RELIGIO VERA II: O CONCEITO DO HOMEM NA EPISTEMOLOGIA DO SABER RELIGIOSO

June 1, 2017 | Autor: Eduardo Aydos | Categoria: Epistemology, Epistemología, Filosofia da Religião
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RELIGIO VERA II: O CONCEITO DO HOMEM NA EPISTEMOLOGIA DO SABER RELIGIOSO1 Eduardo Dutra Aydos

No ponto de partida das reflexões que integram este texto, postulo que o Saber Religioso constitui-se numa via de aproximação ao significado de dois processos dialeticamente imbricados no mundo da vida: (1) o AGIR COMUNICATIVO DE DEUS – que se atualiza como“Causa Incriada” de tudo o que foi, é ou será – objeto próprio dos estudos teológicos; e (2) o AGIR COMUNICATIVO DA RELIGIÃO – que nos identifica como seres 1

Agrega-se, com este texto, uma SEGUNDA PARTE inédita ao Capítulo 9 - O PARADIGMA ANCESTRAL NA EPISTEMOLOGIA DA RELIGIÃO, de “A planície de alétheia; contribuição para a (re)construção teórica de uma epistemologia de síntese e para a compreensão dos fundamentos paradigmáticos do agir e do fazer comunicativos em ciência política.” UFRGS, 1998, 315 fls. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Porto Alegre, BR-RS, 1998. Orientador: Marcelo Jerome Baquero. Uma primeira e introdutória parte deste último Capítulo da tese doutoral foi revista e ampliada no texto intitulado “RELIGIO VERA” – já compartilhado nas redes sociais. Na seqüência da segunda parte, que ora se lhe acrescenta, o autor pretente efetuar uma revisão substancial das três secções que lhe seguem no Capítulo 9 da tese doutoral: ‘A dupla tríade na TRADIÇÃO da filosofia religiosa hindu’; ‘A dupla tríade na TRADIÇÃO hebraico-cristã’; e, ‘A dupla tríade na TRADIÇÃO de UMBANDA’.

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espirituais partícipes na dramaturgia da Auto-Reflexão Comunicativa de Deus – objeto de estudos de uma antropologia filosófica. Nessa configuração dialógica do Saber nos religamos – isso que vale dizer, nos reconhecemos na Obra da Criação. Na primeira conseqüência dessa postulação, o conceito de Deus deixa de figurar como se fora apenas um ‘Motor Imóvel’, cuja aceleração e direção imperscrutáveis são motivos de temor e resignação – sentimentos estes que, tão somente reverberam o inconsciente coletivo de um tempo, quando ainda não evoluíra, a autoconsciência da Humanidade, apropriação reflexiva da sua condição espiritual, co-eterna e partícipe na dramaturgia da Ideação Divina. E, na segunda conseqüência dessa postulação, o conceito do Homem transcende a condição de um caminhante solitário num percurso existencial, aleatoriamente desenhado pelas determinações de um destino, por isso mesmo imperscrutável – condição esta que o condenaria, em última instância, ao desconsolo de uma submissão estóica à fatalidade da dor e do desencanto. Com efeito, a cosmogonia das religiões profundas é prenhe de ensinamentos que opõem: de um lado, o afrontamento irreflexivo do Divino, a que eventualmente se atribuiu um poder aterrorizante, alienante e reificante da própria experiência religiosa; e, de outro, a meditação da Obra da Criação, cuja perfeição, sentido e conseqüência nos desafiam o conhecimento e nos performam o entendimento. A expressão latina, “HOMO IMAGO DEI”, expressa o FUNDAMENTO da Tradição cosmogônica que demarca essa mudança paradigmática no percalço do Saber religioso, estabelecendo um claro e convergente divisor de águas entre o véu da ignorância e o umbral do conhecimento divinatório. E, assim também, se o Homem é a imagem de Deus, de alguma forma, os sentimentos que o Homem nutre em relação a Deus, por extensão e conseqüência, se aplicam também ao próprio Homem – religião e moral interagem nessa convergência. É neste sentido que o axioma “Homo Imago Dei” desvela a atualização da Lei Antiga pelos Avatares de uma nova era, cuja expressão mais conhecida, concisa e abrangente, é o mandamento cunhado pelo Cristo JESUS: “AMA A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS E AO PRÓXIMO COMO A TI MESMO!” Não se veja nestas premissas e sua consequência, entretanto, o princípio metafísico de uma cosmovisão antropocentrista. Mais correto seria dar-lhe o estatuto de um axioma epistêmico, que assim desvela o 2

