Remédios por Inadimplemento no JOA: questões sobre sua aplicação no Brasil

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IBP1376_16 REMÉDIOS POR INADIMPLEMENTO NO JOA: QUESTÕES SOBRE SUA APLICAÇÃO NO BRASIL Rafael Baptista Baleroni1 e Gabriela Oliveira Bogossian Roque2 Copyright 2016, Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis - IBP Este Trabalho Técnico foi preparado para apresentação na Rio Oil & Gas Expo and Conference 2016, realizado no período de 24 a 27 de outubro de 2016, no Rio de Janeiro. Este Trabalho Técnico foi selecionado para apresentação pelo Comitê Técnico do evento, seguindo as informações contidas no trabalho completo submetido pelo(s) autor(es). Os organizadores não irão traduzir ou corrigir os textos recebidos. O material conforme, apresentado, não necessariamente reflete as opiniões do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, Sócios e Representantes. É de conhecimento e aprovação do(s) autor(es) que este Trabalho Técnico seja publicado nos Anais da Rio Oil & Gas Expo and Conference 2016.

Resumo Companhias de petróleo frequentemente se associam para repartir riscos de suas atividades de exploração e produção. Sua relação é regulada principalmente por um Joint Operating Agreement (JOA), o qual usualmente segue padrões internacionais. No Brasil, é comum o uso do modelo publicado pela Association of International Petroleum Negotiators (AIPN). Em caso de inadimplemento financeiro continuado, esses modelos preveem três alternativas de remédio contratual: forfeiture, buy-out e withering. Dado seu caráter internacional, o modelo de JOA não foi preparado especificamente para o Direito brasileiro. Este artigo analisa, à luz do Direito brasileiro, se esses remédios podem ser considerados válidos, eventuais situações de limitação de sua eficácia e dificuldades práticas para sua efetivação. Traçase paralelo entre medidas similares previstas no Direito societário brasileiro e é feita investigação de direito comparado, tendo em vista recentes decisões estrangeiras relevantes sobre o tema.

Abstract In order to share the high risk intrinsic to upstream activities, oil companies usually develop such activities in joint ventures. The relationship of the parties is regulated by a Joint Operating Agreement (JOA), which usually follows international standard model forms. In Brazil, the Association of International Petroleum Negotiators (AIPN) model form is the preferred one. The JOA model forms contain three alternative clauses for default: forfeiture, buy-out and withering. Given its international application, the JOA model form was not prepared specifically to the Brazilian legal system. This article analyses, under Brazilian law, whether such clauses are valid, potential limitations to their effectiveness and practical obstacles to their enforcement. The analysis encompasses a parallel between such remedies and similar measures provided in Brazilian corporate laws and an investigation on foreign laws, considering recent relevant decisions about this subject in foreign courts.

1. Introdução A indústria do petróleo, especialmente o segmento de exploração e produção (“E&P” ou upstream), se caracteriza por demandar volumosos investimentos e apresentar alto risco. Como forma de mitigar tais riscos e repartir os custos de investimentos envolvidos, é frequente a associação entre diferentes empresas para a execução de atividades. No setor de E&P, a relação entre as companhias petrolíferas pode ocorrer por meio da constituição de uma sociedade de propósito específico ou ser regulada por meio de um acordo de operação conjunta, internacionalmente denominado Joint Operating Agreement, ou JOA. O JOA regula questões de natureza técnica, operacional, contábil, jurídica e financeira relevantes para a execução conjunta das atividades de E&P. Usualmente, no Brasil, este contrato segue um padrão internacional publicado pela Association of International Petroleum Negotiators – AIPN. Um importante aspecto do JOA é regular os procedimentos para realização de investimentos conjuntos no empreendimento, bem como consequências pelo seu descumprimento. A importância da capacidade financeira das

______________________________ 1 Mestre em Direito Internacional, com distinção e louvor (UERJ). Mestre em Direito (LL.M.) pela University of Chicago. Especialista em Direito do Petróleo pelo Programa de Formação de Recursos Humanos da ANP/MCT (PRH33-UERJ). Sócio do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch – Advogados. 2 Curso de Extensão Lato Sensu em Finanças Corporativas (COPPEAD-UFRJ). Bacharel em Direito (PUC-Rio). Associada do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch – Advogados.

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2016 partes é ilustrada, inclusive, pela adoção a partir do modelo JOA 2002 de cláusula de execução de garantia de obrigações financeiras em caso de inadimplemento. Com a significativa redução no preço do barril de petróleo ocorrida a partir do segundo semestre de 2015, após um longo período de alta que justificou investimentos em áreas com elevados custos de produção, as empresas vêm vivenciando também uma queda significativa em suas receitas, afetando negativamente a capacidade financeira de muitos players do setor. Com isso, torna-se ainda mais relevante a discussão a respeito do inadimplemento no âmbito dos JOAs, especialmente o de caráter financeiro. Essa discussão não se restringe ao Brasil, sendo um tema de relevância para a indústria global. Neste contexto, o objetivo deste artigo é analisar, à luz do direito brasileiro, os remédios previstos nos modelos de JOA publicados pela AIPN disponíveis às partes adimplentes após o inadimplemento financeiro de uma das partes contratantes. Especificamente, focaremos nossa análise nas medidas mais extremas contra o inadimplemento, quais sejam (1) exclusão compulsória do JOA e do contrato de E&P, medida conhecida como forfeiture; (2) diluição da participação, ou withering; e (3) venda forçada da participação, ou buy-out. Quaisquer dessas medidas, geralmente, são antecedidas pela perda de direitos contratuais. Usaremos como base o modelo de JOA da AIPN de 2012, indicando, quando relevante, diferenças em relação aos modelos de anos anteriores. Assim, referências ao “JOA” se referem a esse modelo.

