Religião, educação e direitos humanos: uma análise das audiências e discussões públicas sobre o ensino religioso no Brasil em 2015

Share Embed


Descrição do Produto

1

Religião, educação e direitos humanos: uma análise das audiências e discussões públicas sobre o ensino religioso no Brasil em 2015 Maurício de Aquino Considerações iniciais Este trabalho desenvolve uma análise das manifestações de entidades que se pronunciaram na audiência pública sobre a disciplina de Ensino Religioso, convocada em 10 de março de 2015 pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, e realizada no dia 15 de junho de 2015. O ministro Barroso convocou tal audiência para melhor avaliar as percepções dos representantes dessas entidades sobre o tema visando balizar adequadamente o seu relatório acerca de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Procuradoria Geral da República em agosto de 2010 que questiona a legalidade da disciplina de Ensino Religioso na escola pública. Ao analisar esse conjunto de manifestações pretende-se, de um lado, apontar e refletir sobre as características predominantes e definidoras dessa disciplina, e, de outro lado, ampliar essa discussão ao inserir a análise do Ensino Religioso no ponto axial das relações entre religião, espaço público, laicidade e direitos humanos na contemporaneidade.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4439/2010 e a audiência pública sobre o ensino religioso em escolas públicas

_____________________ 

Doutor em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/FCL-Assis). Professor Adjunto do Curso de Graduação em História e do Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, linha de pesquisa Função Política do Direito, na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). E-mail: [email protected]

2

Em 10 de março de 2015 o ministro Luís Roberto Barroso convocou uma audiência pública para discutir o ensino religioso em escolas públicas. Barroso atendia a uma solicitação da petição da Procuradora-Geral da República, senhora Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, que propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), em 30 de julho de 2010, deferida em decisão do ministro Ayres Britto, em 03 de agosto de 2010, para o qual foi distribuída a referida ADI, número 4439, na condição de relator. Em sua decisão, o ministro Ayres Britto (2010) esclarece a petição, sinaliza a tendência do Supremo Tribunal Federal (STF) e evidencia o encaminhamento legal: DECISÃO: Vistos, etc. A autora pede, liminarmente, a suspensão da eficácia: a) “de qualquer interpretação do art. 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.394/96, que autorize a prática do ensino religioso em escolas públicas que não se paute pelo modelo não-confessional, bem como permita a admissão de professores da disciplina como representantes de quaisquer confissões religiosas”; b) “de qualquer interpretação do art. 11, § 1º, do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, (...) que autorize a prática do ensino religioso em escolas públicas que não se paute pelo modelo não-confessional”. 2. Do exame dos autos, enxergo a relevância da matéria veiculada na presente ação direta de inconstitucionalidade, bem como o seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica. Tudo a recomendar um posicionamento definitivo deste Supremo Tribunal Federal acerca da impugnação que lhe é dirigida. 3. Nessa moldura, adoto o procedimento abreviado de que trata o artigo 12 da Lei 9.868/99. 4. Solicitem-se informações, no prazo de 10 (dez) dias, ao Congresso Nacional e ao Presidente da República. Após, encaminhem-se o processo, sucessivamente, ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, dispondo cada qual do prazo de 05 (cinco) dias. Publique-se. Brasília, 03 de agosto de 2010.

Lê-se no artigo 12, da referida Lei n. 9.868/99 (BRASIL, 1999):

Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica,

3 poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

Após essa decisão inicial, o ministro relator passou a servir-se do instituto do amicus curiae (prevista pela Lei 9868/99) no que concerne à manifestação de outros órgãos ou entidades no processo. Ainda no âmbito desta lei prevê-se a realização de audiência pública. Ao longo de dois anos o ministro Ayres Britto considerou os pedidos de amicus curiae, sem a audiência pública. Havia a intenção manifesta de julgamento da ADI-4439 em novembro de 2012. Entretanto, a Ação foi retirada de pauta por conta da aposentadoria compulsória de seu relator. Em 26 de junho de 2013 houve redistribuição dos processos cabendo ao ministro Luís Roberto Barroso a condição de relator da ADI em questão. Em despacho de 10 de março de 2015, o ministro Barroso convocou a audiência pública. Para o professor do mestrado em Direito da FGV, doutor Fernando Leal em seu texto intitulado “Para que servem as audiências públicas no STF?” (2015), os ministros do STF consideram que as audiências e o instituto do Amicus Curiae têm impactos positivos, mas é preciso observar que: Amicus Curiae e audiências públicas não precisam ser mecanismos sobrepostos de participação na jurisdição constitucional. São instrumentos que o tribunal pode utilizar para enfrentar dois déficits permanentes e objetivos da jurisdição constitucional: o de legitimação democrática (como pode o Judiciário invalidar legitimamente decisões majoritárias?) e o de expertise técnica (como pode o Judiciário tomar decisões justificadas sobre questões de fato, que dizem respeito ao domínio da ciência?).

