Releitura do princípio da separação de poderes à luz da concretização dos direitos fundamentais: os fluidos limites contemporâneos entre as funções legislativa e jurisdicional

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JURÍDICA'"

Sapucaia

do Sul - RS - Btasil

ISSN 0103-3379

Os conceitos emitidos em trabalhos assinados são de tesponsabilidade de seus autOtes. Os otiginais não serão devolvidos, embora não publicados. Os artigos são divulgados no idioma original ou traduzidos.

Revista Jurídica@ ANO 58-SETEMBRODE 2010 -Nº395

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Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica

judiciária.Ano58,nO395,Setembrode 2010. Diretores: Marco Antônio C. Paixão e Luiz Amônio Duarte AiqueL

Bimestral:1953.1962;trimesna!: 1963.1965;irregular:1966.1967;anual: 1968; trimestral:1977;bimesnal:1982;mensal:1988

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Ada Pellegrini Grinover - Alexandre Pasqualini - Alexandre Wunderlich Antonio Janyr Dall'AgnoJ Jr. - Araken de Assis - Arruda Alvim Carlos Alberto Molinaro - Cezar Roberto Bitencourt Daniel Francisco Mitidiero - Daniel Ustárroz - Darci Guimarães Ribeiro Eduardo Arruda A1vim - Eduardo de Oliveira Leite - Eduardo Talamini Ênio Santarelli Zuliani - Fárima Nancy Andrighi - Fredie Didier Junior Guilherme Rizzo Amaral- Humberto Theodoro Junior Ingo Wolfgang Sadet - Jefferson Carús Guedes J.J. Calmon de Passos (in memoriam) - João José Leal José Carlos Barbosa Moreira - José Maria Rosa Tesheiner José Roberto Ferreira Gouvêa - José Rogério Cruz e Tucci Juarez Freitas - Lúcio Delfino - Luis Guilherme Aidar Bondioli Luís Gustavo Andrade Madeira - Luiz Edson Fachin Luiz Guilherme Marinoni - Luiz Manoel Gomes Junior Luiz Rodrigues Wambier - Márcio Louzada Carpena Mariângela Guerreiro MHhoranza (Coordenadora) Ovfdio Araújo Baptista da Silva (in memonam) Paulo Luiz Netto Lôbo - RolfMadaleno - S.lo de Carvalho Sergio Cruz Arcnhart - Sérgio Gilberto Porto Teresa Arruda AlvÍm Wfl.lnbier - William SantO~ Ferreira

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RELEITURA DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES À LUZ DA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: OS FLUIDOS LIMITES CONTEMPORÂNEOS ENTRE AS FUNÇÕES LEGISLATIVA E JURISDICIONAL LOR£NA

MIRANDA

SANTOS

BARREIROS.

Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar criticamente

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o princípio da separação dos poderes na conteinporaneidade, especialmente no Brasil, demonstrando-se a crescente fluidez dos limites entre as [unções legislativa e judicial, fato que constantemente gera perplexidades, ante as dificuldades surgidas no estabelecimento de parâmetros seguros para a determinação das linhas divisórias dessas funções. Far-se-á um exame da evolução doutrinária do referido princípio, comparando-se a configuração que lhe foi atribuída nos modelos liberais francês e norte-americano, bem como no contexto histórico do Estado Social de Direito, marco relevante para o advento dos chamados" direitos fundamentais positivos". Serão enfatizadas, neste trabalho, as transformações havidas na postura dos legisladores, gradativamente instados à adoção de novas técnicas legislativas, viabilizadoras de uma abertura do direito à criatividade judicial, fator determinante para a efetivação de um novo modelo de tutela dos direitos fundamentais, capaz de pôr em xeque a própria subsistência do princípio em debate.

Palavras-chaT.1e: Direitos fundamentais Poder Legislativo - Poder Judiciário.

- Separação de poderes

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Abstract: The aim of this paper is to criticaJiy examine the principIe of separation of powers in the contemporary world, especiaIly in Brazil, demonstrating the increasing fluidity of Mesrranda em Direito Púhlico pela Universidade Fe(!eral da Bahia. Professora de Direito Processual Civil da Faculdade Baiana de Direilo. Procuradora do Estado da Bahii1. Advogada.