2. Remédios Contratuais em Caso de Inadimplemento Nos termos do JOA, cláusula 8.1, uma parte será considerada como inadimplente no momento em que deixar de pagar, quando devida, sua parte nas despesas de operações conjuntas, incluindo adiantamentos em dinheiro (cash calls) e juros. Este é um dispositivo que não sofreu alterações relevantes ao longo dos modelos. O JOA, cláusula 8.2, prevê que, caso a parte não cure o inadimplemento em até cinco dias contado da respectiva notificação de inadimplemento, esta perderá: (1) o direito de participar e votar em reuniões do comitê ou do subcomitê operacional; (2) o direito de acesso a qualquer informação relacionada às operações conjuntas ou de se manifestar sobre troca de informações com terceiros; (3) o direito de se manifestar sobre cessões de direitos; e (4) parcela da produção de hidrocarbonetos (caso existente) a que tem direito, que será de propriedade das partes adimplentes, dentre outras consequências. Por outro lado, os valores devidos deverão ser suportados por cada parte que não esteja em inadimplemento proporcionalmente às suas participações na concessão, adquirindo um crédito contra o parceiro inadimplente (JOA, cláusula 8.3). Se qualquer destas partes não realizar o pagamento de sua parcela destes montantes, tal parte também deverá ser considerada como uma parte em inadimplemento (JOA, cláusula 8.3). As consequências contratuais do inadimplemento estão previstas na cláusula 8.4 do JOA. O primeiro remédio contratual previsto no JOA é a possibilidade, na existência de produção, de venda da parcela da produção da parte inadimplente pelo operador, em benefício dos outros membros da joint venture, com o intuito de reembolsar as partes adimplentes pelos valores pagos em favor da parte inadimplente. Os proveitos obtidos com tal venda deverão ser entregues para as partes adimplentes na proporção dos valores a elas devidos, e quaisquer valores em excesso serão revertidos ao parceiro inadimplente. Caso o inadimplemento não seja remediado no prazo de 30 dias (ou 60 dias, nos termos do JOA 1995) contados da data de notificação, as partes adimplentes poderão adotar medidas mais extremas contra a parte inadimplente. Trataremos das três medidas consideradas no modelo de JOA de 2012 nos próximos itens. 2.1. Transferência Forçada da Participação ou Forfeiture O forfeiture como remédio contratual em caso de inadimplemento é a única medida existente em todos os modelos de JOA, sendo a única nos dois primeiros modelos publicados pela AIPN (em 1990 e, posteriormente, 1995). Ele se operacionaliza mediante a saída e transferência forçada da totalidade da participação da parte inadimplente para os demais participantes da joint venture, proporcionalmente à participação de cada um destes (exceto de outra forma acertado em acordo independente), de forma a satisfazer o inadimplemento. Não há pagamento em contrapartida pela transferência. Esta medida pode ser exercida por qualquer parte adimplente, mas nem todos os membros da joint venture são obrigados a aceitar a transferência da participação do parceiro inadimplente. Neste caso, a participação transferida será dividida entre as partes que aceitaram o exercício desse remédio. O forfeiture é a medida mais severa em caso de inadimplemento de uma das partes e sua validade é questionada em diversas jurisdições. Além disso, no Brasil, a sua aplicação pode enfrentar algumas dificuldades que serão discutidas adiante.

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Rio Oil & Gas Expo and Conference 2016 2.2. Venda Forçada de Toda a Participação ou Buy-Out O buy-out, por sua vez, introduzido pelo modelo de JOA de 2002, consiste em um mecanismo de venda forçada de toda a participação da parte inadimplente para os demais contratantes que desejem exercer esta opção. Nos termos dos modelos de JOA de 2002 e 2012, cada parte adimplente pode exercer esta opção mediante notificação à parte inadimplente e aos demais parceiros. Estes poderão manifestar ou não interesse em também exercer a opção de compra. Caso mais de uma parte tenha interesse em exercer o buy-out, a participação da parte inadimplente será dividida entre os interessados na medida de suas participações na concessão. Os parceiros que desejem realizar esta opção deverão apresentar cada um uma proposta de preço para a compra da sua respectiva parcela da participação da parte inadimplente, que poderá aceitar ou não o valor oferecido. Em caso de recusa, será indicado um avaliador independente para estipular um preço de mercado para a participação. A parte inadimplente terá o direito de receber pela sua participação na concessão o valor de mercado subtraído (1) do valor em inadimplemento (principal e juros); (2) de todos os custos envolvidos no exercício dos remédios contratuais para o inadimplemento (inclusive as despesas para contratação de um avaliador independente), e (3) um percentual do valor de mercado estabelecido no contrato. Por conta da necessidade de valoração da participação a ser compulsoriamente alienada, o buy-out é uma medida de mais fácil aplicação em um momento em que as reservas estejam comprovadas, tornando viável (ou, ao menos, mais precisa) a avaliação do ativo. 2.3. Diluição da Participação ou Withering Option A medida mais recente de remédio ao inadimplemento não sanado de uma das partes é a diluição da participação ou withering, que foi introduzida pela AIPN ao modelo de JOA de 2012. Ao contrário das demais medidas detalhadas acima, o withering conforme previsto no JOA 2012 apenas poderá ser exercido em uma área em desenvolvimento. O withering é um remédio menos extremo e mais proporcional que o forfeiture ou o buy-out, uma vez que se trata de um mecanismo de venda forçada de parcela da participação da parte inadimplente para as partes adimplentes que queiram exercer essa opção, a qual será maior conforme uma menor parcela dos custos de desenvolvimento para uma área tenha sido adimplida, conforme fórmula estabelecida no respectivo JOA. Assim como ocorre no forfeiture e no buy-out, trata-se de uma opção das partes adimplentes, e não necessariamente todas as partes precisam exercer a opção. Caso mais de uma parte exerça esta medida, a porção da participação transferida será dividida entre as partes que optaram pela medida proporcionalmente à sua participação na concessão.

