RENDERS, Helmut. Tome as providências para consigo mesmo e todo o restante: dízimo e economia eclesiástica metodista histórica e atual e os/as pobres I. In: Mosaico - Apoio pastoral, ano 10, n. 24, p. 14-17 (jan.-mar. 2002).

June 15, 2017 | Autor: Helmut Renders | Categoria: Methodism, Stewardship, Brazilian Methodism
Share Embed


Descrição do Produto

Ano 10 — no 24 — F a c u l d a d e d e Te o l o g i a d a I g r e j a M e t o d is t a — Janeiro/março de 2002

da

Morte

para a Editeo

Vida

6E

ditorial

Da morte para a vida

V

ivemos um momento singular na história do mundo. Os jornais fazem uso de uma terminologia que era praticamente desconhecida há alguns anos atrás: seqüestro, atentado, “stress”, crime do colarinho branco, crime ecológico, entre outras violências contra a sociedade. Não somente o ser humano está angustiado com as “prisões” e o medo que são impostos sobre ele. Os animais também estão sofrendo as conseqüências dessa enorme violência. A celebração da Páscoa, conforme os registros bíblicos, pode iluminar os acontecimentos de hoje e nos ensinar a caminhar em meio a tanta violência. A Bíblia nos ensina que a angústia e a escravidão são assuntos dominados pela

graça de Deus. A Páscoa quer dizer isso: celebrar a vitória da vida sobre a morte; a vitória da alegria sobre a dúvida e a tristeza. As igrejas, necessariamente, têm que acreditar e afirmar os ensinos que a Páscoa quer ministrar. E o ministério pastoral da Igreja precisa reafirmar os ideais e sentimentos que moveram os primeiros crentes para celebrarem os grande atos de Deus em favor deles. Profeticamente, aquele grupo de escravos e escravas não pensou de modo egoísta. Ainda que a sensação de alegria fosse enorme, aqueles/as escravos/as pensaram no futuro, isto é, na construção de um novo mundo baseado, agora, na vida plena e boa para todos e todas.

Portanto, celebrar a Páscoa é promover um acordo com Deus, segundo o qual estaremos reafirmando o compromisso de buscar incessantemente a vida boa e íntegra para os seres humanos, seja no Brasil, no Afeganistão ou na Palestina. É preciso que a população brasileira saiba que a Igreja Cristã, particularmente a Igreja Metodista, busca celebrar um acontecimento gerador de liberdade e vida abundante para todos os seres huma-

Colaboraram neste número Bispo Josué Adam Lazier: Bispo da Igreja Metodista na 4a Região, mestre em Teologia – Bíblia (Novo Testamento). Dilene Fernandes de Almeida: estudante de teologiada, 3a Região, cursando o 3o ano. Donato Pfluck: pastor da Igreja Evangélica Luterana no Brasil. Geoval Jacinto da Silva: doutor, professor na área de Teologia Prática, e pastor da a Igreja no Ipiranga.

2

Helmut Renders: doutor, professor de Teologia Sistemática, História e Teologia Metodista e Coordenador da Área Pastoral do Campus Avançado da FT em Porto Velho. José Carlos de Souza: mestre, professor na área de História Eclesiástica, pastor da Igreja no bairro de Guaianazes, São Paulo. Luiz Carlos Ramos: doutorando, professor na área de Teologia Prática, colabora pas-

toralmente na Igreja no Ipiranga. Paulo Roberto Garcia: doutor, professor na área de Bíblia (Novo Testamento), pastor na Igreja em São José dos Campos. Tércio Machado Siqueira: doutor, professor na área de Bíblia (Antigo Testamento), pastor co-adjutor na Igreja em Vila Mariana, São Paulo.

nos. Com isso em mente, devemos evitar toda novidade atraente que possa ofuscar essa memória que trouxe uma inédita revolução no modo de viver da sociedade humana. Tércio Machado Siqueira.

Mosaico Apoio Pastoral Expediente Mosaico Apoio Pastoral é uma publicação da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista — Universidade dMetodista de SãoPaulo UMESP. Reitor da Faculdade de Teologia: Clovis Pinto de Castro; Reitor da UMESP: Davi Ferreira Barros; Diretor Administrativo: Otoniel Luciano Ribeiro. Editor do Mosaico: Tércio Machado Siqueira. Conselho Editorial: Hélerson Bastos Rodrigues, José Carlos de Souza, Paulo Roberto Garcia, Luiz Carlos Ramos e Tércio Machado Siqueira. Secretário Executivo da Editeo, Edição de Arte e Editoração Eletrônica: Luiz Carlos Ramos. Tiragem deste número: 1.500 exemplares. Distribuição interna. Mosaico Apoio Pastoral Ano X – Número 24 janeiro/março de 2002 EDITEO *+ Caixa Postal 5151, Rudge Ramos, São Bernardo do Campo, CEP 09731-970 (2 Fone: (0__11) 4366-5983 Fax (0__11) 455-4899 :. [email protected]

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

6E

spaço discente

Coração de estudante Reflexão a partir de Mateus 10.16-23 Dilene Fernandes de Almeida

Q

uero falar de uma “coisa” ... Estudante! Essa palavra, tal como a conhecemos, não aparece na Bíblia. Contudo, seu sentido perpassa por todo o texto sagrado. Segundo Gálatas 3.24, esse texto é o aio (mestre, pedagogo) que nos conduz a Cristo, estabelecendo assim uma relação pedagógica de ensino e aprendizagem entre Deus e seu povo. Sendo assim, todas e todos somos estudantes, alunas e alunos, discípulas e discípulos. Pretendo, nesta reflexão, estabelecer uma relação entre duas revelações “sagradas”: a primeira diz respeito ao texto de Mateus 10.16-24 – no qual Jesus esclarece os desafios de ser um discípulo, porque não dizer estudante, e instrui como este deve ser (sede, portanto...) – e a segunda, é a bela canção “Coração de Estudante”, do compositor, poeta, “profeta” Milton Nascimento. Isso porque a revelação divina, em sua inefabilidade, não se limita às páginas da Bíblia, mas vai para além delas, manifesta-se na arte e em toda a vida. Ambas as revelações discorrem sobre os desafios de ser discípula e discípulo – de ser estudante. Poderíamos, então, nos perguntar: Como deve ser o coração de estu-

dante? Vejamos o que nos dizem o texto e a canção.

2. Corajoso e cuidadoso

1. Prudente e simples

Além de prudente e simples, o coração de estudante também deve ser corajoso e cuidadoso. O texto bíblico nos diz que, por amor ao amigo Jesus, os discípulos enfrentariam dificuldades:

O coração de estudante dever ser primeiramente prudente e simples. No texto bíblcio, encontramos a seguinte afirmação: “Sede, portanto, simples como a pomba e prudentes como a serpente” (v. 16).

Costumamos interpretar essas duas palavras como sendo antagônicas, contudo, não o são necessariamente. Uma pessoa prudente é comedida, moderada, sensata, consciente de si mesmo e, portanto, simples. Deixar de ser simples se constitui em uma imprudência. Na canção do Milton encontramos idéia semelhante quando diz: “Quero falar de uma coisa. Adivinha onde ela anda? Deve estar dentro do peito ou caminha pelo ar. Pode estar aqui do lado, bem mais perto que pensamos. A folha da juventude é o nome certo desse amor.”

Aqui também encontramos referência à prudência e à simplicidade, pois se fala de amor, e este tem um nome certo: folha da juventude. É folha, não é árvore, nem fruto. Sabe que é folha, e folha da juventude, logo, é consciente de sua fragilidade e inexperiência. E tem consciência de si, o que certamente pressupõe disposição para o aprender.

“Entregues aos tribunais, açoitados, incompreendidos, traídos, perseguidos” (v. 17).

Também na canção essa idéia está presente: “Já podaram seus momentos, desviaram seu destino, seu sorriso de menino e de menina quantas vezes se escondeu.”

A paixão e compromisso com a verdade são características do coração de estudante. Por amor à amizade, este se arriscará aos mais intensos desafios. Isso requer cautela e coragem: “E há que se cuidar da vida, e há que se cuidar do mundo, tomar conta da amizade.”

III. Perseverante e sonhador Finalmente, o coração de estudante haverá de ser perseverante e sonhador. O texto bíblico diz que: “Aquele porém que perseverar até ao fim, esse será salvo. Quando, porém, vos perseguirem numa cidade, fugi para outra (...) até que venha o Filho do homem” (vs. 22-23).

Ou seja, não desanimem, e perseverem até o fim, até que

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

se concretize o sonho da volta do Filho do Homem. Também a canção aponta a perseverança, a esperança: “Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia (...) e há que se cuidar do broto, pra que a vida nos de flor e fruto. (...) Alegria e muito sonho espalhados no caminho...”

Peroração Portanto, o coração de estudante, deve ser prudente e simples, corajoso e cuidadoso, perseverante e sonhador. Não sejamos hipócritas, arrogantes e medíocres. Que, diante dos governadores e reis – que muitas vezes se constituem de nossas próprias “verdades” absolutas, incontestáveis e imutáveis –, possamos nos submeter à voz do Espírito da verdade que fala em nós. E que a verdade nos inquiete e nos faça questionar valores, conceitos e preconceitos. Que sejamos constantemente renovadose transformados. Oxalá possamos, em demonstração de prudência e simplicidade, coragem e cuidado, perseverança e sonho assumir o desafio de sermos eternos e eternas aprendizes. Só assim manteremos “Verdes: planta e sentimento, folhas, coração, juventude e fé.

Que Deus nos abençoe.

3

H

istória

Memória e Esperança: A Celebração Pascal na Igreja Antiga José Carlos de Souza

M

emória e esperança são ele mentos centrais nas religiões judaica e cristã. Elas falam de um Deus que age na história humana, com todas as suas contradições e ambigüidades, e não num céu transcendente e imaginário. Por isso, anunciar a fé é proclamar o que o Senhor fez, faz e fará junto de seu povo e no mundo. A lembrança ativa, fortalece a esperança. A esperança torna viva e atualiza a memória. Podemos notá-lo, sobretudo, por ocasião das grandes festas. Nesse momento, a comunidade de fé, ao recordar os grandes gestos de Deus, não se volta apenas para o passado, mas celebra e antecipa, no presente, o futuro esperado. Não se trata, portanto, de executar velhos rituais ou seguir mecanicamente cerimoniais desgastados pelo tempo. Os símbolos, que definem a identidade comunitária, são sempre reinterpretados à luz da novidade histórica. Assim ocorreu com a Páscoa. À rememoração do êxodo – a passagem da escravidão para a liberdade – acrescenta-se a expectativa da ressurreição – a passagem da morte para a vida. É certo que os/as cristãos/ãs não se limita-

4

ram a simplesmente repetir os ritos judaicos. Conquanto não os negassem, o ensino e o ministério, a paixão e a ressurreição de Jesus já não poderiam ser contidos nos moldes das antigas práticas. A importância do domingo, por exemplo, é justificada, em tom polêmico, por Inácio de Antioquia, mártir do início do segundo século, nos seguintes termos: “Assim os que andavam na velha ordem das coisas chegaram à novidade da esperança, não mais observando o sábado, mas vivendo segundo o dia do Senhor, no qual nossa vida se levantou por Ele e por Sua morte...”1

Enquanto memorial da ressurreição, o primeiro dia da semana se transformava no centro da vida e piedade cristãs. Mudança semelhante acompanhou a celebração da Páscoa, a qual – segundo a opinião predominante entre estudiosos do culto cristão, como J. J. von Allmen, W. D. Maxwell e J. F. White – bem cedo se converteu no ponto de partida e no núcleo do ano cristão. Embora não exista farta documentação, nada nos autoriza a pensar que os primeiros discípulos e discípulas de Cristo deixaram de comemorar, de maneira própria, os eventos pascais.

