 2012, together with a research project entitled “Survey Design and characterization of museum institutions of Bahia Reconcavo”, the Program Integrating Museums. It refers to a museum dedicated to the action of UFRB social and cultural realities of the institutions of Bahia Reconcavo. In a process that brought together

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a proposal for identification, mapping and qualitative and quantitative characterization of the regional museum reality, this action is manifested as an extension of space and expansion of dialogue between UFRB and museum institutions of Bahia Reconcavo, with a series of actions social and cultural, such as visits to institutions and promotion of museological knowledge events. As an example, was held the “First Meeting Integrating Museums: Virtual heritage”, which was oriented to the population of the region, with a provision of the data collected, presented in a digital platform and the projection of a distance education course for museum management community affected by the project. Keywords: Recôncavo. UFRB. Museology. Museological institutions.

Introdução1 A presente proposta de atividade de extensão nasce associada a um projeto de pesquisa, intitulado “Projeto de levantamento e caracterização das instituições museológicas do Recôncavo da Bahia”. Tal associação ocorre devido à convergência de interesses que há na proposta de reconhecimento da realidade regional (pesquisa) e de integração com as comunidades museológicas do Recôncavo da Bahia (extensão). A pesquisa citada está relacionada ao “Projeto de levantamento e caracterização das instituições museológicas do Recôncavo da Bahia” (COSTA, 2011), que tem a finalidade de reconhecer, mensurar, qualificar e propor diretrizes de atuação institucional da UFRB nas realidades museológicas da referida região. Entretanto, não se pode entender, aqui, as instituições museológicas como produtos findos e acabados destes contextos, senão como centros dinâmicos de ação social (BRUNO, 2008). Neste sentido, abre-se a perspectiva e a necessidade de observação dos indivíduos neste projeto. Isto é, não enxergá-los, apenas, enquanto objeto de pesquisa, passível da fria observação do pesquisador, mas como atores sociais com intenções próprias (GOFFMAN, 1999). Esta se falando, em última análise, em convergir interesses da comunidade com interesses da UFRB. Assim, não se pode pensar em pesquisa, sobretudo em contextos sociais ativos, sem pensar metodologicamente (como encaminhamento natural da condição de investigação) na inserção dos indivíduos associados às instituições museológicas em apreço. Trata-se de aliar, pari passu, produção de conhecimento e realidade regional, sem a superposição de um conhecimento sobre o outro, mas a criação de um diálogo contínuo entre aquilo que almeja a comunidade em termos museológicos e metas a serem atingidas pela UFRB.

Desenvolvimento do projeto Entre 2011 e 2012, a equipe que compunha o projeto desenvolveu ações baseadas em quatro eixos norteadores: aproximação da realidade museológica com a UFRB; desenvolvimento de um banco de informações; criação de um ambiente virtual na página oficial da UFRB e a apresentação do trabalho ao grande público. Quando os trabalhos foram iniciados, em agosto de 2011, o objeto de estudo – o espaço museológico – partiu do conceito

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adotado no Estatuto de Museus, expresso na Lei Federal nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que pontua: Artigo 1º - Consideram-se museus, para os efeitos desta lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. Paragrafo único. Enquadrar-se-ão nesta lei as instituições e os processo museológicos voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o território visando ao desenvolvimento cultural e socioeconômico e à participação das comunidades.

Partindo da afirmação do historiador Peter Burke, em seu livro Testemunha Ocular, a análise das imagens dá acesso não ao mundo social diretamente, mas a visões contemporâneas do período e da região estudada – neste caso, o Recôncavo da Bahia. Essa afirmação evidência a necessidade dos estudos in loco, ou seja, a ida à campo em detrimento às limitações dispostas pela simples análise de dados bibliográficos (gráficos, números e fotografias). A ação de coleta de dados para o (re)conhecimento das realidades políticas, culturais e econômicas das instituições museológicas do Recôncavo baiano motivou a equipe do projeto ao desenvolvimento de um instrumento de pesquisa, um questionário de cadastramento e mapeamento, que desse conta de registrar os dados frios, técnicos, relativos às instituição em apreço, bem como dos contextos sociais dos entornos institucionais. Sabe-se que houve iniciativas por parte de órgãos e institutos voltados ao registro e coletas de dados técnicos dos museus do estado da Bahia, a exemplo do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), que lançou em 2011 a publicação Museus em Números2, apresentando gráficos divididos em oito blocos temáticos: dados institucionais; acervo; acesso ao público; características físicas do museu; segurança; atividades; recursos humanos; e orçamento. Os dados apresentados nesta publicação são extremamente relevantes para a análise técnica dos museus brasileiros. No entanto, a pesquisa apresenta lacunas. Muitos espaços museológicos (como centro de memórias, espaços expositivos) não foram identificados como “museus”, ou não se auto identificaram como tal, deixando de responder o questionário do Cadastro Nacional de Museu (CNM). Percebem-se dois pontos que se considera frágeis na metodologia aplicada: o primeiro se deve ao fato de que os museus, quando mapeados em meados de 2006, foram convidados a responder um questionário a fim de instituir um cadastro junto ao CNM. Esses questionários foram, em sua maioria, encaminhados via correspondência às instituições previamente identificadas pelos órgãos e secretarias de cultura de diversas localidades do território nacional. Ou seja, por uma questão logística, não houve uma preocupação de (re)conhecer o espaço físico das instituições, identificando a real situação socioeconômica e cultural dos museus. O segundo aspecto se manifesta na medida em Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 67-75, 2014.

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que os espaços museológicos, em pleno desenvolvimento da implantação de suas ações, possivelmente, não foram mapeados como museus. Esse desencontro metodológico resultou em números distintos sobre a realidade dos espaços museológicos, inclusive do estado da Bahia. Segundo dados levantados pelo Ibram (2011), a Bahia possui 152 museus mapeados e a maior parte está distribuída entre Salvador e Recôncavo, preservando importante acervo de obras religiosas. Salvador concentra 46,7% dos museus baianos e o Recôncavo é responsável por concentrar somente 14% dos museus do Estado. A proporção entre população e número de museus para todo o Estado, como demonstra a pesquisa, é de 92.636 habitantes por unidade museológica, uma das maiores do Nordeste. No que se refere à situação de funcionamento dos espaços museológicos do Recôncavo baiano, observa-se que 85,9% das instituições contatadas estão abertas ao público; 2,8%, em fase de implantação; e 11,3%, fechadas. As informações coletadas pelos questionários do CNM, que permitiu que a própria instituição fosse a fornecedora desses dados, resultou somente na análise por parte do órgão responsável, que organizou e sistematizou as informações prestadas.

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identificação dos espaços museológicos. Uma tarefa difícil, uma vez que os dados fornecidos pelo mapeamento do CNM, em parte, estão desatualizados. Para esses casos, contamos com o auxilio dos gestores culturais dos 38 municípios identificados como pertencentes ao Recôncavo baiano4. Levando em consideração a malha rodoviária do estado da Bahia, as visitas se iniciaram nas mediações das cidades de Cachoeira e São Felix, para então se expandir aos municípios do entorno (conforme mapa da Figura 1), aproveitando os trajetos oferecidos pelas rodovias e estradas que interligam as cidades desta região.

Figura 1 Mapa da Região Metropolitana de Salvador. Fonte: Coordenação Estadual dos Territórios (2007), SEI (2010).

Ao identificarmos essas realidades, partimos para o desenvolvimento de um instrumento de pesquisa que atendesse a carência na identificação, in loco, do atual cenário museológico do Recôncavo da Bahia. A equipe composta por professores e técnicos do Centro de Artes, Humanidades e Letras focou-se em uma ação que transcendeu as limitações técnicas e logísticas, pertinentes aos projetos de mapeamento de dados. O programa Integrar Museus parte da compreensão que não pode existir integração regional, sem a inserção e conhecimento da realidade social na qual a equipe está inserida. Com uma abordagem diferenciada, a equipe do Integrar Museus foi a campo com a intenção de “propor conversas, ouvir os visitantes, estabelecer relacionamentos e assumir riscos” (MENDES, 2011). Esse procedimento se baseia na necessidade de estabelecer laços com sua comunidade de interesse, no nosso caso, com os agentes sociais dos espaços museológicos. Percebe-se o óbvio, mas, que, no entanto, persiste em ser negligenciado. Os espaços museológicos apresentam um corpo de profissionais, com diversas motivações para estarem ali prestando serviços. A ideia de fundo não era apenas a de estabelecer contatos profissionais com os agentes sociais, mas, sim, a do estabelecimento de laços e de trocas, objetivando um melhor desempenho nas atribuições técnicas propostas pelos espaços museológicas dos 38 municípios pertencentes ao Recôncavo baiano3. Desenvolvemos nossas abordagens por etapas cíclicas. Primeiramente, identificamos os gestores, diretores e secretários de cultura de cada município, na expectativa de apresentarmos nossas propostas. O projeto foi recebido com grande receptividade. Dentre os contatados, tivemos o retorno de 80% dos e-mails enviados. Após esse contato prévio, partimos para a Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 67-75, 2014.

Nesse momento da pesquisa, paralelamente aos levantamentos de dados, a equipe do projeto pode intensificar a relação direta com os mais variados perfis socioculturais e econômicos de pessoas vinculadas a esses espaços museológicos. Partimos do pressuposto que as instituições museológicas atuam como entidades que refletem as suas comunidades ou, como melhor abordaria Tereza Scheiner (1994), vistas como fenômenos sociais. Sendo assim, estas instituições teriam, potencialmente, como atingir suas comunidades de maneira direta, fazendo com que as ações desenvolvidas duranto o Programa Integrar Museus juntos às instituições museológicas tivessem alto potencial de disseminação. Em termos estatísticos, partindo dos dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, estamos falando de uma relação, indireta, com cerca de 2.058.163 habitantes dos municípios alocados no Recôncavo baiano, além das projeções e contatos entre profissionais, pesquisadores e estudante, dos mais variados campos de conhecimento das ciências humanas, envolvidos com Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 67-75, 2014.

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a produção de conhecimentos gerados por esses polos culturais: os espaços museológicos. As atualizações dos dados cadastrais ainda estão em pleno desenvolvimento, visto que essa é uma ação contínua, decorrente do crescente interesse dos munícipes na instituição de espaços museológicos para a preservação de uma memória social e a criação de mecanismos de troca de saberes e intercâmbios culturais. Justificando nosso interesse na troca de informações e saberes pertinentes ao campo museológico junto a comunidade atingida pelo projeto, em maio de 2011, em pleno desenrolar das ações, a equipe fomentou ações visando à produção de um evento que pudesse reunir os atores sociais engajados na gestão dos espaços museológicos do Recôncavo da Bahia, assim como os visitantes e a comunidade assistida pelas ações socioeducativas propostas nesses espaços. Desse modo, foi produzido o “I Encontro Integrar Museus: patrimônios virtuais” que contou com a presença de palestrantes e pesquisadores de diversas universidades do Brasil, como a pesquisadora Monique Magaldi da Universidade de Brasília; Claudio Oliveira da Universidade Federal da Bahia; Jarbas Jácome, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; e os pesquisadores do Grupo de Trabalho Museus Virtuais GT MV da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A ideia de trazer um evento com este tema deriva da necessidade de unir as diferentes tradições culturais identificadas no Recôncavo, e fomentada pelas instituições museológicas, com a novidade dos meios digitais. A ampla divulgação do evento junto às instâncias e órgãos ligados ao campo museológico nacional (tais como os meios de comunicação ligados ao Ministério da Cultura, Instituto Brasileiro de Museus, Diretoria de Museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia e os Sistemas Estaduais de Museus) evidenciou o amplo alcance de nossas ações junto a comunidade museológica do estado da Bahia. No plano regional estima-se um alcance de 26.510 pessoas, de maneira direta e por recursos digitais (redes sociais e canais de comunicação em meios eletrônicos). Já pensado em atender as demandas de ações manifestadas no campo digital, a equipe do projeto partiu para o desenvolvimento da plataforma do Programa Integrar Museus, com base nos dados apontados nas pesquisas em campo, apresentado em um site vinculado a página institucional da UFRB (www.ufrb.edu.br/museu), conforme o organograma da Figura 2.

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Figura 2 Organograma do site do Programa Integrar Museus. Fonte: Programa Integrar Museus.

Todos os links previstos foram desenvolvidos como uma ferramenta de interatividade em tempo real, o que resulta em uma continua atualização dos dados e informações publicadas. Tendo em vista que o público alvo para o acesso a essa plataforma são gestores culturais, pesquisadores e estudantes das mais variadas áreas do conhecimento, desenvolvemos um espaço que estimule o retorno ao site após a primeira visita. Para estimular esse retorno, está programado a publicação de informações pertinentes as realidades museológicas presenciadas pelos munícipes. Pensando nessa proposta, a equipe do Integrar Museu idealizou uma estratégia inovadora, ainda não experimentada na UFRB, visando a propagação e a inserção de novos atores sociais na discussão dos saberes museológicos. Assim surge mais uma etapa do Programa de Ações Museológicas da UFRB: I Curso EAD de Gestão Museológica da UFRB. O curso objetiva oferecer a comunidade um treinamento voltado às ações de Gestão Museológica, com assessoria técnica a distância, com vídeos, textos e fórum de discussões. Por vezes a logística é apontada como um fator decisivo na concretude de atividades extensionistas. Para superar essa barreira, utilizamos o meio digital como uma ferramenta aliada a nossas ações já desenvolvidas em campo. Dividido em três módulos, o Curso EAD de Gestão Museológica irá aborda o planejamento estratégico nas instituições museais (Plano Museológico), a capitação

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de recursos para manutenção das ações apontadas no planejamento estratégico (Captação de Recursos, Editais, Projetos etc.) e a organização institucional (Gestão de Pessoas e Recursos).

[2] [3]

Considerações finais [4]

Esse projeto, ainda em pleno desenvolvimento, é fruto da ação de uma equipe multidisciplinar, formada por profissionais e estudantes oriundos da museologia, administração, história, jornalismo, entre outros campos de conhecimento. Ao longo de mais de um ano de trabalho, várias fontes foram consultadas para o levantamento das informações aqui apresentadas. São mapas, artigos, dissertações, teses, relatórios, estatísticas, guias, sites, matérias jornalísticas, vídeos e uma série de outras fontes de pesquisas. Considerando as lacunas apresentadas, principalmente no que diz respeito a instituição de relações com a sua comunidade de interesse, mais do que uma compilação de dados estatísticos, esse projeto procurou analisar os dados levantados com um olhar multidisciplinar, compreendendo as particularidades das realidades sociais, culturais e humanas que compõem o perfil singular dos 46 espaços museais com os quais tivemos o prazer de articular.

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Cadastro Nacional de Museus – Ibram/MinC. Neste aspecto, é importante esclarecer que partimos do conceito de Recôncavo utilizado pelo IBGE, que denomina esta região como Metropolitana de Salvador. Amélia Rodrigues, Aratuípe, Cabaceiras do Paraguaçu, Cachoeira, Camaçari, Candeias, Castro Alves, Catu, Conceição do Almeida, Cruz das Almas, Dias d’Ávila, Dom Macedo Costa, Governador Mangabeira, Itanagra, Itaparica, Jaguaripe, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Maragogipe, Mata de São João, Muniz Ferreira, Muritiba, Nazaré, Pojuca, Salinas da Margarida, Salvador, Santo Amaro, Santo Antônio de Jesus, São Felipe, São Félix, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Sapeaçu, Saubara, Simões Filho, Terra Nova, Varzedo e Vera Cruz.

Desse modo, acreditamos vivamente que a integração das comunidades no projeto levará a que seus resultados insiram, de fato, as comunidades no âmbito de ações da UFRB. Justamente por isto, pesquisa e extensão, aqui, são distintas em procedimentos metodológicos, mas não em interesses, de forma que foram, e ainda são, realizadas lado a lado.

Referências BRUNO, Maria Cristina Oliveira; NEVES, Kátia Regina Felipini (Orgs). Museus como agentes de mudança social e desenvolvimento: propostas e reflexões museológicas. São Cristóvão: MAX/UFS, 2008. GOFFMAN, Erving. Representações. In: A representação do Eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1999. COSTA, Carlos Alberto Santos. Projeto de levantamento e caracterização das instituições museais do Recôncavo da Bahia. Cachoeira: CAHL/UFRB, 2011. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRÁFICA E ESTATÍSTICA (IBGE): Disponível em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/ topwindow.htm. Acesso em: 28 de junho de 2011. MENDES. Luis Marcelo. Reprograme: comunicação, marca e cultura numa nova era de museus. Rio de Janeiro: S/L, 2012. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de . Identidade cultural e patrimônio arqueológico brasileiro. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 20, p. 33-37, 1984. MUSEUS EM NÚMEROS. Brasília: Ibram, 2011. SCHEINER, Tereza Cristina. Museu e contemporaneidade. Rio de Janeiro: UNIRIO/UGF, 1994. UNESCO. Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural. Paris: 1972. Texto recebido em 30 de outubro de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014

Notas [1]

Parte das atividades que abrangem este prospecto foram desenvolvidos com o apoio do Programa de Bolsas de Iniciação à Extensão (PIBEX) 2011-2012, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

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Experiências de Acessibilidade no Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo Accessibility experiences at the Museum of Porto Alegre Joaquim Felizardo

Márcia Beatriz dos Santos Bamberg

Técnica em Cultura do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo. Especialista em Patrimônio Cultural e Identidade pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA – Canoas/ RS). E-mail: [email protected]

Resumo Este trabalho objetiva relatar as experiências de acessibilidade no Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, a oficina Conhecendo Porto Alegre através dos Sentidos e a caminhada orientada Viva o Centro a Pé com audiodescrição para o público com deficiência visual. Essas atividades têm como meta ampliar e qualificar a inclusão de pessoas com deficiência junto ao público visitante do Museu e reabilitar e humanizar o Centro Histórico, propiciando aos participantes a descoberta de conhecimentos relacionados a história de Porto Alegre. A Oficina Conhecendo Porto Alegre através dos sentidos proporcionou aos participantes com deficiência visual a utilização do audioguia, textos em Braille, maquetes táteis e toque em objetos históricos e arqueológicos. O Viva o Centro a Pé é orientado por professores universitários, especialistas em história, arquitetura, arte e áreas afins, acompanhados por audiodescritor que narra a história de edificações, monumentos e espaços públicos, oportunizando a visitação interna em prédios com valor histórico. A audiodescrição é um recurso de acessibilidade que amplia o entendimento das pessoas com deficiência visual em eventos culturais, gravados ou ao vivo, por meio de informação sonora. É uma atividade de mediação linguística, uma modalidade de tradução intersemiótica, que transforma o visual em verbal. A partir de avaliação realizada em conjunto com os participantes, destaca-se a importância dessas atividades como oportunidade de conhecer a história da cidade por meio dos sentidos. Palavras chave: História. Museu. Acessibilidade.

Abstract This study aimed to report the experiences of accessibility at the Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, the workshop Conhecendo Porto Alegre Através dos Sentidos and walking oriented Viva

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o Centro a Pé with audiodescription for the visually impaired audience. These activities aim to widen and improve the inclusion of people with disabilities to the public visiting the museum and rehabilitate and humanize the History Center, providing the participants the knowledge related to the story of Porto Alegre. The workshop Conhecendo Porto Alegre Através dos sentidos provided participants with visual disabilities to use the audioguide, texts in Braille, tactile models and touch on historical and archaeological objects. The Viva o Centro a Pé is guided by university professors, experts in history, architecture and related fields, accompanied by a audiodescritor that tells the story of buildings, monuments and public spaces, providing opportunities for domestic visitation in buildings with historical value. Audiodescription is an accessibility feature that broadens the understanding of people with visual disabilities in cultural, live or recorded events through sound information. It is an activity of linguistic mediation, a form of inter-semiotic translation, which transforms the visual into verbal. From evaluation in conjunction with the participants, highlights the importance of these activities as a chance to meet the city’s history through the senses.

O Viva o Centro a Pé oportunizou aos participantes da caminhada a audiodescrição ampliando o entendimento nesse evento cultural. As pessoas com deficiência visual são guiadas por um voluntário e realizam o roteiro juntamente com o audiodescritor. A saída para a caminhada é na Praça Daltro Filho, no Centro Histórico de Porto Alegre. A partir daí, é descrito o entorno, possibilitando o toque em objetos históricos e detalhes da arquitetura de edificações e monumentos.

Key Words: History. Museum. Accessibility.

Os museus, desde a segunda metade do século XX, movem esforços para afirmar seu caráter de agente de desenvolvimento social e para superar sua ligação de origem com as elites e com o poder, através do trabalho centrado no sujeito e nas comunidades. Já as pessoas com deficiência, que até o final do século passado foram excluídas do convívio social, hoje constituem uma parcela ativa da população, a qual, na perspectiva da acessibilidade universal, vem conquistando espaços na sociedade brasileira. Portanto, a acessibilidade desenvolvida a partir dos movimentos de inclusão social é uma forma de concepção de ambientes que acolhem todos os indivíduos, independentes de suas limitações físicas e sensoriais.

Introdução A temática da acessibilidade entrou em pauta nos museus brasileiros em meados da década de 1980. Ao longo desses anos, várias iniciativas foram implantadas sob orientação de instituições ou escolas especializadas em deficiências específicas. Ao considerar os dados do Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de que 23,9% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência, e que o Estatuto do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) estabelece que: os museus caracterizar-se-ão pela acessibilidade universal dos diferentes públicos [...] (art. 35, 2009), é de fundamental importância a adequação dos museus às Normas Brasileiras de Acessibilidade e ao Estatuto dos Museus. O Museu Joaquim Felizardo, Museu Histórico da cidade de Porto Alegre, órgão da Secretaria Municipal da Cultura, Coordenação da Memória Cultural, tem como sede o Solar Lopo Gonçalves, construído entre os anos 1845 e 1850, na antiga Rua da Margem (atual Rua João Alfredo), leva em consideração essa realidade com a realização da oficina Conhecendo Porto Alegre Através dos Sentidos e a Caminhada Orientada Viva o Centro a Pé. Essas iniciativas pretendem tornar acessível o conhecimento, aproximando o público com deficiência visual do museu e, ao mesmo tempo, proporcionam ao visitante comum novas experiências de convivência e interação. Também acontece pelo deslocamento e pela ampliação do entendimento do espaço, nas configurações expandidas de museu de rua. Ocorre ainda pelas exposições e museus a céu aberto, que subvertem a lógica dos espaços contemplativos de arte e de memória, franqueando assim acesso a públicos antes excluídos. A persistência em alcançar vários públicos nos impulsionou a trabalhar com projetos culturais inclusivos, em exposições, em oficinas e caminhadas orientadas. A oficina Conhecendo Porto Alegre através dos Sentidos oferece aos participantes a utilização do audioguia com a descrição da exposição O Solar que Virou Museu & Memórias e Histórias, legendas catálogo em Braille, seleção de objetos originais ou réplicas disponíveis para o toque, e maquetes e planta tátil do edifício sede do Museu. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 77-89, 2014.