3. Paralelos com o Direito Societário Brasileiro Conforme mencionado acima, como forma de mitigar os riscos e diluir os investimentos necessários para realização de atividades de upstream, é frequente a associação entre diferentes empresas para a execução de atividades. De modo geral, a associação contratual (non-incorporated joint ventures) domina a relação entre empresas petrolíferas no cenário global (Ribeiro, 2014). No Brasil, as joint ventures contratuais para a exploração e produção de petróleo e gás devem necessariamente ser constituídas por meio de um contrato de consórcio, segundo previsto no artigo 38, II da Lei do Petróleo (Lei nº 9.478 de 1997). Embora de fato indispensável para regular em detalhes o relacionamento entre as partes, a assinatura de um joint operating agreement não é obrigatório do ponto de vista legal no Brasil. Muito embora nestes casos a relação entre a partes seja contratual, é preciso ter em mente que o contrato de consórcio possui natureza jurídica de um contrato plurilateral, enquadrando-se ainda como espécie de contrato de sociedade criador apenas de uma sociedade não-personificada (Baleroni, inédito), se enquadrando com exatidão no tipo legal do artigo 981 do Código Civil (“Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”). Assim, tendo em vista sua natureza distinta daquela de um mero contrato bilateral (Ribeiro, 2014), cabe tecer alguns paralelos entre os remédios contra o inadimplemento de uma das partes previstos no JOA e aqueles disponíveis em uma relação no âmbito de sociedades anônimas e sociedades limitadas, tipos de sociedade personificadas onde o uso de medidas similares é comum e mais desenvolvido. De fato, os mecanismos para satisfação do inadimplemento de uma das partes previstos no JOA encontram diversas correspondências àqueles previstos na legislação societária a respeito do sócio remisso, em especial o Código Civil e a Lei das S.A. (Lei 6.404 de 1976). Pela lei societária, é considerado remisso o sócio que não integraliza as ações ou cotas subscritas dentro do prazo previsto no estatuto ou contrato social, ou no boletim de subscrição. Como regra geral para as sociedades personificadas, verificada a mora de um dos sócios, os demais poderão optar pela exclusão do sócio remisso, pela redução de sua participação ao montante já realizado ou pela cobrança de indenização (artigo 1.004 do Código Civil). Especificamente para sociedades limitadas, os sócios adimplentes possuem também a opção de tomar para si as cotas 3

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2016 não integralizadas (integralizando-as) ou transferi-las a terceiros, devolvendo ao sócio remisso os valores eventualmente pagos, descontados os juros e despesas relativas (artigo 1.058 do Código Civil). No mesmo sentido, a Lei das S.A. prevê, em seu artigo 107, que a companhia pode, à sua escolha, executar o acionista remisso ou mandar vender as ações não integralizadas em bolsa de valores, por conta e risco do acionista, sem prejuízo de suspender o exercício dos direitos do acionista conferidos pela propriedade das ações. Caso o montante obtido com a venda não seja suficiente, a companhia pode cobrar o saldo do remisso. Em última hipótese, caso a companhia não consiga a integralização das ações, poderá integralizá-la com lucros ou reservas ou, ao fim de um ano, cancelar as ações e reduzir seu capital social. Além das previsões legais, é comum que partes de acordos de acionistas ou de sócios, nos quais sejam estabelecidos compromissos de investimento, estabeleçam direitos de diluição ou de opção de compra (usualmente com descontos sobre o valor já integralizado) caso um dos sócios não aporte o capital previsto. O paralelo entre as medidas previstas no JOA e aqueles previstos ou usados no contexto de sociedades personificada é claro. Os diversos mecanismos previstos aos sócios adimplentes podem ter como consequência tanto a exclusão total da participação de um dos sócios quanto a sua diluição no capital social, assemelhando-se às medidas previstas no JOA. Dessa forma, os remédios por inadimplemento previstos no JOA não são estranhos ao ordenamento jurídico brasileiro e, portanto, ao menos em tese, podem ser considerados válidos. Contudo, sua aplicação em concreto pode resultar em situações onde uma das partes sofre consequência desproporcional ao seu inadimplemento; assim, é necessário considerar critérios adicionais para sua eficácia.