arcano do conhecimento: NOSSA RELAÇÃO COM DEUS É A MEDIDA DE TODAS AS COISAS, E NOSSA RELAÇÃO COM O PRÓXIMO É A MEDIDA DO SEU ENTENDIMENTO. Todo SABER acessível ao nosso entendimento – o sentido do Universo e o significado do HOMEM – se resolve, em última instância, na PURA ESSÊNCIA de Deus; e, nessa mesma conseqüência, a SUA DIVINA EXISTÊNCIA, se atualiza na OBRA DA CRIAÇÃO e se performa o PRÓPRIO SIGNIFICADO na AUTOCONSCIÊNCIA da ilimitada comunidade de comunicação dos SERES ESPIRITUAIS, onde se inscreve, entre outras, a Epifania do gênero humano. A ANTROPOGONIA é, pois, um capítulo da COSMOGONIA... não é o único. Inscreve-se na epifania mais abrangente da existência co-eterna dos seres espirituais, que se tem convencionado denominar de TEOGONIA2. E, nessa mesma linha de questionamento, mas numa direção inversa, a TRADIÇÃO antropogônica das religiões profundas performa o caminho necessário para convergência e a síntese da sua DIVINAÇÃO. No escôpo e nos limites deste texto, o resgate do conceito do Homem em Fabre D’Olivet tangencia esse afrontamento. 1. A antropogonia de Fabre D’Olivet Antoine Fabre D’Olivet (1767-1825) – um ‘homem questionador’ – na introdução da sua ‘História Filosófica do Gênero Humano’, professa um conceito do Homem3, que considera o mais conforme (sob o ponto de vista linguístico) e o mais significativo (do ponto de vista hermenêutico) que se revela nos livros sagrados das religiões profundas.4 Na esteira dessa Cfr. a Wikipedia – verbete cosmogonia: “Tanto o vocábulo cosmologia como o vocábulo cosmogonia partilham do mesmo radical grego cosmo, que significa mundo. Enquanto o sufixo logos da cosmologia designa saber ou ciência, o sufixo gon da cosmogonia lhe dá o significado de "Imaginar, produzir, gerar", discernindo daí que enquanto a cosmologia é a ciência que estuda o universo, a cosmogonia é uma das diversas teorias ou explicações que determinada religião ou cultura deu à origem do universo e seus principais fenômenos.” Semelhante distinção se aplica, também aos conceitos aqui trabalhados de antropogonia e teogonia, vis a vis de antropologia e teologia. 3 Esse tópico é esboçado na secção intitulada “Constituição intelectual e metafísica do Homem”, que integra a Dissertação Introdutória da sua obra filosófica aqui referenciada e lhe dá origem. 4 “Os filósofos, naturalistas ou físicos que incluíram o homem na classe dos animais cometeram um erro grave. Iludidos pelas suas observações superficiais, pelas suas experiências frívolas, eles se esqueceram de consultar a voz dos séculos, as tradições de todos os povos. Se tivessem aberto os livros sagrados das mais antigas nações do mundo, os dos chineses, indus, hebreus ou persas, eles teriam visto que o reino animal já existia, completo, antes da aparição do Homem. Quando o Homem surgiu no palco do universo, ele formou sozinho um quarto reino, o Reino Hominal. Esse reino é chamado de Pan-Ku pelos chineses, Puru pelos brâmanes, Kai-Ormuz pelos seguidores de Zoroastro e Adão pelos hebreus e por todos os 2