Acessibilidade em museus

Assim, os museus, independente da condição física ou comunicacional de seus frequentadores, têm de estar de acordo com a Norma Brasileira de Acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT NBR 9050 (2004), a qual diz que a acessibilidade é a possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos, que possam ser alcançados, acionados, utilizados e vivenciados por qualquer pessoa, inclusive aquelas com mobilidade reduzida (ABNT, 2004, p. 2). Conforme Amanda Tojal (2010), a acessibilidade em Museus no Brasil teve início há menos de duas décadas, tendo como foco primeiramente o acesso físico a essas instituições. Desde então, os museus passaram, paulatinamente, a preocuparem-se com a acessibilidade, fator esse que tem exigido mudanças e transformações, não somente na programação de exposições, mas principalmente em relação às mudanças conceituais na política cultural dessas instituições. A acessibilidade vai além do aspecto físico, isto é, ultrapassa a eliminação de barreiras arquitetônicas, acrescentando-se outros aspectos de caráter atitudinal, cognitivo e social. Para Tojal (2010), as barreiras sensoriais dizem respeito às questões comunicacionais, isto é, ao acesso à informação, a qual deve iniciar-se já na entrada do museu, com orientações e indicações sobre os espaços existentes. Uma exposição de caráter inclusivo deve oferecer os textos adaptados aos diferentes níveis de compreensão e leitura e, no caso de pessoas com deficiências sensoriais, adaptar os textos para escrita Braille, assim como adicionar legendas ou “janelas de Libras” inseridas na projeção de vídeos. Também deve incluir objetos e caixas Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 77-89, 2014.

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sensoriais, jogos ou equipamentos interativos. Essas opções, essenciais para alguns, serão aproveitadas por todos. As instituições museológicas devem pautar-se pelo princípio de que conviver com a diversidade é tratar todo o ser humano com dignidade, orientando suas ações para a acessibilidade. As diversas áreas e equipes de trabalho devem ter uma postura inclusiva ao desenvolver seus projetos e atividades, o que permitirá uma maior flexibilidade de projetos interdisciplinares e a otimização e dinamização de ações, favorecendo tanto os profissionais envolvidos como a própria instituição. Uma política cultural inclusiva deve ser perceptível a todos os visitantes. Para tanto, devem ser levadas em consideração as necessidades e recomendações apontadas pelo público alvo (TOJAL, 2010). Na mesma direção, Sarraf (2008) afirma que a acessibilidade em museus significa que as exposições, espaços de convivência, serviços de informação, programas de formação e todos os demais serviços básicos e especiais oferecidos por essas instituições devem estar ao alcance de todos os indivíduos, perceptíveis a todas as formas de comunicação, de maneira clara, permitindo a autonomia dos usuários. Cohen (2013) considera que a “acessibilidade plena” vai além de uma simples visão cartesiana que só leva em conta o acesso físico, não considerando a multissensorialidade que envolve a deficiência visual: o “ver e não ver”. Por essa razão, trabalhando com a função social dos espaços, entende que o planejamento deve primar pela relação dinâmica que se estabelece entre o espaço e o observador, que estará se enriquecendo a partir das constantes mudanças nos significados e a partir da essência de uma ambiência a ser compartilhada. Nesse sentido, a maneira como as informações são fornecidas aos visitantes assume uma importância fundamental. Estabelecendo-se a comunicação, favorecem-se as trocas e a transmissão de conhecimento, levando aquele lugar a cumprir sua função de forma plena.

Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo O Solar de Lopo Gonçalves Bastos, sede do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, foi construído entre os anos de 1845 e 1850, fora dos limites urbanos da cidade. Lopo Gonçalves Bastos construiu o Solar nos fundos da propriedade de seu sogro, em frente à Rua da Margem (atual Rua João Alfredo), assim denominada por margear o Arroio Dilúvio. O Solar Lopo Gonçalves é um exemplar do estilo tradicional luso-brasileiro ou colonial, com porão alto e acesso principal pela escada lateral. Possui telhado em forma de “quatro águas e beirais”. As janelas frontais apresentam quadro superior ornado com meias rosáceas. As paredes externas foram construídas em alvenaria de tijolos e as internas em estuque (barro, madeira e folhas de palmeira). Posteriormente, em sua estrutura, foram realizadas algumas modificações arquitetônicas como fechamento do pátio interno, a inclusão de um novo cômodo e a construção do torreão “(...) que tinha a função de observatório. Dali poder-se-ia visualizar o Lago Guaíba, a chácara e toda a área ao seu redor (POSSAMAI, 2001, p.71). Devido ao seu valor histórico: “O prédio foi objeto de tombamento, em 21 de dezembro de Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 77-89, 2014.

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1979, conforme o Registro de Imóveis da 2ª Zona, Livro n.º 2, 3-CG, fls. 40, n.º 81.931, de 30-11-60. O prédio encontrava-se em estado precário de conservação, uma vez que a troca de proprietários e o desinteresse em sua manutenção deixaram-lhe entregue à ação do tempo (MARTINS; FRIDMAN, 1987, p. 20-1). Em 1982, o restauro foi concluído, e o Museu de Porto Alegre (cuja sede ficava em um imóvel alugado, no mesmo bairro) foi, então, transferido para o Solar. Em 1993, o Museu passou a chamar-se Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo (MJJF), uma homenagem ao fundador da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, órgão através do qual o museu é gerido. O Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo tem como missão promover a interação da sociedade com o patrimônio cultural do Município, com ênfase na sua história e memória, através da preservação, pesquisa e comunicação dos bens culturais sob a guarda da instituição. O museu conta parte da história da cidade através de seus acervos: o acervo tridimensional (histórico e arqueológico) e o acervo de imagens (fotográfico). Nos arquivos do museu, foram encontrados relatórios e documentos referentes à adequação do prédio à legislação, então vigente, sobre acessibilidade. A partir da análise desses documentos da instituição, verificou-se que no ano de 2002 foram realizadas adaptações no aspecto físico do edifício, tais como instalação de elevador, banheiro adaptado e maquete tátil do Solar Lopo Gonçalves. No ano de 2012, elaborou-se o audioguia da exposição “O Solar que virou Museu – Memórias e Histórias” com leitura dos painéis e descrição das imagens e dos objetos históricos e arqueológicos que compõem a exposição. Além disso, o catálogo que complementa essa mostra está disponível em Braille, possibilitando a autonomia do público com deficiência visual. Também foi realizada a restauração da maquete tátil, a confecção de uma meia maquete da fachada do Solar, destacando os detalhes do prédio e a reprodução da magnólia, árvore centenária que se localiza em frente ao museu. Esses materiais, juntamente com alguns objetos históricos e arqueológicos, estão disponíveis ao toque. Destaca-se, ainda, que a instituição conta com equipe - direção, recepção, funcionários e estagiários - preparada para relacionar-se, conduzir e orientar esse público.

Conhecendo Porto Alegre através dos sentidos A oficina “Conhecendo Porto Alegre através dos sentidos” tem por objetivo central ampliar e qualificar a inclusão de pessoas com deficiência junto ao público visitante do museu. A atividade se desenvolve no Solar Lopo Gonçalves, sede do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo.

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No terceiro momento, os participantes são convidados a conhecer a exposição “Transformações Urbanas – Porto Alegre de Montaury a Loureiro”, que corresponde ao período de 1897 a 1943, sendo guiados pelos monitores que descrevem as fotos e explicam os painéis que compõem o módulo II. Nessa sala, o participante tem a oportunidade de tocar um boneco (de tamanho próximo ao natural, confeccionado em meia de nylon) que representa o Chefe dos Acendedores de Lampiões, Sr. José Lopes Andrino, e os monitores comentam sobre essa atividade e o período em que era desenvolvida. Ainda nessa sala, as pessoas com deficiência visual tocaram a parede externa (da construção original do solar) para que percebessem sua espessura. Em seguida, foram apresentados, em uma vitrina, objetos femininos e pessoais da vida privada dos porto-alegrenses mais abastados.

No pátio interno do solar, os participantes são recepcionados por funcionários que desejam boas-vindas, apresentam-se e orientam como será desenvolvida a atividade. No Espaço Senzala, os participantes tocaram a meia-maquete da fachada do Museu, percebendo as seis janelas e as rosáceas, as três janelas olho-de-boi, o telhado e a escada lateral, que leva até a porta principal do museu. Também reconhecem a maquete do Solar Lopo Gonçalves e a maquete representativa da planta baixa, única forma de apreensão espacial do público com deficiência visual do edifício do museu, patrimônio arquitetônico da cidade de Porto Alegre que está sinalizada com etiquetas em Braille. A seguir, exploram a maquete da magnólia, a árvore centenária que adorna a frente do solar.

Na próxima sala, onde estão expostos objetos, é possível tocar rádios da década de 1940, cristaleira e mesa dos intendentes de Porto Alegre. Também foram tocadas as paredes internas do solar, e as paredes externas, feitas de tijolos, cimento e madeira. Os participantes conheceram a história da enchente de 1941 e a importância das transmissões realizadas pela Rádio Farroupilha nesse período.

Figura 1 Fotografia de visitação com toque da maquete da fachada do Museu Fonte: Arquivo Pessoal da autora

No segundo momento, os visitantes com deficiência visual são guiados até a sala onde se encontra o módulo I da exposição “O Solar que virou Museu - Memórias e Histórias”, a qual conta a história desse lugar e homenageia intelectuais gaúchos que lutaram por sua preservação. A exposição também destaca a figura de Joaquim Felizardo, que dá nome ao museu. Os audioguias, contendo a leitura dos textos e a descrição do solar, de fotografias, reportagens da época, linhas de tempo e objetos arqueológicos do acervo, são entregues a cada participante, o qual é orientado a ouvir iniciando em frente ao balcão de informações e, posteriormente, seguindo as orientações do audiodescritor. Após, também é oferecido o catálogo em Braille, o qual complementa a exposição. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 77-89, 2014.

Posteriormente, os visitantes foram convidados a conhecer a sala onde fica a escada de acesso ao torreão e o auditório da instituição, com espaço para 40 pessoas, onde são realizados alguns eventos culturais. Nesse local, última etapa da oficina, os participantes são convidados a sentar em torno da mesa para tocar e identificar réplicas e objetos históricos e arqueológicos originais: cachimbo, chave do solar, cortador manual de bolacha Maria, escarradeira, máquina fotográfica e mata-borrão. Após a identificação dos objetos, realiza-se leitura descritiva das características físicas e do contexto histórico dos mesmos. Essa descrição também está disponível em Braille. No encerramento da oficina, os visitantes com deficiência visual avaliam a atividade e os recursos acessíveis utilizados. Uma das visitantes comentou que a visita foi muito emocionante, pois era a primeira vez que vinha a um museu e que não lia em Braille, mas que tocando os objetos (cachimbo, máquina fotográfica) conseguiu identificá-los. Outro participante disse que gostou e que era favorável ao audioguia e à audiodescrição. Também outra pessoa com deficiência visual destacou a importância de aprender sobre o passado.

O que é Audiodescrição (AD) Conforme Motta e Romeu (2010), a audiodescrição é um recurso de acessibilidade que amplia o entendimento das pessoas com deficiência visual em eventos culturais, gravados ou ao vivo, como peças de teatro, programas de TV, exposições, mostras, musicais, óperas, desfiles e espetáculos de dança; eventos turísticos, esportivos, pedagógicos e científicos tais como aulas, seminários, congressos, palestras, feiras e outros, por meio de informação sonora. É uma atividade de mediação linguística, uma modalidade de tradução intersemiótica, Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 77-89, 2014.

84 - (2014) | expressa extensão que transforma o visual em verbal, abrindo possibilidades maiores de acesso à cultura e à informação, contribuindo para a inclusão cultural, social e escolar. Além das pessoas com deficiência visual, a audiodescrição amplia também o entendimento de pessoas com dislexia e com deficiência intelectual. Pessoas com idade mais avançada também são beneficiadas. Para Franco e Silva (2010), a audiodescrição consiste na transformação de imagens em palavras para que informações-chave transmitidas visualmente não passem despercebidas e possam também ser acessadas por pessoas cegas ou com baixa visão. Esse recurso conta com pouco mais de trinta anos de existência, na Europa e nos Estados Unidos, e vem paulatinamente ganhando maior visibilidade e projeção também em outros locais, na medida em que o direito à informação e ao lazer da pessoa com deficiência visual é reconhecido e garantido. No Brasil, a AD foi utilizada em público pela primeira vez no ano de 2003, durante o festival temático “Assim Vivemos: Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência”, que reproduz a ideia do festival “Wie Wir Leben” (Como Nós Vivemos) de Munique, na Alemanha, e que acontece a cada dois anos. Já em 2005, foi lançado o primeiro filme em DVD audiodescrito Irmãos de Fé”, seguido de “Ensaio sobre a Cegueira” em 2008. Nesse mesmo ano, surgiu também na televisão a primeira propaganda acessível para pessoas com deficiência, promovida pela marca Natura. O Festival de Cinema de Gramado, em sua edição de 2007, e o Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, nas edições de 2006 e 2007, foram as primeiras mostras não-temáticas a exibirem filmes audiodescritos. No teatro, a peça “Andaime”, exibida em São Paulo em 2007, foi o primeiro espetáculo teatral a contar com o recurso. Já a montagem “Os Três Audíveis” foi o primeiro espetáculo de dança audiodescrito, que aconteceu em maio de 2008, em Salvador. E em maio de 2009, em Manaus, o público com deficiência visual pôde apreciar a primeira ópera audiodescrita do país, “Sansão e Dalila”. (FRANCO; SILVA, 2010). Em um outro âmbito, a audiodescrição também começou a ser promovida para um público com deficiência visual mais restrito, com as sessões mensais de filmes audiodescritos ao vivo na Associação Laramara, em São Paulo, e através do projeto do Ponto de Cultura – “Cinema em Palavras” – promovido pelo Centro Cultural Louis Braille, em Campinas. (FRANCO; SILVA, 2010). Todas essas ações foram amplamente bem recebidas. Desde a promulgação da lei 10.098 (BRASIL, 2000), regulamentada pelo Decreto 5.296 (BRASIL, 2004), alterado pelo Decreto 5.645 (BRASIL, 2005) e pelo Decreto 5.762 (BRASIL, 2006), o recurso da audiodescrição tornou-se um direito garantido pela legislação brasileira. Em novembro de 2009, o Ministério das Comunicações lançou a Portaria 985, que abriu uma nova consulta pública para propor alterações na Norma Complementar n° 1/2006. (FRANCO; SILVA, 2010). Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 77-89, 2014.

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No Brasil, a luta é para que o direito à AD “saia do papel” e que cidadãos brasileiros com deficiência visual também possam ter acesso às produções culturais exibidas em território nacional. Atualmente, mais e mais audiodescritores estão sendo treinados para suprir o mercado que, inevitavelmente, se abrirá com a devida implementação da lei de acessibilidade. (FRANCO; SILVA, 2010).

Viva o Centro a Pé Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil, constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticoculturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (art. 216, 1988).

O patrimônio cultural é de fundamental importância para a memória, a identidade e a criatividade dos povos e a riqueza das culturas. O Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo realiza o “Viva o Centro a Pé”, caminhada orientada que compõe a variada programação cultural organizada para dinamizar e gerar maior atratividade ao “Caminho dos Antiquários”, uma das inúmeras ações do “Projeto Viva o Centro”, que tem por objetivo contribuir para reabilitar e humanizar o Centro Histórico de Porto Alegre, desenvolver o comércio local e o turismo, criando uma nova opção de cultura na capital. Conforme a coordenadora desse projeto, a socióloga Liane Klein, a primeira caminhada guiada pelo Centro Histórico, batizada posteriormente, de “Viva o Centro a Pé”, ocorreu em setembro de 2006, como parte da programação organizada para comemorar um ano do Caminho dos Antiquários. Tendo duração de, aproximadamente, duas horas e orientada por professores universitários, especialistas em história, arquitetura e artes que narram a história de edificações e espaços públicos do Centro Histórico, os roteiros no Centro Histórico são diversificados, oportunizando a visitação interna de prédios com valor histórico, como a Biblioteca Pública do Estado, a Igreja das Dores, o Paço Municipal, o Museu Júlio de Castilhos, o Theatro São Pedro, a Cúria Metropolitana, o Arquivo Público do Estado, a Catedral Metropolitana, o Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, entre outros. O Bairro possui um Patrimônio Cultural expressivo, que inclui cinquenta bens tombados, exemplares dos mais diversos estilos arquitetônicos – colonial, bávaro, barroco, neogótico, neoclássico, neo-renascentista, art nouveau, art déco, eclético e modernista - muitos dos quais pertencentes ao período Positivista, marcado pela construção de edificações oficiais

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com caráter monumental. Além disso, concentra diversos espaços culturais, contabilizando dezesseis museus, nove teatros, cinco cinemas, cinco centros culturais e onze bibliotecas.

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Dito isso, convém destacar o pioneirismo, no Rio Grande do Sul, do projeto “Viva o Centro a Pé (Sábado Acessível)” com o uso de audiodescrição em passeio guiado com a finalidade de redescobrir a cidade e sua arquitetura, que em novembro de 2013, completa o primeiro ano com esse recurso.

Também são realizados vários passeios temáticos: Arte Funerária Sacra, aspectos históricos e devocionais das obras de arte que compõem o acervo dos Cemitérios da Santa Casa, Evangélico e São Miguel e Almas; arranha-céus; igrejas da área central; obras de Theo Wiederspahn, principal arquiteto em atuação na primeira metade do século passado em Porto Alegre; circuito de arte urbana; palácios; Porto Alegre de Loureiro da Silva, prefeito de Porto Alegre por dois períodos entre 1937 e 1964; caminhada literária; prédios da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Território Negro; Hipódromo Cristal - Jockey Club do Rio Grande do Sul, exemplar tombado da arquitetura modernista; Fundação Iberê Camargo, prédio projetado por Álvaro Siza, um dos cinco arquitetos contemporâneos mais importantes do mundo; esculturas públicas do Centro Histórico; monumentos e fachadas, e Trilha do Mito Fundador Gaúcho, leitura simbólica e psicológica, a partir de edificações e monumentos, vinculando crenças originadas no passado com o presente.

A ideia básica é apresentar a paisagem não apenas arquitetônica, mas todas as informações sobre os trajetos percorridos, os quais não estão contidos nas falas do professor/ guia, inclusive os detalhes mais prosaicos, como os materiais de que são feitos as calçadas e os elementos que compõem os caminhos e interiores dos prédios visitados, na busca e na tentativa de estabelecer o máximo de nexo possível entre as informações visuais e as apreendidas pelos demais sentidos das pessoas com deficiência visual. A iniciativa de incluir pessoas com deficiência visual, através do projeto em questão, vem somar-se a outros projetos e eventos, para que cada vez mais a audiodescrição – no caso dos cegos –, assim como os demais recursos de acessibilidade sejam vistos como direitos adquiridos no cenário cultural, político e educacional de Porto Alegre e do Estado.

Em 2013, o “Viva o Centro a Pé” tornou-se acessível para pessoas com deficiência visual através da audiodescrição, dando continuidade às atividades desenvolvidas pelo Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, mantendo a instituição a postura inclusiva com a qual desenvolve seus projetos. Para o jornalista, roteirista e audiodescritor Cesar Fraga, essa atividade é uma “narrativa da paisagem urbana”. A audiodescrição torna possível ao cego que a informação contida nas imagens seja transmitida por meio de texto falado, no caso, pelo audiodescritor. Essa descrição pode ser feita gravada ou ao vivo, em tempo real, como nessas caminhadas guiadas.

Para entender a importância desse recurso, é necessário imaginar a sensação de um cego caminhando no centro de Porto Alegre. Coloque uma venda nos olhos e tente guiar-se no espaço apenas com os demais sentidos. Ao escutar o motor de um carro, não saberá a marca, a cor, o modelo, se é velho ou novo. Ao escutar uma voz, não há como saber a aparência da pessoa. Já ao entrar em um prédio, principalmente em um prédio histórico, a audiodescrição permite que as informações históricas, arquitetônicas, geográficas e topográficas passem a ter forma e cores por meio de palavras. Trata-se da narração do que é visto. É a transformação do texto em sentido, em pensamento e significado, na recepção da imagem falada, processada e repensada pelo outro, fazendo o caminho inverso: por meio do que é dito da imagem, ela é imaginada, reconstruída por aquele que não a vê. Portanto, para Fraga (2013), a audiodescrição utilizada nos sábados acessíveis do projeto “Viva o Centro a Pé” nada mais é do que uma narrativa da paisagem urbana de Porto Alegre, que permite àqueles que não enxergam a íntima apropriação da cidade em que vivem e que por isso passam a conhecer melhor.

Considerações Finais

Figura 2 Fotografia da atividade “Viva o Centro a Pé” Foto: Arquivo Pessoal da autora. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 77-89, 2014.

Conforme se pôde observar no decorrer dessas atividades, o Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo é considerado adaptado em relação à acessibilidade. Com a realização da oficina “Conhecendo Porto Alegre Através dos Sentidos” e da caminhada orientada “Viva o Centro a Pé” com audiodescrição para pessoas com deficiência visual, o MJF amplia e qualifica o acesso de pessoas com deficiência, de forma a torná-lo referência em acessibilidade no Rio Grande do Sul. Destaca-se ainda a propriedade com que a questão da acessibilidade é tratada no MJF, já que a responsável por esse setor é a técnica em cultura, socióloga Márcia Beatriz Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 77-89, 2014.

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dos Santos Bamberg, pessoa com deficiência visual e participante assídua de encontros sobre acessibilidade. A atuação dessa profissional predispõe a instituição à conscientização sobre a necessidade de incluir o público com deficiência nas atividades realizadas pelo Museu. O direito de acesso a projetos culturais do Museu é garantido pela criação de políticas públicas e institucionais que possibilitam o uso dos equipamentos culturais sem barreiras físicas, sensoriais, cognitivas ou atitudinais.

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TOJAL, Amanda Fonseca et al. Caderno de acessibilidade: reflexões e experiências em museus e exposições. São Paulo: Expomus, 2010. Texto recebido em 15 de outubro de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014

A audiodescrição oferece maior acesso à informação, à cultura e ao lazer. Em países como o Brasil, por exemplo, o recurso ainda dá seus primeiros passos. É vital, portanto, que pesquisas na área sejam estimuladas e que o recurso ganhe maior visibilidade entre o público em geral. A audiodescrição começa a ganhar seguidores cada vez mais entusiasmados que estão dispostos a fazer com que ela saia do papel e ganhe os teatros, salas de cinema, museus e telas de computador e TV de todo o país. A importância dessas atividades é mostrada através da avaliação realizada em conjunto com os participantes, a qual demonstra a oportunidade de vivenciar a aprendizagem sobre a história de Porto Alegre através dos sentidos. Podemos afirmar que os museus no Brasil vivem um novo tempo, de investimentos e de visibilidade, o que nos motiva a sonhar com um futuro promissor, em que o acesso inclusivo não seja mais um programa especial e, sim, parte constituinte da missão dessas instituições.

Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050 – Norma Brasileira de Acessibilidade. 2004. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2011. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Art.216. 1988. Disponível em: Acesso em: 2 abr. 2014. BRASIL. Estatuto de Museus do Instituto Brasileiro de Museus. Art.35. 2009. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2011. COHEN, Regina. Subsídios metodológicos na construção de uma “acessibilidade plena”: a produção da identidade e da subjetividade de pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: Instituto Benjamin Constant, 2013. FRANCO, Eliana Paes Cardoso; SILVA, Manoela Cristina Correia Carvalho da. Audiodescrição: \breve passeio histórico. In: Audiodescrição: Transformando imagens em palavras. São Paulo: Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, 2010. FRIDMAN, Sonia; MARTINS, Nestor Torelly. Caderno de restauro I: Solar Lopo Gonçalves. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1987. GELMINI, Ana Carolina; TOCCHETTO, Fernanda; ZUBARAN, Maria Angélica. O solar que virou museu: memórias e histórias. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 2011. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2010. Disponível em: . Acesso em: 05 maio 2012. MOTTA, Lívia Maria Villela de Mello; FILHO, Paulo Romeu. Audiodescrição transformando imagens em palavras. São Paulo: Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, 2010. POSSAMAI, Zita Rosane. Nos bastidores do museu: patrimônio e passado da cidade de Porto Alegre. Porto Alegre: EST Edições, 2001. SARRAF, Viviane Panelli. Reabilitação do museu: políticas de inclusão cultural por meio da acessibilidade. 181 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 77-89, 2014.

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Do sal ao açúcar: as ações educativas do Museu do Doce da UFPel (Universidade Federal de Pelotas) Salt to sugar: educational actions in the Museu do Doce da UFPel

Carla Rodrigues Gastaud

Professora Adjunta do Curso de Bacharelado em Museologia da Universidade Federal de Pelotas. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email: [email protected]

Matheus Cruz

Museólogo do Museu do Doce da Universidade Federal de Pelotas. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da UFPel. Email: [email protected]

Noris Mara Pacheco Martins Leal

Professora Assistente do Curso de Bacharelado em Museologia da Universidade Federal de Pelotas. Diretora do Museu do Doce da UFPel. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da UFPel. Email:norismara@ hotmail.com

Patrícia Cristina da Cruz Sá

Acadêmica do Curso de Bacharelado em Museologia da Universidade Federal de Pelotas. Bolsista do LEPLaboratório de Educação pelo Patrimônio da UFPel. Email: patrícia-cristina-cruz@ hotmail.com

Renata Brião de Castro

Museóloga. Email renatab. [email protected]

Resumo O Museu do Doce da UFpel, criado em 2011 e aberto ao público em maio de 2013, foi organizado como um processo museológico de questionamento, com um fazer museal de fomento à inovação e à criação de novos conceitos adequados ao mundo contemporâneo. A partir deste princípio, definiu-se que o museu deve desenvolver atividades educativas e comunitárias (utilizando o doce como vetor) no sentido de reforçar a identidade da população de Pelotas e da região, mas também de entrecruzar as diversas etnias que compõem o universo da população local, assim como de discutir questões de gênero e diversas outras práticas e conceitos sociais. O programa de ação educativa começa com a divulgação da instituição, sendo assim, espera-se que a comunidade se aproprie deste bem cultural e dos seus significados. Palavras Chave: Ação Educativa. Patrimônio. Museu.

Abstract The Museu do Doce da UFPel, created in 2011 and opened to the public in May of 2013, was organized as a museum questioning process, with a museum fostering innovation and creating new concepts adequated to the contemporary world. From this principle, it was decided that the museum should develop educational and community activities (using candy as a vector) to strengthen the identity of the population of Pelotas and the region , but also intersect the various ethnic groups that make up the universe of local population , as well as discussing issues of gender and several other practices and social concepts. The educational program of action begins with the release of the institution, so it is expected that the community takes ownership of this cultural asset and their meanings. Keywords: Educational Action. Heritage. Museum.

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Introdução

Como um museu universitário, o Museu do Doce coloca-se como um instrumento norteador do saber/fazer acadêmico que tem como eixo a indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão. A implantação e a organização do Museu do Doce da Universidade Federal de Pelotas partem dos estudos realizados pela equipe de professores que organizou, a partir da metodologia do Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC, a pesquisa sobre esta tradição pelotense.

O Museu do Doce da UFPel, criado pela portaria no1.930, de 30 de dezembro de 2011, tem por missão salvaguardar os saberes e fazeres da tradição doceira de Pelotas e região, bem como, promover a pesquisa e a divulgação comunicação desse patrimônio. A criação deste Museu é uma conquista da comunidade doceira que, através de negociação realizada com a Secretaria Municipal de Cultura e com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) definiu como sua sede a Casa de número oito, situada na Praça Cel Pedro Osório, no centro histórico da cidade de Pelotas. Este Casarão, provavelmente, foi projetado e construído pelo arquiteto italiano José IzellaMerotti, em

A ideia de Pelotas como um polo de produção de doces encontra explicações históricas que, em conjunto com outros elementos, ajudam a compreender a origem dessa atividade. As boas maneiras, os hábitos e costumes cultivados no interior dos sobrados, por ocasião das diversas festividades e dos saraus acabaram por atingir uma importância fundamental na

1878, para servir como residência para a família do Conselheiro Francisco Antunes Maciel (segundo Barão de Cacequi e Conselheiro do Império). Entre os anos de 1950 e 1973, a edificação serviu como sede do Quartel General da 8ª Brigada de Infantaria Motorizada de Pelotas. Depois deste período foi ocupado por diversos órgãos públicos municipais.

sociedade pelotense. De acordo comFerreira e Cerqueira (2012) na origem, os doces finos estavam associados à cultura familiar de determinada classe social, à elite local dos finais do séc. XIX e início do séc. XX. O Doce de Pelotas, na dinâmica de transformação cultural, no processo de reelaboração de sentido, assume o significado de bem cultural com essa designação e como tal passa a ser conhecido para além das fronteiras locais (ou da cidade/do município).

Em 2006 a UFPel adquiriu o imóvel com o compromisso de organizar o local, junto com a comunidade doceira. O projeto de restauração do prédio foi financiado pelo MEC, executado pela universidade e entregue à comunidade em maio de 2013. Desde então, enquanto se desenvolvem as atividades para a organização do Museu do Doce são promovidas atividades de educação para o patrimônio: visitas guiadas e oficinas que divulgam e discutem o patrimônio edificado, o processo de restauro e significado do doce como patrimônio imaterial. A inauguração da exposição de longa duração do Museu do Doce, apresentando as origens e o desenvolvimento da produção doceira em Pelotas está prevista para o ano de 2015.

Com base em seu objeto o museu permite discutir amplas dimensões da cidade, como a circularidade de saberes entre diferentes classes sociais eas consequentes transformações nos modos de fazer, assim como a contribuição da etnia negra e de outros grupos étnicos para a dinâmica da tradição doceira em Pelotas. Assim, entre tantos outros temas, questões de gênero, de classes e de etnia permitem uma ampla análise da cidade. A proposta de um Museu do Doce pelotense é justificada pelo papel social, cultural e econômico que cumpre a tradição doceira da cidade (Pelotas se denomina a Capital Nacional do Doce). Em consonância com os princípios do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) e da Convenção de 2003 da UNESCO, buscamos traduzir num espaço museal o que o doce representa para a comunidade, inclusive com a inserçãodos atores sociais diretamente vinculados ao fazer doceiro nas atividades museais, uma condição essencial para pensar as ações educativas do museu. Desta forma, a parceria com a Associação das Doceiras de Pelotas subsidia as ações planejadas, promovendo acuidade nas práticas e permitindo aos participantes a aquisição de conhecimentos acerca de sua identidade como sujeitos de uma determinada realidade social. Figura 1 Fachada Museu do Doce - Fotografia Fabio Galli Fonte:Acervo Museu do Doce

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Para organizar um processo museológico que não seja apenas contemplação, mas que seja, também, questionamento, é preciso rever o fazer museal que deve ser de fomento da inovação e de criação de novos conceitos exigidos pelo mundo contemporâneo. O planejamento e a oferta de atividades educativas e comunitárias (utilizando o doce como vetor) atende ao propósito de reforçar a identidade da população de Pelotas e região.Mas

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também de entrecruzar as diversas etnias que compõe o universo da localidade, de discutir questões de gênero e diversas outras práticas e conceitos.

contratação de profissionais especialistas na área aos quais caberia fazer a articulação entre os serviços educativos e as escolas.

    Como fio condutor dessas atividades está a democratização do acesso aos bens culturais preservados e mantidos pelo Museu do Doce, permitindo que este patrimônio musealizado tenha maior inserção na vida social dos cidadãos, cumprindo o compromisso social de divulgar informações sobre suas coleções e facilitando o contato com a comunidade, a partir da disseminação do conhecimento produzido na instituição. 

No Seminário Regional da UNESCO sobre a função educativa dos museus, em 1958, no Rio de Janeiro foi estabelecida a necessidade de desenvolver os setores educativos nos diferentes tipos de museus a fim de ajudar a objetivar conceitos até então abstratos nos currículos escolares. Definiram-se vários tipos de exposição: ecológica, polivalente (que era geral, adaptada a um nível de visitante, mas que não poderia decepcionar quem pretendia um maior número de informações)e a especializada. Com fundamento nas propostas da UNESCO o Ministério da Educação e Cultura, no Brasil, criou uma comissão para fazer um levantamento da situação dos museus nacionais, estudar os serviços educativos e organizá-los.

A ideia central das ações educativas - e do museu - é, através da patrimonialização do saber-fazer doceiro, dinamizar a economia de traços solidários, agir na recuperação e positivação das identidades locais e fomentar a inclusão de diferentes segmentos sociais no processo de musealização de um bem cultural que transita no interior dessa sociedade. Com as ações de educação para o patrimônio cumprimos com um dos mais importantes objetivos do INRC que é a comunicação do conhecimento produzido sobre o saber e o fazer doceiro da região. Os museus - em nossos dias em que informações ágeis e rápidas chegam às pessoas a cada segundo - para atraírem o interesse devem se adaptar, como vem acontecendoatravés dos séculos, tanto nas histórias que contam como na forma como as contam. Por esta razão, os museus são reconhecidos, afirma Chagas: “[...] por sua aptidão para a adaptação aos condicionamentos históricos e sociais e por sua vocação para a mediação cultural. Eles resultam de gestos criadores que unem o simbólico e o material, o sensível e o inteligível.” (2008, p.59) É papel dos museus criar oportunidades de ampliar o conhecimento, de rever conceitos, de modificar procedimentos de trabalho e principalmente de estimular o questionamento critico, criativo e a produção de conhecimento. Menezes escreveu que os museus devem comprometer-se com a formação crítica, e reiterou: Pode haver educação que não tenha como eixo a formação critica? Estou seguro de que não. A capacidade critica é, precisamente, a capacidade de separar, distinguir, circunscrever, levantar diferenças e avaliá-las, situar e articular os inúmeros fenômenos que se entrelaçam na complexidade da vida de todos os dias e nas transformações mais profundas do tempo rápido ou lento. (MENEZES, 2000) 

O desafio atual de todo o museu é sair de um modo linear de pensar a relação escola/ museu, para ampliar a dimensão da ação educativa dos museus, na busca, como diz Santos (2002), de vencer as nossas dificuldades em operar as partes e a totalidade. A UNESCO desempenhou um papel relevante na relação museu-escola. Na década de 1950 aconteceram diversos seminários com destaque para a ação educativa dos museus: em New York – 1952, em Atenas – 1954, no Rio de Janeiro – 1958, onde foi proposta a Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 91-105, 2014.

Os museus naquele período estavam preocupados com a coleta de acervos; as exposições tendiam claramente a uma abordagem factual, com conteúdo dogmático sem contextualização e, finalmente, sem o exercício da critica. Esta tendência assemelha-se ao ensino feito nas escolas onde o currículo era imposto, a história ensinada de forma linear e a memorização era valorizada.No período compreendido entre 1969 e 2000, num espaço de tempo de quase trinta anos muitas modificações ocorreram no cenário dos museus. Considerando que o fazer museológico é o resultado das relações humanas em cada momento histórico, em relação com as demais práticas sociais globais, podemos afirmar que a museologia é resultado de um mundo em transformação. A contemporaneidade tem sido marcada por processos sociais ricos, no sentido de reconhecer a diversidade e o respeito à diferença e, sobretudo, por um forte apelo para que exerçamos a nossa cidadania, com a consciência de que podemos ser sujeitos da história. (SANTOS, 2000, p.104)

Numa realidade dominada pelas novas tecnologias de informação que provocaram mudanças nas formas de fazer política e no surgimento de novos movimentos e sujeitos sociais afirmando e reafirmando as novas identidades sociais e culturais, a ciência perde o seu caráter absoluto acentua-se a linguagem, a troca, e o dialogo nas formas de se relacionar e comunicar. Entre as idéias que dominam o panorama científico e cultural da sociedade nesse início do século XXI e que estão presente em discussão em todas as áreas do conhecimento estão a relativização do poder da ciência, que dá a um caráter instável de todo o conhecimento e reconhece os sujeitos em geral como produtores de conhecimento, o que deixa de ser privilégio de especialistas. Da mesma forma deixa-se de acreditar em uma cultura dominante, pois todas as expressões culturais possuem o mesmo valor. Por isto os sujeitos devem resistir às formas de personificação e dominação cultural e há uma busca pela integração de saberes. A partir destas idéias perde força a concepção de que há uma natureza humana universal, pelo contrário, os sujeitos são construídos socialmente, formando sua identidade, são construtores da sua vida pessoal, tem um papel transformador. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 91-105, 2014.

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Neste processo os educadores devem contribuir para que os estudantes construam seus próprios quadros valorativos, a partir do contexto das suas culturas, já que não há valores universais e sim valores a serem cultivados pelo grupo, espaço para diversidade, tolerância, liberdade, criatividade, emoções e intuição. A escola e o museu devem se portar como um sistema aberto, em permanente relação com o meio, diminuindo a distância entre a educação formal e não-formal.

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existindo ainda a exposição de longa duração a preocupação foi promover o acesso ao bem cultural que é a própria casa, sua história, suas características arquitetônicas próprias de um período, a inserção da forma de vida de seus moradores nos costumes e na organização da sociedade urbana e rural da época

O usufruto do bem patrimonial e a criação cultural, decorrentes da relação direta com o patrimônio tem qualidades de inserção cultural e social que são desejáveis. O contato com o patrimônio cultural promove, além de um momento de reflexão sobre o passado e o presente de uma sociedade, a experiência de desvendar e sentir os significados dos bens culturais, promovendo a apropriação desses bens pelo sujeito que passa por essa experiência. Essa apropriação é desejável no sentido de que o patrimônio passa a receber um valor identitário, isto é, quem se apropria o percebe como parte de sua própria vida e história.  As ações educativas que tem por objetivo central e foco o patrimônio apresentam a qualidade adicional de, ao reconhecer o patrimônio, reconhecer um passado e produzir identificação com ele. É por meio dessas ações que os museus estabelecem uma relação profícua de diálogo com as comunidades e reafirmam sua vocação para a inclusão social. O contato imediato da população com o elenco de bens culturais surge da necessidade de reafirmar sua identidade e de trazer à baila referências de um passado por vezes desconhecido. O desenvolvimento de um trabalho educacional - centrado no patrimônio cultural e com forte apelo ao senso crítico por parte dos museus - é fundamental e possibilita aos diferentes públicos a devida apropriação de seus bens culturais. Muitas vezes, os museus mantém processos excludentes no tocante a apropriação e preservação do patrimônio com práticas pouco abrangentes, pouco inclusivas, com forte ênfase na manutenção dos referenciais culturais de determinados segmentos sociais. Mas também, o Museu é um espaço privilegiado para a educação para que ações sejam desenvolvidas a partir de uma relação direta com o patrimônio, isto é, uma experiência em primeira mão com o objeto patrimonial. Para exercer o seu papel de excelência, no espaço do ensino não-formal, os museus precisam definir o seu papel de agentes educativos, fortalecendo o diálogo com as escolas, estabelecendo relação direta com os conteúdos trabalhados pelos professores em sala de aula, sem lançar mão, exclusivamente, dos métodos e procedimentos pedagógicos concernentes ao universo escolar.  Museus e escolas são espaços sociais complementares, que possuem linguagens e propostas pedagógicas próprias, indispensáveis à formação dos cidadãos.

Figura 2 Abertura do Museu - 17 de maio de 2013 Fotografia Fabio Galli Fonte:Acervo Museu do Doce

A abertura para visitação pública, entre os meses de maio e outubro de 2013, ocorreu em datas especificas – FENADOCE, Dia do Patrimônio - atendendo ao calendário cultural da cidade, pois como diz Santos (2001), as ações museológicas não são processadas somente a partir dos objetos, das coleções, mas tendo como referencial o patrimônio global na dinâmica da vida. Essas visitas foram monitoras por acadêmicos dos cursos de Museologia, Conservação e Restauro, História, Antropologia e Artes Visuais, preparados para a atividade através de um curso de formação ministrado por alunos e ex-alunos do Programa de Pós Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural, professores e técnicos administrativos da UFPel, cada um deles especialista em temas que dizem respeito à casa em diversos aspectos: a história da edificação, a arquitetura e seus usos, a arqueologia e as sociabilidades do período, assim como sobre a forma de implantação do Museu do Doce e sua estrutura.

O Programa de Ações Educativa do Museu do Doceteve início partir da sua inauguração no dia 17 de maio de 2013. O momento inicial deste programa consistiu na organização de visitas guiadas ao prédio que é o primeiro objeto do acervo do Museu do Doce. Mesmo não Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 91-105, 2014.

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Figura 3 Figura 5

Curso de Formação Estudo de Estuques - Fotografia Fabio Galli

Visita mediada para ciclistas - Fotografia Noris Leal

Fonte:Acervo Museu do Doce

Fonte:Acervo Museu do Doce

A partir de outubro de 2013 a instituição passou a funcionar de segunda a sexta feira, e manteve a abertura aos finais de semana em datas pré-definidas. As visitas monitoradas ganharam força, o atendimento a escolas das redes da cidade se ampliou atingindo os objetivos desta atividade que é o de divulgação do patrimônio cultural da cidade.

Essas visitas mediadas possuem o intuito de divulgar primeiramente o museu, e, também, de possibilitar à população em geral que conheça e se aproprie deste importante patrimônio arquitetônico, valorizando-o como um bemhistórico e cultural e tenha a possibilidade de conhecer o importante trabalho de restauro ali desenvolvido. Ainda em fase de organização do Museu do Doce, as ações educativas continuam a ser desenvolvidas e incrementadas no sentido de reforçar a identidade da população de Pelotas e região, bem como de promover a democratização e o acesso ao bem cultural primeiro, preservado e mantido pelo Museu do Doce que é a sua sede.

Figura 6 Figura 4

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Visita mediada para ciclistas - Fotografia Heron Moreira

Visita de Escola de Ensino Fundamental - Fotografia Rafael Chaves

Fonte:Acervo Museu do Doce

Fonte:Acervo Museu do Doce Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 91-105, 2014.

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Os jogos Jogo 1 – Quebra-cabeça da Praça - para a execução do quebra-cabeça, foram fotografadas as casas da Praça Coronel Pedro Osório de números, 2, 6, 8, a Prefeitura Municipal, da Biblioteca Pública, o Grande Hotel e o antigo Banco do Brasil. As imagens foram editadas e enviadas para a impressão em quebra-cabeça de 35 peças, no tamanho 21x29 cm, em papelão grosso com acabamento fotográfico de alto brilho. O quebra cabeça é voltado para crianças que ainda não dominam a leitura e tem como objetivo mostrar alguns dos bens culturais do município. Diariamente, muitas crianças passam na frente dos prédios históricos e não os reconhecem como patrimônio. Esse jogo

Figura 7 Visita da Escola Tiradentes - Analise da Arquitetura Fotografia Rafael Chaves

busca informar o jogador de que esses locais são parte da historia da cidade.

Fonte:Acervo Museu do Doce

O segundo momento do programa de ação educativa do museu acontece em associação com o Laboratório de Educação para o Patrimônio, o LEP, do Bacharelado em Museologia da UFPel, e nela foi desenvolvida uma série de jogos para crianças e adultos, a fim de propiciar uma aproximação agradável, lúdica e pedagógica com alguns bens culturais da cidade de Pelotas a partir do Museu do Doce. Entre múltiplas possibilidades de ação educativa optou-se por criar jogos que propiciassem uma aproximação do jogador com o bem cultural, pensando com Zorzal e Kirner que escrevem que O jogo permite que o usuário estabeleça oportunidades de encontrar soluções e interagir com outros usuários, permitindo então o processo de atividades colaborativas e ampliando as estratégias coletivas de uma maneira estimulante e lúdica (ZORZAL e KIRNER, 2005, p.01).

Figura 8 Quebra cabeça Fonte: Acervo do LEP, 2014.

Ainda de acordo com Dohnme o jogo pode ser um condutor de um determinado conteúdo, ou seja, jogo é um facilitador da aprendizagem(DOHME. 2008, p. 14). É valido afirmar que o jogo educativo com foco no patrimônio cultural pode proporcionar que se estabeleça uma relação lúdica, criativa e divertida, entre o público/jogador e o bem cultural. Com este principio foi elaborado um conjunto formado por três jogos: o primeiro é um quebra-cabeça, com imagens dos casarões do entorno da Praça Coronel Pedro Osorio; o segundo é um jogo de cartas sobre os doces inventariados no INRC (Inventário Nacional de Referências Culturais); o terceiro é uma planta baixa da Praça Coronel Pedro Osório na qual devem ser identificados e localizadosalguns casarõesdo centro histórico de Pelotas.

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Figura 9 Montagem do quebra-cabeças Fonte: Acervo do Museu do Doce, 2014

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Jogo 2 – “Pife Doce”– Trata-se de dois conjuntos de cartas, sendo um com as imagens dos doces e uma lista dos ingredientes utilizados em sua preparação e o outro com cada carta representando um dos diversos ingredientes que entram na elaboração de diversos doces. Cada jogador retira uma carta do conjunto 1 (carta de receita) e descobre que doce deverá montar em sua “mão”. Os jogadores recebem inicialmente cinco cartas de ingredientes e a cada rodada compram uma carta e descartam outra, com o objetivo de juntar os ingredientes necessários para o doce indicado. Vence a rodada o jogador que reunir todos os ingredientes de seu doce em primeiro lugar e soma os pontos, que variam de acordo com a complexidade do mesmo e estão indicados na carta da receita. Ao final do núv mero de rodadas acordado, ou ao completar a somatória de pontos acordada, o jogo se encerra com a vitória da maior pontuação.

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Figura 11 Qual casa é? Fonte: acervo do LEP, 2014.

Nesse exercício os participantes devem posicionar, na planta da Praça Coronel Pedro Osório, os monumentos históricos em suas respectivas localizações. Para isso sorteiamuma carta, que contem informações históricas sobre um dos bens culturais. A partir dessas informações os participantes devem escolher o monumento correto e fixar no lugar correspondente.