Encontramos, aliás, evidências dessa celebração na 1a carta de Paulo aos Coríntios (5.7-8). Porém, é somente no segundo século que os testemunhos de uma comemoração anual da Páscoa são abundantes. Debatia-se, então, sobre a data mais adequada para essa solenidade. As igrejas da Ásia Menor, observando o calendário judaico, realizavam a festividade em 14 de Nisan, sem levar em conta o dia

da semana, enquanto as igrejas do Ocidente, lideradas por Roma, concentravam sua devoção exatamente no domingo subseqüente a essa data. A centralidade da ressurreição fez com que o pêndulo recaísse sobre a prática romana. De qualquer modo, no século IV, a estação da Páscoa compreendia, em diversas partes do Império, especialmente em Jerusalém, conforme o testemu-

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

nho de Etéria2, uma semana inteira de comemorações. No domingo, chamado da Paixão ou de Ramos, relembrava-se a entrada triunfal de Jesus na cidade santa. Nos próximos três dias, cumpriam-se os ofícios regulares, porém, as leituras do Evangelho se orientavam para os últimos dias do ministério terreno de Cristo. Em particular na quarta-feira, a atenção se voltava para a traição de Judas. Era difícil evitar a profunda comoção que subjugava os corações. “Nem bem termina a leitura, tão grande é o clamor e o gemido de todo o povo que, nesse instante, não há quem não seja levado às lágrimas.”3

Na quinta-feira, a santa ceia revivia a última refeição de Jesus com os apóstolos. Em determinadas igrejas, como a de Hipona, no norte de África, onde Agostinho era bispo, o costume de lavar os pés de doze pessoas pobres ou órfãs, em recordação do gesto de Jesus, logo se impôs.4 No cerne da celebração da sexta-feira, está o sofrimento e a morte de Cristo. Membros da comunidade cristã, unindo-se às pessoas que estão prestes a receber o santo batismo, guardam estrito jejum. O Salmo 22 [“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”] é lido, cantado e meditado. Os relatos da paixão também são publicamente evocados. Em Jerusalém e também em algumas outras regiões, observa-se a prática de ajoelhar-se e beijar o que se supõe sejam fragmentos

da cruz. A prostração e o recolhimento são tão intensos que mesmo a população não cristã se apercebe que algo diferente, extremamente significativo, está sucedendo. Já durante o sábado, nenhuma reunião pela manhã ou liturgia especial é realizada. A abstinência e o silêncio expressam a angústia desse tempo intermediário e, simultaneamente, predispõem os fiéis para a grande vigília.5 A celebração da ressurreição tem início com o pôr do sol, na noite de sábado. O sentido dessa prática é simbólico. Criado na luz da justiça, o ser humano tornou-se prisioneiro das trevas do pecado, mas Cristo o libertou: “... agora – explica Agostinho – contamos os dias começando das noites, porque o nosso empenho é vir não da luz para as trevas mas das trevas para a luz, aonde com o auxílio do Senhor esperamos chegar.”6

A vigília pascal possui, nessa época, forte apelo popular. A noite toda é dedicada à leitura das Escrituras, à oração, à preparação e administração do batismo, culminando com a celebração da Ceia do Senhor. A propósito, introduzidos na assembléia reunida, os recém batizados, com vestes brancas, recebiam, antes do vinho da comunhão, um cálice com água, em sinal da purificação interior, e outro com leite e mel, trazendo à lembrança a plenitude da promessa divina. A participação na vigília pascal ordenava o cotidiano e reorientava todo

o viver cristão. Na repetição ritual desses atos litúrgicos, o fiel integrava a própria história da salvação, fazendo a passagem para um novo estilo de vida, para o qual a imitação de Cristo era o grande desafio. O mistério da ressurreição integrava-se ao dia a dia, o exercício da memória incorporava a esperança, o amor e a partilha tomavam formas concretas. Não é casual que a celebração da Páscoa suscitasse tanta paixão, como lemos no poema redigido por Astério (? cerca de 410), bispo de Amaséia, no Ponto, cujo fragmento citamos a modo de conclusão: “Ó noite, mais clara que o [dia! Ó noite, mais luminosa [que o sol! Ó noite, mais branca que [a neve, mais brilhante que nossos [luzeiros, mais doce que o paraíso! Ó noite, que não conheces trevas, (...) ó noite pascal, por todo um ano esperada. Noite nupcial da Igreja, Que fazes nascer os neo[batizados... Noite em que o Herdeiro [introduz os herdeiros na herança”.8

207. 5 Em sermão Sobre a Noite Santa, Agostinho revela a expectativa, e mesmo a ansiedade, que cercava essa celebração: “Qual é, pois, a razão porque numa festa anual estão hoje em vigília os cristãos? É que hoje é a nossa maior vigília e ninguém pensa noutra celebração de aniversário quando com impaciência perguntamos e dizemos: ‘Quando é a vigília?’; ‘Daqui a tantos dias é a vigília’. Como se, em comparação com esta, as outras não merecessem tal nome”. In: Santo Agostinho. Sermões para a Páscoa. Lisboa, Verbo, 1974, p. 154. 6 Idem, p. 157. 7 Detalhes dos preparativos e realização dessa cerimônia, conforme o uso em Roma, são registrados na Tradição Apostólica de Hipólito de Roma. Liturgia e Catequese em Roma no século III. Petrópolis, Vozes, 1981, p. 46-55. Quanto ao costume de celebrar o batismo nessa oportunidade, prevaleceu a opinião de Tertuliano para o qual “o dia mais solene para o batismo é por excelência o dia da Páscoa”, embora ele próprio reconhecesse que “todo o dia é dia do Senhor. Cada hora, cada tempo pode ser conveniente para o batismo” (O Sacramento do Batismo: Teologia pastoral do batismo segundo Tertuliano. Petrópolis, Vozes, 1981, p. 71). 8 In: Hamman A.-G. (ed.). Orações dos Primeiros Cristãos. São Paulo, Paulinas, 1985, p. 160-161.

Notas 1 Aos Magnésios 9.1. In: Arns, Dom Paulo Evaristo (ed.). Cartas de Santo Inácio de Antioquia. Comunidades Eclesiais em Formação. Petrópolis, Vozes, 1970, p. 53. 2 Cf. Novak, Maria da Glória (ed.). Peregrinação de Etéria. Liturgia e Catequese em Jerusalém no século IV. Petrópolis, Vozes, 1971, p. 96-106. 3 Idem, p. 98-99. 4 Veja sobre o tema, Hamman A.-G. Santo Agostinho e seu Tempo, São Paulo, Paulinas, 1989, p. 193-

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

5

B

íblia

Reflexões bíblicas para a Quaresma e a Páscoa Tércio Machado Siqueira e Paulo Roberto Garcia

O

campo semântico da teologia da Páscoa é amplo e variado. Foram escolhidas, aqui, algumas palavras que estão estreitamente relacionadas à celebração da Páscoa desde o Antigo Testamento até o Novo Testamento. O objetivo deste estudo é equipar o seu estudo bíblico, bem como enriquecer a sua prática pastoral.

Salvar Salvar é um verbo central na Bíblia. A língua hebraica possui muitos verbos que ajudam a mostrar a diversidade e a riqueza de significado que salvar possui no contexto bíblico. O verbo salvar tem muitos sinônimos: yasa’ salvar (Êx 14.30), ga’al redimir (Êx 6.6; Os 13.14), padah resgatar (Êx 13.13, 15; Os 13.14), ‘azar socorrer (Js 10.6), nasal livrar, libertar (Sl 59.2), palat salvar (Sl 37.40). Certamente, este rico quadro de palavras sinônimas mostra o grande interesse e importância que o tema salvar desempenha dentro do ensino bíblico. Todavia, o verbo yasa’ e seus derivados – hosya’ ele salva, yesu’ salvação, mosia’ salvador – constituem-se os termos soteriológicos mais usados na Bíblia. É que yasa’ é o

6

verbo usado quando Javé ou o seu Ungido são referidos. Por essa razão, o seu uso não é comum fora do âmbito religioso e teológico. O conceito “salvar”, no Antigo Testamento, possui uma interessante peculiaridade. “Salvar” não carrega uma reflexão poética ou mitológica, mas tão somente um testemunho histórico da ação de Deus em favor dos homens e mulheres, enfim, do mundo. Assim, o ato salvífico de Javé é mostrado, na Bíblia, de forma bastante concreta. O povo sofrido lamenta e clama pela ajuda de Deus (Êx 3.7-22) que, em atenção a essa súplica, providencia toda sorte de auxílio: envia a resposta (Sl 20.6), liberta (Sl 71.2), abençoa (Sl 28.9), salva (Sl 37.40), faz justiça (Sl 54.1), protege (Sl 86.2) e redime (Sl 106.1) o povo que queixa. Assim, a Bíblia vê Javé como aquele que age e produz salvação no meio

do povo (Sl 12.5). Por isso, Ele é designado como aquele que realiza atos salvíficos em toda a terra (Sl 74.12). Salvador é um dos títulos mais usados no Antigo Testamento para designar Javé. O povo bíblico confessará que Javé o havia salvo (Is 17.10; 43.3; 5124.5). O nome do grande líder Josué afirmar que “Javé é Salvador”. O nome de Jesus tem esse mesmo significado (Lc 1.47.

Deserto No Antigo Testamento

A palavra deserto possui uma forte concentração de significado teológico em toda a Bíblia. Para entender o seu sentido é preciso partir do seu conceito geográfico. O deserto é, primeiramente, descrito como um lugar terrível (Dt 1.19), de estepes e barrancos, seco e escuro que ninguém atravessa e

habita (Jr 2.6) e, também, ermo e solitário (Ez 6.14). Apesar dessas conotações negativas, a história salvífica de Javé teve como palco principal o deserto. A memória do ato libertador de Javé tem o deserto como seu cenário central. A história bíblica narra que o povo israelita, sob a liderança de Moisés, caminhou por quarenta anos no deserto até chegar à Canaã, a terra que mana leite e mel (Êx 3.8). Os profetas disseram que esse foi o tempo mais fértil e significativo da história do povo bíblico (Os 2.14; 13.5-6), e a celebração da Páscoa inclui, na sua liturgia, a dramatização dos eventos do deserto (Êx 12.1-14; Dt 16.1-8). Foi no deserto que os/ as escravos/as aprenderam a viver comunitariamente e obedecer ao seu Deus. Além disso, foi no deserto que esse grupo reconheceu que não podia viver de modo egoísta e individualista, mas foi nesse auste-

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

ro espaço que os hebreus aprenderam desfrutar, de modo comunitário, da graça de Deus. Portanto, o deserto é lugar de desolação, mas também da companhia de Deus (Êx 13.21); é o lugar sem fertilidade, mas foi o tempo pleno da palavra e da graça de Deus (Jr 2.2). No deserto, o peregrino olha para o alto e somente vê o sol escaldante; olha para os lados e somente vê areia quente. A sua única esperança é confiar em Deus. Esta, certamente, foi a experiência daquele bando de escravos e escravas libertado por Deus, no Egito. Foi a partir dessa experiência que o profeta Oséias falou pedagogicamente ao povo esquecido e, conseqüentemente, desobediente, durante os dias do Reino de Israel – “Eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração”(2.14). No Novo Testamento

Na tradição pascal veterotestamentária, a celebração da Páscoa precedia o deserto. Na tradição sinótica, o deserto precede a Páscoa. O deserto marcou o início do ministério de Jesus, além de aparecer em algumas vezes na história do ministério. Após o batismo, Jesus retirou-se ao deserto onde ele jejuou, orou e foi ten-

tado. No deserto, após vencer a tentação, Ele foi servido pelos anjos. Deste modo, o deserto é lugar de provação e de providência divina. Diferentemente do povo de Deus na história da peregrinação no deserto, Jesus venceu a provação e manteve-se fiel a Deus. Por isso, ele não experimentaria a morte às portas da terra prometida, como aconteceu com Moisés. Assim, junta-se deserto e ressurreição na história de Cristo, unindo batismo e eucaristia em um mesmo movimento. Batismo e deserto marcam o início do ministério de Jesus, enquanto a eucaristia e a ressurreição marcam o final. A partir daí, a Igreja Cristã – como, por exemplo, as comunidades do Apocalipse – enxergam a sua provação como o deserto, onde as águas do dragão tentam engolir a comunidade (a provação) e o deserto engole a água (providência).