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pretensão, D’Olivet afronta o imperialismo do Saber Científico que, à sua época de forma ainda incipiente – mas atualmente como um paradigma de ampla aceitação – definia o ser humano como um mero aparato de matéria, aperfeiçoada pela evolução, para o processamento de funções cognitivas mais complexas do que em quaisquer outros seres viventes. Contesta, também, o maniqueísmo que grassa no polo oposto, das concepções que privilegiam a condição intelectiva do ser humano e sua capacidade de transcendência, com total desprezo pela sua realidade corporal. Tudo isso que resume numa sentença paradigmática, de profundidade e consequência pouco conhecidas e, ainda menos reconhecidas: “O Homem não é nem um animal nem uma inteligência; é um ser intermediário situado entre a matéria e o espírito, entre o céu e a terra para servir-lhes de elo.” (FABRE D’OLIVET, Op. Cit.: acessada em 08/03/2011). Na perscrutação desse conceito, a antropologia filosófica de Fabre D’Olivet antecipa, em mais de um século, noções básica da psicologia profunda de Freud: “Como já disse, o Homem pertence a uma natureza tríplice, podendo, portanto, viver uma vida tríplice: uma vida instintiva, uma vida anímica, ou uma vida intelectual. Estas três, quando estão todas desenvolvidas, confundem-se numa quarta, é a vida própria e volitiva desse ser admirável, cuja fonte imortal encontra-se na vida e na vontade divinas. Cada uma destas vidas possui um centro específico e sua esfera apropriada.” (FABRE D’OLIVET, Op. Cit.: acessada em 08/03/2011). A tradutora Nayan Louise Redfield, discípula de Inayat Khan, na edição de língua inglesa de 1915, intitulada “Hermeneutic Interpretation of the Origin of the Social State of Man and of the Adamic Race” 5, acrescentou ao texto original de Antoine FABRE D’OLIVET (1768-1825), povos que aceitem o Sêfer de Moisés, que se liguem a ele através do Evangelho, como os cristãos, ou que se retemperem nele através do Alcorão e do Evangelho, como os muçulmanos. Sei muito bem que, atualmente, os intérpretes desses livros que se atem unicamente às formas literais e vulgares e que permanecem alheios à maneira de escrever dos antigos consideram que Pan-Ku, Puru, Kai-Ormuz ou Adão é um único homem, o primeiro indivíduo da espécie. Mas já dei provas suficientes, em minhas traduções da cosmogonia de Moisés contida nos dez primeiros capítulos do Sêfer, de que devemos entender que Adão não é um homem específico, mas o Homem em Geral, o Homem Universal, o Gênero Humano inteiro, o Reino Hominal, enfim. Se as circunstâncias um dia me permitirem apresentar meu prometido comentário sobre essa Cosmogonia, provarei também que o primeiro dos chineses, dos indus e dos persas, Pan-ku, Puru ou Kai-Ormuz, deve ser igualmente universalizado e concebido não como um único homem, mas como a reunião de todos os homens que entraram, entram ou entrarão na composição desse grande todo que chamo de Reino Hominal.” (D’OLIVET, Antoine Fabre: 1905) 5

Título inglês do original: De Létat Social de L’Homme ou Vues Philosophiques sur L’Histoire du Genre Humain precedé d’une Dissertation Intriductive sur les Motifs e L’Objet de cet ouvrage. Chez J.L.J. Birère, Librairie: Paris, 1822. O esforço figurativo deste diagrama expressa conteúdos elaborados na secção intitulada “Constituição intelectual e metafísica do Homem”, que integra a Dissertação Introdutória dessa obra filosófica e lhe dá fundamento.

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um diagrama sintético. Essa figura geométrica conforma um exaustivo e consistente Plano da Constituição do Homem, desvelando uma compreensão holística da sua estrutura e sentido, que ali se representa e distribui em três centros da experiência vivida: CORPO 6, ALMA e ESPÍRITO7; estes que, por sua vez, conformam um centro axial, que se projeta numa quarta dimensão mais abrangente e qualificadora – a esfera DETERMINAÇÕES VOLITIVAS – onde se identificam 24 atributos constitutivos da personalidade humana. O diagrama da tradutora inglesa é passível de uma releitura, que permite, passo a passo, apreender a sua lógica, explicitar o seu significado e vislumbrar a sua conseqüência. Seu método de exposição – uma análise topológica dos conceitos articulados por Fabre D’Olivet – facilita o respectivo entendimento; evidencia suas articulações e eventuais lacunas, suas fissuras e contradições nodais, permitindo suprí-las e resolvê-las. Como todo paradigma, essa construção conceitual desafia questionamento, ainda que o provoque como um mero exercício de consistência e conseqüência teóricas. É nessa perspectiva, e com a licença do hermeneuta que rastreia o entendimento, que se postula a CONVERGÊNCIA dos conceitos fabrianos no paradigma da epistemologia de síntese, nosso ponto de partida e de chegada nesta obra.

