“REPARA NESSES TREM NÃO”: UMA ETNOGRAFIA DAS COISAS NA ROÇA (Monografia)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE GRADUAÇÃO ANTROPOLOGIA

“REPARA NESSES TREM NÃO”: UMA ETNOGRAFIA DAS COISAS NA ROÇA

SARAH KELLY SILVA SCHIMIDT

Belo Horizonte 2015

SARAH KELLY SILVA SCHIMIDT

“REPARA NESSES TREM NÃO”: UMA ETNOGRAFIA DAS COISAS NA ROÇA Monografia apresentada ao curso de Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Antropologia. Orientador: Prof. Dr. Andrei Isnardis Horta

Belo Horizonte 2015

Agradeço

A Dona Terezinha, Xampu, Dona Santa, Joael, Zaíra, Fubá, Dona Zilca, Sueli, Dona Vera, Tio Generoso, Wilma, Rosa, Antônio Gravata, Maria de Chico, Ilza, Leidinha, Kenedy, Dona Alzira, Waldir, William, Cléber, Dona Ana, Rê, Lilinha, Seu Nilson, Nilsinho, e todas e todos que se fizeram e me fizeram em Santaninha. A Andrei por uma orientação sensacional não só na monografia, mas também como exemplo de ser na mistura da arqueologia com a antropologia. A Ana Flávia, orientadora não-oficial mais que oficial, pela disposição e paciência de mergulhar neste projeto que ninguém sabia onde ia dar, por manter meus pés firmes enquanto a cabeça flutuava. A Bia, primeira orientadora, por me instigar nas não-centralidades e por assegurar que não havia problema nenhum em me voltar para casa. A Camila pela força feminista de luta na arqueologia A Edgar pela disposição em aceitar ler e discutir esse texto. A Evelin, pela arqueologia da (na, pra) roça, pela acolhida, pelas sessões terapêuticas, pelas comidas deliciosas, os cafés (e chás) de assuntos infinitos. A Ângela e Aninha pelos sorrisos, por aguentar meus desabafos e desesperos com a burocracia, pela disposição e companhia na resolução de toda e qualquer treta do curso. A toda(o)s querida(o)s do curso de Antropologia e às amoras anarqueoantropólorgas que fizeram com que as pausas no entremeio da pesquisa fossem muito mais que produtivas, aproveitadas: A Amanda pela meninice, pela mineirização do sul, pela primeira discussão em Ouro Preto. A Carlos pela amizade que nunca reconheceu barreiras acadêmicas, pelos conselhos sempre no ponto certo, pelos carnavais. A Dudu pela calma, pela loucura poética, pelo forró de Natal. A Lara pelos cachos, pela autoestima, pela pichação no Mofuce. A Marcony pela integridade bandida, pelas coisas sempre vivas, pelas dormidas de conchinha. A Ric por também não querer se enquadrar na academia, pelos puxões de orelha mais que merecidos, pelas pausas pros cafés. A Gustavo Jardel, por ser amigo, estalo, família, professor, consciência, casa, por ser metade d’eu. A Santusa, Milena e Daniel, por me acolherem na família, por me abrigarem sempre tão carinhosa e generosamente.

A Mia e Kaká que me puxam do abismo um pouquinho de cada vez quando me pedem atenção batendo não tão carinhosamente com suas patas em meu rosto às cinco da manhã. A Dona Cila por chegar com carinho na nossa roça, pela imensa paciência comigo e, principalmente, com Seu Zé. A Jully por se rebelar contra mim e comigo, pela sororidade da jabuticaba nesse mundo-cão. A meu pai, Zé Tomatão, pela qualidade acima da quantidade e da distância, por me mostrar que o não-seguimento das regras na maioria das vezes é o melhor a se fazer; pelo amor à terra, à casa, à vida; por estar, sempre, mesmo ao não estar. E a meus avós, Seu Nestor e Dona Cota por darem início a isso tudo em seu terreiro.

RESUMO Neste meu projeto antropoarqueológico tenho como foco a região de Santaninha, zona rural de Teófilo Otoni, Minas Gerais. Um lugar de gente da roça, onde procuro construir um conhecimento sobre a vida que acontece nos terreiros das casas dessas pessoas, me atentando ao que constitui estes lugares e às coisas transformadas e re-produzidas a partir de outros lugares e coisas. Em um mundo onde terra, plantas, ferramentas, animais, clima, mulheres, crianças, homens, estruturas novas e antigas possuem são reconhecidas como de importância simétrica na sua construção; onde as dicotomias construtoras da modernidade não estão tão presentes, procurei construir um conhecimento sobre as interações que podem ser percebidas, entendendo que as reflexões geradas nesse processo podem ser relevantes para a continuidade da construção de saberes contra-hegemônicos na arqueologia. Palavras-chave: Arqueologia. Etnografia. Zona Rural.

ABSTRACT In this anthropoarchaeological project my focus is the Santaninha region, in Teófilo Otoni’ contryside, in Brazilian’s Minas Gerais state. A place of rural people, where I try to construct a knowledge about the life that happens on their house’s yard, attentive to what builds those places and to the tranformed and re-produced things made from other places and things. In a world where earth, plants, tools, animals, climate, women, children, men, old and new structures have – and are recognized as having – a symmetrical part in its construction; where the dichotomies that established modernity are not present, I tried to build a knowledge about the interactions that can be perceived. Here I also try to think back about the process, understanding that in doing so I can contribute to the continuity of the construction of counter hegemonic knowledge. Key words: Archaeology, Ethnography, Rural Area.

SUMÁRIO

ÍNDICE DE FIGURAS..................................................................................07 PREÂMBULO.............................................................................................12 ETNOGRAFIA ............................................................................................16 CADERNO DE IMAGENS............................................................................44 MANIFESTO...............................................................................................56 BIBLIOGRAFIA UTILIZADA ........................................................................58

ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1:Bacia do Rio Mucuri e localização das cidades de Mucuri e Rio de Janeiro no mapa do Brasil Figura 2: Disposição das casas descritas na pesquisa e suas vizinhas imediatas. Sem escala. Figura 3: O buraco da casa de Dona Vera. Figura 4: Resíduos da queima do lixo na casa de Xampu Figura 5: Lugar da queima do lixo na casa de Dona Vera. Figura 6 e Figura 7: Plantas, coisas e caminhos Figura 8 e Figura 9: Materiais em seus lugares no terreiro da casa de Dona Vera. Figura 10 e Figura 11: Materiais no terreiro da casa de Xampu e de meu pai, respectivamente. Figura 12: Parte da porção frontal do terreiro de Xampu. Figura 13: Vista da frente da casa de Joael. Figura 14: Vista lateral da casa e do terreiro da casa de Joael. Figura 15: Mangueira e porta de geladeira vistas da cozinha Figura 16: Sedimento restante do forno de cupinzeiro. Figura 17: Planta cultivada em bacia desgastada na casa de Dona Terezinha. Figura 18: Bacia que parece ter servido como canteiro de plantas na Casa de Joael. Figura 19: Abundância de plantas no terreiro de Dona Vera Figura 20: Parte do terreiro de Dona Vera Figura 21: Um dos galinheiros do terreiro de Dona Vera feito também com pedaços de PVC. Figura 22: Recipiente para ração de galinhas no terreiro de Xampu. Figura 23: Ninho de galinha que já foi tambor de transporte de leite. Figura 24: Ninho de galinha que já foi caixa de transporte de supermercado. Figura 25: Ninho de galinha que já foi tambor de transporte de leite. Figura 26: Ninho de galinha que já foi caixa de transporte de supermercado.

Figura 27: Pedaço de pneu usado para reforçar vala de escoamento de água Figura 28: Pedaço de pneu usado como recipiente de alimento para galinhas. Figura 29: Pedaço de pneu usado como recipiente de água para animais. Figura 30: “Comedor” para o gado com espaço para ração e água feito de um combinação de pneu e tambor de plástico. Figura 31: Três formas de madeiras diferentes usadas para alinhar a altura de um alicerce. Figura 32: Recipiente com água para o gado feito de tambor de plástico. Figura 33: Geladeira velha que fica na manga e é usada como recipiente de ração para o gado na época de seca. Figura 34: Antigo tambor de transporte de leite onde se faz a fogueira necessária na marcação do gado. Figura 35: Portão que apresenta adição de vários tipos e formatos de madeiras em seu reforço. Figura 36: cerca do chiqueiro feita de tábuas e caixas madeiras e vários tipos de arame. Figura 37: Chiqueiro feito de alvenaria, telha de amianto, diversos tipos e formas de madeira e embalagens plásticas. Figura 38:Vista lateral do chiqueiro da imagem anterior. Figura 39: “puxadinho” para amarrar cavalos feito de diversos tipos de madeiras, lonas e embalagens plásticas. Figura 40: Galinheiro feito com diversos tipos e formas de madeiras, pedaços de forro de PVC e telha de amianto. Figura 41: Horta cercada com madeira, vários pedaços de tela e arame. A garrafa PET está lá para impedir o contato do fio da cerca elétrica com o cercado da horta. Figura 42: Detalhe de um galinheiro com a presença de dois tipos de arame e uma antiga grelha. Figura 43: Mangueira formada de três pedaços de outras mangueiras. Figura 44: tijolos, telhas e partes de uma caixa de madeira usadas para proteger a raiz das plantas. Figura 45: Vaso de planta que já foi balde. Figura 46: Vaso de planta que já foi tambor de plástico.