O número 40 No Antigo Testamento

O povo tem tentado entender o significado dos números, porém é, provavelmente, impossível chegar a uma explicação plena e completa. Cada povo constrói uma simbologia muito própria. Portanto, não é possível explicar o significado hebraico do número 40, tomando por base o sentido egípcio ou cananeu. O número 40, entre os israelitas, certamente, possui um significado teológico que tem sua origem na própria história do povo. É necessário lembrar que os ensinos, hinos, liturgias, ou outra expressão de comunicação, contidos na Bíblia, deverão ser vistas à luz da experiência histórica do povo. Assim deve ser visto o significado do número 40. No Antigo Testamento, o número 40 ocorre muitas vezes relacionado a momentos significativos

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

da história bíblica. Entre tantas ocorrências, quatro são destaques no Antigo Testamento: o período do dilúvio foi de 40 dias (Gn 7.4); os hebreus caminharam 40 anos pelos desertos até atingir Canaã (Js 5.6); a duração do bom reinado de Davi foi de 40 anos (2Sm 5.4); Elias caminhou 40 dias para encontrar com Deus no Sinai (1Rs 19.8). Estas quatro ocorrências estão ligadas a eventos fundantes e significativos na história bíblica do Antigo Testamento. Não deveríamos entender o número 40 como um múltiplo de quatro? O número 4, provavelmente, tem a ver com os quatro pontos cardeais dos quais vêm os quatro ventos que abastecem a terra de oxigênio. O relato da Criação afirma que quatro rios irrigam toda a terra (Gn 2.10-12). Não estaríamos diante do símbolo da intervenção divina que renova a vida e a esperança no mundo? Por tudo isso que foi falado,

7

acima, provavelmente, o número 40 sinaliza o início de um novo período de atividade de Deus. No Novo Testamento

No NT, o simbolismo do número 40 continua. Por exemplo, Jesus recolhe-se no deserto por 40 dias e 40 noites (Mt 4.3; Mc 1.13; Lc 4.2). Uma outra ocorrência significativa, na vida e obra de Jesus, é mencionada por Atos dos Apóstolos: Jesus, após a ressurreição, permaneceu na terra 40 dias (At 1.3). Certamente, o número 40 lembra a difícil, mas significativa caminhada do povo de Israel no deserto.

Páscoa No Antigo Testamento

O nome na Bíblia não é um simples rótulo que se coloca em uma pessoa ou acontecimento para torná-lo mais atraente. O nome representa a realidade profunda do ser que o conduz. Assim é a Páscoa. A palavra páscoa vem do hebraico pesah cujo significado é salto, movimento, caminhada, travessia. O nome pesah está estreitamente ligado à história dos acontecimentos que antecederam a saída dos/

8

as escravos/as hebreus e hebréias, do Egito (Êx 12.11, 21, 27, 43, 48; 34.25), em direção à liberdade e à vida plena, em Canaã. O termo pesah, salto, travessia é histórico, mas ganha sentido teológico por várias razões: Deus passou ao largo das portas das casas dos/as escravos/as hebreus e hebréias, pintadas com sangue de carneiro sacrificado, e assim, livrando os filhos primogênitos da morte (Êx 12. 12-13, 23) Deus fez com que esse grupo de escravos/as atravessassem os desertos para ganhar a liberdade na terra da promessa, Canaã. Por fim, Deus fez os hebreus e hebréias saltarem da escravidão para a liberdade, da angústia para o prazer de viver e da morte para a vida. Todos esses motivos históricos levaram os descendentes desses/as escravos/as a organizarem uma celebração cúltica onde a ênfase seria lembrar os grandes atos salvíficos de Deus, em favor de seus pais que eram escravos/as no Egito. Assim, a partir da chegada a Canaã, os/as descendentes desses/as escravos/as passaram a celebrar, uma vez por ano, esse grande salto, dos hebreus, para ganharem a liberdade. Natural-

mente que o nome dessa celebração veio a ser pesah, isto é, páscoa. É suposto que, a partir da chegada em Canaã, fim do século XIII a.C., o povo hebreu celebrou a Páscoa, cuja finalidade primordial é ensinar as futuras gerações que Deus liberta e oferece vida plena a todos/as. Assim, quem celebra a Páscoa aprende que Deus não admite escravidão. No Novo Testamento

A festa da Páscoa, no cristianismo, é um dos elementos que anuncia a origem judaica da fé cristã. É importante nesse caminho perceber que na celebração da Festa da Páscoa judaica o drama fundante da fé cristã se insere de forma decisiva. Jesus, na condução da refeição pascal, anunciou o memorial que identificaria as reuniões dos futuros seguidores de seu movimento. A partir da páscoa judaica – providência divina e libertação – o cristianismo anuncia a redenção e a ressurreição. Embora pareçam distintos, esses termos têm profundas ligações com o sentido veterotestamentário. A morte de Jesus, em meio às celebrações pascais, representou a vitória aparente das forças da

morte. Os poderes instituídos venceram o Ungido de Deus. Contudo, a ressurreição é a resposta de Deus que anuncia a vitória definitiva da vida. Com isso, a ressurreição de Cristo representa a providência divina que salva o Ungido e o liberta, desta vez, da força da morte. Deste modo, a Páscoa cristã relê a concepção judaica antiga, ampliando o campo da libertação para a libertação da morte. Com isso, o sentido de ressurreição do indivíduo – novidade no pensamento judaico – junta-se ao conceito de Páscoa definindo os contornos da fé cristã.

Memória No Antigo Testamento

No Antigo Testamento, encontramos dois verbos importantes para a compreensão do significado de celebração e culto: lembrar e esquecer. Evidentemente que lembrar é mais importante que esquecer. Na língua hebraica, lembrar é zakar. A ordem de Moisés aos escravos hebreus, no Egito, explica bem o valor de zakar lembrar para aquele povo em formação: “Lembraivos deste mesmo dia, em

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

que saíste do Egito, da casa da servidão; pois com mão forte Javé vos tirou de lá...” (Êx 13.3). Por outro lado, xakah esquecer possui o significado de apagar da memória tudo o que Deus fez em favor do ser humano e do mundo. Assim, a recomendação de Moisés transformou-se na semente que deu motivo e razão a toda festa ou celebração comunitária. Por isso a recomendação bíblica é enfática e urgente: “Lembrai-vos e não vos esqueçais” (Dt 9.7). No Antigo Testamento, os verbos lembrar e esquecer estão muito relacionados à atuação de Deus no mundo. Assim, não é encontrada indicação bíblica para que o povo lembre e celebre a data de aniversário de algum líder do povo. A recomendação bíblica é para que o povo lembre, primeiramente, dos atos salvíficos de Deus em favor de homens e as mulheres ao longo da história. Ao mesmo tempo, a necessidade de uma ordem na comunidade fez com que os líderes apelassem para que povo lembrasse dos mandamentos divinos. A importância do ato de lembrar é, na Bíblia, tão grande e fundamental para a existência da comunidade do povo bí-

blico que legisladores (Nm 15.39), historiadores (Dt 6.5-9; 26.20-24), sacerdotes (Sl 136), profetas (Jr 2.2; Mq 6.1-5), sábios (Ec 12.1) recomendavam ao povo a guardar na memória, bem como celebrar, os favores de Deus. Para a Bíblia, zakar lembrar é criar, construir e lançar as bases de um povo, enquanto que esquecer é o mesmo que destruir e fazer morrer a esperança. No Novo Testamento

A memória é a base da sobrevivência do povo judeu. Começando pela lembrança da criação e a conseqüente manutenção da vida por Deus, passando pelos atos do passado, que confirmam a ação de Deus em favor de seu povo e garantem o futuro escatológico, chega, inclusive, até a perpetuação do nome. O verbo relembrar aparece poucas vezes no Novo Testamento, sendo

que, nestas poucas vezes há uma maior concentração em textos litúrgicos, de modo especial nos textos eucarísticos, isto é, ligados à Celebração da Ceia do Senhor. Paulo usa esse verbo quando ele quer chamar a atenção da comunidade de Corinto sobre a tradição eucarística que ele recebeu (1Co 11.24). Na maioria dos casos, o uso do verbo está associado ao contexto veterotestamentário do relembrar para não morrer. Tanto que, mesmo no uso negativo do verbo que o livro de Hebreus faz, há um diálogo com a tradição do AT. Para Hebreus (10.3), o relembrar da tradição mantém viva a consciência do pecado. Deste modo, para a epístola, o sacrifício de Jesus supera esse relembrar constante. A tradição veterotestamentária fecunda os poucos textos do Novo Testamento, onde a maior parte aponta para a importân-

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

cia do memorial pascal e da própria pessoa de Cristo e se tornam em sinalização presente dos atos salvíficos de Deus. A pessoa de Cristo e o Espírito Santo se tornam em atualização constante da memória salvífica.

Ovelha, carneiro No Antigo Testamento

Entre os elementos da refeição pascal, a carne animal é, no Antigo Testamento, a mais constante, em todas as prescrições. O animal que fornece a carne para o sacrifício pascal é o kebes ou keseb cordeiro macho. A literatura do Antigo Testamento mostra que esse animal era muito querido pelo povo bíblico, por várias razões: (a) o kebes carneiro era considerado o animal doméstico mais popular, por Israel e os povos vizi-

9

nhos; (b) em Israel era proibido castrá-lo ou mesmo adquiri-lo estéril de outros povos (Lv 22.2425); (c) não é por acaso que a legislação determinava o carneiro como animal mais desejado para o sacrifício (Êx 12.5); (d) ele é usado metaforicamente para exaltar a afetividade entre o ser humano e o animal (2Sm 12.3) que dá força e coragem ao pastor para defendê-la do perigo (1Sm 17.34; Ez 34.131). Por essas razões, Israel era comparado a uma ovelha desgarrada (Sl 119.176). Contudo, o exemplo mais claro encontra-se no 4o canto do Servo de Javé (Is 52.1353.12), quando, numa riquíssima metáfora, o povo exilado na Babilônia é comparado a uma inocente ovelha (Is 53.7).

A razão do grande carinho do povo bíblico pelo carneiro ou a ovelha tem um motivo histórico. Inicialmente, Israel foi um povo das estepes que circundavam as cobiçadas regiões agrícolas; após a chegada a Canaã, o povo bíblico alcançou as montanhas da Palestina (Jz 1.19, 27-29), e somente, mais tarde, é que eles conquistaram as planícies, tornando-se agricultores. Assim, o carneiro e a ovelha fizeram parte da história do povo bíblico nas duas primeiras fases de sua vida. Além de alimentar e proteger o povo do frio, esse animal era o símbolo da mansidão. No Novo Testamento

O Novo Testamento usa o termo cordeiro poucas vezes. A partir da tra-

dução da Bíblia Hebraica para o grego, (septuaginta), há uma distinção entre a ovelha (próbaton) e cordeiro (amnós). Amnós desiganava o cordeiro de um ano. Essa condição era requerida para o sacrifício expiatório da tradição veterotestamentária. O cristianismo em seus escritos canônicos usa a figura do cordeiro para explicar a morte de Jesus. Ele aparece como o cordeiro que redime todo o povo (Jo 1.29-34; I Pd 1.19). Com isso, o escândalo da cruz ganha um sentido teológico de expiação do pecado. Jesus, com sua morte, assumiu o papel de cordeiro que, mediante o sangue, expia o pecado. Esse sentido vicário surge como uma releitura do impacto negativo que a cruz causou na comunidade (que Paulo define com o termo escândalo).

Refeição pascal No Antigo Testamento

As prescrições para a refeição pascal não são uniformes e fáceis de compreendê-las na ordem cronológica. Todavia, tomemos uma das reportagens encontradas no Antigo Testamento (Êx 12.114) para esboçar a qualidade da refeição pascal.