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boundaries between the Iegislative and judicial functions, a fact that constantJ)' creates perplexities, because af the difficulties in establishing reliable parameters for the determination Df dividing Iin~s af tl)ese functions. It wilJ be done an examination Df ~e do.ctrinal evolution Df that principIe, comparing the conhguratlOll assigned to it in the French liberal modeJ and in the American's, as weIl as in lhe histol'ical context Df lhe Welfare State, with lhe advent af so-caIled "positive rights". Will be a]50 empha.sized in thi~work the transformations which took place in lhe, atti~de af Ieglslators, graduaIly urging the adoption af new ~egl.sl.atJvete~h~iques, lhat made possible the opening of law to JudICIalcreanvlty, the detennining factor for the realization of a ~lewmod~1 Df protection Df fundamental rights capable Df cail mto questlOll the very survival Df lhe principIe under discussion.

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Keywords: Fundamental rights Legislalive power - Judiciary.

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Separation

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Sumário: Introdução; 1 - Separação de poderes sob a égide do estado liberal; 1.1 O modelo francês; 1.1.1 O positivismo jurídico e a. supremacia do legislador; 1.1.2 A neutralização do magistrado: o juiz "boca da lei"; 1.2 O modelo norte-americano' 1.3 Lib:ralismo e direitos fundamentais "negativos"; 2 ~ Separaçao de poderes sob a égide do estado social; 2.1 O advento do estado do bem-estar social e os direitos fundamentais positivos; 2.2 Mudança de postura do legislador: a nova técnica legislativa e. a. abertura do direito à criatividade judicial; 2.3 Tutela dos dIreitos fundamentais positivos e a fluidez dos limites entre as funções legislativa e judicial; Conclusão;. Referências.

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INTRODUÇÃO

. .. Em tempos nos quais se discuteIl1 acesarnente telnas como o ativismo JU~IClal,o aumento dos poderes do juiz e a judicialização de políticas pubbc~s, ,vem à baila o questionamento sobre os contornos contemporâneos do P!lI1ClPIOda separação de poderes, especialmente no que tange às Ielaçoes entre os poderes leglslativo e judiciário. O escopo do presente trabalho conslste, POlS,em perquirir, na evolução doutrinária do referido pnnClplO e, sobretudo, nas modificações sociopolíticas e juridicas que condICIOnaram a f~rJ11ação do ~uadro contemporâneo, as razões que embasanl tal questionaInento, salIentando-se que papéis foram, outrora,

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assumidos pelos órgãos legislativo e judiciário, não estando abrangido neste estudo, pois, por opção metodológica, o exame direto do poder executivo. Para alcançar tal desiderato, a investigação desenvolve-se em dois distintos capitulos, o primeiro dos quais dedicado ao exame do conteúdo do principio da separação dos poderes no contexto do Estado LiberaL Primeiramente, analisar-se-á o rnodelo liberal francês, inspirador, inclusive, em grande medida, da Constituição Imperial brasileira de 1824, destacandose a supremacia cOlúerida ao legislador e à lei naquele sistema, com notável subordinação do judiciário ao legislativo, o que se revelou determinante para a neutralização do magistrado nessa conjuntura politico-jurídica, calcada no positivismo jurídico, reduzindo o seu papel ao de mera "boca da lei", segundo a concepção desenvolvida por MONTFSQUIEU e que será objeto de apreciação. Ainda no mesmo capitulo primeiro, será examinado o modelo do Estado Liberal norte-americano (que, em certa medida, influenciou a Constituição brasileira republicana de 1891), destacando-se suas particularidades em relação à atividade jurisdicional (sendo o direito, nos EUA, também marcadamente jurisprudencial), especialmente no tocante à conotação que o prinópio da separação dos poderes ali recebeu, autorizando-se, com base nele e na supremacia da Constituição, Ü' controle judicial de constitucionalidade das leis. Ultrapassado o contexto liberal, inaugura-se o capitulo segundo, que parte de uma análise dos motivos ensejadores do advento do Estado do Bem-Estar Social, em substituição ao falido modelo liberal, conduzindo, por sua vez, ao exame da nova técnica legislativa adotada nesse periodo, de legislar também e precipuamente por meio da instituição de cláusulas gerais e não apenas ou preponderantemente pela técnica casuística, pressupostos que cOlúerirão o substrato lógico para a análise do papel do magistrado sob a égide do pensamento jurídico social, o qual, ademais, suscita amplos questionaInentos acerca da criatividade judicial, desprendendo-se o juiz da forma tradicional de interpretação e de aplicação do direito. Fixadas as prenlissas aciIna, o capíhllo é encerrado COIlla denlonsh'ação de que o aumento do ativismo judicial, e, especificamente, a expansão dos poderes do Supremo Tribunal Federal, transforma em pergunta de alta indagação não apenas a concernente ao conteúdo ah1a1 do principio da separação dos poderes, mas, sobretudo, a que busca perquirir sobre sua subsistência no contexto jurídico brasileiro.