Figura 47: Horta de temperos que já foi carrinho de mão. Figura 48: Horta de temperos que já foi bacia feita de partes de pneus. Figura 49: Antigo cesto de lixo transformado em cerco para proteger a raiz da planta. Figura 50: Banco feito de filtro de caminhão e tampa de tambor de plástico. Figura 51: Garrafa PET transformada em estrutura de suporte à cerca elétrica. Figura 52: Peça do amortecedor de caminhão transformada usada como instrumento para arrancar grampos de cerca.

É só minha poesia, antiga poesia Repito, rasgo, colo Poesia sem maestria, mas é a minha poesia Eu não sou mais menina A minha poesia é poesia combativa (Trecho da música Antiga Poesia de Ellen Oléria)

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U

ma casa no pé da colina. Alguns cômodos, umas poucas janelas, porta da frente e dos fundos, umas árvores, uma cerca. Uma casinha porque a gente precisa fazer as necessidades. Uma horta? Talvez. Um fogão na cozinha e um forno do lado de fora pra assar bolo e biscoito. Vamos ver se dá pra fazer um poço, porque

precisa de água. Varre esses trem daí, esse é lugar de passar; junta naquele canto lá. Ó, tem uma mangueira aqui, bom que a gente come e dá pras criação. Encosta essas madeiras ali que depois a gente vê se usa... vai que precisa! Pega esse lixo e queima ali, menos esses vidros que não queimam mesmo, joga lá longe, no buraco. Ah, deixa isso aí que já sei que que eu vou fazer! Ah, deixa isso aí, sei lá o quê que eu vou fazer...

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PREÂMBULO Uma casa no pé da colina, uma casa na baixada e uma casa na beira do córrego Santaninha. Uma casa atualmente abandonada, uma casa recentemente construída e uma casa reocupada. A casa de Joael, que já foi de minha bisavó Dona Etelvina, de Fubá e de Sueli; a casa de Xampu que era pra ser dos filhos de Dona Zilca; a casa de minha tia, Dona Vera, que há muito tempo foi de seu tio, meu tio-avô, Seu Generoso. Três livros de histórias poéticas e caóticas, vividos e lidos a mim pelos seus moradores em voltas no terreiro através das coisas e da paisagem construída ao longo do tempo. Tentarei aqui (re)contar essas histórias, me atentando à materialidade que é parte fundamental de sua narrativa. Pretendo olhar mais detidamente as relações entre objetos, pessoas e lugares e como essas interações são percebidas também na materialidade, através de lugares e coisas criativamente re-produzidas a partir de outros lugares e coisas. Este texto pretende, enfim, ser uma descrição de relações entre vários elementos constituintes de três casas no vale do córrego de Santaninha, em Teófilo Otoni - MG, e dos efeitos produzidos nestas interações. Escolhi esse tema após procurar por um assunto a partir do qual eu pudesse contribuir com as narrativas sobre o lugar onde nasci, Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri em Minas Gerais. Lugar de muitas histórias, dentre as quais muito poucas foram contadas fora de lá. Uma primeira inspiração veio da dissertação de Evelin Nascimento (2011), que a partir do seu olhar atento à vida das e dos quilombolas de Marques me permitiu ver a minha própria vida como objeto de pesquisa. Evelin faz um trabalho de etnoarqueologia, no qual fala da utilização dos espaços cotidianos, a construção das paisagens e sua relação com a formação do contexto arqueológico na Comunidade de Marques, residentes na divisa entre os municípios de Carlos Chagas e Teófilo Otoni antes de serem atingidos pela construção da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Mucuri1. Durante a leitura identifiquei muitas similitudes entre a descrição que Evelin faz da forma de vida dessa comunidade e àquela dos moradores da região de Santaninha, particularmente no que tange à percepção e a lida com os terreiros 1

Sobre as lutas do Quilombo de Marques ver também Lima et al., 2008 e Marques, 2012.

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e com os “materiais inutilizados” que ali se encontram. E estas aproximações são interessantes também dada a proximidade geográfica dos lugares, sendo a porção do córrego Santaninha aqui citada distante aproximadamente 50km do território das e dos Marques. Resolvi, naquele começo de pesquisa, analisar os materiais encontrados nos terreiros, que são tanto o lixo propriamente dito, aquilo que é tido como sujo e que deve ser eliminado, como também outros tipos de objetos que fazem parte da paisagem dos terreiros: pneus, latas, vidros, madeiras... alguns destes já tendo sido utilizados pelos moradores do lugar e outros que estão ali do mesmo jeito que chegaram, novos ou não. Mas, durante o processo, partindo das minhas experiências de campo e refletindo sobre a minha vida naquele lugar, ficou claro para mim que estes elementos não são vistos como separados do lugar em que estão. As coisas são o terreiro, mas não só. E estes terreiros são vividos e explicados tendo em vista uma interação muito particular que tento descrever nesta etnografia. A feitura deste texto foi muito difícil. Foram três anos de pesquisa, e durante este tempo houve muitas mudanças, não só nos objetivos do trabalho, como também nos referenciais teóricos que me constroem enquanto arqueóloga e antropóloga. Devo isso, em grande parte, a minhas experiências em Santaninha, não só durante períodos de campo, mas por todo o tempo que lá passei desde que nasci. Faço o possível para deixar claro nesta etnografia o amadurecimento teórico-metodológico e a (des)construção do meu fazer arqueológico/antropológico que se deram ao longo da pesquisa. Processos estes que foram profundamente influenciados pela a impossibilidade de uma nãoafetação2 pelo “meu campo”. A inexistência da “grande divisão nós e eles”, no meu caso, fez com que fosse mais óbvia a necessidade da busca por teorias que se aproximassem mais de minha experiência sobre o contexto – que fala sobre a minha vida, a da minha família e vizinhos -, que me possibilitassem, realmente, partir do campo, e não o contrário. Não poderia, portanto, fazer este trabalho sem me posicionar em relação à

Uso aqui o conceito de afeto no sentido de Jeanne Favret-Saada (2005), sobre o qual falarei mais detidamente no decorrer do texto. 2

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suposta neutralidade da ciência, que vem sido debatida nas ciências humanas desde Weber (1992) e que foi mais discutida com o apoio de precursores da pós-modernismo em antropologia, como Clifford Geertz (1997) e James Clifford (1998), a partir do aporte da hermenêutica heideggeriana. Estas teorias são muito importantes, pois possibilitam a não-omissão do ponto de vista do nativo das narrativas e a não-invisibilização de suas demandas nem do contexto diacrônico da sociedade em questão, mas ainda estão marcadas pela divisão sujeito/objeto que vem sendo superada em teorias recentes e que não se aplica ao meu caso. Discutirei, então, estes aspectos falando sobre minha experiência de pesquisa e comparando-a a metodologias dentro do paradigma da virada ontológica e relatos de experiências de indígenas sobre o fazer arqueológico e antropológico junto às suas próprias comunidades. Para isso, optei por não fazer capítulos separados, em que primeiro se discute teoria e método e depois se apresenta o caso etnográfico. Esta configuração, para mim, reifica a hierarquia de teoria sobre empiria e separa em duas linhas de pensamento um processo que é conjunto, superposto e interligado. Mas, também, fazer uma monografia como um texto único, como era meu plano desde o começo, não foi uma boa escolha tendo em vista meu processo de escrita. Decidi, por fim, adotar a estratégia de Annemarie Mol, etnógrafa e filósofa holandesa que, em seu livro The Body Multiple (2002), divide cada página ao meio, fazendo com que as discussões diretamente ligadas à etnografia e as discussões em relação às bibliografias de interesse ao tema não fiquem completamente separadas. Resultando em dois textos que podem ser lidos como um, onde o leitor pode transitar de forma fluida, incentivando as correlações entre os vários tópicos abordados. Acreditando nesta proposição, trago, na parte superior do texto que está por vir, minha descrição etnográfica e, na parte inferior, minha experiência enquanto etnógrafa do “meu próprio terreiro”. Apesar da posição relativa dos textos nas páginas, não há recomendação sobre qual deve ser lido primeiro, se lidos em separado. Ambos os textos são apresentados em relação com diversos autores, e trazem, também, um exercício reflexivo e localizado sobre o uso de teorias durante todo o processo de pesquisa.