4. Considerações sobre a Aplicação Concreta dos Remédios Contratuais no Direito Brasileiro As medidas previstas no JOA decorrem, originalmente, da prática anglo-saxã a respeito de parcerias na indústria de upstream e, dessa forma, foram desenvolvidas no âmbito daquele regime jurídico. Decorrem, dentre outros aspectos, por conta da necessidade de continuidade das operações de exploração e produção, que exigem consequências sérias caso um dos parceiros não honre seu compromisso de aportar recursos. Contudo, a aplicação desses remédios, especialmente o forfeiture, no âmbito do Direito brasileiro enfrenta tanto algumas dificuldades práticas quanto discussões a respeito de sua potencial invalidade. É o que discutiremos nos próximos itens. 4.1. Proporcionalidade das Medidas como Critério Principal para sua Exequibilidade A despeito de o Direito brasileiro reconhecer princípios liberais quanto à autonomia da vontade e à obrigatoriedade dos pactos (pacta sunt servanda) em operações empresariais (reforçada inclusive pelo artigo 303 do Projeto de Código Comercial), o Código Civil vigente prevê princípios mais vagos e que permitem maior intervenção sobre o conteúdo dos contratos privados. Em particular, destaca-se o princípio da boa-fé objetiva. A boa-fé objetiva, no âmbito contratual, pode ser entendida como o princípio que “impõe um padrão de conduta a ambos os contratantes no sentido da recíproca cooperação, com consideração aos interesses comuns, em vista de se alcançar o efeito prático que justifica a própria existência do contrato” (Tepedino et al., 2006). A doutrina pátria atribui à boa-fé objetiva três funções: (1) cânone interpretativo-integrativo, ou seja, como elemento adicional para interpretação de normas jurídicas, tanto legais quanto contratuais (artigo 113 do Código Civil); (2) norma de criação de deveres acessórios de conduta para todas as partes de um contrato (artigo 422 do Código Civil); e (3) norma de limitação ao exercício de certos direitos dos contratantes que possam ser considerados desproporcionais ou abusivos (artigo 187 do Código Civil) (Martins-Costa, 2000; Pereira, 2001; Negreiros, 2006; Bussatta, 2007). Especificamente com relação à função de norma de limitação, a boa-fé objetiva funciona “como verdadeiro limite, num primeiro momento, à autonomia privada das partes, de forma que não se lhes admite a regulação de seus interesses de forma abusiva” e “num segundo momento, a boa-fé também restringe a atuação do contratante que, diante da realidade contratual, especialmente durante a execução, mostre-se desproporcional, excessiva, inútil ou imoderada, ainda que o contrato, em tese, não possua cláusula abusiva” (Bussatta, 2007). No mesmo sentido, Negreiros (2006) afirma que a boa-fé, nesta função, atua “como parâmetro de valoração do comportamento dos contratantes: o exercício de um direito será irregular, e nesta medida abusivo, se consubstanciar quebra de confiança e frustração de legítimas expectativas. Nesses casos, o comportamento formalmente lícito, consistente no exercício de um direito, é, contudo, um comportamento contrário a boa-fé e, como tal, sujeito ao controle da ordem jurídica”. Como consequência da aplicação dessa terceira função da boa-fé objetiva, tem-se firmado na doutrina e na jurisprudência brasileira a teoria do adimplemento substancial, a qual determina que a causa do término de um contrato deve ser relevante quando analisadas as circunstâncias do caso concreto, caso contrário o término pode ser considerado um abuso de direito (que é ato ilegal, nos termos do artigo 187 do Código Civil). Para Ruy Rosado de Aguiar Júnior (2004), “o exemplo mais significativo [da função limitadora do princípio da boa-fé objetiva] é o da proibição do exercício do direito de resolver o contrato por inadimplemento ou de suscitar a exceção de contrato não cumprido, quando o incumprimento é insignificante em relação ao contrato total. O princípio do adimplemento substancial, derivado da boa-fé, exclui a incidência da regra legal que permite a resolução quando não observada a integralidade do 4