Na sequência de sua argumentação, Fernando Leal (2015) considera: Na prática, as audiências públicas parecem cada vez menos servir para que a corte se municie de argumentos e informações realmente técnicas. Nota-se um movimento cada vez maior de aproximação entre audiência públicas e amicus

4 curiae como institutos destinados a lidar apenas com a já repetida “dificuldade contramajoritária” dos tribunais. [...] Em vez de duas ferramentas para dois problemas diferentes, audiências e amicus tornam-se, na prática, recursos para enfrentar uma só questão: a legitimidade da jurisdição constitucional na democracia.

Fernando Leal escreveu o seu texto como que na forma de uma réplica ao texto do ministro Luís Roberto Barroso (2015c) publicado no caderno Opinião, da Folha de São Paulo, em 14 de junho de 2015, um dia antes da audiência sobre o ensino religioso nas escolas públicas. Nesse texto, o ministro Barroso (2015c) observa: No Supremo Tribunal Federal, sou relator de uma ação direta de inconstitucionalidade na qual se discute o papel do ensino da religião nas escolas públicas. Há basicamente duas posições em debate. De um lado, há os que defendem que o ensino religioso possa ser ligado a uma religião específica, sendo ministrado, por exemplo, por um padre, um pastor ou um rabino. É o que se chama de ensino religioso confessional. De outro, há os que sustentam que o Estado é laico e que o ensino de religião tem de ser de caráter histórico e plural, com a apresentação de todas as principais doutrinas. Isto é: não pode ser ligado a um credo específico. São diferentes formas de ver o papel da educação religiosa. Ao Supremo Tribunal Federal caberá determinar qual dessas duas posições realiza mais adequadamente a vontade constitucional. A Constituição não tem uma norma expressa a respeito, mas prevê a existência de ensino religioso facultativo, assim como prevê que o Estado é laico e que não deve apoiar ou embaraçar qualquer culto. Convoquei para esta segunda-feira (15), no Supremo, uma audiência pública para debater o tema e convidei representantes de todas as principais religiões no país. Com essa iniciativa, busco promover um debate aberto e plural, no qual pretendo colher a opinião de todos. Também se inscreveram pensadores religiosos, leigos e ateus, que igualmente serão ouvidos. Em seguida, farei um relatório com as principais posições e apresentarei meu voto.

Foi nesses termos que o ministro Barroso se propôs a presidir a audiência realizada no dia 15 de junho de 2015 sobre o ensino religioso nas escolas públicas. Em despacho de 15 de maio, o ministro Barroso (2015b) definiu a participação de 31 entidades com base nos seguintes critérios: “(i) representatividade da comunidade

5

religiosa ou entidade interessada; (ii) especialização técnica e expertise do expositor; e (iii) garantia da pluralidade da composição da audiência e dos pontos de vista a serem defendidos”. O próprio ministro Barroso (2015b) convocou 10 entidades: - Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED); - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE); - Confederação Israelita do Brasil (CONIB); - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); - Convenção Batista Brasileira (CBB); - Federação Espírita Brasileira (FEB); - Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (FAMBRAS); - Igreja Assembleia de Deus – Ministério Belém (IAD-Belém); - Liga Humanista Secular do Brasil (LIHS); - Sociedade Budista do Brasil (SBB). Além das 10 entidades convidadas, 227 registros de inscrição foram apresentados para participação na audiência. Destes, ao final, foram deferidos 21 em despacho de maio (BARROSO, 2015b), com a participação de 31 entidades. A seguir arrolam-se as 21 entidades cujas inscrições foram deferidas: - Federação Nacional do Culto Afro-brasileiro (FENACAB) e conjunto com a Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e entorno; - Convenção Nacional das Assembleias de Deus – Ministério de Madureira (CNAD-Madureira); - Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação; - AMICUS DH- Grupo de atividade de cultura e extensão da Faculdade de Direito da USP; - Anis- Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero; - ANAJUBI- Associação Nacional de Advogados e Juristas Brasil-Israel;