Aplicação no “Dia do Patrimônio”

Figura 10

Protótipos dos jogos, feitos de forma artesanal, foram feitos para aplicação junto aos visitantes da Casa 8, sede do Museu do Doce, durante o “Dia do Patrimônio”, evento organizado pela Secretaria Municipal de Cultura (Secult) de Pelotas que ocorreu nos dias 16 e 17 de agosto de 2014.

Pife doce Fonte: Acervo do LEP, 2014.

A elaboração desse material foi feita a partir de pesquisa do INRC Produção de doces tradicionais pelotenses, que inventariou 14 doces divididos em duas categorias: doces da zona rural ou doces coloniais e doces da zona urbana ou doces finos. Jogo 3 – “Que casa é?” - na construção desse jogo foi utilizado um banner tamanho 90x90cm com uma representação da planta baixa da Praça Coronel Pedro Osorio e as imagens dos seguintes monumentos do entorno da praça: Casarão 1, 2, 3, 6, 8, o Grande Hotel, a Prefeitura Municipal, a Bibliotheca Pública Pelotense, o Clube Caixeiral, o Theatro Sete de Abril, a Empresa de Pompas Fúnebres Moreira Lopes, e a Fonte das Nereidas. Figura12 Brincando com o Patrimônio. Fonte: Acervo do LEP, 2014. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 91-105, 2014.

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Referências

Desta forma foi possível avaliar como essas atividades, desenvolvidas a partir do patrimônio - tanto edificado, quanto imaterial - são recebidas pela comunidade participante.

CABRAL, Magali. Comunicação, educação e patrimônio cultural. Texto apresentado no FORUM ESTADUAL DE MUSEUS DO RS, Rio Grande, julho/202. Mimeo, p. 1-8. CHAGAS, Mário de Souza.Diversidade Museal e Movimentos Sociais. In:NASCIMENTO JUNIOR, José do ;CHAGAS, Mário. (Orgs). Ibermuseus2 Reflexos e Comunicações. Brasília: IPHAN, DEMU, 2008. CURY, Marília Xavier. Exposição: concepção, montagem e avaliação.São Paulo: Annablume,2005. DOHME, Vania. O valor educacional dos jogos: jogos e dicas para empresas e instituições de educação. Petrópolis, Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2008. FEREIRA, Maria Leticia Mazzucchi; CERQUEIRA, Fabio Vergara. Mulheres e Doces: O saber-fazer na cidade de Pelotas. Patrimônio e Memória. São Paulo: UNESP, v.8, n.1, p.255-277, jan- jun. 2012. LOPES, Maria Margaret.Bertha Lutz e a importância das relações de gênero, da educação e do público nas instituições museais. Musas. Revista Brasileira de Museus e Museologia. Rio de Janeiro: IPHAN/DEMU, n.2, p. 41-47, 2006. Menezes, Ulpiano Bezerra de. Educação e Museus: sedução riscos e ilusões. Ciências e Letras: Revista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação.Porto Alegre: FAPA, n. 27, p. 91-102, Ciências e Letras, 2000. RIETH, Flávia et al. Inventário nacional de referências culturais: produção de doces tradicionais pelotenses (relatório final). Pelotas: Ed. Universitária/UFPel, v. 1, 2008. SANTOS, Maria Célia T. Moura. Estratégias Museais e Patrimoniais Contribuindo para a qualidade de vida dos cidadãos: diversas formas de musealização. Ciências e Letras: Revista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação.Porto Alegre: FAPA, n, 27, p. 103-120, 2000. _____. Museu e Educação: conceitos e métodos. Ciências e Letras: Revista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação. Porto Alegre: FAPA, n. 31, p. 307-324, 2002. Varine,Hugue de. O Ecomuseu. Ciências e Letras: Revista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação.Porto Alegre: FAPA, n27, p. 61-90, 2000. ZORZAL, Ezequiel Roberto; KIRNER, Claudio. Jogos Educacionais em Ambiente de Realidade Aumentada. In: WRA2005, 2005, Piracicaba. II Workshop de Realidade Aumentada. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2005. v. 1. p. 52-55.

A observação das “partidas” possibilitou, por exemplo, a constatação de que o baralho do “Pife Doce” precisa de um numero maior de cartas e de que as cartas de informações do “Que casa é?” devem ter seu vocabulário simplificado assim como as informações oferecidas sobre os bens edificados. Foi possível perceber que a maioria dos nossos jogadores era constituída por adultos, que demonstraram maior interesse pelo “Pife Doce” e pelo “Que casa é?”, este ultimo por ser mais demorado e necessitar de uma maior domínio da leitura se mostrou pouco acessível às crianças menores de 8 anos que, por outro lado, se interessaram pelo Quebra-cabeças. Para melhor compreender a recepção do publico, soicitou-se aos jogadores que deixassem sua opinião por escrito.

Texto recebido 20 de novembro de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014.

Figura 13 Avaliação Fonte: acervo pessoal dos autores

A continuidade do processo de avaliação garante que os processos se tornarão sistemáticos e permitirão a comparabilidade dos resultados no decorrer do tempo (CURY, 2005, p.129), para isso, além das avaliações escritas, conversamos com alguns usuários após os jogos, registrando suas expectativas, impressões e sugestões, que foram tabuladas e consideradas no processo de construção dos jogos. Busca-se aprimorar os jogos a cada utilização deles por parte da comunidade, com base na observação e nos relatos dos participantes.

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Francisca Michelon. Arquivo pessoal.

RELATÓRIOS

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Restauro de um espécime de Hydrochoerushydrochaeris (Mammalia, Rodentia, Caviidae) do Museu de Ciências Naturais Carlos Ritter-UFPel Restore a specimen of Hydrochoerushydrochaeris (Mammalia ,Rodentia, Caviidae ) of the Carlos Ritter Natural Sciences Museum-UFPel

José Eduardo Figueiredo Dornelles

Prof. Associado IV, IB/ UFPel, Doutor em Ciências UFRGS. E-mail: jose_ [email protected]

Fernando Gonçalves Duarte

Mestrando do PROGRAU-UFPel. E-mail: fernandogduarte@ hotmail.com

Franck Lira da Silveira

Biólogo, NURFS-UFPel,. E-mail: miocastor@ hotmail.com

Luiz Fernando Minello

Prof. Adjunto IV, IB/ UFPel, Diretor do NURFSUFPel,. E-mail: minellolf@ hotmail.com

Resumo Esse artigo trata sobre a descrição de procedimentos de restauro aplicados em um exemplar taxidermizado de Hydrochoerushydrochaeris conhecido popularmente como Capivara. Em termos mastozoológicos consta de um roedor sul americano de grande porte abundante em nossa fauna, fato esse que justificaria o descarte dessa peça e sua substituição por um novo exemplar taxidermizado. Por outro lado, os gastos de materiais e de tempo se justificaram nessa tarefa por se tratar de um exemplar de importância históricano acervo. Preparado há aproximadamente cinqüenta anos, serviu como modelo para analisar antigas técnicas e materiais empregados pela taxidermia.O restauro desse espécime possibilitou da mesma forma, um desafio técnico, onde as maiores dificuldades sempre giravam em torno da reconstituição das características naturais do exemplar. Como resultado serviu para corroborar hipóteses sobre a viabilidade de utilização de novos materiais alternativos, ao aplicar técnicas tradicionais do restauro. A escassa bibliografia tornou a atividade muitas vezes difícil em função desse relato técnico ser inédito. Palavras Chave: Museologia. Restauro. Patrimônio biológico.

Abstract This article deals with the description of restoration procedures applied in a taxidermized specimen Hydrochoerushydrochoerus popularly known as Capybara. In mastozoological terms consists of a south american large rodent in our abundant wildlife, a fact that would justify discarding this piece and its replacement by a new taxidermized exemplary. Moreover, the cost of materials and time were justified in this task because it is a specimen of historical importance in the collection. Prepared for nearly fifty years ago, served as a model to analyze ancient techniques and materials used by taxidermy. The restoration of this specimen enabled the same way, a technical challenge, where the greatest difficulties always revolved around restoring the natural characteristics of the specimen. As a result served to corroborate

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expográfico de valor histórico. O material aqui restaurado, por enquadrar-se nessa segunda modalidade de acervo, merece singular consideração se aplicado ao conceito descrito por Loureiro et al. (2007) sobre o significado do patrimônio biológico nacional. Além disso, sua contribuição sobre conhecimento biológico em exposições, da mesma forma se aplica ao que descreve Marandino (2001)sobre agregar mais conhecimentos em expografia demuseus de ciências em nosso país.

hypotheses about the feasibility of using new alternative materials, applying traditional techniques of restoration. The scant literature has often difficult activity due to this technical report is novel. Keywords: Museology. Restoration. Biological heritage.

Objetivos O presente trabalho resultou de uma atividade desenvolvida em projeto de extensão da UFPel.Teve como objetivo principal a restauração desse exemplar como esforço principal de manutenção da memória do acervo histórico do Museu de Ciências Naturais Carlos Ritter para o público visitante como forma de associá-lo aos fatos históricos em que esse antigo acervo se insere. Nesse relato técnico se têm ainda como objetivos específicos:

Material e Métodos O material consta de um exemplar taxidermizado de Hydrochoerushydrochaeris conhecido popularmente como Capivara, a maior espécie não fóssil de roedor do mundo. É um mamífero tipicamente sul americano com ampla distribuição em nosso continente e abundante na fauna brasileira (Figura 1).

a) Incentivar quando possível, a manutenção de peças históricas inseridas em coleções biológicas através do restauro evitando o seu descarte ou substituição; b) Relatar uma série de metodologias, materiais e técnicas passíveis de serem empregadas para o restauro desse tipo de material; c) Propor o uso desses procedimentos como forma alternativa em acervos locados em museus de ciências naturaisque possuam peças de vertebrados taxidermizados de considerável importância histórica.

Introdução O Museu de CiênciasNaturais Carlos Ritter, atualmente está integrado ao Instituto de Biologia da UniversidadeFederal de Pelotas, no RioGrande do Sul. Seu acervo expográfico foi autorizado à visitação pública nesse museu por volta do início dos anos de 1970. O acervo tem sua origemhistórica vinculada ao Sr. Carlos Ritter, renomado industrial e proprietário da extinta Cervejaria “Ritter & Irmão”, fundada em 1870. Entusiasta das Ciências Naturais, confeccionou uma considerável coleção de animais taxidermizados artisticamente com o predomínio de exemplares de aves. Da mesma forma, confeccionou quadros entomológicos que de maneira conspícua e criativa, utilizou insetos de várias ordens para desenhar sob a forma pontilhista e tridimensional figuras, de brasões de países e de fachadas de prédios importantes da cidade de Pelotas. O surgimento oficial do Museu de Ciências Naturais Carlos Ritter não é muito claro. Por outro lado, se considera que o marco de sua origem tenha se dado como falecimento de Carlos Ritter em 1926. Sua esposa doou no mesmo ano, todas as peças que estavam em seu poder e, portanto, constituintes do acervo histórico dessa coleção, à Escola de Agronomia Eliseu Maciel, hoje uma Faculdade de Engenharia Agronômica pertencente à Universidade Federal de Pelotas (OLIVEIRA & DORNELLES, 2010). Posteriormente foi transferido para o Instituto de Biologia através de portaria interna da UFPel. Atualmente, tem seu acervo atualizado em listagens publicadas com periodicidade de cinco anos(DORNELLESetal. 2012). É composto por coleções científicas e acervo Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 109-120, 2014.

Figura 1 Mapa da América do Sul demonstrando em escuro, a distribuição de Hydrochoerussp com base em EISENBERG & REDFORD, (1999). Escala: 1/20 000 000.

As dimensões gerais desse exemplar se enquadram para um exemplar macho dessa espécie com um metro e dez de comprimento e cinqüenta e três centímetros de altura. A peça se encontra fixada a uma base retangular ou pedestal de madeira maciça, essa com dimensões aproximadas de um metro e quarenta centímetros de comprimento por cinqüenta centímetros de largura.

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Somado a isso, fatores mais sérios como a perda de fâneros (pelos), laceração ao nível da margem dos olhos, erosão ao nível das margens de ambos os pavilhões auditivos externos (orelhas), perda de garras (“unhas”), amarelamento e queda parcial do verniz de recobrimento bem como, uma considerável despigmentação ao longo da região do rostrum (focinho), também puderam ser observados. O método de limpeza realizado nesse material se constituiu pela eliminação de traços residuais de sujeira depositada ao longo dos anos. Esse se deu pela remoção da mesma através da utilização de aparelho elétrico convencional de aspiração de pó. Nesse foi acoplado ao seu tubo convencional de sucção, uma tela micro filtrante. Após a retirada das partículas de poeira depositadas aolongo dos anos, se realizou subsequencialmente, um processo de lavagem. Essa se deu com a utilização de água e sabão neutro. O sabão (em solução na água) foi removido ao longo do processo de lavagem com algodão embebido em água. Como procedimento de assepsia fúngica, foi utilizada essência de Terebintina (C10H16) a qual foi pincelada por toda a face externa da peça como forma complementar de limpeza. Nos parafusos de fixação da peça ao pedestal, foi ministrado um óleo antioxidante. Para atingir o ponto de ajuste do sustentáculo interno de madeira foi utilizada, uma máquina micro-retífica e um alicate de torção. A aderência do couro a um tecido de malha de algodão foi a forma utilizada como reforço de bordas. Essas bordas, após evidente observação já não suportariam mais um procedimento extenso de manutenção através de novas costuras. Nesse sentido, um tecido de algodão natural branco, cortado em formato de tiras foi utilizado para reforçar a camada de argila que protege a forração, essa, uma camada de palha seca observada no interior da peça.

Foto 1 Exemplar em restauro deHydrochoerussp. em sua base original. Foto deJose Eduardo Figueiredo Dornelles, 2012. Escala: 40 cm.

Em termos gerais de conservação e preservação desse material, em um primeiro momento, não pôde ter sido comprovada a presença ativa de agentes biológicos decompositores. No entanto, uma atenção maior foi dada às patologias que puderam ser definidas preliminarmente por poeira, costuras rompidas, rasgos e perfurações ao longo da superfície externa da pele. Na camada de argila, material encontrado e usado como revestimento interno, puderam ser observadas perfurações e rachaduras.

Foto 2 Vista ventral da região abdominal do exemplar demonstrando as perfurações, rompimento das costuras e rachaduras no material interno de revestimento.Foto de Jose Eduardo Figueiredo Dornelles, 2012. Escala:5 cm.

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Foto 3 Tecido de algodão natural branco (indicado pela seta), cortado em formato de tiras utilizado como reforço das bordas danificadas. Foto de Jose Eduardo Figueiredo Dornelles, 2012.Escala: 3cm. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 109-120, 2014.

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As mesmas foram coladas com cola do tipo primal, uma espécie de emulsão aquosa elaborada à base de acrílico (metacrilato: CH2=C(CH3)COOCH3), que forma uma espécie de filme transparente de alta resistência à luz ultravioleta e ao calor. Após serem coladas, as tiras de algodão foram reforçadas com uma nova costura de fio sintético de composição em poliéster 100% encerado. As frestas, rachaduras ou gretas de contração observadas nessa região da peça foram ocultadas através de preenchimento local se utilizando massa de porcelana fria. A reconstituição da pelagem ausente foi realizada através de enxertos de pelos.

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de abelha, resina e pigmentos especiais. As garras foram moldadas e cortadas se utilizando como material básico o plástico poliestireno. Depois de pintadas com aquarela, puderam ser fixadas às falangesungueais por intermédio de adesivos sólidos, termoplásticos à base de resinas sintéticas do tipo “cola quente”. De uma forma geral se utilizam resinas acrílicas para tais intervenções conforme Cassidy (1964) e Thompson (1994). Aqui por questões de custo, se optou pelas técnicas acima descritas. A original base de madeira foi lixada e limpa com álcool isopropílico (PA), amoníaco e acetona. Fragmentos isolados e remanescentes da antiga camada de verniz foram removidos mecanicamente com lâminas de bisturi cirúrgico de aço carbono número 22. Restaurada a base, foi aplicada uma cera micro cristalina diluída em terebintina. Após a realização dos procedimentos acima relatados, a peça foi refixada no pedestal já restaurado.

Resultados e Discussão

Foto 4 Reconstituição da pelagem ausente através da colocação de enxertos em tufos de pelos (seta branca) na massa de porcelana fria.Foto de Jose Eduardo Figueiredo Dornelles, 2012.Escala: 5cm.

Por intermédio da coleta e aproveitamento de amostras de mechas de pelagem provindas de outros exemplares da mesma espécie, foi possível se implantar nas áreas danificadas a pelagem faltante. Novamente, nessa etapa foi utilizada a massa de porcelana fria. Em função dessa massa não possuir uma mistura final com a cor adequada aquela da pelagem natural, foi submetida a um processo de tonalização. Esse se deu por acréscimo gradativo à massa de tintas acrílicas. As mesmas também foram importantes no sentido de ocultarem as evidentes costuras, quando preparadas em misturas de tons condizentes com o couro e a pelagem natural. Um tingimento de madeira foi adaptado para revigorar o couro a muito esmaecido. Como resultado, foi evidente o realce da pelagem. As orelhas foram reconstituídas através da utilização de papel japonês. Os olhos e a face puderam ser reanimados com massa de porcelana fria adequadamente pigmentada, como descrito anteriormente. Associado a isso, também foram acrescentados a essa etapa de reconstituição, técnicas de pintura com cera Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 109-120, 2014.

Um diagnóstico do estado de conservação foi realizado como um conjunto de ações prévias aos procedimentos de restauro propriamente ditos. De início foi realizada uma análise visual externa e interna da peça. Nesse sentido, puderam ser encontradas e denominadas a seguir uma série de alterações, por vezes consideradas como patologias. Essas puderam ser definidas como depósitos de sujeira, costuras de barbante rompidas, rasgos eperfurações ao longo da superfície externa do couro, imperfeições e falhas ao longo da camada de argila, falha por perda de pelagem, margem dos olhos lacerados, orelhas externas contraídas e erodidas, perda de garras em algumas falanges ungueais, verniz de recobrimento das garras remanescentes amarelado, focinho desprovido da pigmentação natural, comprometimentos estruturais no sustentáculo interno de madeira, sinais de oxidação acentuada na estrutura metálica interna de sustentação e comprometimentos estruturais no pedestal ou base. Com o auxilio de lupa do tipo microscópio estereoscópico (Olympus SZ-40) bem como,de fotografias de alta resolução obtidas por uma Nikon D7000, provida de uma lente 18-105 mm e uma lente macro 40 mm - ∞, foi possível observar uma série de detalhes de reduzidas dimensões ao longo da peça. Nesse sentido, puderam ser avaliados pequenos, mas, significantes problemas de conservação e preservação. A peça não apresentou sinais diagnósticos de agentes biológicos de degradação em atividade. Outra avaliação deixou bem clara a marcada pulverização da argila, a qual se encontrava extremamente microfraturada (craquelada) bem como, com inúmeras gretas de contração, principalmente ao longo das zonas superficiais onde a argila se posicionava entre a pele (couro) e a palha de revestimento interno. A especulação empírica sobre uma possível presença de uma estrutura principal de sustentação no interior da peça em madeira e ferro foi corroborada pela utilização de equipamento de sensor radiográfico. Essa sondagem foi extremamente importante já que tornou desnecessário o procedimento arriscado de desmonte de uma peça antiga e fragilizada em seu estado atual de conservação. Essas intervenções radiográficas permitiram diagnosticar o interior da peça. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 109-120, 2014.

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Uma estrutura interna em ferro pôde ter sido localizada. Pelo rasgo ventral da peça, se pôde também observar, mesmo que preliminarmente, pregos enferrujados. As soldas na estrutura metálica de sustentação pareceram estar coesas. A estrutura de madeira central apresentava um pequeno deslocamento para baixo. Esse rebatimento ventral tornava evidente uma tensão que forçava as velhas costuras ao longo do ventre do animal taxidermizado. Tal observação explicava o constatado rompimentoda camada de argila de revestimentoa qual deveria proteger ao longo dos anos a linha das costuras. O pedestal em madeira se encontrava em regular estado de conservação. Por outro lado, necessitava de um reajuste na união longitudinal das pranchas de madeira que o compunha. O tempo considerável da peça fez as mesmas se contraírem executando um afastamento lateral entre elas mas, e por sorte, sem empenamento aparente. Após o relato do estado de conservação e preservação da peça, foram iniciados os procedimentos de restauro propriamente ditos. Por se tratar de uma peça resultante de um trabalho de taxidermia muitas das intervenções aqui relatadas tiveram como orientação os trabalhos de Lourenço et al. (2005), Monteiro et al.(1979), Lucas, (1959) e Larsen (1945). A manutenção e restauro das costuras ventrais somente puderam ser viabilizadas pela remoção do pedestal. Isolada dessa estrutura, o espécime pôde receber as intervenções com acessibilidade mais efetiva e teve que ter seu posicionamento natural alterado. Com as pernasvoltadas para cima em uma espécie de “cama- caixa” forrada com algodão e com abertura adaptada para o acoplamento do pescoço e região lombar, se fez o restauro e fechamento das costuras ventrais.

Os acabamentos de reconstituição finais ao nível das orelhas, olhos, boca, garras e demais perfurações de pequena ordem observadas, também tiveram acesso facilitado com a peça separada da base e postada nessa posição. Na retirada dos cordões rompidos que ainda mantinham a peça parcialmente fechada, foi necessário realizar um reforço de borda, devido à fragilidade do couro. Esse reforço foi feito com tecido de algodão cortado em faixas de cinco centímetros. Essasfaixas receberam cola do tipo primal1 para aderência específica necessária. Tal procedimento trouxe como resultado, uma ótima aderência ao couro através de uma prática secagem rápida. A nova costura foi realizada com uma agulha curva número quatro de uso cirúrgico. Ao longo do restauro foi constatado que em alguns pontos a perfuração e a passagem da linha eram praticamente impossíveis. Com os rasgos e espaçamentos alargados com a idade da peça, não foi possível reutilizar com a devida precisão os antigos furos da montagem original. O couro em sua atual constituição, além de ressecado e quebradiço se encontrava endurecido e espesso, dificultando qualquer tentativa bem sucedida de reconstituição original da costura. Devido à deformação do couro promovida pela resistência diferencial das costuras antigas, se constatou que no processo de reconstituição das mesmas, houve permanência de consideráveis áreas com aberturas irregulares. Buscando ocultar essas falhas no acabamento, se tornou necessária a opção de preencher com massa de porcelana fria todas as imperfeições ao longo da antiga linha de costura ventral. Para esse processo de obturação dos furos, se julgou necessária a confecção de uma espécie de enxerto de mechas de pelos obtidas do couro de outro exemplar da mesma espécie. Devido às diferenças individuais entre os espécimes, foi constatada a dificuldade em resolver o problema da nova pelagem de enxerto que se apresentava com a coloração, espessura e comprimento diferenciados. Nesse sentido, se tomou como procedimento a obtenção de fâneros similares para a confecção dos enxertos.Pequenas diferenças de tons foram corrigidas através da adição de tinturas. O couro ressecado absorveu a coloração mais escura desse pigmento fato esse que realçou a pelagem local.