O conceito ‘corpo’ constitui-se numa ‘atualização’ de sentido utilizada no diagrama interpretativo de Nayan L. Redfield para a esfera vital que é, recorrentemente, designada por Fabre D’Olivet como ‘esfera instintiva”. Não obstante, é necessário precaver-se que Fabre D’Olivet trabalha um conceito abstrato do ser humano – que ele mesmo designa como espiritual e totalmente despido de qualquer referência aos seus órgãos corporais enquanto tal. Por isso, resta mais conforme o pensamento do autor, a designação própria de uma ‘esfera instintiva’ ou (para não recair na polissemia do instinto como categoria e como campo) a designação de ‘esfera de potencialidade corporal’, que mais adiante, neste texto, para a releitura dos conceitos fabrianos sob a ótica da epistemologia de síntese. 7 Também a designação de ‘espírito’, para o terceiro círculo vital na tradução livre do diagrama em análise, incide em polissemia. Com efeito, o conceito do Homem, como um todo, e não apenas um dos círculos de sentido que o compõem, é concebido ‘espiritualmente’ por Fabre D’Olivet. Mais conforme, por isso, utilizar-se a designação de ‘esfera intelectual’ ou ‘esfera da potencialidade intelectual’ que passaremos a utilizar. 6

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DIAGRAMA SÍNTÉTICO POR NAYAN L. REDFIELD

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2. As três esferas vitais na visão de Fabre D’Olivet O processo do conhecimento, conforme o concebe o paradigma da epistemologia de síntese, performa uma lógica triádica de significação. Nos fundamentos desta concepção, o texto fabriano, explicita que: “(...) considerado espiritualmente, e na ausência dos seus órgãos corporais, podemos conceber o homem sob a forma de uma esfera luminosa, na qual três focos internos dão origem a três esferas distintas, todas envolvidas pela circunferência daquela esfera. De cada um destes três focos irradia-se uma das três vidas a que me referi. Ao foco inferior pertence a vida instintiva; ao foco intermediário, a vida anímica; e, ao foco superior, a vida intelectual.” (FABRE D’OLIVET, Op. Cit.: acessada em 08/03/2011.) É o que se representa na estrutura central do diagrama de Nayan L. Redfield.

No seu desdobramento teórico, Fabre D’Olivet concebe a estrutura interna de cada uma destas três ‘esferas’ na forma de dois triângulos, que se interpenetram configurando uma totalidade de seis faculdades – ou modos específicos de ação – segundo a natureza de cada esfera. Para facilitar o entendimento deste todo complexo, Fabre D’Olivet prefere nomear apenas três faculdades de cada ‘esfera’, identificando, assim, nove atributos sígnicos – instinto, senso-comum, sensação, sentimento, entendimento,

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razão, inteligência, sagacidade e assentimento – cuja figuração topológica é, a seguir e sequencialmente, explicitada. Nesta primeira figura geométrica, que realça as faculdades da esfera instintiva, constata-se que, mais de 50 anos antes de Siegmund Freud iniciar seus estudos do inconsciente, Fabre D’Olivet, rotulado à sua época como visionário ou como louco, postulava que o instinto conforma o substrato mais elementar da mente humana.

Em 1822, a mera enunciação destes três conceitos representa uma recusa ao sensorialismo cientificista e confronta o avanço napoleônico da modernidade triunfante, postulando o embasamento da condição humana, enquanto corporeidade, nas suas bases instintivas e sensoriais, e afirmando o caráter constitutivo do senso-comum na conformação da sua capacidade cognitiva. Em 2012, o resgate dessa ruptura epistemológica projeta o pensamento de Fabre D’Olivet numa linha de frente da pós-modernidade. Na conformação da segunda esfera vital, percebe-se que, em pleno apogeu do cientificismo racionalista, o gênio inconformado de Fabre D’Olivet já intuía a lógica triádica das categorias do sentimento, compreensão e razão.