10

Provavelmente, este texto contém alguns elementos primitivos dessa celebração. Primeiro, o sacrifício da ovelha deveria ser realizado no crepúsculo do dia 14 do 1o mês do ano. Segundo, o animal a ser sacrificado deveria estar escolhido e separado a partir do dia 10. Terceiro, a oferta deveria ser comida por todos os membros da família, bem como dos vizinhos e amigos convidados. Quarto, o animal deveria ser escolhido do rebanho jovem de carneiro, não devendo apresentar qualquer defeito ou mancha. Quinto, o sangue do carneiro deveria ser passado nas portas e nas travessas das casas. Sexto, a carne do carneiro sacrificado deverá ser assada no fogo e comida, à noite, acompanhada de pães ázimos e ervas amargas. Sétimo, era proibido comer carne crua ou cozida na água, bem como algumas partes do animal, como a cabeça, as vísceras e as pernas. Oitavo, toda a refeição prescrita deveria ser comida apressadamente, numa atmosfera de dramatização, isto é, com lombos cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão. Nono, as ofertas deveriam ser comidas dentro da casa, até o alvorecer. O que restasse dessa refeição deveria ser totalmente

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

queimada. De tudo o que foi esboçado, a partir do relato de Êxodo 12.1-14, algumas conclusões ficam salientes: (1) essa liturgia pascal quer destacar a importância da família para a sobrevivência futura do povo bíblico; (2) o valor da mesa de refeição não é somente para o alimento físico, mas também serve para o fortalecimento dos laços comunitários e com Deus; (3) essa reunião destinava-se manter viva a memória de libertação do povo, através da dramatização dos fatos ocorridos durante o processo de fuga da escravidão egípcia. No Novo Testamento

A refeição comunitária é um dos elementos importantes na fé israelita. Na fé veterotestamentária, ela define etnia e família. Por isso, era uma questão complicada para um judeu a refeição com um não judeu. O cristianismo conservou esse elemento importante da fé cristã, mas dando-lhe um sentido mais amplo, onde a refeição definia o povo de Deus, que não era retratado nem sanguineamente e nem geograficamente, mas sim pelo conceito da confissão de fé (aqueles que fazem a vontade de meu Pai). Nos eventos pascais

que marcaram a paixão de Cristo, a refeição inicia e conclui o drama. Antes da prisão, Jesus come a refeição pascal com seus discípulos e institui o memorial da Páscoa. Após a ressurreição, Jesus revive a refeição pascal, comendo com os discípulos (Lc 24.30ss; Mc 16.14).

Ressurreição O conceito de ressurreição é um conceito muito tardio na fé judaica. Alguns profetas anunciaram a ressurreição do povo como uma expectativa de redenção do povo. A ressurreição do indivíduo só vai aparecer no pensamento judaico a partir do 2o século a.C. É uma das expectativas importantes que irá fecundar o pensamento apocalíptico, que surge nesse período. Deste modo, soma-se a ressurreição dois outros importantes temas teológicos: fé em um mundo vindouro, que significaria a intervenção definitiva de Deus na história humana e o julgamento escatológico, onde os bons serão punidos e os injustos serão condenados. No conceito de ressurreição, mais do que a vitória definitiva da vida sobre a morte, aparece o conceito da justiça divina que será exercida no mo-

mento da implementação definitiva do Reino de Deus (Reino da Justiça). É comum nos extratos mais antigos do Novo Testamento o uso do verbo levantar (egeiro) no passivo, demonstrando com isso a ação divina na salvação de Jesus da morte. Este sentido é, também, aplicado a comunidade cristã a qual participa da morte e, conseqüentemente, da ressurreição de Jesus.

Jejum Jejum – na língua hebraica sum – é a abstenção de alimento por um espaço de tempo. O jejum era um elemento da prática religiosa israelita. Todavia, ele era também praticado por pessoas de muitas religiões antigas. No Antigo Testamento, o jejum tem alguns objetivos: (a) ele sinaliza o pesar de alguém, em vista do falecimento de um ente querido (1Sm 31.13; 2 Sm 1.12; 3.35) ou de um desastre nacional (Ne 1.4); (b) ele mostra o sentimento de arrependimento de alguém, por um gesto indevido. Essa atitude de arrependimento caracteriza-se como um gesto de auto-humilhação (Ne 9.13; Jr 14.12; Jl 1.14; Sl 35.13-14); (c) o jejum é um exercício de fé destinado a chamar a atenção

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

de Deus, em vista de um perigo iminente (2Sm 12.16-25; Jr 36.9; Jn 3.5); (d) o jejum acontece quando alguém tem que tomar uma decisão difícil ou iniciar uma missão importante e espinhosa (Et 4.16). A prática do jejum não teve, na Bíblia, aprovação unânime do povo. Alguns profetas criticaram a prática do jejum, porque ele tinha se tornado um rito meramente externo sem sentimento interior (Is 58.1-14; Jr 14.2; Zc 7.1-7). Após a destruição de Jerusalém (587 a.C.) e o exílio na Babilônia, houve uma enorme valorização da prática do jejum. No Novo Testamento, o jejum é pouco citado, provavelmente em razão da excessiva valorização dada pelos fariseus. Jesus mostrou-se indiferente quanto ao jejum (Mt 6.1618; Mc 2.18-20), mas não o excluiu (Mt 4.1-11). Antes, sugere que ele seja praticado às ocultas, em casa, para que ele não se torne um meio de promoção pessoal. A Igreja Primitiva adotou o jejum (At 13.2-3; 14.23) como preparação para a escolha de seus líderes, mas nas cartas dos apóstolos, o jejum não é mencionado.

11

L

iturgia

A Ceia Pascal Donato Pfluck*

Instruções gerais

P

ara a ceia, sugerimos que sejam preparados ovelha assada, pão ázimo dos judeus e vinho, já que é um jantar. Durante a ceia, os cerimoniais vão sendo explicados e comentados livremente. Esta liturgia pode tornar-se um momento muito significativo para a comunidade, pois ajuda o povo a entender a Santa Ceia e a história do povo de Israel. Para reforçar o espírito comunitário, podem ser vendidos convites a um preço simbólico (para se saber quantos vão participar) e depois se recolhe uma oferta para cobrir os gastos.

Hino de inv ocação invocação 1. Acendendo as luzes da festa Comentário: Nos lares israelitas, era tarefa da mãe acender as luzes dos candeeiros, dando vida e alegria ao ambiente da festa. Mulher es ulheres es: Ó Deus de Abraão, Isaque e Jacó, que o brilho desta festa se espalhe por toda a face da terra, levando o clarão de tua luz divina a todos os que vivem em trevas e servidão. Que esta celebração, na qual lembramos a libertação de nossos pais do domínio de Faraó, nos faça, com espírito agradecido, lutar contra toda forma de opressão. Abençoa a nós e a nossas famílias com a paz do Espírito Santo. Em nome de Jesus.

eram abençoados antes de serem consumidos, ou seja, o chefe da casa agradecia a Deus, louvando o seu nome pelos dons recebidos. O ração: Bendito sejas tu... H omens: Louvamos-te, ó Deus Eterno, porque tu és bom e a tua misericórdia dura para sempre. Abres a tua mão e satisfazes a todos. Amém. Comentário: O vinho era servido 4 vezes durante a refeição pascal. (Serve-se o vinho) Todos: (Erguem o cálice e dizem) Bendito sejas tu, Senhor nosso Deus, rei do universo, que criaste o fruto da videira (Todos tomam um gole do primeiro cálice). 3. O lavar das mãos 4. O comer das verduras

2. A bênção da festa (Kiddush)

5. O partir do pão ázimo (matsah) ao meio

Comentário: Todos os alimentos servidos na Páscoa (como em todas as refeições)

Comentário: Temos aqui três pães ázimos (matsah). Entre os iraelitas, havia um pão

12

para cada refeição diária. No dia de sábado havia dois, em lembrança à dupla porção de maná que colhiam no sexto dia, quando peregrinavam no deserto. Na Páscoa havia três pães ázimos, pães sem fermento, usados também por Jesus para instituir a Santa Ceia... (o pão é partido ao meio) ... Eis o pão do tormento, que nossos pais comeram no Egito. Todos que têm fome, venham e comam! Todos que o desejarem, venham e celebrem a páscoa conosco. Este ano festejamos aqui; ano que vem, na terra de Israel, em Jerusalém. Neste ano muitos ainda se acham em servidão; que no próximo ano todos possam ser livres! Todos odos:: Seja a Páscoa uma festa de libertação, de vida e de paz com Deus, para nós e para o nosso próximo, por meio da ressurreição de Jesus Cristo. Comentário: Comemos este pão ázimo, sem fermento,

porque os nossos pais não tiveram tempo suficiente para deixar a massa fermentar quando o Rei dos reis se manifestou e nos libertou. Como dizem as Escrituras Sagradas: “Os israelitas fizeram pão sem fermento com a massa que haviam levado do Egito, pois os egípcios os haviam expulsado do país tão de repente, que eles não tinham tido tempo de preparar comida nem de preparar massa com fermento.” Agora, tomemos todos um pedaço de pão e digamos em conjunto: Todos: Bendito és tu, Senhor nosso Deus, rei do universo, que da terra tiras o pão.. Hino 6. Apresentação do Cordeiro Hino 7. O relato da saída do Egito (Haggadah) Comentário: “Haggadah” significa narrativa. É o recontar da história da primeira Páscoa, e sempre teve grande

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

(Interrompe-se o “séder”, o ritual propriamente dito, e o jantar é servido. A refeição é um momento de alegria reverente e comunhão fraternal, por isso toma-se do segundo cálice. O ritual continua após a refeição.) Oração (pode ser cantada):: Vem, Jesus, ó benigno Senhor! Sacia-nos sempre por teu favor. Amém. Amém. Amém. Hino 9. Ação de graças após a refeição

D: Bendito seja o Senhor, nosso Deus, rei do universo, que alimenta o mundo inteiro com sua bondade, graça, amor e misericórdia. Ele dá o pão a todas as criaturas, pois eterno é o seu amor e santo o seu nome. Ele é quem tudo sustenta, faz bem a todos e dá alimento a todos os seus filhos e filhas. Todos: Bendito sejas, Senhor nosso Deus, que dás alimento a todas as criaturas. (É servido o terceiro cálice, o “cálice da bênção”) Salmo 116 (Todos se põem em pé, para a leitura responsiva do Salmo 116. 12 a 19, parte do Grande Hallel) D: Que darei ao Senhor por todos os seus benefício para comigo ? T: Tomarei o cálice da salvação, e invocarei o nome do Senhor. D: Cumprirei os meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo. T: Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos. D: Senhor, deveras sou teu servo, teu servo, filho da tua serva. T: Quebraste as minhas cadeias. D: Oferecer-te-ei sacrifícios de ações de graça, e invocarei o nome do Senhor. T: Cumprirei os meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo, D: nos átrios da casa do Senhor, no meio de ti, ó Jerusalém. T: Bendito sejas tu, Senhor, nosso Deus, rei do universo, que criaste o fruto da videira. (Todos tomam, novamente, do cálice da bênção) 10. A instituição da nova Páscoa

D: Bendigamos ao Senhor. Todos: Que o nome do Senhor seja bendito agora e para sempre!