6

- Arquidiocese do Rio de Janeiro; - ASSINTEC- Associação Inter-religiosa de Educação e Cultura; - Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião – ANPTECRE; - Centro de Raja Yoga Brahma Kumaris; - Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ; - Comissão de Direitos Humanos e Minorias – CDHM; - Comissão Permanente de Combate às discriminações e preconceitos de cor, raça, etnia, religiões e procedência nacional; - Comitê Nacional de respeito à diversidade religiosa da secretaria de direitos humanos da Presidência da República; - Conectas Direitos Humanos; - Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação; - Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso – FONAPER; - Frente Parlamentar Mista em Defesa da Família; - Igreja Universal do Reino de Deus – IURD; - Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB; - Observatório da Laicidade na Educação em conjunto com o Centro de Estudos Educação & Sociedade.

Posições em face do ensino religioso na escola pública

Considerando os pronunciamentos das 31 entidades, disponíveis em notícias no site do STF e na íntegra em vídeos no youtube.com, podemos traçar 07 posições apresentadas: 1) Contra o Ensino Religioso na escola pública com o ensino transversal de temas de religião: 01 entidade, a CNTE;

7

2) Contra qualquer tipo de Ensino Religioso em escola pública: 04 entidades, CONIB, CBB, Assembleia de Deus – ministério de Madureira, Liga Humanista Secular; 3) Contra o Ensino Religioso confessional e a favor do Ensino Religioso laico: 15 entidades; CONSED, IURD, Anis, Observatório da Laicidade, AmicusDH, Conectas Direitos Humanos, FONAPER, ASSINTEC, CNE-MEC, Comissão Permanente de Combate à Discriminação, ANPTECRE, IAB, ANAJUBI, Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ, Comitê Nacional de Respeito à Diversidade; 4) Contra o Ensino Religioso confessional e por um ensino de valores, de ética: 03 entidades, Federação Espírita, Centro de Raja Yoga, Ação Educativa; 5) A favor do modelo confessional do Ensino Religioso: 06 entidades, CNBB, Arquidiocese do RJ, Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Federação das Associações Muçulmanas (proposta de ensino ecumênico, interconfessional), Assembleia de Deus – ministério de Belém, Frente Parlamentar em Defesa da Família; 6) A favor do Ensino Religioso que contemple todas as religiões, resultante de parceria entre MEC e religiões: 01 entidade, Federação Nacional de Culto Afro-brasileiro em conjunto com a Federação de Umbanda e Candomblé; 7) Sem manifestação específica: 01 entidade, Sociedade Budista Brasileira.

Das 31 entidades, 22 entidades foram favoráveis ao Ensino Religioso na escola pública, sendo que 16 foram favoráveis a uma abordagem laica dos conteúdos tal como peticiona a ADI-4439, sendo 08 entidades contrárias e 01 que não se manifestou especificamente sobre o assunto.

8

Em uma primeira análise, aparentemente despontam os três núcleos políticoepistemológicos do ensino religioso, como formulados por Viviane Cristina Cândido (2004) em sua dissertação sobre as fontes epistemológicas dessa disciplina: 1) a confessional ou de discurso teológico, exemplificada pela CNBB; 2) a escolarizada ou de discurso fenomenológico e antropológico, exemplificada no FONAPER; e, 3) a de não oferta da disciplina ou de visão laica e pragmática da educação laica denominada por Cândido (2004) como o Grupo do Não (na audiência esse grupo foi constituído pela CONIB – cuja expositora Roseli Fishmann advoga pela não oferta da disciplina desde meados dos anos 1990, CBB, Assembleia de Deus – ministério de Madureira, Liga Humanista Secular). Significativamente se observam divergências no interior dos grupos católico, evangélico e parlamentar, com alguma convergência dos grupos universitários e das religiões demograficamente minoritárias.