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No terceiro momento analítico desta construção, contrariando o empiricismo emergente, Fabre D’Olivet postula que o intelecto humano, a par da inteligência e da sagacidade, é constituído pelo ato/capacidade do assentimento.

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O assentimento (ou socialmente considerando, o consentimento) – manifestação da vontade em relação a VALORES – é compreendido, assim, como uma condição essencial do acesso ao conhecimento. Pelo que se depreende com toda a clareza que, no conceito fabriano do HOMEM, não existe espaço para uma ciência descomprometida da formulação de paradigmas que, para além de um objetivismo ‘tout court’, refletem visões de mundo e considerações de ordem subjetiva (e/ou intersubjetiva). 3. O centro axial – e a emergência da esfera volitiva Detenhamo-nos, por um momento, na importância fundamental que D’Olivet empresta à esfera anímica. É que ali, num movimento de contração se interpenetram as outras duas esferas vitais 8; e, porque dali, por força de expansão, se origina uma quarta esfera – do poder eficiente volitivo – que é abrangente e qualificativa das demais esferas.

Isso posto, cabe agora explicitar o modo, pelo qual, a conformação dessas esferas vitais-funcionais performam, no modelo topológico da 8

“Desses três centros vitais, podemos considerar o centro anímico, como o ponto fundamental, a primeira causa sobre a qual repousa e se move toda a estrutura do ser espiritual humano. Esse centro, desdobrando sua circunferência, atinge os outros dois centros, reunindo sob ele próprio os pontos opostos das duas circunferências que eles desdobram, de modo que as três esferas vitais, movendo-se uma na outra, comunicam-se suas naturezas diversas e influenciam-se mutuamente”. (FABRE D’OLIVET, Op. Cit.: acessada em 08/03/2011.)

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epistemologia de síntese, as quatro condições estruturais da auto-reflexão comunicativa que consubstancia o axioma ‘Homo Imago Dei’.

3. A conformação do núcleo sígnico e dos interesses epistemológicos e das funções estruturantes da condição humana. Por força de expansão, o centro anímico, como antes figurado, se redefine como centro axial e se projeta na esfera volitiva, conferindo-lhe sentido9; e, assim também, neste nível mais abrangente de significado, as categorias constitutivas da esfera anímica – razão, sentimento e entendimento – passam a designar, os três interesses epistemológicos que, na sua interação, promovem a auto-reflexão comunicativa da HUMANIDADE.

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“Sobre o próprio centro da esfera anímica, causa primeira do ser espiritual humano, se apóia um outro centro que lhe é inerente, cuja circunferência, desdobrando-se, atinge os pontos extremos das esferas instintiva e intelectual, envolvendo-as igualmente. Essa quarta esfera, em cujo interior movem-se as esferas do instinto, da alma e do espírito, dependendo do lugar e conforme procurei descrever, é a esfera do poder eficiente, volitivo, cuja essência, emanada da Divindade, é indestrutível e incontestável como ela. Essa esfera, cuja vida se irradia incessantemente, do centro para a circunferência, pode ampliar-se ou restringir-se no espaço etéreo até os limites que se poderiam chamar de infinitos, se Deus não fosse o único ser infinito.” (FABRE D’OLIVET, Op. Cit.: acessada em 08/03/2011.)

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Por força de contração, o vazio deixado no locus do centro anímico se recompõe como NÚCLEO SÍGNICO, do conceito do Homem. Este movimento pode ser decomposto, sinalizando a dialética de complementariedade que denota o paradigma de síntese. Numa primeira instância, o centro anímico absorve a esfera instintiva, que passa a integrá-lo, como substrato do AGIR COMUNICATIVO da Humanidade. Consoante essa hermenêutica, as SENSAÇÕES, que experimentamos como demanda e satisfação de necessidades materiais, são elevadas à condição de uma abstração interpretante da tensão que se estabelece, no afrontamento do mundo, entre o SENSO-COMUM da vida, que nos performa a razão prática, e as pulsões arquetipais nossos INSTINTOS, que nos comovem com suas pulsões arquetipais.