Eu entendi seu livro, eu entendi sua língua Agora minha língua, minha rima eu faço Eu já me fiz sozinha E eu tenho mais palavras Da boca escorrendo Cê disse que tá junto e eu continuo escrevendo (Trecho da música Antiga Poesia de Ellen Oléria)

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O córrego Santaninha deságua no rio Todos os Santos que corre em direção ao rio Mucuri que deságua

no mar. E neste mesmo rio correram, na direção contrária, pessoas imigrando de diversas regiões do centro e leste europeu e da península arábica com destino à Filadélfia (posteriormente chamada Teófilo Otoni em homenagem ao seu fundador). Filadélfia foi fundada em 1853 como um núcleo pioneiro de apoio ao projeto de construção da rodovia que ligaria a região nordeste de Minas Gerais ao vilarejo de Santa Clara (atual Nanuque), que por sua vez era parte do grande projeto de desenvolvimento regional da Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri. A estrada pretendia ser a mais rápida via de escoamento da produção agropecuária do norte mineiro ao Rio de Janeiro, por terra até Santa Clara, seguindo os cursos do rio Todos os Santos e do Mucuri, depois fluvialmente na parte navegável deste último rio até sua foz, no extremo sul da Bahia e, finalmente, por mar até a capital (Figura 1). O idealizador deste projeto foi o mineiro Theophilo Benedicto Ottoni, que iniciou a colonização do Vale do Mucuri através de diversos incentivos à migração e imigração, buscando, principalmente, trabalhadores para construir aquela que seria a primeira estrada interligando municípios do interior do Brasil. Anúncios foram publicados em jornais brasileiros e estrangeiros, oferecendo lotes na vila Filadélfia em troca do trabalho na Companhia. A estrada começada pela Companhia é hoje a BR-418, conhecida também como "Estrada do Boi", saindo da atual cidade de Teófilo Otoni até o município de Caravelas no extremo sul da Bahia.

Por estar há muito tempo morando longe, sou vista muito mais como alguém de fora do que de dentro, como alguém “estudada”, a filha do Zé que mora na capital. Esta distância ficou muito bem marcada nas minhas visitas e conversas sobre este trabalho, como também o desconhecimento de todos sobre o que é arqueologia e uma grande desconfiança sobre a real utilidade dessa disciplina e desse trabalho. Muito do tempo da minha pesquisa foi gasto tentando explicar como é que eu viveria fazendo isso, o porquê de estudar coisas velhas de gente que já morreu, e o que que isso tinha a ver com aqueles terreiros. Essa era uma dificuldade que eu já tinha antecipado, mas que nem por isso deixou de gerar em mim muito mais dúvidas e preocupações do que certezas sobre a minha prática profissional, e que,

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Figura 1:Bacia do Rio Mucuri e localização das cidades de Mucuri e Rio de Janeiro no mapa do Brasil .

Muitos dos que ali chegavam ao longo dos séculos XIX e XX foram se instalando nas regiões do entorno da cidade em pequenos sítios e vilarejos ao longo da futura estrada e dos córregos da região, e entre estes lugarejos está Santaninha, um pequeno vale a aproximadamente 20 km a nordeste da cidade, seguindo pela BR-418.

além disso, alimentou minhas reflexões sobre o fazer político da antropologia e da arqueologia. Sei que nem todas as explicações por mim fornecidas a elas e eles foram satisfatórias, mas a partir do momento que eu falava que queria mesmo era saber mais sobre a história de suas casas, sobre suas próprias histórias, a academia, a arqueologia, a monografia, eram, ao menos momentaneamente, esquecidas. Estive em Santaninha com a intenção de fazer campo três vezes. Em julho de 2013, fevereiro e julho de 2014. Pretendia passar mais tempo me atendo aos acontecimentos das casas aqui analisadas, mas durante as férias de fim de ano de 2014/2015 puder estar lá apenas por uma semana. Todos os

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Meu avô, seu Nestor Schimidt era neto de imigrantes alemães. Há aproximadamente 60 anos atrás vendeu o pedaço de terra que tinha perto da cidade para comprar uma porção maior em Santaninha, ao lado da família de minha avó, Cota. Com a morte do irmão de minha avó, Generoso, que não tinha filhos, seu sítio foi herdado pela minha família. Inserida nessa rede de relações locais, juntamente à minha família, tive um olhar parcial, objetivo no sentido feminista, que me possibilitou enxergar questões e construir um saber localizado e crítico (Haraway, 1995: 23). Minha posição enquanto mulher constituída também no meio rural me permite uma compreensão, uma perspectiva específica, que traz objetividade à minha fala, já que esta pode ser localizada politicamente e contextualizada, trazendo um contraponto à suposta neutralidade da Ciência1. Depois da morte de meus avós, estas terras foram passadas à minha tia, Dona Vera. No entremeio da casa de mina tia e da de meu pai, vivem outras e outros pequenos produtores e trabalhadores rurais, e entre estas pessoas, Dona Terezinha e Xampu, que serão retratadas nesta pesquisa (Figura 2). A maioria das pessoas com quem conversei não se lembra de tempos em que suas famílias não morassem ali. A exceção é Dona Santa, que veio junto de sua família para Santaninha há 62 anos atrás, vinda da zona rural da cidade de Jequitinhonha.

Quando falo de Ciência, tanto no primeiro texto quanto no segundo, estou me referindo àquela forma de conhecimento construída e construtora do pensamento moderno, detentora da verdade, disciplinada e disciplinante. 1

períodos de campo foram marcados por grandes frustrações. Tive muitas dúvidas sobre se, do ponto de vista metodológico, estava fazendo pelo menos alguma coisa certa. Se todo aquele esforço e preocupação iriam resultar em algum conhecimento ‘academicamente aceitável’, se eu daria conta de transformar toda essa experiência em uma monografia. E estava sempre a espera daquele momento em que o que experienciamos começa a fazer sentido em conjunto com a teoria apreendida. O fato de que o anthropological blues1 fica de fora de muitos textos antropológicos, principalmente dos clássicos,

1

com

os

quais

começamos

a

Em referência ao texto de Roberto da Matta ( 1978).

aprender

sobre

a

pesquisa

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Figura 2: Disposição das casas descritas na pesquisa e suas vizinhas imediatas. Sem escala.

Meu trabalho foi realizado junto a estas pessoas, com seu enfoque analítico nas três casas assinaladas na figura acima. A escolha do escopo da pesquisa aconteceu realmente apenas na segunda etapa de campo, quando resolvi observar também a casa de Joael que estava desocupada. Decidi então por me voltar para as casas que estivessem em diferentes momentos de ocupação para que a pesquisa pudesse abarcar diversos estágios de vida das (e nas) casas. Apesar deste enfoque, conversei e observei as casas de outros moradores e de meu pai e, por isso, estas informações aparecerão também na análise.

antropológica, sempre me incomodou. E na arqueologia sua presença é ainda muito rara2. Prometi a mim mesma, ainda antes de ir a campo, tentar ao máximo descrever todas as experiências, principalmente as ruins, e refletir sobre o processo de feitura do conhecimento em campo. Essa jornada me levou a entender uma expressão muito repetida na antropologia, de que “só se aprende a etnografar em campo”. Mas, talvez, eu a compreenda de forma diferente daquela interpretação mais amplamente difundida. Acho que esta frase deve ser usada para iniciar conversas e não 2 Muitas reflexões im portantes aparecem em textos feitos p or indígenas. Além destes , referencio aqui outros trabalhos feitos por não -indígenas: Nascimento (2012), Pellini (2011)

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Procurava entender a forma característica – mas não de todo inédita no interior mineiro2 – de lidar com seus resíduos, como é feita a escolha entre o que vai para o (ou os diferentes tipos de) lixo e o que possui potencial de transformação. Em Santaninha existem três caminhos que os materiais podem seguir após um primeiro uso: o buraco para coisas “tóxicas”, um monte onde se queima as coisas não tóxicas e o terreiro, onde alguns materiais são deixados e, caso a oportunidade surja, aproveitados. Ao conversar sobre estes lugares, Dona Terezinha, Xampu e Dona Vera me falaram algo muito parecido. Para o buraco (Fig. 3) vai tudo aquilo que esteve associado com remédios e venenos (embalagens, seringas) e vidros quebrados. Já as embalagens plásticas que não podem ser utilizadas novamente, o que é varrido do terreiro (o cisco), os resíduos da lixeira do banheiro – tudo aquilo considerado “sujo” – são agrupados no local onde serão queimados (Fig. 4). Este segundo tratamento do lixo, assim como a varrição do terreiro, é muito similar ao que é descrito por Evelin Nascimento em sua etnografia: “O terreiro é sempre varrido à partir da casa para o quintal, e o lixo e sedimento resultante dessa ação é geralmente descartado no quintal, embaixo de árvores ou em áreas de capoeira se regenerando. Parte desse lixo é queimado em um local, nem sempre específico ou prédeterminado.” (2012: 89)

O trabalho de Evelin Nascimento (2012) descreve uma maneira de lidar com os materiais em muito parecida com a de Santaninha. Tratarei sobre estes paralelos durante a análise. 2

encerrar questionamentos sobre as dificuldades acarretadas pela condição ‘estar pesquisadora’. A incerteza do que ‘acontece’, do que qualifica as relações que estão a movimentar os mundos, é condição e motivo do fazer arqueológico e antropológico, por isso qualquer metodologia nestes campos é (e deve ser) completamente contingente. Não há receita pronta, e, justamente por isso, devemos multiplicar as possibilidades, expondo ao máximo nossas experiências e a constância da diferença que é a arqueologia e a antropologia. Trago aqui uma reflexão sobre estas angústias junto à dor e a delícia do campo, buscando o apoio de textos que me descolonizaram e me localizaram

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Figura 3: O buraco da casa de Dona Vera.