Posições das entidades de Direitos Humanos acerca do Ensino Religioso

Das 31 entidades, 05 eram evidentemente nomeadas como promotoras e defensoras de direitos humanos: - AMICUS DH, Grupo de Atividade de Cultura e Extensão da Faculdade de Direito da USP (expositor na audiência foi o prof. Virgílio Afonso da Silva), trabalha com casos paradigmáticos de interpretação dos direitos humanos e tem atuado principalmente por meio do instituto jurídico do Amicus Curiae que prevê a manifestação especializada de terceiros em processos; - Anis, Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (expositora: Débora Diniz), criado em 1999, é uma ONG voltada para estudos e ações sobre os direitos das mulheres e das minorias. Em 2010, pesquisadoras desse instituto publicaram o livro “Ensino Religioso e Laicidade no Brasil” que demonstrou a predominância do

9

caráter confessional do ensino religioso ministrado nas escolas públicas brasileiras. Esse livro é citado na petição que gerou a ADI-4439; - Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), uma das comissões permanentes da Câmara dos Deputados, para a qual se atribuem trabalhos de promoção, denúncia e defesa dos

direitos humanos e direitos de minorias. O

expositor da CDHM foi o consultor da Câmara, senhor Manoel Morais; - Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (expositor: Gilbraz Aragão), criado em 2014, para assessorar a implementação de eixo do Plano Nacional de Direitos Humanos a respeito da valorização e defesa dos direitos de liberdade religiosa, bem como da laicidade do Estado; - Conectas Direitos Humanos (expositor: Oscar Vilhena Vieira), é uma ONG internacional fundada em São Paulo no ano de 2001. Propõe-se a promover a efetivação dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito no Sul Global – África, América Latina e Ásia. Das 05 entidades, 04 assinalaram a necessidade de um ensino religioso não confessional nas escolas públicas, isto é, salvo a CDHM- Câmara dos Deputados, se observou que apenas o ensino não confessional da disciplina poderia preservar a laicidade do Estado. Para a AMICUS-DH o melhor seria a completa exclusão de disciplina de ensino religioso, mas, em havendo previsão legal, que o seja no modelo não confessional. A Conectas Direitos Humanos ressaltou o princípio constitucional da laicidade ao qual está subordinada a disciplina de Ensino Religioso. A Anis e a CNRDR asseveraram pela necessária escolarização da disciplina que implica no estabelecimento pelo MEC (Ministério da Educação) de diretrizes curriculares, diretrizes de formação de professores, bem como de avaliação dos

10

livros didáticos da disciplina nos mesmos critérios adotados pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD.

Considerações finais Nas considerações finais deste texto que objetivou apresentar uma análise inicial (ou notas de pesquisa) sobre a audiência pública a respeito do ensino religioso nas escolas públicas pretende-se ressaltar alguns conceitos e aspectos implicados

nessa

discussão,

especificamente

associados

às

entidades

nomeadamente voltadas para a promoção e defesa dos direitos humanos. Primeiro, a questão da laicidade do Estado e dos direitos humanos. A laicidade é reconhecida como princípio constitucional ao qual devem subordinar-se os demais dispositivos, institutos e textos legais. Na exposição de Oscar Vilhena Vieira, da Conectas Direitos Humanos, desponta a definição de laicidade:

O art. 19, I, [da Constituição Federal da República do Brasil] determina a laicidade do Estado brasileiro. Trata-se de regra. Uma regra que estabelece uma conduta peremptória ao Estado. E essa regra, como todos sabemos, proíbe qualquer forma de subvenção, qualquer forma de apoio, qualquer forma de comportamento estatal que favoreça a religião. (VIEIRA, 2015)

A Conectas Direitos Humanos e as demais entidades consideram em suas exposições que a liberdade religiosa, ou ainda mais, a liberdade de consciência, decorrente de um Estado laico permite a efetivação dos direitos fundamentais, dos direitos humanos. Assim, para Vieira (2015): “A liberdade religiosa talvez tenha sido o primeiro dos direitos humanos concebido pela modernidade. E em grande medida ela é responsável pela pacificação e pelo fim das guerras religiosas no continente europeu. Onde a liberdade religiosa não chegou, as sociedades continuaram vivendo em ambientes de profunda intolerância”.