Numa segunda instância, o centro anímico absorve a esfera intelectual, que passa a integrá-lo como substrato do FAZER COMUNICATIVO da Humanidade. Nessa perspectiva, o ASSENTIMENTO é o interpretante concreto, da tensão que se estabelece entre a INTELIGÊNCIA, com suas indagações transcendentais, e a SAGACIDADE que lhe permite transpor limites e 12

contornar constrangimentos, que se impõe ultrapassar e vencer, na sua engenhosa e persistente busca do conhecimento.

Ao cabo dessa ‘démarche’ teórica, o redesenho do centro axial – fazendo incidir, nos limites definidos pela base dos triângulos invertidos, o potencial realizador, representado pelo ângulo convergente dos seus catetos – desvela uma figura quaternária.

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Neste diagrama se representam, moduladas pela dialética do agir e do fazer comunicativos, as quatro FUNÇÕES ESTRUTURANTES da condição humana; estas que se originam: (a) na esfera corporal como NECESSIDADE (ou DESEJO, como entende Nayan L. Redfield) 10; (b) na esfera anímica como PAIXÃO; (c) na esfera intelectual como INSPIRAÇÃO, e (d) na esfera volitiva como DETERMINAÇÃO (ou, melhor entendido, como AUTO-DETERMINAÇÃO). E, ainda aqui, realçam as propriedades da alma projetadas na esfera volitiva – SENTIMENTO, ENTENDIMENTO e RAZÃO – que adquirem, no limiar destas considerações, uma condição qualitativamente diferenciada como FUNÇÕES SÍGNICAS, ou interesses epistemológicos que nos acedem o conhecimento.

4. A geometria dos atributos constitutivos do PODER EFICIENTE DA VONTADE DO HOMEM em Fabre D’Olivet Conforma-se, nos limites da figura paradigmática que ora nos assombra, um círculo externo onde o diagrama de Nyan L. Redfield localiza 24 atributos constitutivos do que Fabre D’Olivet designa como o PODER EFICIENTE DA VONTADE DO HOMEM. Destes atributos, 12 correspondem a FACULDADES da esfera volitiva e 12 aos respectivos MEIOS, que poderíamos designar como OPERADORES LÓGICOS da reflexão comunicativa. Considerando as 12 faculdades da esfera volitiva, D’Olivet identifica 6 como PRIMÁRIAS, e as nomeia em três pares, a saber: ATENÇÃO e PERCEPÇÃO, REPETIÇÃO e REFLEXÃO, COMPARAÇÃO e JULGAMENTO. Note-se que essa ordem de nomeação corresponde ao encadeamento da atividade mental que, originária de uma das três esferas vitais ou da própria esfera volitiva, elabora uma IDÉIA – ou seja, um primeiro e ainda muito concreto e circunstancial afrontamento da realidade.

Observe-se que o conceito de ‘necessidade’ em Fabre D’Olivet é uma atualização da esfera instintiva do Homem, espirtualmente concebida, isso que lhe confere sentido muito próximo, do que se figura como ‘desejo’ na denotação freudiana deste termo. Trata-se, portanto, de um conceito de conotação bem diferenciada da ‘necessidade’ num sentido hegeliano-marxista. 10

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As faculdades SECUNDÁRIAS são identificadas por D’Olivet como: RETENÇÃO e MEMÓRIA, DISCERNIMENTO e COMPREENSÃO, IMAGINAÇÃO e CRIAÇÃO. Também aqui, a ordem de nomeação corresponde ao encadeamento da atividade mental que, originária daquele primeiro afrontamento, processa um PENSAMENTO – ou seja, o resultado mais complexo, agora abstrato e determinado, das alternativas de ação que a realidade lhe confronta.

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A par das FACULDADES da mente, D’Olivet identifica 12 atributos que designa como MEIOS do poder eficiente do HOMEM. Preferimos designar estes MEIOS, mais precisamente, como operadores lógicos do conhecimento, eis que instrumentalizam a auto-determinação da vontade, a saber: MÉTODO, CATEGORIZAÇÃO, DECOMPOSIÇÃO, ANÁLISE, NUMERAÇÃO, INDIVIDUALIZAÇÃO, SÍNTESE, ANALOGIA, DEDUÇÃO, INDUÇÃO, ABSTRAÇÃO e GENERALIZAÇÃO. D’Olivet postula uma correspondência lógica entre pares de FACULDADES e seus respectivos OPERADORES, cuja topologia se captura na figura geométrica que segue.