Foto 5 Espécime desprovido de sua base fixado em apoio de papelão. Essa posição viabilizou as intervenções de restauro na região ventral do material. Foto de Jose Eduardo Figueiredo Dornelles, 2012. Escala: 5 cm. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 109-120, 2014.

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Foto 6 Vista frontal do rótulo da embalagem da tintura em pó hidrossolúvel importada utilizada para o ajuste de coloração da pelagem do exemplar em restauro. Foto deFernado.G. Duarte 2012. Escala: 1,5 cm. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 109-120, 2014.

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Esse procedimento foi fundamental para que não ocorresse nenhuma interferência visual no restauro final da peça nessa região em especial, pois, os tufos serviram para ocultar a nova e ampliada área de reconstituição da costura. Subsequencialmente a peça foi novamente fixada à base se reutilizando o conjunto de porcas e parafusos originais em sua remontagem, após serem tratados por soluções especiais antioxidantes.

Foto 8

Foto 7 Exemplar restaurado deHydrochoerussp. em sua base original. Escala: 8 cm. Foto de Jose Eduardo Figueiredo Dornelles, 2012. Escala 40 cm.

As porções faltantes das margens das orelhas foram moldadas se utilizando uma massa moldável confeccionada com papel tipo japonês. Essas margens das orelhas remodeladas foram mantidas na forma desejada pela união coesa de quatro camadas unidas de papel japonês em uma liga de cola mista e cola branca depositada sobre essa massa modelável. Posteriormente, essas novas áreas modeladas foram submetidas a processos criteriosos de observação que buscaram a integração dessa à pintura detalhada e natural. O perímetro da região dos olhos e da abertura bucal também receberam essa massa para tratar pequenos rasgos, contraçõese cavidades, com posterior pintura de acabamento.

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Perímetro da região ocular recebendo acabamento em massa de porcelana fria para tratar pequenas falhas e cavidades préexistentes.Foto de Jose Eduardo Figueiredo Dornelles, 2012. Escala: 3cm.

Na revisão do estado de preservação e conservação das quatro patas, foi observado que em algumas delas, segmentos de ossos terminais de algumas falanges ungueais estavam aparentes. Nesses, não houve a necessidade de técnicas de preparação osteológica como as descritas em Neves et al. (2013) e Lucas op. cit. Sobre essas, foram moldadas garrasem plástico PVCpor exposição ao calor. Após a obtenção da forma considerada morfologicamente correta, essas foram lixadas e fixadas com cola quente. Após, receberam acabamento cuticular com massa de porcelana fria pigmentada. Uma posterior pintura em aquarela foi adicionada por cima dessa superfície para aproximar um pouco mais à texturadas originais. Ainda com relação à prospecção feita da estrutura interna metálica, se pôde registrar a distribuição espacial do conjunto de pregos intensamente oxidados por toda a face interna da peça taxidermizada. Apesar do emprego de sensores de análise visual como a radiografia, em cinco regiões da peça, essas não puderam ser tratadas e muito menos removidas por falta de acessibilidade. Julgou-se que sua remoção poria em risco a integridade estrutural e consequentemente morfológica de todo o conjunto taxidermizado. A resolução ou mitigação desse problema será um desafio em possíveis intervenções futuras de conservação e restauro dessa importante peça do acervo histórico dessa coleção.

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Conclusão Na experiência final desse processo de intervenção de restauro foi concluído que o problema maior que acomete antigos materiais taxidermizados é a sua manutenção por muitos anos em coleções como essa, com parâmetros ambientais nem sempre controlados. Além disso, a característica intrínseca da maioria dos materiais biológicos implica em uma série de cuidados e responsabilidades de curadoria que nem sempre são possíveis de se manter ou até mesmo de se realizar. Como essa é a realidade constatada na maioria das peças desse tipo de acervo em nosso país, concluímos também que esse conjunto de procedimentos de restauro aqui descritos foi efetivo e poderá servir comoparâmetro para restauro de outras peças em similaridade de estado de acondicionamento e conservação.

Referências CASSIDY, Martin. Reinforced Plastics: Casting and Laying up in latex rubber molds. Curator, v.07, n.1, 1964. DORNELLES, José Eduardo Figueiredo. Acervo do Museu de Ciências Naturais Carlos Ritter. Editora e Gráfica Universitária, Pelotas, RS, 2012. EISENBERG, J.F.; REDFORD, K.H. Mammals of theNeotropics: The Central Neotropics.C hicago: University ofChicago, 1999. 609p. LOUREIRO, José Mauro M.; SOUZA, Daniel Maurício Viana de. ; SAMPAIO, A. C. O. Museus de História Natural e a Construção da Nação. In: VIII Enancib - Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, 2007, Salvador LOURENÇO, Marta C. Between two worlds: the distinct nature and contemporary significance of university museums and collections in Europe. 2005. PhD Dissertation (Histoire des Techniques, Muséologie)- Conservatoire National des Arts et Métiers, Paris, 2005. MONTEIRO, Alberto Resende. Guia Prático de Taxidermia. Universidade Federal de Viçosa, Imprensa Universitária. Viçosa, 1979. LUCAS, Frederic A. The preparation of Rough Skeletons.The American Museum of Natural History. Man and Nature Publications. New York, 1959. LARSEN Henry, La taxidermiemoderne. Éditions de La Frégale, Genève. 1945. MARANDINO, Martha. O conhecimento biológico nas exposições de museus de ciências:análise do processo de construção do discurso expositivo. 2001. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, USP, São Paulo. Orientadora:Myriam Krasilchik; NEVES, Simone Baes; DORNELLES, José Eduardo Figueiredo; SILVEIRA, Franck Lira;DREHMER Cesar Jaeger. Técnicas de preparação osteológica, montagem e conservação de um exemplar de Tursiopssp. do Acervo do Museu de Ciências Naturais Carlos Ritter. In: Anais do XXI Congresso de Iniciação Científica da UFPel, 2012, Pelotas, RS. OLIVEIRA, Éder Ribeiro; DORNELLES, José Eduardo Figueiredo; SOUZA, Daniel. Estabelecimento de metodologia científica para análise do estado de conservação de espécimes de taxidermia artística do Museu de Ciências Naturais Carlos Ritter. Editora e Gráfica Universitária, Pelotas, RS, 2010. THOMPSON, John M. A. Manual of curatorship: a guide to museum practice. Oxford: Butterworth-Heinemann,1994. Texto recebido 30 de setembro de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014.

Notas [1]

São colas feitas manualmente para uso específico em determinados materiais. Podem ser denominadas também de colas naturais.

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Documentação, restauração e exposição da obra Senhoras Tomando Chá da Pinacoteca Matteo Tonietti, Rio Grande, RS Documentation, restoration and exhibition of work Ladies Taking Tea from Pinacoteca Matteo Tonietti, Rio Grande, RS

Andréa Lacerda Bachettini

Professora Assistente do Departamento de Museologia e Conservação e Restauro do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas. Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural – ICH/ UFPel. E-mail: andreabachettini@gmail. com

Ângela Marina Macalossi

Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural ICH/UFPel. Conservadora e Restauradora. E-mail: angelamacalossi@ hotmail.com

Keli Cristina Scolari ConservadoraRestauradora do ICH/ UFPel. Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural – ICH. E-mail: [email protected]

Resumo Este relatório pretende apresentar parte do Projeto de Extensão: “Documentação, Restauração e Exposição da obra Senhoras Tomando Chá da Pinacoteca Matteo Tonietti, Rio Grande, RS”, que tem como objetivo principal devolver à comunidade riograndina esta obra restaurada. A pintura “Senhoras tomando chá” pertencente à municipalidade da cidade do Rio Grande e representa as relações comerciais entre a cidade e os países escandinavos justificando assim a importância deste projeto interdisciplinar e interinstitucional. Esta ação extensionista visa, portanto, a preservação, a recuperação, a promoção e a difusão do patrimônio artístico, cultural e histórico da cidade do Rio Grande, através de um minucioso estudo da pintura juntamente com sua moldura. As ações de extensão do projeto estão indissociadas do ensino e da pesquisa. No primeiro caso, o projeto oportuniza os alunos a terem uma experiência prática da sua futura vida profissional, seja através do processo de restauração ou pela reflexão teórica sobre os procedimentos e técnicas empregados na restauração. No segundo, realizasse exaustiva pesquisa sobre os materiais empregados na fatura da obra ou nas intervenções anteriores que a pintura passou ao longo dos anos e, ainda, desenvolve-se investigação sobre autoria, estilo e elementos iconográficos da pintura. Palavras-chave: Conservação-restauração. Pintura. Senhoras Tomando Chá. Pinacoteca Matteo Tonietti.

Abstract This report aims to present part of the Extension Project: “Documentation, Restoration and Exhibition of the art work “Ladies Taking Tea”, from Pinacoteca Matteo Tonietti, Rio Grande, RS, which aims to give the restored work back to the community. The painting “Ladies Taking Tea” belongs to the municipality of Rio Grande and represents the commercial relations between the city and the Scandinavian countries thus justifying the importance of this interdisciplinary and interinstitutional project. This extension

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action therefore aims at the preservation, restoration, promotion and diffusion of artistic, cultural and historical heritage of the city of Rio Grande, through a detailed study of this painting with its frame. The extension actions of the project are undissociated from teaching and research, in the first case, the project provides opportunities for students to have practical experience of their future professional life, either through the restore process or the theoretical reflection on the procedures and techniques employed the restoration. In the second, it was done exhaustive research of the materials used in the making of the work or in previous interventions that painting went over the years and further research on authorship, style and iconographic elements of painting. Keywords: Conservation-restoration. Painting. Ladies Taking Tea. Pinacoteca Matteo Tonietti.

Introdução Este relatório apresenta algumas ações do Projeto de Extensão: “Documentação, Restauração e Exposição da obra Senhoras Tomando Chá da Pinacoteca Matteo Tonietti, Rio Grande, RS”1. O objetivo geral do projeto é estudar e restaurar a pintura “Senhoras tomando chá” (Fig.01) pertencente ao Acervo da Pinacoteca Matteo Tonietti da Secretaria Municipal de Cultura da Cidade do Rio Grande, RS. Entre os objetivos específicos estão a realização da documentação fotográfica da pintura; o diagnóstico do estado de conservação; a realização de exames organolépticos e luzes especiais; realização de exames pontuais e laboratoriais; a análise da técnica construtiva da obra; análise da iconografia e da iconologia da pintura; a análise da história da obra; a realização do processo de restauração; a organização da documentação primária gerada através do projeto; a elaboração de um relatório sobre o processo de intervenção; arealização um de documentário sobre o processo de restauração; e a realização de duas exposições sobre o projeto: a primeira, no Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo do Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas, na cidade de Pelotas e, a segunda, no Centro Municipal de Cultura Inah Emil Martensen da Secretaria Municipal de Cultura em Rio Grande. O projeto se justifica pela importância que tem esta obra para a comunidade riograndina, considerando que a obra, que foi doada, opera como memória das relações comerciais e pessoais entre pessoas de culturas diferentes, durante um período de pujança econômica da cidade de Rio Grande. Assim, sua restauração possibilitará que se devolva a ela sua integridade física e sua leitura plástica, permitindo que retorne a fazer parte do circuito expositivo dos museus e principalmente, que volte a ser apreciada pela sociedade riograndina e da região sul do estado do Rio Grande do Sul, já que há algum tempo a obra não participa de exposições, devido à fragilidade da sua estrutura. Para viabilizar este trabalho, foi estabelecida uma parceria entre o Laboratório de Conservação e Restauro de Pinturas, do curso de Bacharelado em Conservação e Restauração de Bens Cultuais do Instituto de Ciências Humanas da UFPel e a Secretaria de Cultura do

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Figura 1 “Senhoras Tomando Chá”. Autoria desconhecida. Datação provavelmente século XIX. Técnica em óleo s/ Tela Fonte: Laboratório de Conservação e Restauração de Pinturas, 2013.

Rio Grande, através do Centro Municipal de Cultura Inah Emil Martensen, onde está lotada a Pinacoteca do Município Matteo Tonietti. Após um ano de conversações a parceria entre as duas instituições foi firmada através do já mencionado projeto de extensão e a obra “Senhoras Tomando Chá” deu entrada, no dia vinte e dois de fevereiro de dois mil e treze, nos registros do Laboratório de Conservação de Restauro de Pinturas, dando início ao trabalho que se relata neste texto. Ressalta-se que existem registros orais que narram que a obra já havia passado por intervenções de restauração anterior, portanto, esse projeto tem ainda a finalidade de investigar estas intervenções. Sendo assim, registrar e mapear essas restaurações anteriores são fundamentais para o entendimento da tomada de decisão sobre o processo de restauração que está sendo realizado pela equipe do projeto. A reflexão teórica sobre essas intervenções gera grandes discussões sobre os tratamentos mais adequados nos dias de hoje na área de restauração de pinturas.

Pinacoteca Matteo Tonietti A Pinacoteca Municipal da cidade do Rio Grande Matteo Tonietti, instituição criada em setembro de 1985, está lotada no Centro Municipal de Cultura Inah Emil Martensen. Esta instituição tem como objetivo conservar, preservar, produzir conhecimento e divulgar as obras de arte oriundas de doações e aquisições para o Município do Rio Grande. A Pinacoteca Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 121-132, 2014.

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Municipal, atualmente, conta em seu acervo com 367 obras, entre gravuras, desenhos, pinturas e esculturas em diversos materiais, suportes e técnicas.

procedimento comum, uma vez que a maioria sofre alteração cromática. Caso contrário, é melhor não fazer a remoção das intervenções (BRAGA, 2003).

Entre tantas obras existentes na Pinacoteca Municipal, selecionou-se esta pelo estado de conservação em que se encontrava. Esta pintura em óleo sobre tela demonstra, em sua fatura, que o artista detinha conhecimentos técnicos de grande qualidade.

Sendo assim, a estabilidade de ambas as partes constituintes de uma pintura têm significativa importância para a obra de arte, pois quaisquer alterações nas suas materialidades podem comprometer a pintura e/ou a proteção (PASCUAL, 2003).

A obra foi doada pelos Bancos Escandinavos ao Município do Rio Grande, de acordo com relatos históricos. Os Escandinavos atuaram no Município do Rio Grande por esse apresentar em sua geografia grandes vantagens ao desenvolvimento marítimo, razão pela qual teve sua primeira sede, da Capitania dos Portos do Rio Grande do Sul, em 1760. O Município acabou consolidando bons negócios com a Escandinávia e proporcionando grandes envolvimentos comerciais e industriais através da navegação marítima em alto mar que se destaca até os dias de hoje.

Portanto, são indicadas pesquisas com o fim de descobrir como foram feitas as restaurações anteriores nesta obra e quais foram os motivos de cada processo de restauro efetuados anteriormente.

A obra “Senhoras tomando chá” e seu estado de Conservação

A restauração deve visar ao reestabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo. (BRANDI, 2004).

A pintura tem como tema uma cena de interior de senhoras tomando chá, nas dimensões, com moldura de 164 cm x 218 cm x 6,5 cm e sem moldura 140 cm x 195 cm. Não se tem registros de atribuição de autoria para a obra. O estado de conservação da obra é delicado, pois a pintura apresenta, além de sujidades generalizadas, ataque de microorganismos, vincos, ondulações e mossas acentuadas, craquelês em toda camada pictórica, fissuras, rasgos, escoriações e arranhões, perda da camada pictórica, manchas, oxidação do verniz, bordas fragilizadas, remendos e bastidor inadequado. A moldura apresenta ataque de insetos xilófagos (cupins), perfurações, fraturas, perda da policromia e do douramento e placa em metal oxidada. Seguindo algumas breves considerações sobre conservação e restauro, dos teóricos Césare Brandi e Umberto Baldini, é através de rigorosos métodos da análise e profundos estudos que o conservador-restaurador pode encontrar as quantidades de sujidades e oxidações a retirar, levando em conta o estado original da obra e a passagem do tempo sobre ela. Todo o envelhecimento da matéria, sedimentação de sujidades e oxidações de pigmentos, pode, em alguns casos, ao invés de serem removidos, o que pode criar disparidades proporcionais entre as cores originais, fazer-se passar de condição de envelhecimento à condição da patina. Durante o processo de limpeza tem que se levar em conta que o que for limpo em demasia, além de desvirtuar a obra na sua instância histórica, não mais poderá ser reposto, uma vez que a limpeza é o único ato irreversível aplicado no restauro de uma obra de arte (BRANDI, 2004).

Desta maneira, para que a preservação possa acontecer, é necessário o total conhecimento da obra, seus materiais constituintes, assim como sua trajetória no tempo. Deve-se estudar de maneira exaustiva a solução formal, o seu conteúdo temático, as condições históricas apoiando-se na investigação documental, pois segundo Brandi:

A partir desse trabalho investigativo, espera-se encontrar respostas relativas à conservação e que, posteriormente poderão servir de base para outros estudos relacionados ao tema. Destaca-se que a retratabilidade é uma característica de grande importância para a restauração contemporânea, balizada especialmente por Viñas (2003) e que não pode, de maneira alguma, ser desprezada em detrimento de qualquer outra, pois a intervenção não pode impedir que outras sejam feitas no futuro. Entende-se que tanto os materiais quanto a técnica utilizada pelo restaurador poderiam ser adequados no período em que foram usadas. As técnicas atuais apresentam maior segurança e proporcionam maior estabilidade e integridade à obra, de acordo com critérios de restauro preconizados ICOM-CC2. O código de ética se mostra muito útil neste processo e na busca de resposta para esses questionamentos, pois como afirma Schäfer (2006), um dos princípios éticos mais antigos que rege a decisão do tratamento de restauro é o da reversibilidade. Mas, como se sabe, trata-se de um ideal teórico, pois muito raramente se pode reverter uma intervenção, mesmo quando executada com materiais reversíveis e com as melhores intenções. O reconhecimento deste fato fortalece muito outro princípio ético, o da mínima intervenção.

Todas as demais intervenções de conservação e restauro deverão ser tais que tanto os materiais usados como as técnicas aplicadas deverão ser compatíveis e reversíveis. Ainda assim, vale destacar que, segundo Marcia Braga, a remoção de retoques anteriores é um Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 121-132, 2014.

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O estudo científico: antecessor ao restauro

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camada pictórica; perdas do suporte têxtil; sujidades generalizadas; ataques de microrganismos e insetos xilófagos; excrementos de insetos; perfurações; craquelês em toda a superfície da obra; rasgos; escoriações e arranhões; abaulamentos; ondulações e mossas acentuadas; verniz oxidado e irregular; bordas fragilizadas e intervenções anteriores e remendos (com tecidos e madeira) (Figs. 3 e 4). Apresentava ainda chassi inadequado, que não é original da obra, assim deixando a obra instável e suscetível a novos danos.

Sabe-se que qualquer trabalho de restauração requer um conhecimento mais aprofundado da obra que irá sofrer o processo de restauro. Os exames realizados proporcionam ao conservador restaurador embasamento suficiente para elaborar uma proposta adequada para cada tipo de obra. Segundo Quites: [...] Para um conservador restaurador responsável por uma obra de arte, é de fundamental importância, que haja uma metodologia precisa, para guiar os estudos necessários para a fundamentação histórica, iconográfica, estilística, técnica e cientifica, buscando uma equipe de profissionais que executam exames precisos e analises corretamente interpretada para a execução de um trabalho de conservação – restauração criterioso (QUITES, 1997).

A moldura apresentava ataque de insetos xilófagos, perfurações, fraturas, perda da policromia e do douramento e placa em metal oxidada.

É relevante para o desenvolvimento do processo de restauro saber os dados de autoria, estilísticos, cronológicos assim como as intervenções anteriores em que a obra poderá ter passado (HAARTMAN et al., 1992, p. 16). Figura 3

No caso da pintura “Senhoras tomando chá”, os dados de autoria não puderam ser reconhecidos, pois como já foi descrito anteriormente, a obra possui grandes perdas do

Perdas da camada pictórica.

suporte e da camada pictórica no local em que possivelmente estaria a assinatura do autor (Fig. 2). No entanto, através dos exames organolépticos foi possível identificar uma inscrição onde se observa a data: 1812, não se pode atribuir essa data como a de criação da obra sem exames mais detalhados que possam justifica-la.

Fonte: Laboratório de Conservação e Restauração de Pinturas, 2013

Figura 4 Figura 2 Detalhe do canto inferior direito onde supostamente estaria a assinatura do pintor. Fonte: Laboratório de Conservação e Restauração de Pinturas, 2013.

Pode-se perceber durante a análise da obra que esta sofreu intervenções anteriores, todavia, não se tem registros precisos sobre as respectivas intervenções. Com os exames preliminares, pode-se afirmar que o estado de conservação da obra é considerado ruim, pois a obra apresenta vários problemas em sua estrutura, como: perda da Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 121-132, 2014.

Remendos: tecido e madeira. Fonte: Laboratório de Conservação e Restauração de Pinturas, 2013

Metodologia e proposta de intervenção de restauração A metodologia aplicada está baseada na pesquisa documental, bibliográfica, exames organolépticos, exames com luzes especiais e levantamentos gráficos, fotográficos e análises dos materiais constitutivos da obra (Fig. 5). A proposta de intervenção da obra compreende a limpeza mecânica e química do suporte, planificação, remoção das intervenções anteriores, confecção de enxertos, reentelamento, fixação da camada pictórica, remoção do verniz oxidado, nivelamento das lacunas, reintegração cromática e aplicação do verniz de proteção.

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A proposta de intervenção foi previamente planejada antes de qualquer procedimento prático, sendo assim, se elaborou uma proposta de intervenção especifica para a pintura “Senhoras tomando chá”.

verso em toda extensão da tela, para isso, foi necessário realizar alguns procedimentos de preparação do tecido. O tecido escolhido foi o linho, por ser o tecido original. Este linho foi lavado várias vezes, somente em água, para a remoção da goma do tecido, depois de seco foi realizado o estiramento em bastidor provisório para o estiramento das zonas amorfas do tecido. A selagem do tecido, ou interface entre o tecido original e o tecido do reentelamento foi feita com aplicação de três de mão do adesivo RHOPLEX B-60A (antigo Primal AC33).

Figura 5 a) Exame de fluorescência UV; b) Amostra - fio de linho novo e fio de linho da pintura. (ampliação 4 x 0.10) Fonte: Laboratório de Conservação e Restauração de Pintura, 2013.

Tratamento executado Suporte Bastidor: Foi confeccionado um novo bastidor com cunhas, chanfrado com montantes em formato de cruz no centro, que seguirá o modelo europeu de bastidor, a escolha da madeira é outro aspecto a ser considerado. Suporte Têxtil: Foi realizada uma limpeza mecânica e química em toda pintura. Quanto à escolha dos solventes para a realização da limpeza química foram feitos os testes de solubilidade utilizando a tabela de solventes estabelecida por Liliane Masschelein-Kleiner (MENDES; BAPTISTA, 2005, p. 69), os testes de solubilidade são procedimentos simples e fundamentais para escolha do solvente certo, que não afete a camada pictórica.