O ração: Ó Senhor Deus, Deus de nossos pais, ao final desta ceia, que lembra a páscoa do povo de Israel e

valor educativo, especialmente para as crianças. Por isso, uma (ou quatro) criança(s) fará(ão) as quatro perguntas tradicionais: Criança (s) riança(s) (s):: 1) Por que esta noite é diferente das outras? 2) Todas as noites comemos todo tipo de pão. Por que hoje comemos só pão sem fermento? 3) Nas outras noites comemos qualquer tipo de verdura. Por que hoje comemos ervas amargas? 4) Todas as noites comemos sem cerimônias especiais. Por que hoje celebramos a Páscoa ? Comentário: Respondendo a estas perguntas, vamos ouvir o relato bíblico da saída do povo de Israel do Egito, conforme se encontra registrado em Êxodo 12. 1 a 42. (Procede-se a leitura) Salmo 117 Louvai ao Senhor vós todos os gentios, / louvai-o todos os povos. / Porque mui grande é a sua misericórdia para conosco. / E a fidelidade do Senhor subsiste para sempre. Aleluia. (C antado) Glória seja ao Pai, (Cantado) ao Filho e ao Santo Espírito, como era no princípio é hoje e para sempre, sempre e sem fim. Amém. Amém. 8. A Ceia Pascal

sua libertação do Egito, bem como a ceia que Jesus celebrou com seus discípulos na noite em que foi traído – pedimos que nos ajudes a levarmos ao nosso dia-a-dia esta mensagem de liberdade e de vida. Homens: Tira-nos da escravidão que nós mesmos buscamos e à qual facilmente nos submetemos: a escravidão do poder, do dinheiro, dos prazeres, da vida sem sentido. Faze-nos compreender que a liberdade que pedimos e queremos deve ser também a liberdade para os outros. Mulher es: Na medida das nosulheres: sas capacidades, em nosso falar e agir, queremos cooperar no sentido de que ninguém viva sob terror, medo, pobreza ou opressão. Acima de tudo, que ninguém viva sob a escravidão do pecado, que é a fonte de todas as outras escravidões. Todos: Que a luz da liberdade alcance as mais remotas regiões do mundo e o coração de cada ser humano! Então poderemos viver como teus filhos e como irmãos plenamente livres, com aquela liberdade que nos deste por meio de Jesus, teu Filho, nosso Senhor. Amém. Vem, Senhor Jesus! Dirigente irigente: Que o Deus Eterno os abençoe e os guarde; que o Deus Eterno os trate com bondade e misericórdia; que o Deus Eterno olhe para vocês com amor e lhes dê a paz. Todos: Amém. Hino (Após a ceia, a comunidade se dirige para o santuário/altar, para a Cerimônia de Desguarnecimento da Mesa. Durante o percurso, relembra-se o sofrimento de Cristo no Gêtsemani). 11. Desguarnecimento do altar

uma vela que sobrou da ceia, para a Igreja. No meio do caminho paramos em dois momentos para ler trechos da Bíblia que contam o que aconteceu na Quinta-feira Santa à noite. Quando chegamos na igreja, que está apenas com a luz atrás da cruz acessa, é lido mais um trecho bíblico e feita uma oração, sempre com fundo musical. Após, todos os presentes são convidados para desguarnecerem o altar e a igreja, ou seja, são retirados todos os ornamentos, cartazes, flores. A igreja é desnudada. As últimas coisas são: cobrir o altar com um pano preto, colocar as sete velas e o círio pascal, a Bíblia e a cruz. Por último, com destaque, a coroa de espinhos na cruz e o pano preto. Finaliza-se com uma oração e a bênção. Posso garantir que é um cerimonial marcante!) Notas *

Esta ceia é uma adaptação de um antigo Lar Cristão e também foi publicado, se não me engano, numa Voz Concordiana [Igreja Luterana]. Como vocês sabem, no mundo nada se cria; tudo se copia. Desculpem-me se alguém é o autor, mas se até estão quebrando as patentes dos remédios pra AIDS, porque não podemos copiar pra melhor divulgar a Palavra de Deus? Quando descobrirem os autores, podem colocar os devidos créditos. É que uso essa, e outras liturgias, há tempo e sempre as readapto. Por isso já nem sei o que é de quem! (Nota do Autor) ** Para esta publicação, os editores do Mosaico Apoio Pastoral fizemos pequenas adaptações redacionais e, principalmente, suprimindo as indicações hinódicas originais, para dar a oportunidade de cada comunidade escolher os cânticos segundo as suas preferências e o seu repertório local. Pedimos a compreensão do Rev. Donato Pfluck por essas liberdades (Nota dos Editores).

(Após a ceia, saimos em procissão, cada um carregando

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

13

M

etodismo

Tome as providências para consigo mesmo e distribua todo o restante O dízimo, a economia eclesiástica metodista histórica e atual, e os(as) pobres (Parte I) Helmut Renders

N

a edição de novembro de 2001 o Expositor Cristão, lê-se que o Colégio Episcopal e a COGEAM da Igreja Metodista “estabeleceram os dízimos como um dever a ser cumprido por todos membros”.1

bro brevemente o vai e vem dessa discussão e, depois, investigo a busca do equilíbrio entre a responsabilidade orçamentária e social no metodismo primitivo.

1. Um tema em discussão desde a Não é a primeira vez que autonomia algo semelhante acontece na Igreja Metodista no Brasil. Neste texto, relem-

Sabe-se que um dos maiores obstáculos da au-

tonomia da Igreja Metodista foi a sua independência financeira, ou seja, o seu auto-sustento. Nessa fase, entretanto, os Cânones continuam mencionando “contribuições regulares”, sem especificações mais precisas.2 Já em 1950, o VI Concílio Geral aprovou o dízimo como obrigatório. A decisão foi revogada pela Comissão de Consti-

tuição e Justiça 3 , provavelment, por que o Concílio Geral não tinha mudado o respectivo parágrafo nos Cânones. Em 1953, M. A. Niedermeyer publicou um livro sobre mordomia cristã para crianças.4 O Concílio Geral, em 1954, cria a base constitucional do dízimo, e uma tese de Borges discute o tema em 1956. 5 Os livros de V. S. Azariah6

um Princípio Cristão na Vida Social. São Bernardo do Campo: Faculdade de Teologia da Igreja Metodista do Brasil, 1956. 6 AZARIAH, V. S. Contribuição Cristã. São Paulo: Imprensa Metodista, 1957. 7 THOMAS, G. Ernest. Vida espiritual pelo dizimo. São Paulo: Junta Geral de Educação Crista da Igreja Metodista do Brasil, 1961. 8 CABRAL. A Décima Parte.

São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1984. 9 Carta Pastoral do Colégio Episcopal da Igreja Metodista sobre o Dízimo. 2a ed. São Paulo: Editora Cedro, 1999,. 10 SILVA, Aluísio Laurindo da. Dízimo. Um investimento missionário. São Paulo: Cedro, 2000. 11 Veja aqui também duas outras publicações metodistas: BASSLER, J. M. God

Notas 1 Veja Expositor Cristão, Novembro, 2001, p. 4. 2 O dízimo nunca aparece como dever nos Cânones da Methodist Episcopal Church; Methodist Episcopal Church, South Methodist Church ou United Methodist Church. Entretanto, encontra-se o dízimo como orientação, por exemplo, na Alemanha: Lehre, Verfassung und Ordnung und der Evangelisch-metho-

14

distischen Kirche, Stuttgart 1999, § 106. 3 Expositor Cristão, 1a quinzena de 1978, p. 19. 4 NIEDERMEYER, Mabel A. Este Mundo Maravilhoso. Livro sobre Mordomia Cristã para Crianças, São Paulo: Junta Geral de Educação Cristã da Igreja Metodista, 1953. 5 Talvez estimulou a situação a monografia BORGES, Jayme Alfredo. Mordomia

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

(1958) e T. G. Ernest 7 (1961) fortalecem esta decisão, mas, em 1968, o dízimo desapareceu dos Cânones novamente. Imediatamente, o livro de Azariah é reeditado e, quase uma geração depois, surgem novas iniciativas a favor do dízimo, através dos textos de Cabral 8 (1984), do Colégio Epsicopal9 (1999) e de S. A. Laurindo10 (2000).11 Assim rezam os Cânones de 2002 quanto ao dever do membro leigo: “... contribuir regularmente com dízimos e ofertas para a manutenção da Igreja Metodista e de suas instituições, nos termos da Carta Pastoral do Dízimo.”12

“Wesley ensinava que os metodistas deveriam ganhar o máximo que pudessem, e darem o máximo que pudessem para a obra de Deus, e para os pobres. Com tais exemplos, não nos resta outra alternativa senão a de sermos, no mínimo, fiéis no dízimo.”13

Algo semelhante podemos encontrar nas próprias palavras de João Wesley comentando Gêneses 14.20: “Jesus Cristo, o nosso grande Melquisedeque, deveria ser reconhecido humildemente por todos nós como nosso rei e sacerdote, e não somente o dízimo, mas tudo deveria ser dado para ele.”14

questão da contribuição na graça de Deus e não na oferece bases para uma teologia de prosperidade.17 O “salário mínimo”

Wesley trabalha cuidadosamente o tema do uso de dinheiro em quatro pregações.18 Todos os textos reclamam a disponibilidade humana total para Deus, por exemplo: “Primeiro, se você não tiver uma família, tome as providências para consigo mesmo e distribua todo o restante. [...] Segundo, no caso de você ter uma família, considere com sinceridade perante Deus as necessidades de cada um, por que devem receber o necessário para viver. [...] Em geral, não aceite nem menos nem muito mais do que você permite [estabelece] para si mesmo. Terceiro, defina os seus gastos para não pretender mais ganhos. Em nome de Deus, não aumente o seu patrimônio [substance]. [...] Cada libra doada por você para os pobres é depositado no banco do céu.”19

Na carta episcopal encontramos uma referência relativamente curta ao próprio João Wesley:

Esta referência é rara, porque, além de tudo, Wesley quase não fala do “dízimo”, provavelmente, porque pertencia, na época, às Paróquias Anglicanas e não às Sociedades Metodistas.15 O dízimo, então, nunca, fez parte das Regras Gerais, nem das sociedades, nem das classes, nem das bandas. Nas suas poucas referências a respeito do assunto, Wesley louva a sinceridade dos fariseus dizimistas, porém, critica o seu orgulho. 16 Raramente relaciona a contribuição com a bênção divina, ou seja, ele baseia a

Encontramos aqui, entretanto, três notáveis particularidades. Primeiro, João Wesley conta com um valor do “custo básico da vida” e entende-o como intocável.20 Este valor garante mais do que a mera sobrevivência, oferece uma vida digna. Temos

& Mammon. Asking for Money in the New Testament. Nashville: Abingdon Press, 1991 e KLAIBER, Walter. “Freikirchliche Überlegungen zum Thema kirchliche Finanzen, in: Evangelische Theologie 61o ano, 1/ 2001. Gütersloh: Chr. Kaiser, p. 49-56. 12 Igreja Metodista. Cânones 2002, Art. 5o 3 (p. 148). 13 Colégio Episcopal. Dízimo 24.

14 Notas sobre o Antigo Testamento, Gen 14, 20. É um comentário geral do texto inicial. 15 Veja: To a Clergyman, Tullmore, May 4, 1748. 16 Sermão 25, IV.6. 17 “Each Christmas your accounts may clear, and wind your bottom once a year.” Sermão 89 VI 4. Notas sobre o AT, Ml 3, 10, comentando “Provai-me com isto” com as palavras:

“Faz a experiência”. Mesmo assim o acento é o versículo 10, não o 11. 18 Sermões: 25 IV.5; 50 III.6 O uso certo do dinheiro; 87 II.8 Os perigos de riquezas; 89 VI.1 Um caminho mais excelente; 126 II.7 O perigo de acumular riquezas. 19 Citei aqui o menos conhecido Sermão 89 VI.4.5. Em 50. II. 3 e 87II.8, Wesley usa em vez de “restante” (remains) o termo “over-

No metodismo brasileiro, o dízimo tem sido um tema presente, porém, na maior parte das vezes como sugestão e não como dever.

2. A prática do metodismo primitivo Vejamos, a seguir, como o metodismo primitivo tratou o assunto. Devemos tudo a Deus

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

aqui, então, algo parecido com a idéia original do salário mínimo. Segundo, a avaliação da quantidade de arrecadação básica é feita pelo indivíduo. Assim, os líderes de classes arrecadavam dos seus integrantes, semanalmente, dinheiro no valor “que eles estão dispostos a dar para a redenção dos pobres”.21 Terceiro, o excedente é para os pobres. O Caminho mais excelente olha a partir da capacidade individual e respeita a decisão individual. Da mesma forma, pessoas de posse e arrecadação maiores devem contribuir mais, sugere João Wesley, e “não aumentar o patrimônio”.22 São elas que devem realmente ser “no mínimo, fiéis no dízimo”. Da convivência para a solidariedade

Essa proposta diferenciada de João Wesley surgiu da convivência com pobres23 e ricos. No seu diário, Wesley anota freqüentemente as condições da vida dos pobres: “Encontrei-os em celas embaixo da terra, outros no sótão, meio-mortos de frio e

plus” (excedente). 20 Pregação 50. III. 3 inclui aqui: “Comida, roupa e tudo que seu corpo precisa para ser saudável e forte.” 21 The Nature, Design, Rules of the United Societies, §3. 22 Walter Klaiber menciona o mesmo texto, e comenta, que contrariaria a base do capitalismo moderno, com a sua teoria da acumulação do valor. Veja KLAIBER, Freikirchliche, p. 53-54.