Neste ponto de nossa reflexão, os conceitos fundamentais do construto fabriano foram explicitados e a lógica da sua compreensão no modelo da epistemologia de síntese foi decodificada. O detalhamento da dinâmica das FACULDADES e dos MEIOS da vontade, como a compreende Fabre D’Olivet, e da sua releitura sob o paradigma que desvelamos, extrapola os limites e as pretensões deste texto. Cumpre, ainda, na completação da sua releitura, desincumbir-nos de uma última tarefa: sinalizar a articulação teórica e a correspondência topológica do conceito fabriano do HOMEM, na sua TEOGONIA da Criação.

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5. Topologia do conceito do HOMEM na Obra da Criação: os três Campos de Atualização do Divino Princípio e os três Grandes Poderes que movem o Universo. O HOMEM segundo Fabre D’Olivet, como figurado no diagrama de Nayan L. Redfield, e redesenhado em nosso escorço interpretativo, não é um demiurgo solitário no seio do NADA. Talvez radique nisso a sua diferença substancial em relação ao DIVINO PRINCÍPIO cuja imagem reflete. O HOMEM – abstrata, genérica e potencialmente visualizado como REINO HOMINAL11 – na visão ampliada da teogonia fabriana, é um princípio de AUTO-CONSCIÊNCIA que: (a) no seu fundamento, reflete em CAUSAS o DIVINO PRINCÍPIO, que nele se manifesta como o impulso canalizada da PROVIDÊNCIA; (b) nutre sua força vital do UNIVERSO CRIADO, que o circunda e que nele se manifesta como o impulso canalizado do DESTINO; e, (c) desfruta da liberdade de interagir com estes dois primeiros CAMPOS DE ATUALIZAÇÃO pela condição própria da sua AUTO-DETERMINAÇÃO, ou seja, pelo PODER EFICIENTE DA SUA VONTADE.

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O conceito fabriano do HOMEM reflete, como dificilmente deixaria de fazê-lo à sua época, uma visão unifocada na Humanidade como única linha de desenvolvimento espiritual no Universo. Uma abordagem mais contemporânea estenderia o conceito do Reino Hominal a todas linhas de desenvolvimento espiritual que acontecem neste lado da casa do Pai Celestial.

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Nesta perspectiva, a senda da realização humana desvela-se na confluência de três campos de propriedades inerentes ao respectivo CONCEITO, que postulamos designar como: Campo da Fundamentação em Causas do Reino Hominal, Campo da Estruturação da Força Civilizatória, e Campo de Atualização da Liberdade do Homem. E para o afrontamento destas condições dadas e reconstruídas, a constituição do HOMEM lhe potencializa o manejo de três PRAXIOLOGIAS: a PROVIDÊNCIA, o DESTINO e a sua própria VONTADE. Bem entendido que, esta última praxiologia, como poder eficiente de autodeterminação, é que assegura ao HOMEM a capacidade de modular, na sua trajetória, o efeito das outras duas forças – a elas se submetendo, com elas se reconstruindo ou a elas resistindo. Este, em resumo, é o ponto de partida e de chegada no pensamento de Fabre D’Olivet: o HOMEM é formado por três esferas vitais: instintiva, anímica e intelectual; o homem como poder eficiente de auto-determinação é, igualmente, conformado por três forças, o reflexo da PROVIDÊNCIA na sua busca de perfeição, as manifestaçõe do DESTINO na sua condição existencial, e os desígnios da sua própria VONTADE na conformação do mundo como um ambiente divinatório – vale dizer, como um ambiente reflexo do Divino Princípio, que é o fundamento do nosso representamen. Ao termo e ao fim, vale sinalizar o que as figuras geométricas alinhadas neste escorço interpretativo demonstram: que a antropologia de Fabre D’Olivet antecipa, esclarece e converge no modelo paradigmático da epistemologia de síntese, que foi desvelado na obra de W.W. da Matta e Silva e desenvolvido em nossa obra – “A Planície de Alétheia” 12, cujo mapa conceitual conforma o seguinte diagrama:

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Vide Nota 1 – neste texto.

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