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2016 adimplemento”. Neste sentido, já decidiu o STJ, no REsp 272.739-MG, que “a extinção do contrato por inadimplemento do devedor somente se justifica quando a mora causa ao credor dano de tal envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da prestação devida” (no mesmo sentido, REsp 469.577-SC, REsp 1.051.270-RS, REsp 1.200.105-AM e REsp 1.215.289-SP). Não há, de fato, uma regra objetiva para determinar a gravidade do inadimplemento. Para Bussatta (2007), “a verificação da importância ou não importância do inadimplemento há de ser feita diante do caso concreto, ou seja, diante da situação de fato ocorrida, ponderando os interesses em jogo, a conduta das partes e todas as demais circunstâncias que no caso se mostrarem relevantes”. Ou seja, deve-se ponderar, por um lado, a utilidade da extinção da relação jurídica para a parte adimplente e, por outro, o prejuízo que decorreria para a outra parte, buscando-se um balanceamento entre os efeitos dos remédios contratuais para a parte inadimplente e a consequência do não exercício destes direitos para o credor, que pode, por vezes, dispor de medidas menos gravosas para satisfazer o inadimplemento (Schreiber, 2008). Em síntese, busca-se demonstrar que, não obstante os remédios previstos no JOA contra o inadimplemento de uma das partes serem a princípio válidos perante o ordenamento jurídico brasileiro (o que é reforçado pela possibilidade de correlação com remédios previstos na legislação societária, conforme discutido no item 3 acima), sua aplicação no caso concreto deve observar a proporcionalidade entre a medida escolhida e a relevância do inadimplemento. Isto é, a proporcionalidade entre o inadimplemento e a consequência contratual é um ponto crítico para análise da exequibilidade dos remédios. Nesse sentido, o momento exploratório é de crucial importância. Na fase inicial, de exploração, quando se requer investimento das partes sem ainda haver reservas provadas e certeza de produção, é mais difícil prever o valor do ativo a ser transferido. Por outro lado, após uma descoberta comercial e início da produção, o valor da concessão torna-se de mais fácil verificação e, consequentemente, o preço da participação de cada uma das partes. Assim, enquanto o forfeiture, o qual se operacionaliza sem qualquer contrapartida financeira pela perda da participação na concessão, pode vir a ser uma medida proporcional ao inadimplemento na fase de exploração, na fase de produção essa medida pode gerar uma penalidade excessiva para a parte inadimplente. Mesmo a alternativa de diluição (withering) pode ser questionada, na medida em que já existe uma declaração de comercialidade mas pode resultar em uma elevada diluição, em particular até que ao menos 50% dos investimentos previstos tenham sido realizados. Ademais, cabe ressaltar que é comum que parceiros em uma joint venture que detenham juntos a concessão para exploração de vários blocos assinem apenas um JOA para regular as operações em todos esses blocos. Numa situação de inadimplemento com relação a apenas um dos blocos englobados no JOA, o forfeiture ou o buy-out da totalidade da participação da parte inadimplente no JOA parece ser uma medida excessiva e passível de questionamento, uma vez que acarretaria a completa exclusão desta parte também nos blocos em que está adimplente. Nesses casos, o withering, por considerar o inadimplemento com relação a uma determinada área de desenvolvimento para o cálculo da parcela da parte inadimplente que será transferida, pode ser uma medida mais proporcional ao efetivo descumprimento contratual. Um contrato que especificasse que as consequências negativas só se aplicam com relação às áreas onde houver o inadimplemento – embora possa parecer óbvio – apresentaria uma solução mais proporcional e reduziria espaços de questionamento. 4.2. Dificuldades Práticas: Aspectos Regulatórios e Concorrenciais As atividades de upstream no Brasil são atividades reguladas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e outorgadas para as companhias de petróleo por meio de contratos de concessão ou contratos de partilha de produção. A transferência de uma participação no respectivo contrato está sujeita à aprovação prévia pela ANP (Cláusula 28 do Contrato de Concessão da 13ª Rodada e artigo 29, § 1º da Lei 9.478 de 1997), que deverá fazer uma análise objetiva do pedido, considerando se os cessionários observam os requisitos técnicos, legais e econômicos, que estão dispostos no edital da rodada de licitações mais recente (atualmente, o edital da 13ª Rodada). A ANP regulamentou o procedimento de cessão em um manual publicado em seu website, cuja versão mais recente foi publicada em julho de 2016. Com relação à análise da transação sob a ótica da proteção à concorrência, o Tribunal do CADE já decidiu1, que a cessão de contratos na área de exploração e produção de petróleo e gás devem ser notificados ao CADE sempre que, pelo menos um dos grupos envolvidos tenha faturamento bruto no Brasil de ao menos R$ 750 milhões no exercício imediatamente anterior à operação, e pelo menos um dos outros grupos envolvidos tenha registrado R$ 75 milhões de faturamento bruto no Brasil, também no ano fiscal anterior a transação, conforme critério estabelecido no artigo 88 da Lei 12.259 de 2011 e atualizado pela Portaria Interministerial 994, de 30 de maio de 2012. Para chegar ao entendimento mencionado acima, o CADE, nos autos da Consulta 08700.000207/2014-02, formulada pelo Instituto Brasileiro de Petróleo em 10 de janeiro de 2014, entendeu que a cessão de direitos e obrigações 1

A primeira decisão relevante sobre este assunto foi no contexto do Ato de Concentração 08700.005775/2013-19, envolvendo OGX Petróleo e Gás S.A. e Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, em que o CADE analisou a ocorrência de práticas anticoncorrenciais (especificamente, o gun jumping) e concluiu que operações de cessão de direitos e obrigações em concessões de óleo e gás estariam sujeitos à sua análise prévia.