15

0de fome, expostos à fraqueza e à dor. Mas não encontrei nenhum deles não trabalhando, quando conseguia arrastar-se do seu quarto. Tão pobre, tão diabolicamente errada é a opinião comum de ‘que eles são pobres por que são preguiçosos’. Vendo tudo isso com os seus próprios olhos, você conseguiria ainda gastar dinheiro com ornamentos ou coisas superficiais?”24

No fim da sua vida, Wesley conclui: “A maioria das pessoas com riquezas na Inglaterra amam o dinheiro, até os metodistas, ou seja, os chamados metodistas. Os pobres são os cristãos.”25

Cada vez mais questionou a disponibilidade de ricos em favor do Reino de Deus. Na análise de Wesley, estes últimos somente mudariam as suas posições através da convivência com os pobres. 26 Numa lógica paralela, pregadores leigos e líderes de classes tinham que visitar os pobres como parte essencial da própria santificação.27 O exemplo pessoal

João Wesley morreu com pouquíssimo dinheiro no bolso.28 Ele tinha investido na obra de Deus o máximo possível, inclusive o salário garantido

23 A literatura sobre este assunto é vasta. Veja, por exemplo: JENNINGS, Theodore. Good News to the Poor: John Wesley´s Evangelical Economics. Nashville: Abingdon, 1990 e MEEKS, M. Douglas. The Portion of the Poor. Good News to the Poor in the Wesleyan Tradition. Nashville: Kingswood Books, 1995. Já o metodista Jörg Rieger, Professor de teolo-

16

pela Universidade de Oxford e os lucros das edições das suas obras.29 A sua prática é quase equivalente a um voto de pobreza, fato que fortaleceu a sua autoridade neste assunto. 30 É discutido, entretanto, se ele praticava ou somente favorecia a comunhão de bens, como base da economia eclesiástica. Uma administração para ajudar os(as) pobres

O ministério dos ecônomos foi originalmente criado para servir aos pobres.31 Conseqüentemente nem nas Regras de Ecônomos se esquece deles(as). “Se você não consegue redimir os pobres, então não lhes cause amargura. Se nada tiver para oferecer, fale palavras carinhosas. Cuidese para não olhar para eles com arrogância, nem fale palavras ásperas. Quando eles vêm, devem ficar felizes, mesmo se voltarem com mãos vazias. Coloquese no lugar dos pobres, e trate-os como Deus os traria.”32

Parece, no ponto de visto de Wesley, que o pobre deveria receber da Igreja!

defendeu esta posição diante do conceito calvinista de Deus como poder soberano. Wesley, conseqüentemente, optou pelo amor como critério maior. Assim, também não argumenta meramente a partir de uma norma geral (o dízimo como um direito do soberano Deus; cada um tem que cumprir seu dever) mas, reconhece, por um lado, a soberania de Deus (nós devemos tudo a Deus) e, por outro lado, as necessidades humanas. Ele combina, na questão da contribuição cristã, uma ética normativa com uma ética situativa. Assim, ele não destaca somente o amor para com Deus, mas também para com o próximo e para consigo. O soberano amor divino o leva para os(as) “não eleitos(as)”, perdidos(as), desfavorecidos(as). Não a dupla predestinação, mas a graça universal deve marcar o seu destino. Na liberdade, em busca do compromisso

“Para Wesley (...) Deus era amor soberano.”33 Ele

A liberdade dada não significava que os metodistas se calam diante do assunto. O Sermão 50 não tratou somente um tema entre outros. Conhecida por nós por fazer parte dos

gia sistemática no Perkins School of Theology, SMU, Dallas, frisa o tema – sem grandes referências a João Wesley – como questão chave da teologia do século 21. RIEGER, Joerg. Remember the Poor. The Challenge to Theology in the Twenty First Century. Harrisburg: Trinity Press International, 1998 e God and the Excluded. Visions and Blindspots in Contem-

porary Theology. Minneapolis: Fortress Press, 2001. Rieger é profundamente influcienciado por Frederick Herzog. 24 Diário; 8 de fevereiro de 1753. 25 Veja a carta de 30/09/1786 para Freeborn Garretson. 26 “Temos a tendência de criticar nos poderosos uma falta de compaixão, mas que realmente falta, é que eles simplesmente notam os po-

A doutrina de Deus e a ética da contribuição

Standard Sermons, ela tinha que ser lida uma vez por ano nas sociedades metodistas.34 Os Sermões 87 (Os perigos da riquezas) 89 (Um caminho mais excelente) e 126 (O perigo de acumular riquezas) pronunciaram claramente o perigo das riquezas para a caminhada cristã. Os pregadores metodistas atuaram na base da graça e da liberdade, mas buscaram levar as suas comunidades para o compromisso.

Conclusões Parece-me que a leitura atual de Wesley, pelo metodismo brasileiro, sobre a contribuição cristã, segue mais os acentos das argumentações calvinistas. Não se destaca uma reflexão partindo do soberano amor de Deus, especialmente para com os pobres, mas do soberano poder de Deus. Isso pode ser explicado a partir do contexto protestante brasileiro, talvez porque o próprio Wesley baseia-se mais em Calvino do que em outros reformadores. Assim, não se percebe as diferenças na doutrina de Deus e na prática eclesiástica, missionária e da contribuição. Quem fala pressupondo o poder de Deus,35 concen-

27

28

29 30

bres.” Carta para Dr. Wrangel no ano 1770. A visita, hoje predominantemente um meio da evangelização, era então no tempo de Wesley um meio de formação – do visitante! Seis pobres carregaram o sarcófago de João Wesley, todos pagos por ele. Sermão 89 VI 4. Carlos Wesley, entretanto, seguiu por causa da sua vida familiar outro caminho.

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

tra-se na devida obediência humana, no cumprimento de seus deveres, e na perspectiva da bênção (prosperidade) a partir dessa obediência.36 Quem fala a partir do amor de Deus para com o mundo, reflete mais com base no ser humano, de suas necessidades e capacidades. Dessa forma, eis algumas das contribuições significativas da perspectiva metodista: 1. Com o pressuposto na lógica do amor, Wesley nos lembra que um “salário mínimo” não tem esse nome por acaso. Ele marca o intocável mínimo de arrecadação pessoal. Hoje ninguém considera o seu valor atual digno e a igreja protesta contra a sua contínua desvalorização. Podemos então pedir o “dízimo do

mínimo” como dever? 2. A partir da lógica do amor Wesley pede dos(as) mais abençoados(as) mais. Existem propostas parecidas modernas, como da contribuição crescente, que sugere, em casos de boas arrecadações, até contribuições de 15%, 25%, ou mais. 3. A conexão metodista foi criada para desenvolver uma administração sadia para uma igreja comprometida. Conectaramse não somente indivíduos, mas regiões eclesiásticas e igrejas locais. Como vemos a distribuição de riquezas dentro da Igreja Metodista hoje? Como o mais forte ajuda o mais fraco para que este possa ser forte? Sem uma conexão forte não há uma igreja a favor do pobre.

4. Parte da herança original metodista, por incrível que pareça, é o direito de cada um(a) definir o valor básico para viver e o valor da sua contribuição. Como nós avaliamos isso hoje? 5. Como se reflete a proposta eclesiástica a favor dos pobres (Plano para a Vida e a Missão; Plano Nacional 2002-2006) na programação da Igreja em todos os seus níveis?37 Finalmente: há pobres que doam o dízimo. Eles(as) merecem o nosso agradecimento, como a viúva o elogio de Jesus. Em que tornaria essa atitude valorizada um dever ? Outros pobres, entretanto, se sentirão desvalorizados diante da sua “cautela”. Será que sofrerão, futuramente, pressões que questio-

nem sua membresia? Com certeza, ninguém quer isso. Por essa razão pergunto: Será que não seria mais adequado sugerir e motivar, em vez de ordenar? Motivar por meio do exemplo, pedindo mais dos(as) mais favorecidos(as)? Do meu ponto de vista, o dever do dízimo, na sua forma atual, não representa a melhor proposta de arrecadação eclesiástica para uma Igreja M etodista etodista, Comunidade er viço – esMissionária a SSer erviço pecialmente da parte explorada e empobrecida, mas também da parte próspera – do P Poo v o . (Numa continuação pretendo mostrar a base bíblica da proposta de João Wesley).

31 BURCKHARDT, Friedemann. Gottes Hausverwalter. Das Verwalteramt im Methodismus. Coletânea: emk studien 3. Stuttgart, Medienwerk der EmK, 1999, 5-13. 32 Diário 04/06/1747, regra 11. 33 LOGAN, James C. “Offering Christ: Wesleyan Evangelism Today”, in: MADDOX (editor), Rethinking Wesley´s Theology for Comtemporary Methodism. Nash-

ville: Kingswood Books, 1998, p. 121-122. Veja também HÄRLE, Wilfried, Dogmatik, Berlin u. New York: Walter de Gruyter, 1995, p. 235 – 248. Luterano, e filho de um pastor metodista, ele interpeta todos atributos de Deus no prisma do amor. Na mesma linha seguem KLAIBER, Walter e MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus. SBC: EDITEO, 1999.

34 Assim nos Cânones da Igreja Metodista Unida até hoje. 35 Cantam-se hoje muitas canções que louvam o soberano poder de Deus, porém, não sempre o seu soberano amor. Isso forma as teologias do povo metodista! 36 Veja, como exemplo quase clássico, juntando “Desafio de Deus “, “Obediência” e “Bênção”: Colégio Episcopal. Dízimo. 12-14.

37 Segundo a oficial estatística da IM, caiu o número de instituições sociais entre 1996 e 2001 em 13%, apesar do crescimento de membresia de 28%.

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

17

R

eflexão episcopal

Educação teológica conquistas e desafios (2Tm 3.10-11) Bispo Josué Adam Lazier

E

stamos celebrando nossa Ação de Graças pelo reconhecimento do curso de Bacharel em Teologia. Fazemos isto em nome de muitos que passaram pela Faculdade de Teologia e nutriram este sonho. Coube a nós presenciar a realização desse sonho e agradecer a Deus em nome de um exército de metodistas que freqüentaram a “casa de profetas e profetisas”. Ao celebrarmos, devemos considerar os pontos positivos da educação teológica e os desafios que estão diante de nós. Os desafios são como os “Tu, porém...” (1Tm 6.11; 2Tm 2.1, 3.10, 3.14, 4.5; Tt 2.1) com que o apóstolo Paulo costumava admoestar os seus discípulos, orientando-os sobre a vida cristã, sobre o exercício dos dons e ministérios e o cumprimento das responsabilidades ministeriais. Esses “Tu, porém...” são como trilhas que nos ajudam a refletir sobre nossa educação teológica.

Pontos positivos Em 1988, foi feita uma pesquisa pela SETE – Sociedade dos Estudantes de Teologia Evangélica1, que apontou pontos positivos e negativos da educação teológica. Vamos olhar os

18

pontos positivos que se aproximam da prática metodista: 1. Oportunidade que a Igreja oferece a membros que não teriam acesso a outros cursos teológicos e a uma formação superior de qualidade, a mesma que se encontra em nossa Faculdade de Teologia. Mais do que formar pastores/as – este fato é digno de ser destacado – ao oferecermos uma vaga no Curso de Bacharel em Teologia, estamos abrindo um mundo novo e cheio de possibilidades para jovens que têm sonhos e energia para desenvolver suas potencialidades. A formação reflexiva, crítica e científica abre horizontes desconhecidos, mas promissores para as gerações que se sucedem em nossa Igreja. 2. Embora a dinâmica da tutoria seja um programa recente na Faculdade de Teologia, o fato é que o relacionamento entre corpo docente e discente é outro aspecto positivo. Os docentes clérigos, ao exercerem atividades em comunidades locais, possibilitam uma abertura para que os discentes os procurem fora do ambiente meramente acadêmico; discentes que serão seus/suas companheiros/as de ministério num futuro próximo.