Figura 4: Resíduos da queima do lixo na casa de Xampu

(Haber, 2012; Mignolo, 2008; Haraway,1995) e que me trouxeram de volta para casa (Todd, 2014; Million, 2005; Watts, 2013) Ao decidir fazer pesquisa ‘em casa’, conversando com minha família e nossos vizinhos e analisando sua rotina, pensei que muitos problemas seriam ‘resolvidos’ (as dificuldades de inserção em campo e a vantagem de já possuir um conhecimento prévio sobre o que estava sendo pesquisado), mas sabia também que um outro grande problema teórico seria levantado, já que meu trabalho estaria nos limites da discussão sobre neutralidade na

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Os buracos estão geralmente longe da casa, fora do terreiro, em um local com árvores não-frutíferas, onde as pessoas (principalmente as crianças) não circulam normalmente. E esse é um lugar permanente. Cada casa possui um buraco, que foi cavado nos primeiros tempos de morada e que permanece o mesmo, mesmo com todas as mudanças pelas quais as casas passam. Na casa de Xampu o buraco está atrás da casa, no lado direito, casa de Dona Terezinha está ao lado do monte a ser queimado e na casa de meu pai está no limite do terreiro que começa imediatamente após a cozinha. Na casa de Joael não consegui localizar onde ele teria ficado. Dona Vera me reclamou da localização de seu buraco, que foi cavado por Generoso, o primeiro dono da casa. Não concorda que o barranco atrás da casa seja adequado para isso, pois este é um lugar de plantar bananeira e onde seu neto acaba indo, mesmo sob vigilância atenta. Ainda assim, ela não pensa em mudar. A solução está sendo não limpar um área maior ao redor, deixando com que as plantas dificultem mais ainda a passagem. Com isso, essa área que era terreiro está virando mato, o que resolve outro problema, já que o buraco está quase cheio e logo ela terá que cavar outro ao lado deste. Quanto aos materiais queimados não há nenhum padrão. Na casa de Dona Vera os matérias estão sendo queimados ao lado de um fogão improvisado (Fig.5), usado para fazer coisas que, segundo ela, “não se fazem na cozinha”, como por exemplo esquentar o ferro para marcação do gado e atividades da matança dos porcos. Mas a queima do lixo já foi feita em outros lugares do terreiro. Na casa de Xampu, assim como na de Dona Terezinha, a queima é feita em qualquer parte do limite do terreiro onde se termine de juntar o cisco depois de varrer. Por não haver um lugar fixo os vestígios dessa prática

Ciência3. Minha vida poderia ser vista como uma mistura dos dois processos antropológicos descritos por da Matta (1978), ao mesmo tempo em que transformei/transformo “o exótico em familiar”, fiz/faço/farei o movimento contrário.

Movimentos

que

para

mim



poderiam

ser

separados

analiticamente, e que, baseada na sociologia infinitesimal (Tarde, 2007), penso que não devem ser relacionados a uma divisão Nós x Outros. Acredito na necessidade de um mapeamento das diferenças contextuais e relacionais.

Quando falo de Ciência, tanto no primeiro texto quanto no segundo, estou me referindo àquela forma de conhecimento construída e construtora do pensamento moderno, detentora da verdade, disciplinada e disciplinante. 3

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desaparecem muito rápido, e por isso também não pude localizar algum lugar onde isso tenha sido feito na casa de Joael.

Figura 5: Lugar da queima do lixo na casa de Dona Vera.

Os resíduos orgânicos não são queimados. As cascas e sementes de frutas consumidas durante o dia são jogadas para fora dos limites do terreiro e as cascas de legumes e verduras e restos de comida são jogados para os porcos ou no galinheiro assim que o preparo da comida é terminado. Ao contrário do que é descrito no trabalho de Evelin Nascimento (2012: 89), nada é jogado diretamente no terreiro e a limpeza com as vassouras nem sempre é tão cuidadosa e frequente. A densidade de materiais na superfície do terreiro varia de casa em casa. Quando pequenas, minha prima e eu éramos as

Assim, tento fazer neste texto o exercício de construir uma cartografia antagônica aos modos de Haber (2011a), onde o objetivo é identificar e localizar os antagonismos presentes nas relações construídas durante a pesquisa, não só com as pessoas, mas com tudo aquilo envolto no trabalho: ambiente,

objetos,

documentos,

etc.

A

encruzilhada

entre

estes

antagonismos é o lugar de uma pesquisa decolonial. “Cartografiar los antagonismos sociales es franquear la cisura convocando a los espectros, silencios y negativos en conversación con el mundo y su lado interno. Por el otro lado, la cartografía antagónica describe las relaciones de objetivación y subjetivación que la propia investigación implica, o sea los antagonismos epistémicos. El mundo colonial no sólo es

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responsáveis por varrer o terreiro duas vezes por semana, enquanto estivéssemos lá. As orientações de minha avó eram bem claras: deveríamos varrer só o cisco, tirar do caminho o acúmulo de folhas e a sujeira feita pelas galinhas e outros bichos, e fazer isso removendo a menor quantidade de terra possível. Hoje, meu pai, por morar sozinho e por ter uma quantidade menor de galinhas e cachorros, se preocupa em varrer o terreiro uma vez ao mês. Dona Zilca, esposa de Xampu, varre o terreiro uma vez por semana. Dona Vera varre no máximo a cada quinze dias, devido ao seu problema de coluna. O terreiro é um elemento muito importante para a compreensão do lugar de morada na roça. O terreiro é lugar de passagem, de conversa, de “parar para olhar a vida”; é o nó por onde passam todos os caminhos. Através dele se chega à casa, ao curral, à roça, à estrada. Nele a gente cata feijão, faz churrasco, come manga. É onde se encontra a gente, os cachorros, gatos, galinhas, patos, as flores e as coisas. Todas as casas em Santaninha tem um mesa e cadeiras na porção do terreiro imediatamente ao redor da porta da cozinha e este é o lugar onde mais se fica, e onde recebem as visitas. O terreiro não tem limites nem definições exatas. Cada vez que ele é varrido há uma negociação com o chão, com as coisas e as plantas Falo de coisas assim como Ingold (2012b): uma palavra contra a dualidade opositora Humano X Objeto, que abarca o que tem vida, ou seja: tudo. As nuvens sã coisas, as pessoas são coisas, assim como plantas e pneus. Este autor defende uma teoria do Ambiente Sem Objetos (ASO), que engloba sua crítica ao uso do conceito objeto para a descrição daquilo que não é humano. Para ele objeto é algo, em todas

creado por cisura operada mediante nominación, represión y legislación, sino que el conocimiento del mundo es a su vez codificado en mecanismos ellos mismos hechos en la cisura.” (Haber, 2011a: 20)

É importante admitir a presença de linguagem colonial e hegemônica nas bases da disciplina e se reconhecer enquanto pessoa disciplinada pela academia, mas isso definitivamente não nos exime da possibilidade de transformação e da busca por relações menos assimétricas. Pode-se dizer que o que se dá aqui é um movimento análogo ao do saber localizado de Donna Haraway (1995), com o aporte de teorias decoloniais. É a localização das violências epistêmicas que torna mais fácil o processo de descolonizarse.

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as instâncias, esvaziado de vida, e no lugar deste conceito propõe o uso da palavra coisa. Então, na

verdade, o Ambiente Sem Objetos seria então o Ambiente Com Coisas, o Ambiente Com Vida. Durante entrevista (2012a), Ingold faz uma descrição não-humanocêntrica da constituição dos lugares: “Então, em vez de perguntar: ‘Temos uma divisão entre natural e artificial?’, eu prefiro dizer que nós estamos observando processos através do qual as estruturas que encontramos no mundo crescem. E quais as condições para o crescimento? Qual foi o papel das comunidades locais na criação dessas condições? Então podemos perguntar: ‘Qual tem sido o papel dos pássaros, qual tem sido o papel do clima e tudo o mais que, ao combinarem-se, criaram algo?’ (Ingold, 2012a:13)

Em consonância, vejo que o lugar não é simplesmente ocupado pelas pessoas, domesticado; nem uma natureza que temos que nos adaptar, mas, em conjunto, há o ambiente (que está em um processo inexorável de mudança) e tudo aquilo que age em/sobre/com ele. A localização das plantas e das coisas é, também, definidora dos caminhos. Se o galho da goiabeira velha, que não dá mais frutos, está caído e batendo na cabeça quando se passa, ele não precisa ser cortado para dar lugar às pessoas. O galho pode ser escorado e as pessoas podem passar por outro lugar (Fig. 6). Ou uma muda de planta que não vingou, ganhada dos vizinhos e colocada em um balde quebrado, vira motivo para que um caminho se divida ao seu redor (Fig. 7).