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Rio Oil & Gas Expo and Conference 2016 no âmbito de um contrato de concessão se enquadra na definição de ato de concentração, disposta no artigo 90 da Lei de Defesa da Concorrência, uma vez que envolve a aquisição de ativos e configura um contrato associativo. Ademais, os conselheiros do CADE entenderam que os contratos de cessão que alteram a titularidade dos contratos de concessão de E&P não se enquadram na exceção disposta no referido artigo 90, pois não são contratos derivados da licitação, mas sim de operações independentes. Como explicado acima, as medidas contratuais mencionadas transferem, total ou parcialmente, a participação de um dos concessionários ou contratados. Assim, exigiriam a aprovação da ANP e possivelmente do CADE para que pudessem ser implementadas. Isso pode gerar algumas dificuldades práticas para o exercício destas medidas. Inicialmente, destaca-se o tempo de duração para a efetivação da cessão da participação da parte inadimplente, uma vez que não existe um prazo determinado para que a aprovação da ANP e do CADE seja concedida. A duração de tais procedimentos está fora do controle das partes. Ademais, procedimentos regulatórios e de proteção à concorrência normalmente dependem da cooperação das partes para que um resultado favorável a todos seja alcançado. Tal cooperação pode não existir em um cenário de disputa entre as partes, o que dificultaria ainda mais o procedimento. É também importante destacar que a busca de autorização decorrente da adoção de qualquer destas medidas contratuais consistiria em um procedimento que fugiria ao usualmente realizado. Em virtude disso, a ANP ou o CADE podem vir a requerer esclarecimentos não usuais a respeito destas transações, o que poderia impactar significativamente no tempo de duração do processo. Por fim, cabe destacar duas exigências legais relevantes. Em primeiro lugar, caso o operador seja a parte em inadimplemento, este processo torna-se ainda mais complexo pois a ANP exige uma qualificação técnica, econômica e jurídica superior à dos não-operadores. Num cenário em que as partes adimplentes não atendam aos requisitos estabelecidos pela ANP, a aprovação regulatória necessária para o exercício de medidas que excluam o operador da concessão não seria obtida. Em segundo lugar, a ANP, com base nas disposições dos contratos e respectivos editais de licitação, determina que o operador não pode ter participação inferior a 30% no consórcio concessionário, e os demais participantes (nãooperadores) não podem ter participação inferior a 5%. Se, como resultado da medida adotada, a participação do operador se reduza a menos de 30% da concessão ou do não-operador caia para um patamar inferior a 5% (especialmente em um contexto de diluição por conta da aplicação do withering), os remédios contratuais podem se tornar inócuos por falta de aprovação regulatória. Seria adequado, portanto, que os contratos que adotassem a diluição como alternativa estabelecessem, também, que a parte inadimplente será completamente excluída quando a diluição resultar em participação inferior à permitida pela regulação, e que o operador deverá transferir sua posição para outro membro do consórcio se este for a parte afetada. 4.3. Insolvência da Parte Inadimplente Por fim, cabe considerar a exequibilidade destas medidas contratuais em caso de falência ou recuperação judicial da parte financeiramente inadimplente, tendo em vista a Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, ou LRF). No caso da recuperação judicial, a regra geral é a manutenção das normas contratuais nas condições originalmente contratadas (LRF, artigo 49, § 2º). Os contratos não se resolvem com o pedido de recuperação judicial e continuam sujeitos às normas do direito comum.2 Neste sentido, é possível a aplicação do princípio da exceção do contrato não cumprido, previsto no artigo 477 do Código Civil (Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.). Esta norma autoriza o credor a exigir do devedor em recuperação judicial garantias suficientes para satisfazer sua obrigação, se sua situação patrimonial tornar duvidoso o cumprimento de sua obrigação. No juízo de recuperação, a concessão de garantias pode exigir autorização judicial caso importe em alienação ou oneração do ativo permanente (LRF, artigo 66). Por outro lado, embora a suspensão de ações de execução prevista no artigo 6º da LRF (automatic stay) a princípio não impeça a continuidade do cumprimento de contratos de acordo com seus termos, do ponto de vista prático, se provocado, o juízo da recuperação pode entender ter jurisdição sobre o assunto e vir a analisar se a participação detida e regulada por meio do JOA é indispensável à preservação da empresa, o princípio norteador da LRF. Já no caso de falência, os contratos bilaterais podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo ou for necessário à preservação do ativo (LRF, artigo 117). Não obstante, num cenário de inadimplemento superveniente, não há impedimento a que uma contraparte opte por rescindir o contrato. 2

O JOA possui dispositivo (cláusula 4.10(A)) a respeito da remoção do operador caso este seja sujeito a reorganização nos termos de leis falimentares (tal qual uma recuperação judicial) ou seja declarado falido. Não é objeto deste artigo analisar a validade ou a exequibilidade dessa cláusula.

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Rio Oil & Gas Expo and Conference 2016 No entanto, cabe ressaltar que, em ambos os institutos, os créditos anteriores ao pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência sujeitam-se ao plano de recuperação judicial ou ao concurso de credores, respectivamente. Neste sentido, haveria o risco de o juízo de recuperação ou falência impedir a eficácia dos remédios contratuais em caso de inadimplemento anterior ao início de qualquer destes procedimentos, particularmente se entender que isto representaria uma compensação e que violaria o par conditio creditorum3.