Muitas lições são dadas e aprendidas fora de sala de aula, em momentos formais e informais, onde professores/as podem transmitir verdades e princípios adquiridos no labor ministerial. É inegável o fato de que há professores/ as com maior sensibilidade para o “discipulado”, ou seja, para momentos de comunhão, de reflexão e de debate sem os limites acadêmicos de uma sala de aula. 3. A ênfase no ensino, mais propriamente no ensino teológico, e sua importância para a vida e a missão da Igreja é outro ponto positivo. O ensino teológico tem oferecido ferramentas, subsídios e conteúdo para os diversos dons ministeriais dados à Igreja para o “aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço e para a edificação da Igreja” (Ef 4.12).

Educação teológica é entender a maneira pela qual Deus se revela na experiência humana e examinar como a pessoa expressa essa experiência; a partir daí, descobrir Deus e como expressá-lo no âmbito da realidade que se vive.2 Assim, ela oferece à Igreja o equilíbrio neces-

sário para o cumprimento da missão.

Desafios para a educação teológica dentro de um novo formato Alguns desafios sempre estiveram presentes na educação teológica, mas agora afloram-se ante o reconhecimento e o apelo de uma secularização da formação teológica. É inegável o lado místico da formação teológica, e dentro deste contexto destacamos alguns desafios que são como “tu, porém...” para nós: 1. Ajudar à Igreja Metodista a resistir ao movimento neoliberal que tende a minimizar a formação teológica entre os líderes religiosos, notadamente evangélicos. Neste sentido, a educação teológica deve ser o “respirador” da Igreja e “oxigenador” do pensamento teológico. Neste sentido ainda, a educação teológica tem a missão de preparar aqueles e aquelas que serão os “guardiões/ãs” das doutrinas da Igreja, para que não sejamos assaltados por grupos que buscam a lógica do mercado e do marketing para fazer

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

valer seus projetos pessoais. 2. Aprofundar o carisma da vocação, do ter sido chamado/a por Deus. É somente Deus quem vocaciona. E é sempre bom ressaltar que vocação difere muito de profissão, principalmente levando-se em conta a crise de mercado da mão de obra e da luta pela sobrevivência cada vez mais aguerrida. A espiritualização das necessidades básicas pode “vocacionar” a muitos equivocadamente para exercer o sagrado ministério, por simples falta de opção profissional. 3. Não podemos permitir que a secularização do sagrado, a profissionalização de nossos púlpitos, o tecnocracismo de nossas instituições e até mesmo os maus exemplos das instituições governamentais roubem de nós o sentido do transcendente, do sagrado e do espiritual, de ser serva. A vocação é digna, diz o texto bíblico (Ef 4.1). Ela move homens e mulheres na convicção da missão, do serviço, da busca da solução das necessidades humanas, da compaixão pelos que sofrem. Andar na contramão de Deus é pecado. É perverter o caminho do bem. É transformar o lugar de bênção em lugar de maldição. 4. Não permitir que a elitização e a secularização desarticulem o sentido do serviço junto às bases da Igreja. Não podemos perder esta sensibilidade de trabalhar de maneira simples com nosso povo que vive nas periferias dos grandes centros, nas cida-

des do interior e nos centros rurais que ainda temos. Podemos estudar, refletir, aprofundar o conhecimento, buscar especialização, mas sem perder a perspectiva do nosso fim último, a multidão. Assim fez Jesus com seus discípulos, enviou-os para que atendessem às necessidades da multidão (Mt 9.38-10.1). 5. Integrar a formação acadêmica com a vida de piedade. O estudo e a reflexão devem ser acompanhados de atos de piedade. Este ato de moldar a mente e aquecer o coração, marcas do equilíbrio metodista, é outro aspecto que nos desafia, ou seja, não perdermos a sensibilidade das coisas simples e puras. A divisão que se percebe nos cursos teológicos entre espiritualidade e estudo científico da Bíblia é nociva para os/as estudantes na prática da sua fé e para a educação teológica no Terceiro Mundo, diz a teóloga Elsa Tamez. 3 Parece que o apóstolo Paulo insistia com seus discípulos para que permanecessem naquilo que aprenderam em tenra idade, pois sabiam de quem aprenderam (2Tm 3.14). Outro ponto do ensino paulino estava relacionado à piedade cristã. Costumava ensinar o seguinte a seus discípulos: “conserva a piedade cristã...” (1Tm 6.11). Elsa Tamez sugere três passos para a superação desta distância entre vida de piedade e reflexão bíblica-teológica4: (a) começar a aula com momentos de pequenas devocionais; (b)

enfatizar que a pesquisa bíblica é a busca de novos significados no texto bíblico e (c) possibilitar um trabalho mais popular com o texto, aproximando assim os/as estudantes das comunidades onde estão envolvidos/as. 6. Não usar a formação teológica para simplesmente atender a projetos pessoais. A educação teológica na Igreja Metodista não existe para isto. Há outros cursos no mercado que oferecem este tipo de produto. No caso da educação teológica metodista há comprometimentos implícitos. Significa estar se preparando para o serviço cristão, seja qual for o ministério a ser exercido. Para Croatto, há um “certo comprometimento da pessoa, uma vez que se prepara para o ministério que tem a ver com Deus e com sua presença no mundo”.5 Portanto, a formação teológica tem esta mística, preparar “profetas” e “profetisas” (obreiros/as) que atuarão como servos e servas de Deus em contextos de lutas, sofrimentos e injustiças; onde plantamos a semente da esperança, do amor, e da reconciliação. Há outros cursos que também trabalham nesta perspectiva da vocação, tais como medicina, serviço social, psicologia, pedagogia e outros. Neste sentido, não há lugar para aqueles/as que usam a formação teológica para fins pessoais, como um trampolim para o ministério pastoral ou outras funções. Cito como exemplo pessoas que fazem um hi-

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

ato, ou um corte, entre a sua vida ao ser vocacionado e o ingresso no ministério pastoral: o que fica no meio, ou seja, o curso teológico propriamente dito, não serviu para nada, a pessoa desconsidera tudo e começa a criar modelos quase sempre estereotipados que são sugeridos pelo meio evangélico, os ditos “supermercados da fé”. Vamos, em nome de Deus, resistir a isto. Estes são, portanto, alguns desafios que devemos considerar. Não precisamos temer o crescimento da educação teológica, mas sim estabelecermos os aspectos inegociáveis dessa formação. Estes que destaco considero fundamentais para nossa Igreja. Igreja que tem a vocação de ser Missionária, de estar a Serviço do povo sofrido e sem esperança no mundo, a quem Deus, na sua infinita graça e misericórdia, ama de uma maneira incondicional.

Notas 1

2

3

4

5

SANTOS, Wilson Costa dos, A Educação Teológica Pastoral no Brasil – Eficiências, deficiências e desafios, em Boletim Teológico, abril/junho 88, Recife, SETE. CROATTO, J. Severino, Formação Espiritual e Estudo Crítico, em O que é Formação Espiritual, ASTE, 1990, pg. 35. TAMEZ, Elsa, Formação Espiritual e Estudo Crítico da Bíblia, em O que é Formação Espiritual, ASTE, 1990, pg. 27. Tamez, Elsa, Formação Espiritual e Estudo Crítico da Bíblia, em O que é Formação Espiritual, ASTE, 1990, pg. 30-31. Croatto, J. Severino, Formação Espiritual e Estudo Crítico, em O que é Formação Espiritual, ASTE, 1990, pg. 33.

19

A

Administração eclesiástica

O que mudou? Análise das decisões administrativas e gerenciais do 17o Concílio Geral da Igreja Metodista Geoval Jacinto da Silva

Introdução

A

Igreja Metodista é uma Igreja de governo episcopal, porém o seu modelo administrativo é conciliar. O concílio está presente em todos os níveis de administração (geral, regional, distrital e local). Cada concílio tem a sua própria forma de organização, com tempo pré-determinado para as suas reuniões. O Concílio Geral, por determinação do 17o Concílio Geral, passa a ter as suas reuniões a cada cinco anos (Cânones 2002, Artigo 48) – o próximo será em 2006. Essa decisão acarretou alguns problemas estruturais para a vida da Igreja, tais como: eleição de bispos/bispas e a realização dos Concílios Regionais, os quais vão precisar de ajustes legislativos, por parte do Co-

20

légio Episcopal – o qual também passou a utilizar nova nomenclatura para as mulheres eleitas para exercer a função episcopal (Cânones 2002, Artigo 65). Neste ensaio analiso algumas mudanças aprovadas pelo Concílio Geral as quais estão relacionadas, diretamente, com a forma de administrar. “Administar é o processo de tomar decisões para realizações que possam alcançar os objetivos” (Maximiano, (2000, p. 25)).

Os Concílios Gerais da Igreja Metodista A Igreja Metodista define o Concílio Geral como sendo “o órgão superior de unidade da Igreja e as suas funções são legislativas, deliberativas e administrativas” (Cânones 2002, Artigo 45).

Desde 2 de setembro de 1930, data da Autono-

mia, a Igreja Metodista já realizou dezessete Concílios Gerais. Uma das tarefas do Concílio é legislar para a Igreja; essa legislação é publicada nos Cânones. Cânon significa regra – regra geral de onde se inferem regras especiais (Novo Dicionário Aurélio, 1a edição). Os Cânones da Igreja Metodista estão dividos em três grandes partes: a) Parte Constitucional; b) Parte Geral – permanente na vida e na missão da Igreja; e c) Parte Especial – nesta os Concílios Gerais efetuam mudanças, visando a uma administração mais participativa. Leonildo afirma que: “A flexibilidade, a competitividade, a dinâmica do ambiente que envolve as empresas modernas, inclusive os empreendimentos religiosos, exigem novas estratégias de aprendizagem dentro das organizações”

(1996, página 92).

Buscando a implementação da flexibilidade em uma perspectiva pastoral, é que o 17o Concílio Geral realizou algumas mudanças em sua legislação, as quais estão presentes nos Cânones, edição 2002. O que mudou? A pergunta é pertinente uma vez que sua resposta é, acima de tudo, pedagógica, isto porque nem sempre os Cânones são acessíveis às comunidades locais, por diversas razões; são poucas as pessoas que adquirem um exemplar, por isso, de certa forma, é um documento restrito aos/as clérigos/as. Portanto, cabe aos pastores e às pastoras a tarefa pedagógica de instruir as comunidades sobre as mudanças realizadas. Por questão de tempo e espaço a análise será rea-

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

lizada sobre a Parte Especial, dos Cânones de 2002, páginas 143 a 279, indicando as mudanças administrativas e gerencias, na perspectiva pastoral, apontando ao leitor e à leitora o capítulo e seu respectivo título, a secção, a subseção, o artigo, o item e o parágrafo [quando existirem]. C APÍTULO I – D O S MEMBR OS LEIGOS EMBROS Seção III – D oD esliDo Desligamento. Artigo 7o – item 3. “o que tem o seu nome cancelado por voto pela Coordenação Local de Ação Missionária (CLAM). Parágrafo único: O cancelamento de nome do Rol de Membros, pela Coordenação Local de Ação Missionária (CLAM), somente pode ser decidido pela votação de, no mínimo, 2/3 (dois terços) dos membros presentes, ouvido o presidente do Concílio Local, e nos seguintes casos: a) quando se tornar desconhecido ou de paradeiro ignorado;

b) por assumir votos de outra Igreja, sabido e confirmadamente, sem prévio comunicado à igreja local de sua decisão.” O que mudou?

O desligamento de membros da igreja local, passa a ser atribuição da (CLAM), respeitando a legislação própria. Com essa medida pastoral, o Concílio Local não será mais lugar de discussão da matéria. Espera-se que sendo o assunto tratado em um segmento menor da igreja, com tratamento pastoral para cada caso, não haja mais discussões que prejudiquem a vida de pessoas. Seção VI – D o/a E Do/a Evvangelista Artigo 11 – item 5. “é consagrado/a pelo/a pastor/a da igreja local, segundo o Ritual da Igreja Metodista.” O que mudou?