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dessa estrutura, compondo poder'.

1- SEPARAÇÃODEPODERESSOBA ÉGIDEDO ESTADOLIBERAL

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A história do poder é, decerto, muito mais antiga do que a do Estado, uma vez que o surgimento deste marca o estágio último do evolUIr lustonco daquele, qual seja a sua instituciimalização'. O poder, entendld~ como "capacidade do homem em determinar o comportamento do homem. po~er do homem sobre o homem''2, sofreu um contínuo processo de concentraça~, abandonando seu perfil inicialmente difuso, grupal, em que se confundIa com a própria opinião pública, para, empós, personificar-se em um ou eI~ alguns individuos do grupo', até, por fim, ser instituClona!Izado, face a criação do organismo estatal. As ideias de divisão e de separação de poderes não são . ES que Ja " apontava . a contemporâneas. A primeira remonta a ARISTOTEL, deliberação, o comando e a judicatura como potencialidades de soberama. No entanto, inexistia a intenção necessâria de que talS tarefas fosse,,; conferidas a órgãos distintos. Somente a partir dos Séculos XVII ~ XVIII e que a separação de poderes passa a ser defendida, como um metodo de contenção dos abusos perpetrados pelo absolutismo monárquIco, em decorrência da concentração do poder nas mãos do reI'. O princípio da separação de poderes, utilizando-se a nomenclat."ra que se tornou clássica, configura-se como um "princípio orgaru:o:atono " do Estado pautado sob distintas vertentes, nas IdeIas de estr u tu raI " , . d'f t separação de funções estatais, atribuindo~se o seu exerClclo. a 1 erel~ es titulares, e de interdependência e de controle e~tr~ .as ~efendas funçoes, evitando-se o arbitrio. Ao lado dessa visão do pnnClplO, "~pende destacar, ou trossim, que, modernamente, a ele tanlbénl são acres~ldas as ldelas de repartição vertical de funções (federalismo e auto~~"ua das estrutu:as regionais e locais em Estados unitârios) e de repartiçao .sOCIalde funçoe: (distribuição de poder entre o Estado e entes não estatals)~ sem olVIdar el nova conformação política do poder, na qual não se pode Igno:ar o pap a expressivo dos partidos políticos e da relação malOna/oposlçao advmd

Insta enfatizar, de plano, que o presente trabalho não tratará das repartições vertical e social' de funções, limitando-se a examinar a evolução do princípio da separação de poderes em seu aspecto horizontal, clássico, de modo a perquirir que relações inter funcionais são exigidas hodiernamente para o atendimento a esse princípio, à luz da missão contemporaneamente insita ao exercício do poder, qual seja a concretização de direitos fundamentais. O alcance de tal desiderato pressupõe, dessarte, a busca das origens históricas do princípio estudado, mister ao qual se dedica o presente tópico. 1.1 O Modelo Francês É a França o cenário onde, com maior força, se desvelam os fatos que dão substrato à adoção do princípio da separação dos poderes, esboçado por JOHNLOCKEe desenvolvido por MONTESQUIEU. Com efeito, no Século XVIll, no idioma francês, então a língua universal (papel hoje ocupado pelo' inglês), reuniam-se trabalhos da maior parte dos filósofos da época. A classe ''', qurguesa, crescente em número e em fortuna, via-se politicamente desprestigiada, perdendo postos de funções públicas para a nobreza. O regime absolutista, que outrora conferiu as condições sociais que permitiriam o desenvolvimento da burguesia, era, agora, um entrave ao ...., Terceiro Estado, desejoso de assenhorear-se do poder.

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De outro lado, também os camponeses veem-se premidos pelas .• exigências da nobreza que, falida, passa a cobrar as rendas feudais de forma . -mais rigorosa. A França, então marcada por alta carga tributária, por 'r'};finanças arruinadas, altas de preços, desemprego agrícola e com os anacrônicos privilégios concedidos â nobreza, vê nascer o quadro histórico : .~,"propício â união da burguesia e do campesina to contra a nobreza, na busca .'I'!.

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troria da cOlIstitlliçào.

7.ed. Coimbra: Almedina, 2003,

. P.5S5-S62. 6

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1 MACHAOO NETO AntÔnio Luís. Sociologin jurídicn. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 197?: p.29 9. 'T 'uç'o . .• C' Ú O' 'ollririo de 110//11[(1 12.eu. rall 1 BOB810,Norberto; MATEUCCl,Nicola; PASQU1NO, HU ran~~. ICl, .. de Carmen C. Varriale r/ n/. Brasili,,: Univcrsídnde de BrasJll
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