5. Os remédios contra o inadimplemento no direito comparado A discussão a respeito da aplicabilidade das medidas de inadimplemento previstas no JOA não se restringe ao Direito brasileiro. No âmbito do direito anglo-saxão, o debate geralmente se concentra na qualificação ou não desses dispositivos como uma penalidade (penalty), dado o tradicional princípio contra penalidades daquele sistema jurídico (rule against penalty). Na Inglaterra, a questão a respeito exequibilidade do forfeiture no âmbito de um JOA ainda não foi discutida pelas cortes britânicas, mas há alguns precedentes a respeito de cláusulas semelhantes em outras espécies de contratos comerciais que servem de balizadores para as discussões sobre o tema. De modo geral, o entendimento que prevalecia a respeito da penalty (estabelecido no caso Dunlop Pneumatic Tyre Company Ltd v New Garage and Motor Company Ltd de 1915) era que uma previsão contratual que previsse, em caso de inadimplemento, a obrigação da parte inadimplente de pagar certa quantia seria qualificada como penalidade, exceto se pudesse ser justificada como uma legítima pré-estimativa dos danos sofridos pela parte inocente. Especificamente no caso do forfeiture, no precedente Jobson v Johnson de 1989, a Suprema Corte entendeu que este tipo de previsão contratual seria uma penalidade e, portanto, inexigível na medida em que se excedesse o que fosse considerado uma legítima pré-estimativa de danos, ou seja, seria possível diminuir gradativamente os efeitos da cláusula de forfeiture para refletir o dano exato sofrido pela parte inocente. Recentemente, no entanto, no precedente Cavendish Square Holding B.V. v Talal El Makdessi, a Suprema Corte britânica analisou a validade de uma cláusula de forfeiture em uma operação de compra e venda de ações de uma empresa, por descumprimento de uma obrigação contratual da parte vendedora. Neste caso, o contrato de compra e venda de ações previa obrigações de não concorrência, as quais, se violadas, resultariam em (1) perda do direito de receber parcelas adicionais do preço de venda para ações já transferidas no fechamento; e (2) direito do adquirente comprar as ações restantes por um valor nominal. Em linhas gerais, a Corte entendeu que a discussão (1) passa pela natureza da obrigação em disputa, isto é, se primária (prestação principal, como fazer algo) ou secundária (remédio contratual pelo inadimplemento), sendo que apenas obrigações secundárias podem ser consideradas penalidades e (2) se esta tem uma natureza penal. Considerando as particularidades do caso, a Suprema Corte decidiu que em Cavendish v Makdessi as consequências pelo inadimplemento seriam obrigações primárias, portanto válidas e exequíveis. Ademais, a Suprema Corte decidiu que, para se determinar se uma cláusula é uma penalidade ou não, a análise que se deve fazer é eminentemente a de proporcionalidade entre a obrigação que se pretende resguardar e a consequência pelo seu inadimplemento. Em outros termos, deve-se averiguar se “a cláusula em questão é desproporcional, injusta ou exorbitante com relação ao interesse legítimo da parte inocente em executar a obrigação principal” (Aldersey-Williams et al., 2016, tradução livre). No entanto, ao contrário do que ocorre no Direito brasileiro, a verificação de proporcionalidade deve ser conduzida considerando o contexto da assinatura do contrato, e não no momento do inadimplemento. Por este motivo, caso a obrigação seja considerada uma penalidade, deverá ser declarada nula desde sua concepção, não se aplicando o entendimento de Jobson v Johnson de possibilidade de parcial aplicação da cláusula de forfeiture. Analisando essa nova interpretação da Suprema Corte britânica no âmbito do JOA, Aldersey-Williams et al. (2016) entende que (1) há grandes chances de as cortes britânicas considerarem a cláusula de forfeiture do JOA como obrigação secundária e, portanto, sujeita à rule against penalty; (2) caso seja considerada uma penalidade, as partes não teriam um mecanismo para excluir a parte inadimplente da joint venture, já que não há possibilidade de aplicar parcialmente a cláusula. Outros mecanismos como o buy-out e o withering devem ser considerados para mitigar esse risco; (3) no entanto, há similaridades entre as cláusulas em Cavendish v Makdessi e a cláusula de forfeiture no JOA que podem levar ao entendimento de que estas cláusulas são válidas, tais como (a) a operação é comercialmente sofisticada e as partes têm poder de barganha equivalente, (b) a proporcionalidade pode ser argumentada considerando que quanto mais severo o inadimplemento, menor o valor da participação retirada da parte inadimplente, (c) o racional da cláusula é proteger o investimento já feito e “salvar” a joint venture, e (d) é extremamente difícil calcular o valor da participação da parte inadimplente no momento da assinatura do contrato; (4) adicionalmente, as seguintes peculiaridades do JOA devem ser consideradas no momento de analisar se a cláusula de forfeiture é ou não uma penalidade: (a) pela natureza das atividades de upstream, o momento do inadimplemento é relevante para determinar a proporcionalidade do remédio 3

Há controvérsia se a compensação no juízo de recuperação judicial viola o princípio do par conditio creditorum, que prevê tratamento igualitário para credores de uma mesma categoria e é expresso no artigo 49 da LRF. A tendência atual parece ser a de se admitir a compensação, mas ainda se trata de uma matéria controvertida.

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Rio Oil & Gas Expo and Conference 2016 utilizado, (b) os JOAs preveem um prazo de cura pelo inadimplemento, o que mitiga o risco, e (c) o forfeiture é uma prática da indústria, o que suporta o argumento de proporcionalidade e existência de um interesse legítimo das partes inocentes. Ademais, Aldersey-Williams et al. (2016) destacam que, mesmo que a cláusula de forfeiture seja considerada válida, é possível que se faça uma análise concreta, no momento do inadimplemento, a respeito da adequação ou não da cláusula. Neste sentido, as cortes poderiam determinar a aplicação de uma medida mais branda em substituição ao forfeiture – teoria do equitable relief from forfeiture. Ou seja, apesar de válida e exequível, a cláusula de forfeiture pode ser afastada se for constatado, no momento do inadimplemento, que há medida mais branda para satisfazer os interesses das partes adimplentes. Este conceito é especialmente relevante para a análise dessas cláusulas no contexto do JOA, uma vez que o momento do inadimplemento (isto é, a fase em que se encontra o bloco exploratório) é crucial para determinar a extensão do dano sofrido pelas partes adimplentes. Por fim, no Direito inglês, a validade das cláusulas de forfeiture também deve ser analisada em um contexto de insolvência da parte em inadimplemento. Neste Direito, as regras de anti-deprivation e pari-passu, em termos gerais, vedam que partes assumam compromissos que busquem burlar as leis falimentares. Para Aldersey-Williams et al. (2016), se as partes agem de boa-fé, sem o intuito de burlar a regra de anti-deprivation, esta regra pode ser afastada, o que não ocorreria com a regra de pari passu, que, em princípio, independeria da verificação do intuito das partes. Portanto, o risco de que essas regras sejam aplicadas ao JOA não pode ser afastado, na medida em que não há precedentes sobre o tema. A rule against penalty e suas consequências, bem como o conceito de equitable relief from forfeiture e as regras de anti-deprivation e pari-passu, são encontrados também em outras jurisdições que aplicam a common law. No caso da Austrália, a questão da validade da cláusula de forfeiture já foi enfrentada pela Suprema Corte australiana. No caso Monarch Petroleum NL v Citco Australia Petroleum Ltd, a corte mostrou-se inclinada a aceitar a aplicação do forfeiture na fase de exploração, antes da etapa de desenvolvimento, pois entendeu que, neste momento, ao aplicar este remédio contratual, as partes inocentes estariam na verdade adquirindo um compromisso financeiro adicional ao inicialmente previsto, sem garantia de qualquer retorno. No caso Ringrow Pty Ltd v BP Australia Pty Ltd, a Suprema Corte foi além, conduzindo a avaliação de proporcionalidade da medida no momento do inadimplemento, ao contrário do que ocorre no Direito inglês. Esta proporcionalidade deve ser averiguada em comparação entre o valor do ativo transferido e o valor da perda das partes inocentes em função do inadimplemento. A conclusão de Lishman (2008) é de que, antes da descoberta, a transferência da participação da parte inadimplente sem contrapartida financeira pode ser justificada. Após uma descoberta comercial, quando se torna de mais fácil valoração o ativo a ser transferido, o buy-out pode ser aceito, desde que a taxa de desconto não seja excessiva (para o autor, um percentual superior a 10% possivelmente seria considerado uma penalidade pelas cortes australianas).