Devo deixar claro então que Santaninha é minha casa, mas não só. Minha família paterna mora ali há muito, mas eu mesma nunca morei lá. Santaninha é minha casa por ser casa de meu pai, por ser o único lugar onde tenho raízes, por ser a constância da minha história, por ser o lugar onde mais fiquei, dentre todos os que passei. Minha história é itinerante. Meus pais nunca se casaram; moraram juntos na cidade Teófilo Otoni até meus seis anos. Depois da separação meu pai voltou para Santaninha, na casa que hoje é dele, mas na época abrigava seus pais, meu avô Nestor e minha avó, Dona Cota. A partir daí minha mãe, irmã e eu nos mudamos bastante, morando em diferentes cidades no Vale do

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igura 6 e Figura 7: Plantas, coisas e caminhos

Para pensar sobre o terreiro acho interessante o texto A storied world de Tim Ingold (2011). Para este autor a vida não acontece em um lugar, mas no percurso de lugar para o outro, no movimento de tornarse. Não dentro, mas através, ao redor e a partir. O mundo é, então, tecido a partir das linhas de processos, do “tornar-se a ser” das coisas. “Proceeding along a path, every inhabitant lays a trail. Where inhabitants meet, trails are entwined, as the life of each becomes bound up with the other. Every entwining is a knot, and the more that lifelines are entwined, the greater the density of the knot.” (2011:148)

Mucuri e sul da Bahia. Durante toda essa movimentação minha calmaria eram as férias e feriados prolongados na roça, rodando pelos pastos, fazendo doce e matando porco4. No primeiro campo, que ocorreu em meados de 2013, consegui conversar sobre a pesquisa, de fato, apenas com Dona Terezinha5. Uma senhora de 87 anos, viúva, que mora sozinha desde que a conheci e divide comigo um amor por leite em pó com açúcar. Desde pequenas minhas primas e eu Falo um pouco mais sobre estes momentos de socialidade na etnografia. O nome real de Dona Terezinha foi omitido a seu pedido. S egundo ela, já que iria participar de uma entrevista, queria fazê -lo anonimamente, como tinha visto na televisão na casa de sua filha. A casa de Dona Terezinha na roça não tem televisão nem energia elétrica. 4 5

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Estas linhas se encontram, se intercruzam, se definem e formam os lugares: casas, terreiros, pomares,

caminhos. Neles, com eles, as coisas estão-a-ser. Algo que entendi já no começo do processo de pesquisa foi que a disposição de tudo o que há nos terreiros é algo sobre o qual não se fala muito. Há uma preocupação grande com a limpeza do chão, com o correto descarte do lixo, com a desobstrução dos lugares de passagem, mas, desde que não impeçam algum destes processos, as coisas podem estar em praticamente qualquer lugar. Desde galhos de árvore, troncos de árvore, encostados contra paredes, em cima de outras coisas, dentro de estruturas que não são mais usadas, e, claro, no chão (Fig. 8, 9, 10 e 11). Mas essa disposição, que pode parecer desorganização para quem olha de fora, não é tida por nós como “bagunça”.

Figura 8 e Figura 9: Materiais em seus lugares no terreiro da casa de Dona Vera.

visitávamos sua casa para lhe fazer companhia, e, principalmente, comer os doces que ela trazia da rua, mas havia um bom tempo que eu não lhe fazia uma visita. Essa conversa foi muito traumática para mim, a ponto de me fazer, momentaneamente, desistir da pesquisa e fazer daquela primeira etapa muito mais um tempo de reflexão e observação do que de conversas e entrevistas. Ao chegar na casa de Dona Terezinha lhe disse que o motivo da minha visita era fazer uma entrevista para um trabalho da faculdade. Ela foi muito solícita e se mostrou animada em participar de uma pesquisa, algo que nunca tinha feito, mas, ao ouvir minha explicação sobre do que se tratava o

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Figura 10 e Figura 11: Materiais no terreiro da casa de Xampu e de meu pai, respectivamente.

Bagunça é um termo carregado de conotações negativas a partir de uma tradição de higienização parte do projeto de modernidade. Mary Douglas em seu texto Pureza e Perigo (1991) nos alerta para os perigos de enxergar as impurezas no “Outro” sem desnaturalizar suas próprias práticas de limpeza. Percebo a disposição das coisas, o trato do lixo, as noções de limpo e sujo entre as pessoas de Santaninha como parte de sua vida. Sendo uma dessas pessoas, e levando a sério a indisciplina decolonizante de Haber (2011a), tento não compartimentalizar e reorganizar estas práticas em comparação com um

trabalho, foi se mostrando cada vez mais incomodada. Falei sobre os objetivos da pesquisa, que, na época, pretendia analisar os processos de reutilização e descarte de materiais. Tentei ser o menos científica possível e usei um discurso já ensaiado sobre o quão interessante era, para mim, as coisas novas que se inventava a partir do que se encontrava no terreiro e que na cidade seria considerado lixo. Preocupei-me com a linguagem utilizada, mas não me ocorreu pensar sobre o peso que o tema poderia ter. Afinal, apesar da minha ligação com o lugar e as pessoas, eu sou ‘a filha estudada do Zé, que mora na capital’. Eu trago comigo, também, a tradição de higienização e ordem da cidade grande, e, ao falar sem cuidado de um dos

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entendimento outro, e, sim, escrever e fazer arqueologia e antropologia a partir delas. Concordo com González-Ruibal quando ele diz: “What we truly have is a mess of times and things, memories and peoples, and archaeology must make the most of it, delving into temporal multiplicities, instead of imposing radical and untenable divides, freezing Others in time, and erasing what does not easily fit within our linear schemes.” (2006: 115)

Não se pensa as coisas em separado do terreiro, e, foi por isso que aumentei meu escopo de pesquisa. Falar sobre “descarte” e “reutilização de materiais”, apenas, usando da compartimentalização Científica, trouxe desconforto imediato em todas as conversas no âmbito da pesquisa, e com isso noções outras de limpeza e organização apareciam. E, a partir delas, efusivas desculpas sobre como as coisas se encontravam, promessas de que uma arrumação já estava programada e indagações sobre o porquê, afinal, da minha vontade de fotografar o que estaria, a partir das práticas impostas pelo projeto de cidade, desorganizado. A tomada de um novo (velho) entendimento das coisas, que começou com minha conversa com Xampu, trouxe uma nova (novíssima) pesquisa na qual foram se encaixando várias reflexões: desde aquelas que partem justamente do reconhecimento da artificialidade das premissas do projeto de modernidade falado acima (Latour, 1994), passando por críticas decoloniais e feministas ao conhecimento produzido dentro deste projeto (Mignolo, 2008; Haber, 2011a; Haraway,1995) e também inspirações de outras arqueologia

grandes contrastes entre a rua e a roça, me coloquei na posição daquela que estranha o ambiente da roça, portanto, de alguém que não é realmente de lá. “Rua” é como se designa a cidade. Comecei a pensar mais sobre a importância da relação entre roça e rua apenas durante estes últimos meses de pesquisa, quando não pude mais ir à Santaninha, e por isso não faço aqui uma análise muito detida sobre isso. Não acredito que caibam aqui definições a partir de ausências da roça em comparação à rua e vice versa. Mas, através de minha vida lá e de como também incorporo esta diferença em alguma medida, vejo esta relação não como um dualismo oposto e mutuamente excludente, e sim como modos de existências em diferença.

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e antropologias que partem do “local” (Todd, 2014; Million, 2005; Watts, 2013). Passei então a olhar o terreiro como um todo, enquanto lugar onde coisas (casas, plantas, caminhos, pessoas e outras coisas) se constroem mutuamente. Xampu é um senhor de 53 anos, nascido e criado na roça e viveu como caseiro de uma grande

propriedade em uma região vizinha até o ano de 2008, quando foi morar junto com Dona Zilca. Ele não é produtor rural, trabalha prestando serviços de construção e reparo para os outros morados da região.

Figura 12: Parte da porção frontal do terreiro de Xampu.

Dona Terezinha e eu percorremos o terreiro em conversa, e, à medida que caminhávamos, eu perguntava sobre as coisas que ali estavam, tentando entender o porquê daquela disposição, o porquê daqueles materiais em específico não terem sido jogados fora e se ela tinha pretensão de reutilizar qualquer uma daquelas coisas. Minhas perguntas provavelmente fizeram-na mais consciente da nossa distância e então Dona Terezinha começou a se desculpar por uma “desorganização” em sua casa, me falando mais de uma vez que ela precisava arrumar melhor as coisas, mas que já era velha e por isso não tinha a mesma disposição de antes para manter tudo no lugar. Depois de ouvir “repara nesses trem não” algumas vezes mais do que o normal em minhas visitas a casas mineiras, o que eu “reparei” mesmo foi

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Na primeira vez que conversei com Xampu sobre a pesquisa, num almoço na casa de meu pai, disse que queria conversar com ele sobre sua terra e como ele lidava com as coisas por lá, com o lixo, com o

que era transformado e re-produzido, mas ele só começou a se interessar mesmo quando a conversa passou a ser sobre a história da casa, que ele já fez questão de me contar, ali mesmo, sem cerimônias e com muito orgulho: “A casa não é muito velha, não. Quando Dona Zilca ficou doente eles construíram dois cômodos lá pros filhos dela. Daí [depois que ela melhorou] eu mudei e devagarinho construí mais dois cômodos lá. Eu mesmo que fiz quando mudei pra lá.” E a partir da descrição que foi fazendo, contando sobre cada cômodo, ele construiu uma breve história daquele lugar. Seu terreiro é o que tem menos coisas. As árvores estão próximas à cerca que delimita sua terra e quase toda a expansão do terreira na frente da casa é apenas terra batida, à exceção do símbolo de casa, seu velho carro que não funciona mais. Segundo ele o carro não tem conserto mais, mas não tem problema, porque “não atrapalha nada” e fica fácil para todo mundo achar a sua casa. Sentadas na mesa do lado de fora da cozinha tomando um café Dona Zilca me diz que gosta do terreiro do jeito que está, sem muitas plantas, porque assim há menos trabalho para manter tudo limpo. E, olhando para as ferramentas encostadas na parede, ela diz que não vai demorar para que o terreiro fique cheio de coisas. A feitura dos terreiros, assim como a das casas, é um processo demorado e que não segue muitos padrões. Cada adição ou mudança na casa é planejada ao longo dos anos e da vivência, de acordo com as necessidades que vão surgindo. As diferentes etapas de vida da casa não precisam ser camufladas,

que nossa conversa não estava indo nada bem e resolvi deixar a pesquisa de lado. Tentei ao máximo focar a conversa nas plantas, nos bibelôs e enfeites, em tudo o que ela se mostrava orgulhosa de ter em sua casa. Mal sabia que esse deveria ter sido o tema do encontro desde o começo. Saí completamente arrasada da casa de Dona Terezinha. Todo o meu planejamento anterior à entrevista, as palavras ensaiadas, o não uso de gravador ou caderno de campo durante a visita; tudo pretendia proporcionar uma conversa mais espontânea. E ao não refletir sobre a minha posição, que a partir daquele momento era também a de moradora da cidade, pesquisadora e, por isso, em alguma medida, representante de sistemas