Fica definido que a consagração é realizada pelo/a pastor/a da igreja local, na qual o/a evangelista é membro. Com essa decisão, salvo atribuições canônicas, o raio de ação do evangelista está ligado a igreja local, sem criar,

num primeiro momento, o vínculo, ou a expectativa, de ser pastor/a. CAPÍTULO IV – DA ADMINISTRAÇÃO BÁSICA Seção III – Do Concílio Local / S ubseção II –D Daa Competência Artigo 136 - Compete ao Concílio Local: item 6. “eleger, dentre os inscritos no Livro de Rol de Membros da igreja local: ... e) delegado ao Concílio Regional”. O que mudou?

Retornamos ao antigo sistema, quando cada igreja tinha o seu delegado/a como representante, o que proporciona um número maior de participantes nos Concílios Regionais. CAPÍTULO II – D O S MEMBR OS CLÉRIGOS EMBROS Seção II – Da Ordem Presbiteral / S ubseção II – D dmissão na Daa A Admissão O rdem P Prr esbiteral Artigo 25 – acréscimo do item 8. “sete anos ininterruptos como membro de efetiva participação na Igreja Metodista; e cinco anos para o pastor/a” (também Artigo 36.8,

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

Subseção II – Da Admissão no Ministério Pastoral). O que mudou?

Esse novo item regulamenta o tempo necessário para uma pessoa solicitar o seu ingresso na Ordem Presbiteral ou no Pastorado. A Igreja passa a exigir uma experiência na comunidade e não só a formação acadêmica. Artigos 25 e 36, §1 e 2 – são parágrafos que com nova redação oferecem maior clareza ao candidato, que visa cumprir o período de experiência na igreja local, ou em um dos seus ministérios. S eção II – D Daa O Orrdem Pr esbiteral / Subseção III – Dos Deveres e Direitos dos Integrantes da Ordem Presbiteral Artigo 26 – item 9. “contribuir regularmente com dízimos e ofertas para a manutenção da Igreja Metodista e de suas instituições, nos termos da Carta Pastoral do Dizimo”. Esta é uma exigência para presbíteros e pastores (Artigo 38, Subseção III – Dos Deveres e Direitos dos

21

Integrantes do Ministério Pastoral). CAPÍTUL O II – DA ADAPÍTULO MINISTRAÇÃO SUPERIOR Seção II – D o Colégio Do E piscopal / Subseção II – Da Competência Artigo 66, acréscimo do item 35: “regulamentar autorização para o/a acadêmico de Teologia realizar estágio em igreja local.” O que mudou?

Essa decisão ajusta-se à nova realidade do Curso de Teologia, no contexto da Universalidade. Entretanto, em termos práticos, trouxe problemas para alunos/as que esperavam por nomeações pastorais, além da perda de uma efetiva prática pastoral e de recursos advindos da nomeação. S eção III – D Daa Coordenação Geral de Ação M issionária / Missionária Subseção I – Da Composição Artigo 85 – “A Coordenação Geral de Ação Missionária (COGEAM) é composta de 14 (catorze) membros, a saber:...”

22

O que mudou?

A COGEAM foi ampliada através das representações da Região Missionária do Nordeste (REMNE) e dos Campos Missionários da Amazônia (CMA). Essa deliberação do l7o Concílio Geral responde ao anseio dessas regiões que não tinham assentos nesse segmento administrativo e missionário da Igreja. Importante esclarecer que a representatividade deve respeitar ao princípio da representação paritária entre leigos/as e clérigos/as. Também foi definido que “qualquer pessoa que exercer cargo na Coordenação Geral de Ação Missionária (COGEAM), Cargos Diretivos de Instituições e ou Conselhos Diretores, não podem ter mais de dois parentes em linha reta, colateral, consangüíneos, ou afinidade, até 2o grau ou cônjuge, exercendo atividades remuneradas em Instituições ou órgãos da Igreja Metodista” (Cânones 2002, Artigo 85, §3o). Conclusão

A análise das decisões administrativas e legislativas da Igreja Metodista, em seus diversos níveis, vai requerer um gerenciamento participativo de todos

os seguimentos para que a Igreja alcance os seus objetivos, os quais estão expressos em sua tradição e no Plano Nacional/Objetivos e Metas, 2001 – documento norteador para os desafios pastorais e missionários no novo qüinqüênio. Nesse sentido, os ajustes administrativos, gerenciais e pastorais podem contribuir para a o desenvolvimento da Igreja, dentro de um sistema de tranqüilidade e de qualidade. Nosso objetivo foi mostrar ao leitor e à leitora que na parte estudada, a partir dos registros canônicos, as mudanças foram realmente pequenas; entretanto, isso não nega, de forma alguma, a natureza dinâmica da Igreja. Queira Deus, em sua infinita misericórdia, que este novo período possa ser um tempo de bons gerenciamentos, a partir do Espírito daquele que afirma: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai” (Jo. 3-8).

Referências Bibliográficas Bíblia Sagrada. São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1988. Campos, L. S. “A Dimensão

educativa na pastoral – A dimensão pedagógica na administração” In Teologia Pastoral – Estudos de Religião número 12. São Bernardo do Campo, I.E.P.G – 1996. O tema analisado de “Decisões administrativas e gerências”, partindo das decisões do 17o Concílio Geral, nos remete a um interessante artigo de Nelson Reed Eliot, onde o autor mostra “o significado social das estruturas organizacionais e a sua relação como o meio ambiente social determina os parâmetros de crescimento e conflito interno das igrejas protestantes brasileiras”. “Modelos organizacionais, crescimento e conflito no protestantismo brasileiro: uma perspectiva semiótica” in Estudos de Religião 17”, S.B.Campo, Pós-Graduação em Ciências da Religião, UMESP, 1999. FERREIRA, A.B.H. Novo Dicionário Aurélio, Rio de Janeiro, ED. Nova Fronteira,1a edição. Igreja Metodista. Cânones, São Paulo Ed. Cedro, 2002. _____________ Plano Nacional. São Paulo, Cedro, 2002. MAXIMIANO, A.C.Amaru. Introdução à Administração. São Paulo, Atlas, 2000. A Igreja como instituição, humana e divina é configurada por uma estrutura mediadora. Sobre esse tema veja: Geoval Jacinto da Silva, “A instituição como mediadora do sagrado” in Revista Caminhando, Ano VI, número 8. S.B. Campo, Faculdade de Teologia – UMESP, 2000.

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

E 6r

ducação

A propósito de uma escola democrática Ou diga-me se eu estiver errado Luiz Carlos Ramos

R

ecentemente, em uma conferência sobre educação, ouvi que os três pilares da autonomia são: a liberdade, a vontade e a responsabilidade. No mesmo dia participei de uma discussão com um grupo que sonha fundar uma escola democrática na cidade de São Paulo, com bases bastante originais. Tais episódios me instigaram a rabiscar este texto. Pretendo aqui comentar despretensiosamente esse conceito de autonomia com vistas a uma escola democrática, a começar pela liberdade. Tempo havendo e interesse não faltando, pode vir a calhar de seguirmos comentando, em outra ocasião, sobre os demais pés: a vontade e a responsabilidade. Veja que enrascada: se optarmos por uma escola democrática, estamos a dizer que nela não teremos a liberdade de ser antidemocráticos. Isto é, nela não há liberdade para autoritarismos, para privilégios, para vontades individualistas que se opõem à vontade da maioria, e muito menos liberdade para um ensino bancário, vertical, hierárquico e não dialógico. Em outras palavras, a opção pela democracia tolhe a liberdade individual daqueles que, em geral,

sabem se beneficiar em um sistema não democrático. Daí que o primeiro desafio, ou obstáculo, para a implantação da liberdade democrática, seja justamente lograr-se anular a liberdade antidemocrática. Conclusão óbvia: liberdade, em sentido puro, ideal, é um paradoxo inexeqüível. Talvez possamos, limitadamente, falar em prática da liberdade democrática, sabendo que isso implica vigorosos limites. Para que o indivíduo possa exercer sua liberdade democrática, ele terá que abrir mão da sua liberdade antidemocrática, isto é, terá que submeter sua vontade individual à vontade do grupo, da maioria e blá, blá, blá. Mas que garantia há de que a decisão da maioria será, de fato, a mais apropriada? Nenhuma. Goethe dizia que entre ficar com a maioria e ficar com a minoria, ele preferia, sem titubear, ficar com esta última, porque “a minoria é sempre de longe o grupo mais inteligente”. E caso haja unanimidade a atenção deve ser redobrada, pois “toda unanimidade é burra”, como dizia o Nelson Rodrigues. Como garantir, então, que a liberdade seja de fato democrática. Aqui vai meu palpite: a mais importante das liberdades a

serem cultivadas deve ser a liberdade de expressão. É curioso notar que a retórica era disciplina fundamental no currículo da democrática Atenas, visando à formação do cidadão; enquanto que no sistema educativo do Império Romano essa disciplina fora abolida. A razão disso é simples: em um sistema autoritário, não é preciso saber se expressar, pois isso não fará a menor diferença nas decisões que serão tomadas, uma vez que serão impostas, independentemente da opinião favorável ou não do “cidadão”. Platão, que era antidemocrático como Sócrates, ridicularizava a retórica dizendo que esta era a “arte de convencer as pessoas não pela verdade, mas pelo que parece ser a verdade”, entretanto ele mesmo estava fazendo um exercício retórico. Se alguém apresenta uma falsa verdade fantasiando-a de verdade, a única maneira

Mosaico – Apoio Pastoral X Ano 10, no 24, janeiro/março de 2002

de desmascará-la é pelo mesmo método argumentativo, denunciando em que medida o raciocínio é falso ou incorreto. Para lutar contra as mentiras e contra as falsas verdades, somente a prática da liberdade de expressão. Daí que crescer aprendendo a se expressar, a defender suas idéias e pontos de vista, a argumentar e a contra-argumentar é a melhor formação que alguém pode ter; e a melhor ferramenta que um sistema de ensino pode oferecer. O importante não é ser livre pra chegar à hora que se quer a um compromisso, mas ter a oportunidade de poder convencer os interessados de que há um possível horário mais adequado para a atividade em questão. Você discorda? Então exerça seu direito à liberdade de expressão e me convença do contrário.

23

R

eflexão bíblica – AT

“Aos seus concede enquanto dormem” Leitura: Salmo 127 Milton Schwantes

A

s dádivas da vida não dependem de nós. Acho que você já experimentou um monte de vezes. Dádivas “acontecem”. Por exemplo, como foi que alcançaste teu atual emprego? Se olhares para trás, perceberás que “aconteceu”. Há, por certo, razões para que o tenhas. Estão aí teus interesses e estudos na área. Não há que esquecer teu esforço. E existem relações. Há quem diga que as relações que empregam a gente. Pois bem, há motivos, razões, explicações. Mas, no fundo, nem esperavas por este teu emprego. Aconteceu. É dádiva. É Deus quem cuidou de ti para que as coisas “acontecessem” para ti. “Enquanto dormes, Deus concede”, faz acontecer. No desemprego, as expectativas são muitas. A gente vai à procura. Quanto mais passa o tempo, mais alternativas se busca. Até que “acontece”. “Ah, consegui emprego!” É verdade: “Consegui!”. E este “consegui” é um “aconteceu”! Estes exemplos indicam – logicamente: não provam – que a vida é dádiva. É surpresa. E isso é o melhor de tudo. Vale abraços e alegrias de teus amigos e amigas. “Já sabes? Ele... conseguiu! Ah, que bom! Que bom!” Dádiva é coisa boa. Pois, acontece enquanto dormes. Deus cuida de ti para que as coisas “aconteçam”. Não confie no agito. Confie neste sono em meio ao qual as dádivas se fazem. Ó Deus, a ti nossa gratidão porque nos guardas enquanto dormimos. Torna-nos despertos para vermos tua ação em nossa vida todos os dias. Te amamos e queremos ver-Te acontecer. Em Jesus. Amém.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.