6. Conclusão O modelo de JOA mais recente da AIPN (2012) comporta três remédios que podem ser adotados pelas partes adimplentes contra a parte inadimplente, caso o inadimplemento não seja remediado dentro do prazo estipulado: (1) forfeiture; (2) buy-out; e (3) withering. De modo geral, todas estas medidas acarretam perda da participação da parte inadimplente, com diferentes graus de severidade. Como demonstrado, a discussão quanto a efetividade dos remédios a serem utilizados em casos inadimplemento previstos no JOA não está restrita apenas ao Direito brasileiro. De fato, trata-se de uma discussão internacional, que gera questionamentos e é tratada com cautela por todos os players da indústria. No Brasil, pode-se fazer um paralelo entre os mecanismos previstos no JOA e medidas societárias previstas na legislação para os casos em que algum dos sócios deixe de integralizar cotas ou ações subscritas. Os diversos mecanismos previstos aos sócios adimplentes podem ter como consequência tanto a exclusão total da participação de um dos sócios quanto a sua diluição no capital social, assemelhando-se às medidas previstas no JOA. Assim, tais remédios não são estranhos ao ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, o Direito brasileiro reconhece princípios liberais quanto à autonomia da vontade e à obrigatoriedade dos pactos (pacta sunt servanda) em operações empresariais, o que reforça o entendimento de que as medidas contra o inadimplemento estabelecidas no JOA são válidas. Contudo, tendo em vista o princípio da boa-fé objetiva, é de suma importância que a adoção de determinado mecanismo observe a proporcionalidade entre a sua consequência e a relevância do inadimplemento. Isto é, a proporcionalidade entre o inadimplemento e a consequência contratual é um ponto crítico para análise da exequibilidade dos remédios. No âmbito do direito anglo-saxão, tal debate geralmente se concentra na qualificação ou não desses dispositivos como uma penalidade (penalty), dado o tradicional princípio contra penalidades daquele sistema jurídico. Em recente precedente envolvendo uma cláusula de forfeiture em um contrato de compra e venda de ações, a Suprema Corte britânica entendeu que análise que deve ser feita é se o mecanismo contratual é proporcional ao legítimo interesse da parte adimplente de ver a obrigação contratual cumprida pelas outras partes do contrato. Neste caso, a Suprema Corte 8

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2016 entendeu ser válido o mecanismo. O entendimento pode ser replicado para o JOA. A questão da validade da cláusula de forfeiture no JOA foi analisada pela Suprema Corte australiana, que se posicionou no sentido de aceitar a aplicação deste mecanismo na fase de exploração. Outras discussões relevantes no âmbito do direito anglo-saxão a respeito destes mecanismos contratuais são a possibilidade de aplicar uma medida mais branda para satisfazer o inadimplemento (equitable relief from forfeiture) e, no contexto de insolvência, se há violação às regras que vedam que partes assumam compromissos que busquem burlar as leis falimentares (anti-deprivation e pari-passu). Sendo os remédios contra o inadimplemento no JOA válidos e exequíveis no caso concreto, a aplicação prática destes mecanismos no Brasil pode enfrentar empecilhos de caráter regulatório. Como tais medidas acarretam a transferência total ou parcial da participação de um dos concessionários, estariam sujeitas à aprovação prévia da ANP e, possivelmente, do CADE. Tais aprovações seguem, a rigor, critérios objetivos, sem margem para discricionariedade. Contudo, este processo pode ser demorado uma vez que dificilmente haveria cooperação entre as partes em um cenário de disputa e por não ter sido ainda testado frente aos órgãos regulatórios, fugindo do procedimento usualmente realizado. Ademais, a ANP determina um percentual mínimo para operadores e não-operadores na concessão, além de exigir qualificação técnica e econômica superior para o operador, o que pode vir a inviabilizar a adoção dos mecanismos previstos no JOA, especialmente o withering contra não-operadores ou qualquer medida em caso de inadimplemento do operador. Percebe-se, portanto, que há necessidade de se adequar a cláusula do JOA para o contexto regulatório brasileiro – como normalmente de fato ocorre. No caso do withering, uma alternativa seria estabelecer que eventual redução na participação da parte inadimplente abaixo do mínimo exigido pela ANP significaria a exclusão da parte do contrato. Por outro lado, tratando-se de inadimplemento do operador, em um consórcio em que os não-operadores não tenham qualificação para atuar como operador segundo os critérios da ANP, as partes podem considerar ajustes nas cláusulas de forfeiture e buy-out de modo a aceitar a transferência da participação do operador para um terceiro devidamente qualificado. Em qualquer caso, merece consideração pelos órgãos regulatórios a possibilidade de se adotar medidas diferenciadas para as hipóteses de transferência resultantes do inadimplemento daquelas previstas no procedimento usual de cessão publicado pela ANP.

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