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as diferentes superfícies, cores e acabamentos estão lá, à mostra. Esse é o jeito das construções e das pessoas de contar sua própria história, deixar à vista suas mudanças ao longo do tempo. E as mudanças;

cada planta, cada horta, cada cômodo – adicionado ou desmanchado –, estão sempre presentes guiando na paisagem o discurso das pessoas sobre sua história. Isso pode ser percebido na casa de Joael. Ele não foi o primeiro nem o último morador desta casa, mas foi quem permaneceu por mais tempo e por isso sua vida nunca foi dissociada de lá. A casa foi construída quando meu avô comprou as terras para que ali morassem sua mãe, Etelvina e sua irmã Irma.

Figura 13: Vista da frente da casa de Joael.

hegemônicos e opressivos, acabei contribuindo para a reificação de uma relação assimétrica. Cada uma das três etapas de campo continha, invariavelmente, aqueles momentos em que achava que não deveria estar ali e que não havia como fazer esta pesquisa sem transformar a minha relação com as pessoas de lá em algo distante e desconfortável. Infelizmente Dona Terezinha faleceu antes do meu retorno à Santaninha para o segundo campo e, por isso, sua casa não aparece nas análises tanto quanto eu gostaria. Pensei em voltar à sua casa e tentar pensar sobre ela segundo os novos rumos da pesquisa, mas devido ao modo como saí,

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Após a morte das duas Joael, que trabalhava como vaqueiro para meu avô, se mudou para a casa com sua mulher Zaíra e sua filha Dora. Durante os trinta anos que moraram ali nasceram mais dois filhos,

Alemão e Fubá, e uma neta, Lorena, filha de Fubá. Após a mudança de Zaíra e Joael seu filho Fubá continuou morando na casa com sua mulher, Nega, e filha. Fubá trabalhava como ajudante de outro produtor rural da região e, no ano de 2009, se mudou para mais perto de seu trabalho. A casa ficou vazia por dois anos até que, em 2011 e 2012, quando Sueli veio para Santaninha ser ajudante de meu pai. Sueli era solteiro, passava os dias e as noites na casa de meu pai do outro lado do córrego, trabalhando, cozinhando, conversando, assistindo televisão e bebendo. Ele ia em casa apenas para dormir, e seus terreiro não tinha galinhas ou cachorros, apenas um leitão que vivia no antes era o banheiro, localizado do lado de fora da casa (indicado pela seta azul na Fig. 14). A gradual diminuição na movimentação de pessoas ao longo dos últimos anos tornou esse terreiro muito interessante para mim no âmbito da pesquisa. Lá eu pretendia entender um pouco da vida das coisas a partir delas mesma, com uma menor influência das narrativas humanas. Ao chegar a casa depois de muito tempo sem visita-la a primeira impressão foi a da rapidez da transformação e da fluidez do processo identificado por Evelin Nascimento em seu texto com relação a outras casas feitas de adobe, o de voltar a ser terra (2012:17). Confesso que seguir ideia inicial foi muito mais difícil que imaginava. Além de todas as coisas que encontrei, me deparei com os limites de meu olhar enquanto pesquisadora e com um dos grandes desafios da arqueologia em geral: até que ponto que, enquanto pessoas, conseguimos seguir os objetos sem o aporte da narrativa de outras pessoas¿

confusa, da nossa última conversa, e também pelo meu sentimento de que a decepcionei, resolvi não retornar. Escolhi por não gravar nenhum dos momentos de visita e conversa. Essa decisão foi, muitas vezes, questionada por mim mesma, principalmente durante a escrita do texto, que foi prejudicada pela minha memória falha de muitas das exatas palavras ouvidas durante a pesquisa. Mas, ao mesmo tempo, me lembrava bem do desconforto que via em todos nos momentos em que nossas conversas ficavam mais claramente definidas como parte de uma pesquisa, quando eu resolvia fazer algum questionamento mais direto ou parava para anotar algo. Durante estes momentos em que a conversa

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Figura 14: Vista lateral da casa e do terreiro da casa de Joael.

Comecei traçando as diferenças entre o terreiro e a casa que visitei muito enquanto criança, na época em que Joael ainda morava ali. A seta amarela da Figura 14 indica a acumulação da terra que sobrou do forno de cupinzeiro que ficava apoiado na parede indicada pela seta vermelha e também na Figura 16. A seta roxa indica o pé de acerola, que tinha sua base cercada por grama que nunca crescia mais do que o diâmetro da copa e era onde sentávamos para catar feijão. A grama ocupou uma grande parte da superfície do terreiro, as plantas medicinais não estão mais à beira da cerca e o pé de manga continua imponente e fornecendo sombra à pequena cozinha.

desandava, eu ficava sem saber o que fazer, nervosa comigo mesma por assumir uma posição de ‘pesquisadora em campo’, da qual eu queria fugir o máximo possível, por medo de criar e/ou reforçar assimetrias. Assim, censurando todas as minhas palavras e ações, transformei prosas em entrevistas; parentes, amigos, vizinhos em ‘sujeitos pesquisados’. Ao refletir sobre tudo o que deu errado nesse primeiro ano de pesquisa, pautada nas relações durante e pós-campo, com e entre as coisas, os lugares, as pessoas, o texto e junto às autores e aos autores que li nestes últimos dois anos, uma transformação era necessária. Não apenas uma mudança metodológica, mas um giro decolonial, local, relacional, político. Como diz Mignolo, “a opção decolonial significa, entre outras coisas, aprender a desaprender” (2008:

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Figura 15: Mangueira e porta de geladeira vistas da cozinha

Figura 16: Sedimento restante do forno de cupinzeiro.

A porta da geladeira e as bacias já há muito desgastadas e provavelmente usadas para emoldurar plantas contam a história de pessoas que cozinhavam ali e de um terreiro com plantas cultivadas aos modo dos jardins de Dona Vera, Dona Terezinha, Dona Santa e meu pai (Fig. 15, 17 e 18). Também vi ali várias coisas que provavelmente não estariam no terreiro se a casa possuísse moradores, como roupas e embalagens que habitualmente são queimadas e outras que seriam jogadas no buraco de coisas tóxicas, além de coisas transformadas e reaproveitadas que foram deixadas ali intencionalmente, já que nenhuma das desocupações da casa aconteceram às pressas.

290). E esta é a história de como (des)aprendi arqueologia e antropologia seguindo uma metodología indisciplinada. “Metodología disciplinada es seguir la secuencia protocolizada de acciones para alcanzar un conocimiento, trazar el camino que se ha de seguir. Nometodología es seguir todas aquellas posibilidades que el camino olvida, que el protocolo obstruye, que el método reprime. Es conocimiento en mudanza.” (Haber, 2011a: 29)

O objetivo principal desta pesquisa sempre foi o de conhecer a compreensão das moradoras e dos moradores sobre os materiais presentes nos terreiros e sua disposição, mas ao longo do tempo de pesquisa este objetivo deixou de

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Figura 17: Planta cultivada em bacia desgastada na casa de Dona Terezinha.

Figura 18: Bacia que parece ter servido como canteiro de plantas na Casa de Joael.

Para pensar isso concordo com a metodologia de Haber de que as casas (e no meu caso também os terreiros) são como sedimento e como monumento. A casa como sedimento contém camada sobre camada de toda a vida cotidiana de quem ali viveu. A casa como monumento é o lugar que abarca nascer, criar, crescer, trabalhar e morrer. A análise sugerida pelo autor no livro integra ativamente a rede de relações humanas no curso de todas as redes que sustentam o surgimento e manutenção da casa. (Haber: 2011b: 52)

ser guiado por teorias etnoarqueológicas para ser orientado por teorias decoloniais e da chamada virada ontológica. De início, resolvi pesquisar apenas os materiais, que são tanto o lixo propriamente dito, aquilo que é tido como sujo que deve ser eliminado, como também outros tipos de materiais que fazem parte da paisagem dos terreiros: pneus, latas, vidros, madeiras... alguns destes já utilizados pelos moradores do lugar e outros que estão ali do mesmo jeito que chegaram, novos ou não. A pesquisa visava observar os usos, reusos e deposição de materiais da lida cotidiana, intentando compreender as etapas de utilização dos materiais descritas por Schiffer (1972) com a metodologia da observação

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A linha de sentido que atravessa o livro de Alejandro Haber e que vejo acontecer em Santaninha é de

que "as relações são feitas" e residem, na casa e no terreiro, lugar do qual não podem ser separadas, ou removidas, ou abstraídas em ideias intelectualizadas que supostamente dialogam somente no domínio do discurso. Ali as relações se fazem, se relacionam e não se representam: “La familia y la casa están incluidas en una red relacional común en la cual devienen, junto a la chacra, las semillas, las acequias, los animales, los dioses. Y es esa red relacional o, mejor dicho, las relaciones que sostienen las relaciones, la teoría que ordena la vida campesina.” (Haber: 2011b: 14).