11

A expositora da Anis foi Débora Diniz, uma das autoras do livro “Laicidade e Ensino Religioso no Brasil” (2010). Ela é antropóloga e na Anis desenvolve pesquisas sobre laicidade e direitos humanos. A sua intervenção na audiência retomou o que foi discutida por ela no livro supramencionado. Nele, pode-se ler a respeito da laicidade e dos direitos humanos: O Programa Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, na terceira edição (PNDH-3), propõe a secularização dos espaços públicos pela retirada dos símbolos e adornos religiosos. Em uma linha argumentativa semelhante, o tema do ensino religioso foi discutido, havendo recomendações de que seu conteúdo respeite a diversidade e a história das religiões, enfatizando valores políticos e éticos como a diversidade cultural, a tolerância e a laicidade. (DINIZ, LIONÇO, CARRIÃO, 2010, p. 24).

A partir dessas considerações, podemos tratar da plena escolarização da disciplina de Ensino Religioso. O Ensino Religioso pode estar na escola, mas não tem sido tratado plenamente como disciplina. (AQUINO, 2013) A Anis e o CNRDRSDH enfatizaram a necessária escolarização da disciplina de Ensino Religioso com o estabelecimento de diretrizes curriculares, diretrizes de formação docente, bem como de avaliação dos livros didáticos. Nessa direção, deve-se considerar que o Ensino Religioso teria por ciência de referência a Ciência da Religião. Para Sérgio Junqueira (2012, p. 192): “o fundamental é a compreensão do cenário em que esta disciplina será desenvolvida – contexto pedagógico, acrescido de outro elemento que o ensino religioso é uma didática da ciência da religião”. O pesquisador Sérgio Junqueira também desenvolveu essa ideia em outro texto, sobre a aplicação da ciência da religião na educação (JUNQUEIRA, 2013). Ainda nesse sentido de legitimidade do Ensino Religioso não confessional, como disciplina referenciada nas ciências humanas e sociais, podem-se registrar as contribuições dos pesquisadores Eulálio Figueira e Maurício de Aquino. Para Eulálio Figueira (2014, 462):

12 Entendemos que uma disciplina como o Ensino Religioso poderá construir sujeitos históricos mais sabedores de seus recursos, mais conhecedores de suas possibilidades e capazes de entender melhor os fatos a nosso redor. O Ensino Religioso nos ajudará a construir o que Rorty aponta como a Utopia Liberal – isto é, a Solidariedade Humana.

Para Maurício de Aquino (2013, p. 129): Historicamente, a sociedade brasileira tem dificuldade em lidar com a diversidade. Assim, uma disciplina escolar específica para os estudos das religiões poderia oferecer conhecimentos confiáveis e analiticamente distanciados para as crianças, jovens e adultos pensarem sobre o sagrado em suas diferentes facetas, inclusive civis.

Enfim, a disciplina de Ensino Religioso chega ao século XXI implica em disputas pelos sentidos de mundo que envolve significações e ressignificações da natureza e objetivo dessa disciplina em face das novas composições do campo religioso brasileiro e das atuais exigências de efetivação de direitos humanos desde uma ética da diversidade que depende para a sua realização e eficácia da valoração da laicidade do Estado como princípio constitucional da República do Brasil com a devida correspondência social.