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Somente depois desse procedimento é que será aplicado o adesivo de fixação, escolha do adesivo determinante para a boa conservação da obra após a intervenção de restauro, acredita-se que uma boa opção é o adesivo BEVA 371, que é aplicado quente e retrabalhado através da reativação do adesivo com calor. A decisão para escolha do adesivo foi após a avaliação pela equipe de restauradores que estão trabalhando junto à obra, pois cada processo requer procedimentos específicos (Fig. 6). Camada Pictórica: Para o tratamento da camada pictórica se fez necessária sua fixação, para depois fazer a remoção do verniz oxidado e outros procedimentos como o nivelamento das lacunas e em seguida, sua reintegração cromática, a qual deverá ser realizada com tintas especiais para restauração e com técnica do pontilhismo, só depois ocorrerá a aplicação do verniz de proteção. O pontilhismo é uma técnica de reintegração cromática muito utilizada pelos restauradores, pois consiste na aplicação de pequenos pontos sobrepostos de cores puras justapostas, adaptando-se a pinturas antigas e a pinturas recentes. Consoante à superfície pictórica original ou a própria textura do suporte, o tamanho e a distância dos pontos, o pontilhismo pode resultar numa reintegração diferenciada ou ilusionista. Neste ultimo caso, os pontos realizados são tão pequenos que o olho humano não consegue apreciá-los a não ser com a ajuda de um instrumento óptico de aumento (BAILÃO, 2011, p. 59). Por fim, será aplicada uma camada de proteção com verniz Dammar na técnica de aspersão.

É imprescindível a realização da planificação da pintura e da remoção das intervenções anteriores que estejam prejudicando a integridade física e estética da obra. Após a remoção dos remendos antigos foram confeccionados novos enxertos para o preenchimento das lacunas maiores existentes no suporte têxtil que nesse caso foi o linho, para isso, foi selecionado um linho de mesma estrutura têxtil e trama do original. As pequenas lacunas do suporte, os pequenos orifícios de pregos, tachas e cupins foram preenchidos com polpa de linho, com adesivo de pH neutro, todos os enxertos e obturações foram ser realizados antes do reentelamento. A obra estudada necessitou de reentelamento por estar com o suporte têxtil muito fragilizado. Este procedimento consiste em fixar um novo tecido ao tecido original pelo Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 121-132, 2014.

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pois além de estudar os materiais constituintes da obra, ele tem que pesquisar os produtos e as técnicas utilizadas pelo restaurador anterior. Toda a restauração baseia-se na escolha de um modo de como proceder e essa decisão é norteada pela própria obra e se faz em função dela. Qualquer escolha decorre das possibilidades, mas também de impossibilidades. As técnicas, bem como a dimensão da obra e os meios técnicos para o trabalho devem ser previamente pensados, sabendo que toda a escolha deve sempre ser ponderada, discutida e a qualquer momento, ser justificada. Esse trabalho requer paciência, humildade, prudência e momentos de pausa e de reflexão, pois qualquer decisão contém uma parte subjetiva ladeada pela metodologia estabelecida (CURIE, 2009, p. 78). Figura 6 a) remoção dos remendos em tecido; b) remoção do remendo em madeira; c) confecção de novos enxertos; d) estiramento do linho para reentelamento. Fonte: Laboratório de Conservação e Restauração de Pintura, 2013.

Considerações Finais Percebe-se que a restauração é um processo interdisciplinar, para tanto se faz, por vezes, necessário ter a contribuição de outros profissionais bem como de historiadores, críticos de arte, químicos entre outros para que possam responder algumas questões que vão surgindo no decorrer da intervenção da obra de arte, este foi um dos princípios, a interdisciplinaridade, que embasou o estudo da obra “Senhoras Tomando Chá” e todas as etapas que antecedem seu restauro propriamente dito. Para tanto, a formação de um profissional nessa área exige respeito e ética para com a obra de arte em questão. Sendo assim, todo o processo, desde a entrada da obra no laboratório de restauro, é documentado e registrado. Destaca-se a importância da documentação histórica da obra uma vez que a pintura passou por um processo de intervenção anterior, mas estes registros não foram encontrados, pois se estes documentos existissem, poder-se-ia identificar os materiais que foram utilizados nas intervenções anteriores. Sem os conhecimentos dos materiais e as técnicas empregadas nos procedimentos anteriores, torna-se o trabalho do conservador restaurador, mais delicado, Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 121-132, 2014.

A conservação e a restauração de obras de arte vem mudando ao longo dos anos, afinal a restauração antes era um oficio adquirido por aprendizado em estudos de mestres, hoje, cursos superiores formam profissionais e pesquisadores na área. Muitas técnicas de conservação antes usadas com sucesso, hoje são documentos históricos, único registro das práticas antigas dos restauradores antes no campo da conservação. Finalizando, este projeto de extensão propõe, ainda, a realização de um documentário relatando o processo de restauração e depoimentos de pessoas da cidade do Rio Grande envolvidas pela preservação deste bem cultural e duas exposições. O projeto cumprirá, assim, o seu objetivo fundamental que é devolver à sociedade riograndina uma obra reestabelecida em sua integralidade física, estética e histórica. Sendo assim a pintura voltará a ser apreciada em exposições juntamente com as demais obras que compõem o acervo da Pinacoteca Matteo Tonietti da cidade do Rio Grande.

Referências BAILÃO, Ana. As técnicas de reintegração cromática na pintura: revisão historiográfica. Ge-conservación, n. 2. p. 45-63, 2011. Disponível em: http://www.ge-iic.com/ojs/index.php/revista/article/view/41. Acesso em: 27 fev. 2013. BRAGA. Marcia Dantas. Conservação e restauro: pedra, pintura, mural e pintura em tela. Rio de Janeiro, 2003. BRANDI, Césare. Teoria da restauração. São Paulo: Ateliê, 2004. MACALOSSI, Ângela Marina. “Senhoras tomando chᔠ– Pinacoteca Matteo Tonietti – Rio Grande – RS: o papel do conservador e restaurador na análise do estado de conservação e a discussão preliminar ao restauro. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Conservação e Restauro Bens Culturais). UFPel. Pelotas, 2013. MENDES, Marylka; BAPTISTA, Antônio Carlos Nunes (orgs.). Restauração: ciência e arte. 3.ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2005. PASCUAL, Eva; PATIÑO, Mireia. O restauro de pintura. Barcelona, 2003. QUITES, Maria Regina Emery. A imaginária processional na Semana Santa de Minas Gerais: estudo realizado nas cidades de Santa Barbara, Catas Altas, Santa Luzia e Sabará, Belo Horizonte, MG, 1997. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento da Escola de Belas Artes, UFMG. Belo Horizonte, 1977. SARRAZIN, Béatrice. Os principios de uma restauração “à francesa”. In: POUSSIN, Nicolas. Restauração: Hymeneus travestido assistindo a uma dança em honra a Príapo. São Paulo: Instituto Totem Cultural 2009. p. 78. SCHÄFER, Stephan. O desencontro entre os princípios éticos e a prática de restauro - uma questão de (pre) conceitos e de formação profissional? In Congresso Internacional da Associação Brasileira de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais, 12. Fortaleza, 2006. Disponível em: http://www.stephan-schafer.com/pdfs/desencontro-dosprincipios-eticos-s-shafer.pdf. Acesso em: 27 fev. 2013. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 121-132, 2014.

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CASA DOS MUSEUS: ENSINO E EXTENSÃO

VIÑAS, Salvador Muñoz. Teoría contemporánea de la restauración. Madrid: Síntesis, 2003.

HOUSE OF MUSEUMS: TEACHING AND EXTENSION

Texto recebido em 15 de outubro de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014.

Notas [1]

[2]

Projeto de Extensão cadastrado na Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Pelotas, com Código DIPLAN/PREC: 53008013, tem a coordenação Professora Andréa Lacerda Bachettini, fazem parte da equipe os professores Cintia Langie Araujo, Raquel Santos Schwonke, José Luiz de Pellegrin e Lauer Alves Nunes dos Santos do Centro de Artes da UFPel, Nóris Mara Pacheco Leal, Roberto Heiden e Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho do Departamento de Museologia e Conservação e Restauro do ICH/UFPel, Marisa Gonçalves Beal ex-coordenadora da Pinacoteca Matteo Tonietti e Gianne Zanella Atallah atual coordenadora, a conservadorarestauradora Ângela Mariana Macalossi, os técnicos da UFPel: a restauradora Keli Cristina Scolari e arquiteto Jefferson Dutra Salaberry, as acadêmicas do curso de Conservação e Restauro do ICH/ UFPel Ana Carolina Kohn Behling (Bolsita PROBEC/Demanda Espontânea/2013), Amanda Scatollin, Carmen Antonieta C. Fernandes, Janice Machado de Campos Gentilini, Mara Denise Nizzoli Rodrigues, Raíssa Piedade Gara e Suzana Rodrigues Borges. International Council of Museums - Committee for Conservation (tradução Conselho Internacional de Museus - Comitê de Conservação).

Celina Maria Britto Correa Professora Adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas. Doutora pela Universidade Politécnica de Madri. E-mail:celinab. [email protected]

Ricardo Sampaio Pintado

Professor Adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da UniversidadeFederal de Pelotas, E-mail:rspintado@gmail. com

Resumo Este texto apresenta o processo do projeto arquitetônico de reciclagem e requalificação das antigas instalações da Laneira Brasileira S.A. para abrigar o complexo acadêmico Casa dos Museus, da Universidade Federal de Pelotas. O projeto teve início no final do ano de 2013, com o levantamento físico das condições pré-existentes. Seguiu-se a definição do programa de necessidades que priorizou, dentre as demandas de espaço apresentadas pelos diversos agentes envolvidos, aquelas que, atendendo às necessidades mais prementes, possibilitassem atividades abertas à população do bairro e da cidade. Surgiu então, um conjunto composto por espaços voltados para o ensino, a pesquisa e, principalmente, para a extensão e participação comunitária. No decorrer do ano de 2014, uma equipe de professores e alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade, auxiliados por uma arquiteta, desenvolveram o projeto de arquitetura para os usos previstos. Relata-se aqui a experiência de pensar o programa, de elaborar hipóteses que orientaram as decisões arquitetônicas, e os resultados práticos e de aprendizagem obtidos. Palavras chave: Reciclagem. Patrimônio industrial. Intervenção.

Abstract This paper presents the process of architectural recycling and renewal of old facilities from the company Laneira Brasileira SA to house the academic complex House of the Museums of the Federal University of Pelotas. The project began at the end of 2013, with the physical surveys of pre-existing conditions. This was followed by the definition of the needs program which prioritized, among the demands of space presented by the various actors involved, those that, addressing their most pressing needs, would make possible activities open to people of the district and the city. Then came a set composed of spaces devoted to teaching, research, and especially for extension and community participation. During the year 2014, a team of teachers and students from the Faculty of Architecture and Urbanism at the Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 121-132, 2014.

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University, aided by an architect, developed the architectural design for the intended uses. Here we report the experience of thinking the program and developing hypotheses that guided the architectural decisions, as well as the practical and learning results obtained. Keywords: Recycling. Industrial heritage. Intervention.

Introdução Este texto não trata, propriamente, do relato de uma atividade de extensão nas suas formas tradicionais de disseminação de conhecimentos através da realização de cursos, conferências e seminários abertos a comunidade, ou da prestação de serviços assistenciais, assessorias e consultorias, ou ainda das atividades de difusão cultural como na realização de eventos ou produtos artísticos e culturais.Trata de um projeto de reciclagem e requalificação dos pavilhões industriais que até poucos anos abrigaram as atividades de produção da Laneira Brasileira Sociedade Anônima e que se converterão num complexo acadêmico denominado Casa dos Museus, da Universidade Federal de Pelotas– UFPEL. A Casa dos Museus deverá proporcionar, além das atividades de rotina de setores acadêmicos universitários, acesso ao público externo que poderá usufruir de espaços destinados ao convívio e a múltiplas atividades de extensão. Ou seja, o lugar da produção fabril passa a ser o lugar da produção do conhecimento, da cidadania, da inclusão. Este texto também trata de uma maneira distinta de formação profissional: um problema arquitetural real desencadeia um processo de resolução que sem dúvida incentiva a busca e o aprendizado. Por tanto, o projeto da Casa dos Museus se caracteriza em essência, como um processo de ensino e de extensão. Em síntese, esse projeto trabalha no sentido de reciclar uma antiga unidade fabril para acomodar um novo uso, mantendo as características espaciais e ambientais pré-existentes e a configuração volumétrica do conjunto, preservando assim, a imagem e a memória na paisagem urbana do bairro. A indústria Laneira Brasileira Sociedade Anônima, instalada no bairro Fragata, encerrou suas atividades no final dos anos de 1990. Em 2010, a Universidade Federal de Pelotas adquiriu as instalações onde funcionou a indústria de lãs e os seus depósitos. Na época ainda foi possível resgatar alguns objetos e documentos no interior dos edifícios que possibilitaram recuperar parte da história funcional da indústria. Estas informações auxiliaram na tomada de decisões de projeto. Os primeiros estudos para o aproveitamento das antigas instalações da Laneira datam de 2012. Naquele momento já se vislumbrava a possibilidade de instalar um conjunto abrangente de atividades universitárias considerando as grandes dimensões da área física existente. Também se percebia que qualquer que fosse o uso a ser dado à antiga fábrica no futuro, seria importante manter ali, testemunhos do uso original daquele conjunto de edifícios tão relevantes para a memória coletiva da população e da paisagem urbana do bairro Fragata. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 133-142, 2014.

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No segundo semestre de 2013 foi criado o Núcleo de Patrimônio Cultural da UFPEL, primeiramente vinculado a Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento e meses mais tarde, à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, com o encargo de planejar e executar ações para salvaguarda do patrimônio cultural edificado da Universidade em consonância com as diretrizes da missão institucional. Os estudos de reciclagem e requalificação das instalações da antigaLaneira foram imediatamente retomados sob outras condições institucionais. Em novembro daquele ano, por iniciativa do Núcleo, foi constituída uma equipe de projeto formada por professores e alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo1 para o desenvolvimento do trabalho. Meses mais tarde, se somaria à equipe, uma arquiteta contratada2. O trabalho aqui apresentado foi desenvolvidopelo período aproximado de um ano, onde duas principais fases podem ser reconhecidas. Na primeira delas, levou-se a cabo o levantamento e diagnóstico das condições pré-existentes;na segunda, calcada naquilo que de sólido e construído fora levantado e reconhecido, e no conceito que se estabelecera em consonância com o que o espaço fabril ainda hoje representa como memória para o bairro e a cidade e o potencial acadêmico que a própria natureza universitária representa, desenvolveuse o projeto de arquitetura.

Estado atual de conservação O conjunto da Laneira é formado por pavilhões industriais construídos a partir de 1949, com sucessivas ampliações até 1980, quando adquiriu a volumetria e aparência que manteve até o encerramento de suas atividades. Ainda apresenta a fachada original de tijolos vermelhos, com poucas alterações, que a caracteriza como uma referência urbana no eixo da Avenida Duque de Caxias. No entanto, internamente, o estado de conservação dos edifícios não apresenta o mesmo grau de integridade da fachada externa. As instalações da Laneira não recebem cuidados de manutenção desde o encerramento das atividades de produção nasegunda metade dos anos 1990. Esta situação de abandono por cerca de dez anos submeteu as estruturas de cobertura a infiltrações que resultaram em desabamento de parte dos telhados e provocaram rachaduras nas paredes. Além destes efeitos decorrentes das intempéries, o conjunto se encontra degradado em conseqüência de demolições parciais para retirada de máquinas e equipamentos no desmonte da indústria. Após a aquisição do conjunto pela Universidade foram adotadas medidas paliativas para deter o processo de deterioração dos edifícios. Mesmo assim, a condição atual de conservação não permite a ocupação imediata com atividades de qualquer natureza sem que obras de recuperação sejam empreendidas.

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os espaços da Laneira. O novo uso foi então estabelecido no sentido de reunir setores universitários que atualmente ocupam prédios alugados e outros que estão desativados por falta de espaço adequado. A Casa dos Museus da UFPEL deverá abrigar diversos museus como: - Museu Carlos Ritter, com um acervo científico e educativo de animais taxidermizados,com uma das mais respeitadas coleções nacionais na área; - Museu de Arqueologia e Antropologia, com acervo científico e educativo resultante da pesquisa arqueológica em sítios regionais; - Museu da UFPEL, que reúne objetos de ensino, equipamentos e patrimônio pertencente aos diversos cursos da universidade, memória de sua história e evolução; Figura 1 Cronologia Laneira Brasileira S.A. Fonte: Projeto Casa dos Museus/ UFPel

- Museu das Telecomunicações, com o acervo da antiga Companhia Telefônica Melhoramentos e Assistência, de Pelotas; - Biblioteca Retrospectiva, que abriga os livros raros que deverão ser tratados e disponibilizados para consulta e pesquisa. - Memorial da Laneira, espaço reservado à história do lugar.

Figura 2 Imagens internaspavilhões da Laneira S.A. no início de 2014. Fonte: Projeto Casa dos Museus

Por outro lado, as instalações da Laneira estão listadas no Inventário do Patrimônio Cultural de Pelotas, com grau de proteção nível II. Nesta condição, as fachadas e a volumetria devem ser preservadas mantendo-se a configuração original. Outro aspecto relevante é o espaço interno resultante da tipologia arquitetônica dos pavilhões industriais longilíneos, de planta livre, com altura dupla acentuada pela iluminação superior proveniente de aberturas no telhado (lanternins). Há, portanto, uma espacialidade própria que empresta o caráter de nave industrial a ser considerada na preservação e adaptação aos novos usos pretendidos.

Os museus contarão, em sua estrutura espacial, com espaços de reserva técnica e laboratórios necessários à conservação e restauro dos acervos e com espaços de planejamento das ações museais. Todos os museus compartilharão de áreas de acesso, recepção, chapelaria, banheiros e administração. O conjunto proposto prevê um setor de ensino, caracterizado pelas instalações destinadas aos Cursos de Museologia e Conservação e Restauro, assim como ao Curso de Pós-graduação em Memória e Patrimônio, que comportarão laboratórios, salas de aula e espaços administrativos. Agregado a esse conjunto com forte característica de trabalho e recepção à comunidade, propõe-se a construção de um auditório para grandes eventos e formaturas, uma sala de cinema, várias salas multiuso e ainda, espaços de convivência, representados principalmente pela presença de um café e de uma praça externa, de caráter semi-público.

Princípios e diretrizes de projeto

Programa funcional

A reciclagem espacial é um processo de recuperação de um espaço existente para usos não previstos inicialmente, o que reconduz suas qualidades e defeitos a operações como desmontar, selecionar, adaptar e completar, o que pode levar a um aglomerado de intervenções.

Paralelamente às atividades de levantamento das edificações, discutiu-se com os integrantes do Núcleo de Patrimônio Culturalda UFPEL a viabilidade programática para

A intervenção arquitetônica pretendida nesta proposta de adaptação a novos usos, leva em consideração o caráter patrimonial da pré-existência e as suas condições atuais de

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A proposta de intervenção

conservação. Nesta condição, precedeu-se antes da elaboração das propostas de intervenção uma análise da obra existente buscando reconstituir o seu aspecto inicial, tanto construtivo quanto material, suas transformações e acréscimos no decorrer de seu tempo de uso como instalação industrial e a situação existente no momento presente.

Estabelecidas estas premissas, os espaços da Casa dos Museus se organizaram a partir de um único acesso controlado, um grande hall distribuidor, que na seqüência, se liga a um eixo de caráter semi-aberto, lugar que recebe e distribui a iluminação e a ventilação natural aos espaços de permanência, lugar esse também de convivência social. Esse eixo define e hierarquiza as zonas funcionais e termina em uma praça externa, de uso da comunidade em geral.

Propõe-se um processo de depuração, definida como o ato de despojar de impurezas alguma coisa. Neste processo de reciclagem espacial se pretende limpar e selecionar o que é original, controlado, essencial. Assim, a requalificação promoverá alterações sem modificar o espaço, mas equipando-o para novos usos, conservando o seu ar fabril e seus elementos construtivos singulares, através de estratégias minimalistas e táticas sutis de transformação. Não há, neste projeto, intenção de luxo ou de espetáculo, mas sim, intenção de simplicidade

Os museus e os espaços expositivos foram localizados em porções da edificação com menor possibilidade de iluminação e ventilação natural, já que a iluminação artificial e os controles higrotérmicos são inerentes aos espaços expositivos da natureza proposta. Entretanto, utilizaram-se dispositivos de iluminação zenital e divisórias em vidro com o claro objetivo de minimizar a dependência às fontes artificiais de luz, e gerar ambiência agradável aos usuários dos espaços museais.

e eficiência das soluções funcionais e construtivas. Não se pretende esconder as marcas do passado, mas preservar-se os elementos quase como foram encontrados. Reconhecer o abundante volume espacial como qualidade pode sugerir um excesso, ao mesmo tempo em que a compacidade e o pouco número de aberturas da tipologia pavilhonar existente pode ser considerada como defeito; entretanto entender esses limites serão gênesis da transformação.

Por outro lado, priorizou-se a abundante iluminação e ventilação natural nos espaços de permanência, localizando-os nas linhas periféricas do conjunto edificado.

A intervenção arquitetônica proposta levou em consideração o caráter patrimonial da pré-existência e as condições atuais de conservação. As soluções propostas consideraram a complexidade de intervir no patrimônio arquitetônico, neste caso, preservando os significados e representações vinculados ao universo do trabalho e da produção industrial. Assim, a adequação dos espaços antigos a novos usos enfrentou o desafio de manter as características ambientais originais da pré-existência e compatibilizar materiais e técnicas construtivas atuais com o caráter histórico da edificação original sem abolir as características singulares da antiga fábrica. No desenvolvimento do trabalho, a equipe adotou como objetivos projetuais: - manter a permeabilidade visual dos espaços; - facilitar a acessibilidade ao conjunto entre setores de acesso público e de acesso restrito; - aproveitar a luz natural através dos dispositivos arquitetônicos do edifício existente; - intervir com materiais contemporâneos de modo a estabelecer clara distinção entre as pré-existências e as inserções deste projeto;

Figura 3 Setorização / Planta baixa primeiro pavimento Fonte: Projeto Casa dos Museus

- manter a espacialidade própria das construções industriais na inserção de novos volumes e na divisão dos espaços internos para abrigar os novos usos; - priorizar as plantas livres nos espaços destinados às instalações dos museus possibilitando flexibilidade e diversidade de arranjos expográficos. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 133-142, 2014.

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O ensino e a aprendizagem

Figura 4 Setorização / Planta baixa segundo pavimento Fonte: Projeto Casa dos Museus/ UFPel

Figura 5 Hall de entrada e espaço de convívio externo Fonte: Projeto Casa dos Museus/ UFPel

Figura 6 Setor acadêmico / Cursos de Museologia e Restauro Fonte: Projeto Casa dos Museus/UFPel

Figura 7 Foyer e Auditório Fonte: Projeto Casa dos Museus/ UFPel Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 133-142, 2014.