Na casa de Dona Vera, há aproximadamente 1,5km de distância da casa de Joael e 800m de distância de casa de Xampu, o foco da conversa foram as plantas. Ela me falou das flores de seu jardim, das bananeiras que já tem cachos “de vez” (em amadurecimento), e também dos frondosos pés de manga e do bambuzal plantados pelo seu tio quando a casa ainda o pertencia, quase vinte anos atrás. Caminhando pelo terreiro ela guia a mim e a seu netinho, Josué, 3 anos, para que não pisemos nas ervas e nas mudas recém plantadas. E nesse caminhar vai me contando de qual vizinho, amigo ou parente trouxe cada planta e a isso segue as histórias da reocupação do lugar, que se deu aos pouquinhos, desde que a herdou. Quem começou a construir a casa foi seu tio Generoso, irmão de sua mãe. A casa ficou abandonada até que seu pai morreu e esta lhe foi passada em herança há cerca de seis anos.

participante, fazendo então uma etnoarqueologia, aos modos de Binford (1978), Politis (2000) e Fabíola Silva (2009). Já na primeira etapa de campo percebi que não havia sentido em explicar estes materiais como desconexos do lugar em que estão, e, portanto, das pessoas que são dali, mas o processo de reflexão e maturação de críticas a uma metodologia da qual ainda não era muito íntima, foi demorado. Escrevo este texto também para falar de outras coisas que ficaram inacabadas na pesquisa. A mudança de eixo do trabalho, gradual, mas que tomou forma nos últimos meses, me deixou mais feliz quanto aquilo que o texto poderia se tornar, mas também acarretou muitos percalços. A realização de que o

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Figura 19: Abundância de plantas no terreiro de Dona Vera

Quando conversamos sobre as construções e o terreiro fica claro para mim que a história daquela casa está - orgulhosamente, intencionalmente - materializada ali. A casa com paredes desgastadas, telhas novas e varanda inacabada, o chiqueiro, cuja cerca é recriada e reforçada constantemente com o que há a disposição, as plantes que criam caminhos serpenteantes, as garrafas dos últimos churrascos de família, os tambores que trazem soro de leite para alimentar os porcos, e mais.

terreiro deveria ser pensado não só junto ao exterior da casa, mas também às seus cômodos, veio tardiamente A análise não abarca tudo o que eu pretendia pois não me atentei a muitas coisas durante os períodos de campo, as fotos que tirei não necessariamente demonstram tudo aquilo que tentei descrever. Se não pela minha vida lá e pela grande vontade de discutir tudo aquilo que essa jornada me suscitou, teria desistido certamente. Ao tentar compreender a lógica do arranjo das coisas de forma arqueológica, percebi que não poderia explicar este contexto em termos de ações unilaterais de origem humana. As coisas não estão no terreiro, mas o são; e não só. O que está em questão é um entendimento diferente do que é útil, do

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Figura 20: Parte do terreiro de Dona Vera

Muito do que está presente no terreiro de Dona Vera demonstra que a atividade principal da família é a criação de porcos. Na Figura 20 estão visíveis os dois grandes chiqueiros que atrás da casa (seta azul), os vários recipientes onde são armazenados o soro e o resto de comida coletado em restaurantes da cidade (seta amarela) e os sacos de ração que são incorporados às estruturas de várias formas, além de poderem se tornar embalagens para transporte de outros tipos de coisas (seta vermelha). Ela vende e troca porcos e leitões com outros criadores da região, além de comercializar com açougues da cidade.

que é limpo, do que “presta” ou não; um pensamento muito diferente sobre a vida das coisas. Estas são vividas e entendidas em interações muito particulares que tento descrever no meu exercício etnográfico. Ficou claro para mim que para pensar estas relações no âmbito científico precisaria de teorias que buscassem compreender a natureza complexa das interações entre os vários elementos de um lugar: espaço, edificações, coisas “humanas” e “não-humanas” e suas temporalidades. Buscando teorias que observam estas conexões, emprego os preceitos de Latour (1994, 2005) e Ingold (2011, 2012a, 2012b), que enxergam a vida como um processo relacional de perpétua transformação de todos os

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E quando ela (ou qualquer outro morador da região) faz o abate em sua casa, é um acontecimento.

Crianças e adolescentes estarão lá para assistir, seus filhos, vizinhos e amigos ajudarão a matar, descarnar, limpar a barrigada e fazer linguiça. A troca destes serviços, de mudas de plantas, biscoitos, doces e outros quitutes são parte importante da socialidade3 de Santaninha. A circulação de pessoas entre as casas é constante, e não se constituem apenas de visitas. Quem mais se movimenta são as crianças e adolescentes, juntando os amigos para brincar, indo ao vizinho para dar um recado, buscar leite, levar mandioca. Mas, de um modo geral, com estradas sinuosas que fazem muitas curvas ao redor dos morros e das mangas 4, muitas vezes a forma mais rápida de chegar de um lugar a outro é passar por dentro das terras dos vizinhos. Nestas passagens há a chance para um café, uma conversa, de pegar emprestada aquela ferramenta que se precisa, pedir ajuda para a realização de uma empreitada (cortar a cana para fazer ração, ajudar a fazer farinha, contar o gado, matar porco) de levar para casa o biscoito quentinho do forno ou aquele pedaço de madeira que servirá direitinho para consertar a cerca. Um dos primeiros temas dessa pesquisa, as coisas transformadas, re-produzidas, re-construídas, estão em abundância nas casas de Santaninha. Alguns exemplos estão reunidos no caderno de imagens que se segue à este texto. Um outro exemplo são os pedaços de PVC que sobraram da construção do forro

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Conceito empregado a partir de Strathern, descrito por ela como “criação e manutenção de relações” (2006: 40). Termo local para “pasto”.

elementos envolvidos. O social para Latour, assim como para Tarde (2007), é associação, não uma entidade autoexplicativa com limites definidos. Sua metodologia é baseada na explicitação das interações e dos processos que são efeitos destas. Para Ingold (2011) as relações são perceptíveis no ambiente, que não é algo vazio de significados como a definição clássica de espaço em oposição à de lugar. A divisão espaço/lugar, para ele, se dá pela lógica de inversão moderna, que precisa delimitar propriedades em oposição a tudo aquilo que estaria vazio e passível de ser ocupado e dominado. O(s) mundo(s) seria(m) então, um conjunto de lugares sucessivos, toda a Terra é arena para

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da casa da filha de Dona Vera, que fazem parte de diversas construções no seu terreiro. Ao perguntá-la sobre, ela me diz: “olha esse aqui, é do mesmo tamaninho do buraco das ripa. Ele já veio pra ficar nesse lugar” (Fig 21). Durante conversas com Xampu, as explicações são similares: “Ah minha filha, então, as coisa se junta aí no terreiro, né... Isso tá por todo canto na roça, bagunça sobre bagunça, as coisas se acumulam (...) Vai aparecendo um trem, vai aparecendo outro e eles ficam aí, porque uma hora tem o porquê. Ás vezes eu quero tirar as coisa, mas vai que precisa (...) A gente vê o que tem de fazer e as coisa certa pra fazer o trem tão aí. Eu precisava de um negócio pra botar a ração pras galinha, pra não ficar tudo espalhado e sujando o terreiro, aí eu olhei praquele cano, ele olhou pra mim e saiu esse trem aí” (Fig 22) A produção de novas coisas a partir dos diversos tipos de outras coisas à disposição não é tratada de forma apenas economicista, com utilização de uma reserva em um lugar distante dos centros de comércio, e, por isso, de “recursos escassos”. As coisas que são no terreiro não são tratadas como objetos descartados, como descrevem Schiffer (1972) e Binford (2007), mas a partir de suas potenciais habilidades de associação com outras coisas, com o terreiro, com o que pessoas precisam. E nem toda a presença de coisas nos terreiros é descrita por uma possível utilidade. A transformação ou o reprodução são possibilidades, não os motivos da existência das coisas ali. Seu lugar no terreiro não é visto como permanente ou passageiro, e os moradores não se demonstram incomodados com uma suposta “bagunça” visual, porque as coisas, para eles, não estão desconexas do terreiro. Estas coisas

relações, linhas que nem sempre são de fluxos humanos, e seguindo-as vemos os nós, onde linhas se empilham, se acumulam, se atravessam. Essa mudança metodológica e epistemológica se deu também a partir de reflexões sobre autores que, mesmo pensando em diferentes perspectivas, trazem discussões e ferramentas metodológicas que nos ajudam a comentar contextos de forma relacional e local, sem a suposta pré-imposição das rupturas características do pensamento científico. De acordo com a proposta de Spivak (2010), pretendo que esta pesquisa seja uma contribuição para os questionamentos à hegemonia das linguagens teórico-metodológicas que afastam as pessoas subalternas dos lugares de fala. Considerando a

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(transformadas/reaproveitadas ou não), as plantas (cultivadas intencionalmente ou não), os paióis, os galinheiros, as galinhas, os desníveis de terra, todos são linhas no nó do terreiro. E todos constroem terreiro e casa e gentes, e contam suas histórias.