Referências ALBUQUERQUE, Eduardo Basto de. Ensino Religioso: oficial e textualidade. In: Anais do XI Congreso Latinoamericano de Religión y Etnicidad. São Bernardo do Campo: Metodista, 2006. 13p. CD-ROM. AQUINO, Maurício de. O Ensino Religioso no século XXI: religiosidade, laicidade e diversidade cultural. Revista Brasileira de História das Religiões, v. 6, 2013, p. 117-132. ANIS – Instituto de Bioética e Direitos Humanos. Site oficial na Internet. Disponível em: http://anis.org.br/ Acesso em: 10/07/2016 AMICUS DH. Faculdade de Direito da USP. Sítio oficial na internet. Disponível em: http://www.direito.usp.br/extensao/index_extensao_amicus_dh_01.php

13

BARROSO, Luís Roberto. Despacho de convocação de audiência pública para discutir o ensino religioso em escolas públicas. Brasília, 10 de março de 2015. ADI-4439. 2015ª. Disponível em: file:///C:/Users/Mauricio/Downloads/texto_15319105319 .pdf Acesso em: 10/07/2016

_____. Despacho sobre audiência pública para discutir o ensino religioso em escolas públicas. Brasília, 15 de maio de 2015. ADI-4439. 2015b. Disponível em: file:///C:/Users/Mauricio/Downloads/texto_306860765.pdf Acesso em: 10/07/2016

_____. A fé, a razão e outras crenças. Opinião, Folha de São Paulo, 14/06/2015. 2015c. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/06/1641549luisrobertoba rrosoafearazaoeoutrascrencas.shtml Acesso em: 10/07/2016

CÂNDIDO, Viviane Cristina. O Ensino Religioso em suas fontes: uma contribuição para a epistemologia do Ensino Religioso. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Nove de Julho – UNINOVE, São Paulo, 2004. BRASIL. Lei n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9868.htm Acesso em: 10/07/2016

BRITTO, Ayres. Decisão: visto etc. Brasília, 03 de agosto de 2010. ADI-4439. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente =3926392 Acesso em: 10/07/2016

_____. DECISÃO: (Referente à Petição nº 53.574/2012). ADI-4439. Brasília, 18 de outubro de 2012. Disponível em: file:///C:/Users/Mauricio/Downloads/texto_107790435% 20(1).pdf Acesso em: 10/07/2016

CDHM. Comissão de direitos humanos e de minorias da Câmara dos Deputados. Site oficial: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoespermanentes/cdhm/noticias?b_start:int=135 Acesso em: 10/07/2016

CNRDR. Comissão Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa. Secretaria de Direitos Humanos. Site oficial: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/cnrdr Acesso em: 10/07/2016

14

CONECTAS Direitos Humanos. Site oficial: http://www.conectas.org/ Acesso em: 10/07/2016

DINIZ, Débora; LIONÇO, Tatiana; CARRIÃO, Vanessa. Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília: UNESCO: Letras Livres: EdUnB, 2010. FIGUEIRA, Eulálio Avelino Pereira. Religião e educação, um diálogo emergente: do teórico ao prático para constituição de uma área de conhecimento. Rev. Pistis Prax., Teol. Pastor., Curitiba, v. 6, n. 2, p. 437-472, maio/ago. 2014. HABERMAS, Jürgen. Entre naturalismo e religião: estudos filosóficos. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 2007. JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo. Ciência da Religião aplicada ao ensino religioso. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (orgs.). Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas: Paulus, 2013, p. 603-614. _____. Objeto do ensino religioso: identidade. REVER – Revista de Estudos da Religião, n. 01, Jan/Jun 2012, p. 181-194. _____; CORRÊA, Rosa L. T.; HOLANDA, Ângela M. R. Ensino Religioso: aspectos legal e curricular. São Paulo: Paulinas, 2007. LEAL, Fernando. Para que servem as audiências públicas no STF? Publicado em 16 de junho de 2015. JOTA: Justiça se escreve com jota. Informação Jurídica. 2015. Disponível em: http://jota.uol.com.br/para-que-servem-as-audiencias-publicas-no-stf Acesso em: 10/07/2016

LOREA, Roberto Arriada (org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Portal oficial: notícias sobre Ensino Religioso nas escolas públicas: http://www.stf.jus.br/portal/cms/listarNoticiaSTF.asp Acesso em: 10/07/2016

VIEIRA, Oscar Vilhena. Exposição na audiência pública sobre ensino religioso nas escolas públicas (ADI 4439), realizada no Supremo Tribunal Federal em 15 de junho

15

de 2015. Disponível em: http://www.edulaica.net.br/uploads/arquivo/Conectas(1).pdf Acesso em: 10/07/2016

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.