O ensino nas faculdades de arquitetura e urbanismo assume muitas vezes um caráter de treinamento, uma vez que nem sempre está disponível um corpo de doutrina para ser repassado aos alunos. Se fosse possível de outro modo, disporíamos de livros e manuais para os estudantes de projeto. Mas ainda assim, frente a posturas teórico-críticas passivas relacionadas com a arquitetura, a experiência de projeto aqui compartilhada, a partir de professores e alunos bolsistas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, apresenta um olhar otimista e propositivo sobre a realidade. Sendo a Arquitetura uma ciência aplicada, é inevitável que a obra que projetamos como arquitetos sirva de ponto de partida para o ensino, e obviamente o melhor caminho para explicar o que se tem a dizer é fazê-lo com base na experiência prática. Nesse sentido, o desenvolvimento do projeto arquitetônico da Laneira, levou professores e alunos a pensarem nas soluções a partir de sua experiência. Dessa maneira, os estudantes puderam colocar em prática os conhecimentos adquiridos na sala de aula e habituar-se às rotinas da atividade profissional que escolheram: o trabalho de equipe, a comunicação, a liderança, a criatividade, a capacidade de tomar decisões. O trabalho realizado incluiu a extensão, o ensino e a pesquisa, e foi fundamental para a formação profissional do grupo envolvido no projeto, transformando-se em instrumento de interação do meio acadêmico com a sociedade, através de atividades institucionais com alto potencial de inclusão cultural e de divulgação da ciência e do conhecimento acadêmico. Espera-se contribuir também para a qualificação do bairro Fragata, tal como aconteceu com o bairro Porto após a instalação de unidades acadêmicas e da Reitoria da Universidade no local.

Referências BELCHER, Michael. Organización y diseño de exposiciones. Surelación com el museo.Gijón:EdicionesTREA,S.L.1997. BRAGA, Márcia. (org.). Conservação e Restauro: Arquitetura Brasileira. Rio de Janeiro: EditoraRio, 2003.  BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Institui o Estatuto dos Museus e dá outras providências. Diário Oficial da União (DOU). Seção 1. p. 1 - 4. 15/01/2009. COSSONS, Neil. Perspectivas, Percepções e o público. Texto apresentado na Sessão plenária do TICCIH Congress 2009 em 31 de agosto na cidade de Freiberg, Alemanha.  Disponível em: .  Acesso em: 13/04/2014. EVANGELISTA, Rafael. De arqueologia a patrimônio. Patrimônio. Revista eletrônica do IPHAN. Disponível em: . Acesso em: 13/04/2014. HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1999. MACE, Ronald; HARDIE, Graene; PLACE, Jaine.Accessible environments toward Universal Design.In PREISER, W.; VISCHER, J. C.; WHITE, E. T. (Eds.). Design interventions: toward a more humane architecture. NewYork: Van Nostrand Reinhold, 1991. MARTINEZ, Alfonso C. Ensaiosobre o Projeto. Brasília: EditoraUniversidade de Brasília, 2000.

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142 - (2014) | expressa extensão SERRA, Geraldo G. Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Guia Prático para o trabalho de pesquisadores de pósgraduação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. Texto recebido em 20 de novembro de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014.

Notas [1]

Arquiteta e Urbanista Liciane Machado Almeida.

Francisca Michelon. Arquivo pessoal.

[2]

Participaram da equipe de projeto os professores arquitetos Celina Maria Britto Correa e Ricardo Sampaio Pintado, e os acadêmicos do Curso de Arquitetura e Urbanismo Camila Damasceno Garcia, Denise Araújo, Gustavo de Oliveira Nunes, Igor Schwartz Eichholz, Pedro Caetano Alves, Renan Yokemura Marques e Viviane Carolina de Oliveira Pacheco.

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MEMÓRIA VISUAL DE EXTENSÃO

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As fotografias do Memorial do Anglo/UFPel e suas traduções para os outros sentidos The photographs of Anglo’s Memorial / UFPel and their translations for the other senses

Desirée Nobre Salasar

Acadêmica do Curso de Bacharelado em Terapia Ocupacional Universidade Federal de Pelotas. E-mail: dedah. [email protected]

Ubirajara Buddin Cruz

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural Universidade Federal de Pelotas. E-mail: ubirajara.cruz@gmail. com

Resumo Este ensaio visa apresentar as traduções intersemióticas das fotografias expostas no Memorial do Anglo, da Universidade Federal de Pelotas, para que pessoas com deficiência visual tenham acesso à exposição e ao espaço, de forma a fomentar a acessibilidade cultural na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul. As fotografias expostas neste espaço remontam a história do extinto Frigorífico Anglo até o momento em que o prédio foi adquirido pela Universidade Federal de Pelotas, em 2005. Considerando-se que no local ainda há vestígios do que fora um espaço de trabalho e industrial importante para a cidade, o Memorial do Anglo busca resgatar esta memória social comprometendo-se com a inclusão cultural. Desta forma, para que a inclusão seja efetivada, são necessários recursos de acessibilidade que traduzem as fotografias através da Audiodescrição e Esquemas e Maquetes Táteis. Mas para que estas informações sejam, de fato, efetivadas, o espaço conta ainda com legendas em braile, mediador acessível e expositores acessíveis. Estes recursos visam proporcionar aos visitantes experiências múltiplas de informação apresentadas em diferentes suportes que se complementam de forma a traduzir o que está impresso na fotografia para o visitante através dos seus sentidos remanescentes. Palavras-chave: Memorial do Anglo. Acessibilidade Cultural. Deficiência Visual. Patrimônio industrial.

Abstract This paper aims to present the intersemiotic translations of the photographs displayed in Anglo’s Memorial of the Federal University of Pelotas for people with visual disabilities have access to the exhibition and space in order to promote cultural accessibility in the city of Pelotas, Rio Grande do Sul. The photographs displayed on this area date back to the history of extinct fridge Anglo until when the

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sendo visualizado para que pessoas com deficiência visual tenham acesso a formatos que são essencialmente visuais.

building was acquired by the Federal University of Pelotas, in 2005. Considering that on site there are still traces of what had been a workspace and industrial important for the city, the Anglo’s Memorial seeks to rescue this social memory committing to the cultural inclusion. Thus, for inclusion be made, are required accessibility features that translate the photos through audio description and tactile diagrams and mockups. But this information is, in fact, carried out, the space also has subtitles in Braille, accessible and affordable mediator exhibitors.

Mesmo sendo muito eficaz no que tange ao acesso universal, a AD não consegue suprir todos os elementos que compõem uma foto, fazendo com que alguns percam o impacto ou não sejam percebidos. A perspectiva da foto é um exemplo, pois algumas cenas, nas quais o ponto de fuga cria planos com grande significação visual, perdem o impacto quando descritas. Esta profundidade, na linguagem fotográfica, pode dar o sentido da tridimensionalidade. A terceira dimensão pode ser definida pela distância entre um ponto, ou objeto e o observador e é recriada pelo cérebro de quem olha para a foto. É neste momento em que se encontra o limite da audiodescrição. Portanto, percebeu-se como necessário o uso de outro recurso para

These resources aim to provide to the visitors multiple experiences information presented in different media that complement in order to translate what is printed on the photo for the visitor through their remaining senses. Key words: Anglo Memorial. Cultural accessibility. Visual Disabilities. Industrial heritage.

Com o fim das atividades industriais do Frigorífico Anglo de Pelotas e seu posterior esvaziamento, quase nada restou dos vestígios e testemunhos dos processos produtivos desta grande empresa. Os prédios, abandonados por longos anos, sofreram as agruras do tempo, até a ocupação pela Universidade Federal de Pelotas, entre 2005 e 2006. Parte dos prédios foi destruída de forma irrecuperável. A intervenção interna dos antigos edifícios de abate, do processamento da carne e das câmaras frias foi tão drástica que não fosse o esforço de um grupo de pesquisadores em criar um memorial no que antes fora uma câmara fria, hoje não haveria vestígios das funções originais do prédio. Só que este não é um simples memorial. O Memorial do Anglo é o primeiro resultado do Programa de Extensão “O Museu do Conhecimento para Todos” apoiado no Edital ProExt MEC/SESu e desenvolvido no ano de 2012 e 2013 e está localizado no prédio central do atual Campus Porto da Universidade Federal de Pelotas. Como uma das suas ações principais, o Programa aplica o conceito de museu inclusivo, juntamente com alguns colaboradores da Escola Louis Braille de Pelotas. Desta forma, o Memorial conta com recursos de acessibilidade que foram pensados desde o início para que este fosse um espaço inclusivo. Os recursos apresentados no Memorial (expositores acessíveis, audiodescrição, legenda em braile, maquete e esquemas táteis e a mediação acessível) através de suas diferentes funções, unem-se ao propósito de traduzir a informação que é essencialmente visual (a fotografia) para visitantes com deficiência visual.

dar conta da informação. A exemplo de outras exposições e experiências, o Memorial do Anglo conta também com os esquemas e maquetes táteis e a legendas em braile. O exposto é exemplificado na seguinte fotografia (Figura 1) traduzida através do recurso de Audiodescrição e Maquete Tátil.

A TRADUÇÃO A fotografia, por ser um documento de informação essencialmente visual, possui características próprias a serem consideradas na sua descrição. De tal modo, traduzi-la em palavra requer o reconhecimento e a eleição de elementos que possam evidenciar o principal conteúdo da imagem. Assim, esta tradução tem limites. Portanto, cabe aqui ressaltar, o que faz com que a informação seja passada de forma íntegra é a soma destes recursos aliados à mediação acessível. A Audiodescrição (AD), segundo Nóbrega (2013), é um recurso que transforma imagens em palavras. Atuando como uma forma de tradução intersemiótica, seu objetivo principal é transmitir informações visuais, em uma descrição objetiva, daquilo que está Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 145-154, 2014.

Figura 1 Telhados novos, tendo ao fundo o canal São Gonçalo. Fonte: Arquivo de Ubirajara Cruz, 2008.

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Deste modo, o limite do sentido, predominantemente visual, é extrapolado mostrando que há possibilidade de traduções por meios que utilizem outros dos sentidos remanescentes.

Audiodescrição: Fotografia em cores. Em primeiro plano a parte superior de dois prédios cujos telhados se unem formando a letra V; as telhas são novas e de cor laranja. Ao fundo, nota-se o Porto de Pelotas e um trecho do Canal São Gonçalo. Da metade para cima da foto, céu azul com poucas nuvens.

Em outra fotografia do Memorial empregou-se uma estratégia que excede a tradução. Para ilustrá-la, apresenta-se, primeiramente, uma fotografia existente no Museo de la Revolución Industrial em Fray Bentos, Uruguai (Figura 3). Esta refere-se a outra, encontrada no Memorial do Anglo (Figura 4). Na primeira, o quadro de ferramentas está completo, com as ferramentas. Na fotografia em Pelotas, o quadro mostra apenas a marcação onde deveriam ficar estas ferramentas. Ambos os quadros ainda são usados em fábricas e oficinas por serem um recurso simples e eficaz para organizar estes instrumentos de uso frequente. Para um melhor entendimento por parte dos visitantes do Memorial, optou-se por uma maquete tátil

O contorno e a estrutura dos telhados dos prédios do abate, câmaras frias e setores nos quais se realizava o trabalho inicial de processamento do animal abatido foi mantido após a reforma realizada pela UFPel, bem como o desenho das platibandas.

que reproduziu, além do quadro vazio, as ferramentas representadas, que se vê na fotografia da Figura 5.

Figura 2 Maquete tátil da fotografia dos telhados. Fonte: Arquivo de Roberta Freitas, 2014.

Acima (Figura 2), vê-se a maquete da fotografia. A maquete é um modelo de prototipagem rápida que usou como arquivo um desenho feito a partir da fotografia. Evidencia-se na peça a extensão dos telhados e o formato em V, narrado na descrição verbal. O tamanho da maquete foi determinado para o toque com a mão de um adulto. Desta forma, depois que o visitante ouviu a Audiodescrição, o mediador acessível, conduz a sua mão sobre a maquete para que ele consiga entender a extensão do telhado e a profundidade captada pela câmera do fotógrafo. Cabe ressaltar que a condução, neste caso, é necessária por serem fotografias cuja principal informação se encontra em detalhes de difícil tradução. Em seguida, o visitante reforça a informação lendo a legenda em braile. A ordem em que os recursos são apresentados e a forma com que a mediação é feita são fundamentais para que a tradução encontre êxito. Portanto, é de suma importância a presença do mediador e a sua capacitação nesta área. Segundo Sarraf (2012), o vínculo estabelecido pela mediação acessível resulta em um equilíbrio dos sentidos na percepção de mensagens culturais que estão dispostas em exposições. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 145-154, 2014.

Figura 3 Quadro de ferramentas do Museo de la Revolución Industrial, Fray Bentos, Uruguai Fonte: Arquivo de Ubirajara Cruz, 2013.

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Outra fotografia que requer, além da audiodescrição, a Maquete Tátil para ser melhor entendida é a da chaminé através da janela com esquadrias (Figura 6).

Figura 4 Quadro de ferramentas, do Memorial do Anglo Fonte: Arquivo de Francisca Ferreira Michelon, 1997.

Figura 6 Chaminé através da janela Fonte: Arquivo de Francisca Ferreira Michelon, 1997.

Audiodescrição: Fotografia em preto e branco. Imagem de um quadro no qual eram penduradas ferramentas de trabalho; elas não estão mais presentes, encontram-se apenas as silhuetas marcadas das diversas ferramentas utilizadas no setor. São seis conjuntos dispostos do maior ao menor em diferentes posições. A marcação dos contornos tinha como objetivo organizá-las. O quadro que se encontrava no prédio das oficinas, com a silhueta das ferramentas, era uma evidência sutil da organização racional do trabalho nas fábricas.

Audiodescrição: Fotografia em cores, tirada de baixo para cima dentro do prédio. Em primeiro plano, a moldura de uma grande janela de ferro, com dezenas de pequenos quadrados, nos quais eram fixados os vidros. Atrás desta grande janela, ao centro, observa-se a silhueta da metade superior de uma chaminé. À esquerda, também atrás da janela, a silhueta de um prédio. Ao fundo, céu azul com muitas nuvens. Na fotografia seguinte (Figura 7), vemos a maquete tátil sendo tocada por um visitante que percebe no primeiro esquema o vazado dos vidros. O segundo esquema, em preto, é retirado, para que o visitante perceba a existência da janela, através da qual o fotógrafo registrou a chaminé.

Figura 5 Maquete tátil com as ferramentas e mediação acessível Fonte: Arquivo de Ubirajara Cruz, 2014. Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 145-154, 2014.

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Audiodescrição: Foto em preto e branco. Observa-se duas fileiras de pilares paralelas em um terreno ao ar livre. No chão, em volta dos pilares, há marcas de concreto intercaladas com grama e vegetação rasteira. Atrás dos pilares encontram-se paredes com molduras de ferro das antigas janelas. Embora sem a cobertura, percebe-se que pilares e paredes faziam parte da estrutura de um prédio.

Figura 7 Maquete tátil com mediador acessível Fonte: arquivo de Ubirajara Cruz, 2014.

Figura 9

A fotografia seguinte (Figura 8) mostra os restos de um prédio que, no presente, já não existe mais. Pela perspectiva, pode-se ver a dimensão deste que foi um dos espaços de trabalho do frigorífico, traduzido pela maquete que se vê na Figura 9. Neste caso, a maquete buscou informar a sequência dos pilares em alinhamento, as paredes com janelas nas laterais, a parede ao fundo com a larga porta e a ausência do telhado.

Maquete tátil dos pilares Fonte: arquivo de Ubirajara Cruz, 2014.

Por fim, na fotografia da Figura 10, vê-se um enquadramento deste Memorial no qual se apresentam os expositores. Estes foram desenhados para suportar as maquetes, as legendas, a fotografia e o texto em fonte adequada para a leitura com baixa visão. Para o desenvolvimento destes recursos, trabalharam quatro equipes coordenadas por professoras integrantes do projeto, às quais se deve o trabalho de pesquisa e acompanhamento

Figura 8 Pilares de um prédio extinto Fonte: arquivo de Gilberto Carvalho, 2007

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junto ao público alvo e a orientação dos alunos para desenvolvimento dos produtos e meios de acessibilidade. A pesquisa e concepção do espaço no seu uso foi feita pela Professora Francisca Ferreira Michelon, que atua com Museologia e Patrimônio Cultural; a audiodescrição foi realizada com o acompanhamento da Professora Tatitana Bolívar Lebedeff, que atua com tradução intersemiótica; as maquetes foram pesquisa e orientação da Professora Adriane Borda da Silva, que atua com modelagem e prototipagem; os móveis expositivos acessíveis, bem como o desenho da exposição foram realizados pela Professora Celina Maria Britto Correa, que atua com arquitetura de interiores e arquitetura de museus. A equipe envolveu estas professoras, de três unidades de ensino, doze alunos de diferentes cursos de graduação

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Representação gráfica digital aplicada à conservação e à restauração dos bens culturais: o caso do projeto de extensão Conservação Iconográfica

e uma equipe de professores da Escola Louis Braille de Pelotas e contou com a assessoria do IAct (grupo de pesquisa em acessibilidade) do Instituto Politécnico de Leiria, Portugal. Para mais informações, visite o espaço virtual em http://www.memorialdoanglo.com. br.

Digital graphic representation applied to conservation and restoration of cultural goods: the extension project’s case Iconographic conservation

Jeferson Dutra Salaberry

Figura 10 Espaço de exposição do Memorial do Anglo Fonte: arquivo de Ubirajara Cruz, 2014.

Referências NÓBREGA, Andreza. A dança no compasso da inclusão. In: ______. Acessibilidade comunicacional para produções culturais. Recife: Ed. do Organizador, 2013. SARRAF, Viviane Panelli. Acessibilidade para pessoas com deficiência em espaços culturais e exposições: inovação no design de espaços, comunicação sensorial e eliminação de barreiras atitudinais. In: ______. Acessibilidade em ambientes culturais. Porto Alegre: Marca Visual, 2012. Texto recebido em 15 de outubro de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014.

Técnico em Conservação/ Restauração da UFPel. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFPel. E-mail: jeferson. [email protected]

Resumo Este artigo descreve uma experiência prática e de pesquisa referente a utilização das ferramentas digitais no processo de registro e documentação dos bens culturais. Este trabalho se desenvolve a partir de uma revisão bibliográfica, contextualização histórico-científica das ferramentas digitais de representação gráfica, caracterização do procedimento de documentação e apresentação dos estudos de caso, isto é, a descrição relativa a experimentação, uma descrição, um passo a passo dos procedimentos da restituição fotogramétrica e representação gráfica através da ferramenta CAD utilizados no Laboratório de Tecnologia da Conservação e Ensaios Não-destrutivos do Bacharelado em Conservação e Restauro da UFPel. Palavras-chave: Representação gráfica. Ferramentas digitais. Conservação iconográfica.

Abstract This article describes an pratic experience on research of utilization of digital tools in the process of the registration and documentation of cultural heritage. This work is developed from a literature review, a historic and scientific contextualization of digital tools of graphic representation, a characterization of the case study and the procedure of documentation, that consists of an experiment, a description, and instructions for a photogrammetric restitution, and graphical representation through the CAD tool used in the Laboratório de Tecnologia da Conservação e Ensaios Não-destrutivos Bachelors Degree in Conservação e Restauro of UFPel. Keywords: Graphic representation. Digital tools. Iconographic conservation.

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Introdução Este ensaio se insere como parte integrante do projeto de extensão Conservação Iconográfica. Este projeto de extensão teve como objetivo principal desenvolver uma sistemática de representação científica dos bens culturais. O projeto também resultou no desenvolvimento de diversos cursos objetivando a capacitação de restauradores para a utilização de ferramentas digitais de representação gráfica. O projeto de extensão realizou-se durante o ano de 2013 e está cadastrado sob o código 53008123 na Pró-reitora de Extensão e Cultura (PREC), sendo coordenado pelo Prof. Ms. Roberto Heiden, docente do Curso de Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da UFPel e pelos cursos de representação gráfica ministrados por Jeferson Salaberry, Técnico em Conservação/Restauração da UFPel. Este ensaio foi desenvolvido com o objetivo principal de ser um texto introdutório aos cursos de representação gráfica, nos quais expõe a justificativa e a importância do desenvolvimento desse campo de estudo aplicado à preservação, à conservação e à restauração. Este trabalho propõe apresentar e discutir de forma geral os procedimentos de documentação enquanto ferramentas essenciais no processo de conservação e restauração de bens culturais e, de forma específica, a representação gráfica através da ferramenta CAD e a documentação por imagem.

os monumentos arquitetônicos, continuamente trocados por novos, deixando os objetos e construções antigas de existir. Portanto, é nesse contexto que a conservação iconográfica é extremamente útil, pois através dela preserva-se a informação, da forma mais completa possível, sendo seu conhecimento útil para as futuras construções dos homens, compondo os livros de história da arquitetura ou história da arte. Para os grandes monumentos nacionais a conservação iconográfica não é tão importante quanto para os pequenos monumentos regionais, pois aqueles têm a sua conservação real garantida, já que governo algum vai deixar ruir os grandes palacetes tombados a nível federal, representativos de uma “identidade nacional”. Por outro lado, muita coisa desaparece diariamente. Como exemplos, podemos citar edificações industriais, residências, conjuntos de casas operárias e os importantes revestimentos antigos de fachadas e interiores (bens integrados) (Figuras 1 e 2). Muitos bens culturais significativos podem facilmente desaparecer, e são realmente destruídos, sem jamais terem sido conhecidos/reconhecidos. Figura 1 Esculturas em Faiança, “Conjunto arquitetônico Pça. Cel. Pedro Osório”, Pelotas. RS

No processo de reconhecimento, documentação, conservação e restauração dos bens culturais, o pesquisador deve estar amparado por registros que possibilitem um maior entendimento sobre o objeto trabalhado, recursos os quais servirão como subsídios para a intervenção no bem cultural, que por sua vez também será útil como fonte histórica primária. (LEÃO, 2013)

Fonte: Elaborado por Jeferson Salaberry para Keli Scolari em 2012

O referencial teórico é a conservação iconográfica, disciplina que tem longa história, nascida com a redescoberta das antiguidades durante o Renascimento italiano, desenvolvida até o século XIX através dos antiquários, que estudavam os monumentos, representando-os graficamente e organizando publicações. Ela contribuiu, no final do século XVIII, para a criação da disciplina de História da Arte. (CHOAY, 2001)

Vaso Alto Ornado em faiança, Fábrica Devezas (Portugal), Casa 8, Pelotas. RS

Conservação iconográfica A conservação iconográfica consiste na representação gráfica dos bens reconhecidos como portadores de valores culturais. O método vem se desenvolvendo dentro da disciplina mais ampla da conservação e restauração, principalmente a partir da primeira metade do século XIX, com os levantamentos precisos e as restaurações de Violet Le-Duc. A existência da conservação iconográfica se justifica pela impossibilidade de preservar os monumentos do passado em razão da degradação, da falta de políticas públicas de conservação real e/ou do interesse econômico mais forte de substituir os bens culturais, principalmente Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 155-161, 2014.

