Relendo Bakhtin: Uma não existência, um álibi.

May 22, 2017 | Autor: Viviane Carrijo | Categoria: Bakhtin dialogism
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Disponível em: http://textosgege.blogspot.com.br/2010/09/relendo-bakhtin1-uma-naoexistencia-um.html Relendo Bakhtin: Uma não existência, um álibi. Viviane Letícia Silva Carrijo

Ler os textos de Bakhtin tem sido uma aventura, não só pela sua complexidade, mas também por cada pensamento novo descoberto entre suas palavras. Com sua literatura intrigante, ele me faz pensar, repensar e (re) repensar muitas vezes a mesma coisa e nesses acontecimentos há sempre algo novo para minha reflexão e consequente refratação. Eu poderia citar diversos termos, frases ou parágrafos inteiros, impregnados das idéias valorativas desse pensador, que me ocasionaram muitos questionamentos e novidades, entretanto, tecerei um breve comentário sobre um dos célebres pontos de vista bakhtiniano: O ser humano não tem álibi na existência. A primeira vez que ouvi essa frase (sim, eu a ouvi antes de ler) foi em minha primeira aula de Metodologia Cientifica. A professora nos apresentava, então, o que era ser cientista (desmistificando a noção de ciência que tínhamos) e em sua fala havia uma linguagem bakhtiniana de ser, tratando da importância do outro não só em nossa pesquisa como também em nossa vida e mesmo que fôssemos constituídos pela troca nas relações sociais, ainda assim não poderíamos responsabilizar o outro por algo que fizéssemos, foi então que ela disse a frase: O ser humano não tem álibi na existência. Ouvi essa frase, mas não compreendi imediatamente (digamos que tive um efeito retardado). Leitura vinha, leitura ia, e eu me deparava com essa frase. E sempre me colocava como “o ser humano” sem um “álibi” para as respostas que eu dava, dou ou darei ao mundo em minhas relações sócio-históricas. Houve um momento em que passei a imaginar se os outros (meus professores e colegas) consideravam-se sem álibi, principalmente quem pensava e concordava com Bakhtin. Sei que os que possuem como saber fundante o Sr. Bakhtin pensam e até, em alguns momentos, repetem essa frase em falas ou em artigos, entretanto, o que dizer daqueles que nunca ouviram ou leram essa frase?

Pensei categoricamente: mesmo que eles não façam ideia dessa suposição bakhtiniana, eles não possuem “álibi”, afinal, enquanto homens e mulheres constituídos no social, eles são sujeitos singulares com respostas ativas que expressam seus valores conforme sua essência individual. Pensar nessa generalização levou-me a considerar também os alunos como humanos sem álibi na existência. Refleti: o aluninho também costuma fazer parte de relações sóciohistóricas, na qual se situa e responde de alguma forma (sempre ativamente ainda que em silêncio). Ele, assim, como eu, professora, também se constitui em um eu no outro, um outro no eu, um nós no eu (ou se preferir inversamente)... sem álibi com a necessidade de responder às vozes alheias em tensão com a sua própria voz, para então estabilizar-se (até a próxima interação) em vozes próprias alheias. E, nesse evento do viver, o aluno transita entre o seu “centro de valor” e o do outro, sendo responsáveis e respondíveis e exigindo o mesmo do outro. Essa é a dialogicidade da língua e é interessante verificar que essa atitude não acontece apenas em falas, mas também na escrita. Tudo na linguagem é dialógico, assim o que o aluno produz também constitui um diálogo não apenas para obtenção de nota ou apenas para responder ao professor, visto que na escrita eles podem responder a tudo que queiram na sociedade. Bom, mas nesse momento não prolongarei meus apontamentos sobre a escrita, quem sabe numa próxima. Retomando o pensamento do início, nem mesmo Bakhtin teve um álibi na existência, suas ideias filosóficas são um evento único do Ser que, apesar de estar cheio de vozes alheias ora em concordância ora em refutações, surgiu não como um estado passivo, mas ativo em meio a valores articulados à medida que mudanças eram necessárias em decorrência da existência de outros seres humanos. É curioso perceber que as ideias de Bakhtin continuam dialogando com diversas teorias e, porque não dizer, com nossos valores? Assim, ainda que sem existência “carnal”, Bakhtin continua sem um álibi, pois suas ideias estão aí, contribuindo, constituindo e transparecendo em nossos atos responsáveis e respondíveis.

Bibliografia:

BAKHTIN, M. M. (1952-1953/1979) Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes, 2003. BAKHTIN, M. M. /VOLOCHINOV, V. N (1926) Discurso na vida e discurso na arte (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza. Circulação restrita, Mimeo. SOBRAL, A. Ético e estético: na vida, na arte e na pesquisa em Ciências Humanas. In: BRAIT, B. (Org). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo, Contexto, 2007. CLARK, K. & HOLQUIST, M. Mikhail Bakhtin. São Paulo: Perspectiva, 1998.

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