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Figura 2

Fonte: Representação elaborada por Jeferson Salaberry para Keli Cristina Scolari em 2012

Também é importante destacar que a respeito da história dos bens culturais mais simples, pouca ou nenhuma informação existe. É comum os moradores nada conhecerem sobre as edificações históricas que habitam. Essa metodologia também é significativa para o estudo das antigas técnicas de construção, como a documentação do “cimento penteado”, revestimento de fachada do início do século XX que dia a dia é substituído. Também significativo é o registro das pinturas Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 155-161, 2014.

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murais e das “escaiolas” (Fig. 3 a 7), técnica de revestimento interno de paredes de grande valor estético e desenvolvimento no final do século XIX e início do XX. Ambas as técnicas são um “saber fazer” perdido, não existem mais artesãos com conhecimento necessário para reproduzi-las, por isso a necessidade de conservá-las de forma real, além de documental e iconograficamente (IRIGON, 2012).

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Figura 5 Forro em estuque “Foyer Teatro Guarany”, Pelotas. RS. Fonte: Representação elaborada por Jeferson Salaberry para o trabalho de graduação de Lisiane Gastal Pereira em 2013.

Figura 6 Figura 3 Pintura Mural Teatro Guarany. Pelotas. RS. Fonte: BACHETTINI, A. L.; SALABERRY, J. D.; SCOLARI, K. S.; VASCONCELOS, M. L. C.; HEIDEN, R., 2010.

Forro em estuque “Foyer Teatro Guarany”, Pelotas. RS Fonte: Representação elaborada por Jeferson Salaberry para o trabalho de graduação de Lisiane Gastal Pereira em 2013

Figura 4 Pintura Mural Antiga Escola Belas Artes. Pelotas. RS Fonte: SALABERRY, J. D.; SALABERRY, P. I.; RIBEIRO, F. M. T.; SANCHES, P. L. M., 2011.

Figura 7 “Foyer Teatro Guarany”, Pelotas. RS. Fonte: Fotografia de Lisiane Gastal Pereira em 2013

Metodologia O trabalho utiliza a metodologia da representação científica dos bens culturais móveis e dos bens integrados à arquitetura, especificamente para as atividades do conservador e restaurador. Para isso, a representação gráfica deve desvincular-se daquela caracterizada pelo desenho de observação e tradicionalmente vinculada à representação artística dos objetos da natureza; também deve se diferenciar do desenho técnico, arquitetônico e industrial, os quais têm como finalidade principal a construção ou produção de uma obra nova pela indústria.

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O desenho técnico e arquitetônico é caracterizado por ser uma representação esquemática, que trata de representar elementos repetitivos, diferentemente dos objetos artísticos, que são singulares. É importante destacar que a representação científica deverá tratar dos objetos que já existem, têm importância cultural e exigem, para sua valorização, uma representação digna que restabeleça sua unidade e singularidade, não podendo seu desenho ser esquemático ou simplificado. Não se poderia desenhar representações padronizadas de obras que são diferentes artisticamente e se distinguem também por seu estado de degradação, danos e desgaste através do tempo.

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Conclusões

A representação científica dos bens culturais tem como objetivo principal a representação objetiva, desprovida de qualquer intenção artística, caracterizada por um levantamento métrico preciso. Essa modalidade deve constituir-se como a representação científica dos objetos de arte (Figuras. 8 a 10). Figura 8 Altar Santa Bárbara, Pelotas. RS Fonte: Representação elaborada por Jeferson Salaberry para o trabalho de graduação de Fabiane Rodrigues Moraes em 2013.

Figura 9 Espelho Oval Museu da Baronesa, Pelotas. RS

A proposta do ensaio não é simplesmente abandonar o uso das representações esquemáticas e simplificadas, muito úteis para algumas situações específicas, mas não quando necessitamos de uma representação total, para valorização. A representação técnica tradicional é insuficiente para quantificar problemas diagnosticados ou para propor intervenções de restauro. A representação simplista e parcial deve ser utilizada para fins específicos e, quando utilizada, deve ser evidenciado e justificado o motivo pelo qual não existe uma correspondência entre a obra de arte e a sua representação.

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Fonte: Representação elaborada por Jeferson Salaberry para projeto de extensão: Restauração do Mobiliário Dourado Museu da Baronesa

O autor do presente trabalho vem desenvolvendo várias atividades técnicas de representação gráfica de bens culturais; ora relacionadas a diversos projetos de pesquisa, ora vinculados a trabalhos dos alunos de graduação e da Pós-Graduação e vinculados aos projetos de extensão entre os quais podemos destacar alguns trabalhos: (a) Cristo Crucificado – Igreja Nossa Senhora Auxiliadora; (b) Mobiliário Dourado Museu da Baronesa; (c) Espelhos do Museu da Baronesa; (d) Vasos Faiança Casa 8; (e) Faianças dos Palacetes da Pça. Cel. Pedro Osório. A metodologia e as ferramentas utilizadas nesta etapa da pesquisa mostraram-se adequadas para o levantamento dos referidos bens culturais. A utilização da tecnologia permitiu a documentação dos bens culturais com eficiência e facilidade, tornando seu emprego viável a laboratórios e entidades de preservação do patrimônio, permitindo a obtenção de vários produtos visando à preservação, como o levantamento cadastral, o diagnóstico, o projeto de intervenção.

Referências BACHETTINI, Andréa L. et al. Patrimonio e identidad cultural: mapeo y documentación de las pinturas murales del Teatro Guarany. NEWSLETTER ICOM-CC, v.2, p.7-9, 2010. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001. IRIGON, Paula; SALABERRY, Jeferson. Representação gráfica dos bens culturais através da ferramenta CAD [recurso eletrônico]. Pelotas: Ed. Universitária da UFPel, 2012. LEÃO, Alexandre C.; ALMADA, Agesilau N. Procedimentos para a documentação científica por imagem de bens culturais utilizando luz visível e ajuste cromático: estudo de caso sobre escultura em madeira – Pináculo. In: ENCONTRO LUSO-BRASILEIRO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO. 2., 2013, São João Del Rei. Anais do... São João Del Rei: PPGAEBA-UFMG, 2013. p.313–321. SALABERRY, Jeferson D. et al. Revestimentos fingidos: escaiola e cimento penteado na cidade de Pelotas. In: SEMANA ACADÊMICA INTEGRADA DOS CURSOS DE CONSERVAÇÃO & RESTAURO E MUSEOLOGIA, 1., 2011, Pelotas. Anais da... Pelotas, 2011. p.1-8. Texto recebido em 04 de agosto de 2014. Publicado em 30 de dezembro de 2014.

Figura 10 “Cristo Crucificado” da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, Rio Grande. RS. Fonte: Representação elaborada por Jeferson Salaberry para Ângela Marina Macalossi em 2010

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Projeto de Extensão Museu Municipal Parque da Baronesa: Restauração de Pinturas e Mobiliário Dourado

EXTENSÃO IN LOCO

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Museus Universitários: uma política para estes lugares de conhecimento University museums: a policy for these places of knowledge

Francisca Ferreira Michelon

Editora temática. Professora Associada do Departamento de Museologia, Conservação e Restauro do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas. Doutora em História pela PUCRS. E-mail: francisca. [email protected]

Resumo O texto, que objetiva circunstanciar o documento conhecido como Carta do Rio Grande, escrito nesta cidade durante o 8o Fórum Estadual de Museus  promovido pelo Sistema Estadual de Museus do Rio Grande do Sul, em 2002, apresenta uma breve reflexão sobre a trajetória dos museus universitários. A história, que se refere no texto, tenciona focalizar os museus universitários enquanto aparelhos de difusão do conhecimento, para os quais é imperativo que se tenha especial atenção e tratamento. Os princípios da Carta de Rio Grande, que foram a base da atual política para os museus, podem inspirar ações de fomento para estes lugares que relacionam universidade e sociedade tão diretamente e, se assim desejarem, com generosa criatividade.  Palavras chave: Museus. Políticas Públicas. Carta de Rio Grande.

Abstract The text, which aims to give details the document known as The Rio Grande Document, writing in this city during the 8th State Forum Museums sponsored by the State System of the Rio Grande do Sul Museum in 2002, presents a brief reflection on the trajectory of university museums . The story, which refers to the text, will focus on university museums as diffusion apparatus of knowledge, for which it is imperative to pay special attention and treatment. The principles of The Rio Grande Document, which were the basis of the current policy for museums, can inspire development actions for these locations relating university and society as directly and, if they wish, with generous creativity. Key words: Museums. Public Policies. The Rio GrandeDocument.

É distante a origem dos museus, nem tão diversa a substância que constitui sua essência, dos seus primórdios ao presente. Pode-se arriscar que ela

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seja o conteúdo de memória que se fomenta, guarda, cultua nesses lugares ou a competência que esses têm para propor conhecimentos novos.

aumento da produtividade e do melhor desempenho comercial passam pelo aperfeiçoamento do pré-existente.”(FIGUEIRÔA, 2011, P.10).

Na antiguidade, o museu tinha o seu papel de centro de conhecimento. Tanto na Grécia como na Roma antiga, eram lugares de discussões filosóficas. Na Idade Média, cumpriam funções de reunir os objetos das culturas e, posteriormente, ainda que faltassem aos Gabinetes de Curiosidade ou Quartos de Maravilhas a consciência sobre os elos simbólicos entre as coisas que continham, já se respirava os ventos do conhecimento, trazidos pelos viajantes. Em contínua mudança, o Museu chegou ao Século XIX como centro de ciências, superando o status de exposição de acervo para local de produção de pesquisa, sobretudo no que diz respeito às ciências naturais (SCHWARCZ, 2005, p. 124-125). Antecedendo o advento das universidades, destacam-se, no Brasil, o Museu Nacional no Rio de Janeiro, o Museu Goeldi no Pará e o Museu Paulista (idem, p.127). Uma vez surgidas, as universidades fizeram com que os museus perdessem, aqui, a função de local de pesquisa e de investigação científica, deixando-lhes o atributo de conceber e sustentar o discurso histórico, que se consagra, em especial com a criação, por empenho de Gustavo Barroso, do Museu Nacional, na década de 1930.

É elucidativo o exemplo apresentado pelo curador do Museu Nacional de História Natural e Ciências de Tóquio, em um texto no qual discorre sobre o patrimônio técnicocientífico de um país cujo processo de industrialização, marcado pela inovação, está diretamente ligado a notabilidade mundial que sua recuperação econômica pós-segunda guerra lhe conferiu. O curador relata como este museu investiu na criação do Centro Japonês de História da Indústria e das Técnicas, cujo principal fim é desenvolver pesquisas sobre os objetos científicos, classificar as evoluções tecnológicas e guardar a memória do processo de industrialização do país (TOSHIO, 2011, p. 184-185). O que se destaca neste exemplo é que o Museu em questão, consolidado por ser o mais antigo museu científico do Japão, destinou um volume de recursos considerável na constituição de um centro de pesquisa, que produz, com primazia, conhecimento sobre o seu acervo bem como meios de difusão deste conhecimento.

Resumindo a extensa trajetória, esta concepção de museu como centro de referência da história oficial, perdurou até os anos 1950, quando despontaram os movimentos folcloristas, portadores de nova perspectiva conceitual. Sobreviriam outras década e, a partir de 1980, eclodiram os museus privados, relacionando outros valores e discursos e, ainda que se mantenham, foram contrapostos, de 1990 em diante, pelo ideário da Nova Museologia, para o qual os elementos centrais são o público e o acesso. Talvez a grande mudança na concepção de museus, tenha se dado com a definição de Sociomuseologia, que relacionou museus e sociedades imbricados na trama do contexto social.

Ora, o Museu de História Natural, como um tipo de museu, foi a circunstância responsável pela consolidação das disciplinas científicas (Zoologia, Botânica, Mineralogia, etc...) como bem observa Meneses (2010, p. 17-18), além de ter desenvolvido procedimentos que se mantêm, como a coleta, classificação e princípios da conservação. No entanto, sua grande herança, base do discurso que valida socialmente os museus científicos, é a função de educar o público para a ciência, sobretudo os jovens. Embora o historiador detenha-se no confronto inadequado que a contemporaneidade tem imposto à informação e ao conhecimento, observa como as coleções científicas são repositórios intensos de conhecimentos e de formas de domínio da natureza. São estes, portanto, os valores que reiteradamente motivam os discursos em prol dos museus universitários.

No entanto, quando se refere o Museu Universitário, há uma tendência a considerá-lo como um tipo que emergiu recentemente. O fato consensual é de que este museu pertence e é mantido por uma universidade. Esta tendência se contrapõe à realidade, mais densa, que já desafia a desconsiderar a classificação anterior, incompatível com o que se pode perceber. Se além do lugar onde surge e permanece, o museu universitário pode ser um aparelho à serviço da divulgação científica, então, outros valores devem a ele ser relacionados. Como tema recorrente, também se diz sobre a sua função educacional, não lhe sendo peculiar, já é pertinente a todo o museu. Sob o assunto, considera-se as capacidades do museu universitário para educar o visitante e promover a produção do conhecimento. Na atualidade, além do guardar e ensinar, atribui-se outra função aos museus universitários, a de inovar. Não do mesmo modo como sempre foi, mas dentro de um conceito de inovação que vincula a produção do conhecimento acadêmico com um aproveitamento direto deste pela sociedade. Assim, os museus de ciência e técnica tem sido valorizados, tanto porque cumprem com o papel de “(...) lembrar e ensinar a todos que os caminhos do aprimoramento técnico, do

No entanto, inseridos com destaque na trama cultural que os justifica, em pleno crescimento e surgimento, um manto silencioso os oculta, na inexistência de uma política que os enfoque. Cada universidade, no exercício pleno de sua autonomia, decide como tratá-los. É bem verdade que esta decisão só pode ser vista no condicionamento inevitável das palavras da Lei, tanto do Estatuto (Lei 11904/2009) como da Regulamentação (Decreto 8124/2013). Contudo, a margem do não dito e do indefinido é larga, e os contornos da instituição não a protegem da indiferença do seu contexto, quando há. Se os avanços da política dos museus no Brasil são elogiáveis, tal como observa Nascimento em entrevista publicada nesta revista, seria desejável que reverberassem nas especificidades destes potenciais aparelhos difusores de conhecimento técnico-científico. Por que isto não está ocorrendo? Carecem os acadêmicos da compreensão dos valores deste equipamento cultural? Carece a universidade, como instituição, de visão suficiente para ver as largas portas para o conhecimento que podem ter os museus? Ou a sociedade ainda está longe de perceber os benefícios do hábito de ir a esses lugares?

Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 165-168, 2014.

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Carta de Rio Grande1

As perguntas afloram quanto mais os museus divergem entre si. No entanto, há mais de 14 anos, um movimento voltado para promover uma política para os museus era escrito durante o 8o Fórum Estadual de Museus, promovido pelo Sistema Estadual de Museus do Rio Grande do Sul (SEM/RS). A carta foi escrita às vésperas da eleição para governador do Estado e para a presidência e pretendia impactar as políticas de cultura, forçando o novo governador a reconhecer a urgência de se tratar dos museus, também dos universitários. Este documento de encerramento do Fórum, que tinha representantes das 7 regiões museológicas e de 12 estados brasileiros, foi entregue aos candidatos e posteriormente publicado no relatório de gestão do SEM/RS, referente ao período de 1999 a 2002. O maior valor do conteúdo foi sua capacidade em prognosticar necessidades. Optou-se por publicar, a seguir, esta carta e dar ao leitor a oportunidade de conhecer um dos documentos que influenciaram a origem da Política Nacional dos Museus.

Referências FIGUEIRÔA, Sílvia. Prefácio. In BORGES, Maria Eliza Linhares. Inovações, coleções, museus. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. MENESES, Ulpiano Bezerra. A comunicação/informação no museu: uma revisão de premissas. In I Seminário Serviços de Informação em Museus. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2010, p. 11-21. SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. A era dos museus de etnografia no Brasil. In FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves; VIDAL, Diana Gonçalves (Org.).  Museus: dos gabinetes de curiosidades à museologia moderna. Belo Horizonte: Argumentum, 2005. TOSHIO, Kubota. A preservação do patrimônio científico e técnico no Japão. In BORGES, Maria Eliza Linhares. Inovações, coleções, museus. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p. 183-191.

Legislação BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Institui o Estatuto dos Museus e dá outras providências. Diário Oficial da União (DOU). Seção 1. p. 1 - 4. 15/01/2009. BRASIL. Decreto nº 8.124, de 17 de outubro de 2013. Regulamenta dispositivos da lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que institui o estatuto de museus, e da lei nº 11.906, de 20 de janeiro de 2009, que cria o instituto brasileiro de museus - ibram. Diário Oficial da União (DOU). Seção 1. 18/10/2013.

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Carta de Rio Grande

Escrita por um fórum com representantes das 7 regiões museológicas do RS e de 12 estados do Brasil

Documento de encerramento do 8o Fórum Estadual de Museus, promovido pelo Sistema Estadual de Museus do Rio Grande do Sul em 2002 Por uma politica pública de inclusão social e democrática para construção da memória nacional e preservação do patrimônio cultural brasileiro. Na expectativa de renovação dos governos estaduais e federal, em momento eleitoral tão importante, abre-se a perspectiva do debate sobre a implantação de politicas culturais amplas em todo o país, que possibilitem discutir o setor museológico. Nossas instituições de memória, que deveriam ocupar papel estratégico nas politicas culturais, têm buscado garantir a conservação do patrimônio cultural nacional, mesmo sem politicas definidas, sobrevivendo com seus próprios meios ou com os poucos recursos destinados pelo setor público. Compreendemos que é urgente a implementação de uma politica de preservação do patrimônio cultural que valorize a cultura nacional e promova a percepção das diversas identidades culturais existentes no país. Consideramos que os bens e manifestações culturais são suportes fundamentais da memória social e que, portanto, as politicas públicas de preservação devem ser pensadas a partir da ótica da inclusão social, da construção da cidadania, da garantia do acesso aos bens culturais, do conhecimento da própria trajetória histórica, do

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170 - (2014) | expressa extensão reconhecimento da diversidade cultural e das  múltiplas  identidades sociais que formam a nacionalidade brasileira. Neste sentido durante a assembléia do dia 18 de maio (Dia Internacional dos Museus), no encerramento do 8o  Fórum Estadual de Museus (realizado de 13 a 18 de maio de 2002), na cidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul, foi aprovada, por todos os cerca de 200 participantes com representações de 12 estados - entidades em  nível  nacional,  estadual e municipal, trabalhadores de museus, representantes de instituições museológicas, técnicos da área do patrimônio e estudantes - a  Carta de Rio Grande, documento que visa propor aos candidatos a governador dos diversos estados e aos candidatos a presidente a necessária implantação de uma política para o setor museológico e de patrimônio cultural em níveis estaduais e federal: 1. Princípios Orientadores para uma Politica Nacional de Patrimônio Cultural e Museus 1.1 Estabelecimento de politicas na área de patrimônio cultural e museus que visem à democratização do acesso aos bens culturais nacionais e estaduais, buscando a consolidação das políticas públicas no resgate da memória e das identidades locais; 1.2 Valorização do patrimônio cultural sob a guarda dos museus, compreendendo que estes tem valor estratégico nacional na afirmação das diversas identidades regionais; 1.3 Respeito a diversidade cultural do povo brasileiro frente aos processos de homogeneização decorrentes da globalização; 1.4 Ampliação e garantia do acesso público ao patrimônio cultural nacional, regional e municipal frente a subordinação das politicas públicas, às exigências de auto-sustentabilidade do patrimônio cultural e aos processos de apropriação privada das referências da cultura nacional; 1.5 Reconhecimento dos direitos das comunidade organizadas de participar, em conjunto com os técnicos de patrimônio, dos processos de tombamento (discussão, aplicação, fiscalização) e definição do patrimônio a ser preservado. 2. Politicas de Gestão e Organização do Setor Museológico 2.1 Politica de reestruturação do setor com a retomada do Sistema Nacional de Museus e dos respectivos Sistemas Estaduais; 2.2 Revitalização do Programa Nacional de Museus; 2.3 Criação de uma legislação que oriente a atuação dos museus em todo o país; 2.4 Criação do Cadastro Nacional dos Museus, visando registrar a realidade das mais de 2.000 instituições existentes no país;

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2.5 Integração de todas as instâncias governamentais à gestão do patrimônio cultural, que passariam a ter responsabilidades pela preservação de nossos bens culturais. 3. Politicas de Democratização e Acesso aos Bens Culturais 3.1 Criação de politicas de apoio a informatização dos museus brasileiros; 3.2 Apoio ao processo de digitalização de informações de carater cientifico e museológico existentes nos museus brasileiros; 3.3 Apoio a criação de redes virtuais de informação entre os museus brasileiros, a fim de facilitar a pesquisa, o desenvolvimento dos profissionais de museus e democratizar o acesso ao conhecimento. 4. Politicas de Financiamento e Fomento aos Museus Nacionais e Estaduais 4.1 Criação do Fundo de Apoio ao patrimônio Cultural e museus em nivel federal e nos estados; 4.2 Criação de programas de Qualificação de Museus junto ao CNPq e CAPES e Fundação de Amparo à Pesquisa nos estados; 4.3 Criação de politicas de apoio e difusão da produção intelectual e cientifica dos museus nacionais e estaduais, bem como de seus acervos; 4.4 Estabelecimento de parcerias entre as diversas esferas de poder público e iniciativa privada, possuidores de bens culturais, com base em critérios técnicos relativos à preservação do patrimônio cultural; 5. Politica de Capacitação e Formação 5.1 Criação de Programas de Capacitação para técnicos do setor, com a ampliação da oferta de cursos de graduação, pós-graduação, oficinas e cursos de aperfeiçoamento nas diversas áreas de atuação dos museus; 5.2 Inclusão da Educação Patrimonial nos currículos escolares; 5.3 Apoio a realização de seminários e congressos para divulgação da produção cientifica e de outros fóruns de discussão; 5.4 Criação de politicas de apoio à publicação da produção intelectual e cientifica e à difusão da produção editorial na área da museologia. 6. Políticas de Aquisição e Gerenciamento de Acervos e Bens Culturais 6.1 Criação de politicas de aquisição, documentação, pesquisa e conservação dos acervos nos níveis estaduais e nacional; 6.2 Regulamentação do uso do espaço público a fim de melhor ser utilizado pela iniciativa privada; Expressa Extensão. Pelotas, v.19, n.2, p. 169-172, 2014.

172 - (2014) | expressa extensão 6.3 Estabelecimento de politica de regramento em relação a comercialização dos acervos e coleções privadas de forma a impedir as transferências ou vendas destes que já pertencem a história de uma comunidade.

Notas [1]

Documento publicado no Relatório de Gestão do Sistema Estadual de Museus/RS. Estado da Participação Popular . Período de 1999 a 2002, pg. 14.

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