Figura 21: Um dos galinheiros do terreiro de Dona Vera

Figura 22: Recipiente para ração de galinhas no terreiro de

feito também com pedaços de PVC.

Xampu.

necessidade

de entender conhecimentos locais em contraposição às

representações coloniais do pensamento ocidental, reconhecendo como algumas das teorias base do pensamento social e da arqueologia realocam e distanciam as relações entre e com as coisas, me inspiro nos textos de Million (2005), Strathern, (2014), Latour (1994) e Haber (2011) em relação à proposição de que as investigações devem ser conduzidas com um contínuo questionamento da linguagem científica e das epistemes que conformam os marcos teórico-científicos que vem estruturando as práticas arqueológicas. Estas autoras e autores observam que não podemos continuar a usar os métodos tradicionais da arqueologia para tentar entender modos de vida que

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Ficou claro para mim, não só durante a pesquisa, que em Santaninha os lugares não surgem apenas das ideias da pessoas, mas sim de interações: os diferentes elementos do lugar se mostram, dão opinião, modificam, impedem, criam e/ou materializam as construções humanas. Falando também sobre lugares que são articulações (no caso as casas rurais de Catamarca, norte da Argentina), Alejandro Haber defende a hipótese de que "as relações são feitas" e residem. A casa, no caso descrito por ele, é o lugar do qual essas relações não podem ser separadas, removidas ou abstraídas em ideias intelectualizadas que estão apenas no domínio do discurso. As relações são

matérias. Na casa as relações se fazem e se relacionam; não se representam (Haber: 2011b: 17). Além, ainda, destes preceitos, estou de acordo com a indisciplina incentivada por Haber (2011a), em que as investigações devem ser conduzidas com um contínuo questionamento da linguagem científica e das epistemes que conformam os marcos teóricos de disciplinas científicas que vem estruturando as práticas arqueológicas. Em consonância com o que vivi, escutei e aprendi e, também, com estes autores, percebo que os lugares não são simplesmente ocupados pelas pessoas, domesticados; nem que exista uma natureza à qual temos que nos adaptar, mas, em conjunto, há um ambiente agente (que está em constante processo de mudança) e tudo aquilo que age em/sobre/com ele. Penso que o terreiro, a casa e as coisas que ali são/estão constituem a vida das pessoas de Santaninha, a materialidade das relações de constituição mútua entre os vários elementos do lugar de morada.

não se encaixam nas noções ocidentais. Amparada por teorias locais e localizadas, decoloniais, feministas e críticas à Ciência, faço aqui uma arqueologia sintonizada com o pensamento local, tentando me aproximar ao que a arqueóloga indígena Tara Million (2005) exemplifica: “Aboriginal

values

also

emphasize

conservation

of

resources

and

collaborative action; therefore Aboriginal archaeology often minimizes excavation and maximizes community-based research. (...) Aboriginal archaeology begins with the presumption that holism is the most logical and productive means of exploring the world. Therefore, this archaeology emphasizes connections rather than separations.” (Million, 2005: 52)

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CADERNO DE IMAGENS

Figura 23: Ninho de galinha que já foi tambor de transporte de leite.

Figura 25: Ninho de galinha que já foi tambor de transporte de leite.

Figura 24: Ninho de galinha que já foi caixa de transporte de supermercado.

Figura 26: Ninho de galinha que já foi caixa de transporte de supermercado.

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Figura 27: Pedaço de pneu usado para reforçar vala de escoamento de água.

Figura 28: Pedaço de pneu usado como recipiente de alimento para galinhas.

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Figura 29: Pedaço de pneu usado como recipiente de água para animais.

Figura 31: Três formas de madeiras diferentes usadas para alinhar a altura de um alicerce.

Figura 30: “Comedor” para o gado com espaço para ração e água feito de um combinação de pneu e tambor de plástico.

Figura 32: Recipiente com água para o gado feito de tambor de plástico.

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Figura 33: Geladeira velha que fica na manga e é usada como recipiente de ração para o gado na época de seca.

Figura 34: Antigo tambor de transporte de leite onde se faz a fogueira necessária na marcação do gado.

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Figura 35: Portão que apresenta adição de vários tipos e formatos de madeiras em seu reforço.

Figura 36: cerca do chiqueiro feita de tábuas e caixas madeiras e vários tipos de arame.

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Figura 37: Chiqueiro feito de alvenaria, telha de amianto, diversos tipos e formas de madeira e embalagens plásticas.

Figura 38:Vista lateral do chiqueiro da imagem anterior.

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Figura 39: “puxadinho” para amarrar cavalos feito de diversos tipos de madeiras, lonas e embalagens plásticas.

Figura 40: Galinheiro feito com diversos tipos e formas de madeiras, pedaços de forro de PVC e telha de amianto.

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Figura 41: Horta cercada com madeira, vários pedaços de tela e arame. A garrafa PET está lá para impedir o contato do fio da cerca elétrica com o cercado da horta.

Figura 42: Detalhe de um galinheiro com a presença de dois tipos de arame e uma antiga grelha.

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Figura 43: Mangueira formada de três pedaços de outras mangueiras.

Figura 44: tijolos, telhas e partes de uma caixa de madeira usadas para proteger a raiz das plantas.

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Figura 45: Vaso de planta que já foi balde.

Figura 47: Horta de temperos que já foi carrinho de mão.

Figura 46: Vaso de planta que já foi tambor de plástico.

Figura 48: Horta de temperos que já foi bacia feita de partes de pneus.

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Figura 49: Antigo cesto de lixo transformado em cerco para proteger a raiz da planta.

Figura 51: Garrafa PET transformada em estrutura de suporte à cerca elétrica.

Figura 50: Banco feito de filtro de caminhão e tampa de tambor de plástico.

Figura 52: Peça do amortecedor de caminhão transformada usada como instrumento para arrancar grampos de cerca.

A planta é feminina, a luta é feminina La mar, la sangre y mi América Latina O meu desejo é que o seu desejo não me defina A minha história é outra Tô rebobinando a fita (Trecho da música Antiga Poesia de Ellen Oléria)

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MANIFESTO

Tento, no texto de minha monografia, trazer uma visão sobre as coisas em vida e em movimento em terreiros (também vivos, também coisas) localizados na zona rural de Teófilo Otoni – MG, mais especificamente em um vale de um córrego chamado Santaninha. Estes terreiros são nós das linhas de relações que constituem tudo o que está ali, estruturas, plantas, galinhas, baldes, cercas, gente, gado, comida, casa... Estas relações foram descritas a partir de minha visão de mulher constituída ali e através de conversas com meus familiares, vizinhos e amigos, fazendo uma etnografia de volta para casa, que mudou, e me mudou, saindo de um projeto mais “clássico” de arqueologia para ser influenciada por meu mergulho em teorias ontologicamente orientadas e decoloniais. Mas a mudança não advém só da teoria, vem da minha caminhada. Do maravilhoso estranhamento da vida que é o processo de se tornar antropóloga, da necessidade da luta feminista, da marginalidade que (r)existe, de ser roçaliana1 onde quer que eu esteja. Enfatizo aqui, juntamente com as indígenas Tara Million (2005), Zoe Todd (2014) e Vanessa Watts (2013)2, a importância de um movimento contrahegemônico na produção do conhecimento e a necessidade de que se leve a sério o que é dito pelos suas e seus ancestrais, sem o imperativo de que tais relatos sejam respaldados por teorias construídas por autores nos padrões disciplinários. Deve-se ter consciência de que o trabalho antropológico e arqueológico não pode ser só um texto onde se fragmenta modos de vida, sendo estes então remontados para a melhor compreensão de quem não passou por aquele processo de afetação. Este processo é gerado por - e reifica a - pasteurização dos saberes outros que não os moldados pelo projeto da modernidade. E as consequências de ignorar este processo são produtoras de realidades cruéis para aquelas e aqueles que estão e são margens. Termo usado pejorativamente pela cidade para designar aquelas e aqueles que vem da roça, em um esforço de oposição/exclusão de práticas que não condizem com seu projeto. 2 Tara Million é indígena Stoney e Cree, Vanessa Watts é Mohawk e Anishnaabe e Zoe Todd é Métis. Estes povos são parte das Primeira Nações (First Nations), e habitam uma grande região no entorno dos Grandes Lagos nos Estado Unidos e Canadá. 1

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Em um mundo onde terra, plantas, ferramentas, madeira, estradas, clima, mulheres, crianças, homens, estruturas novas e antigas performam-se e são tidas como de importância simétrica na sua construção; onde as dicotomias construtoras da modernidade não estão tão presentes; procurei construir um conhecimento sobre como as interações podem ser percebidas, entendendo que as reflexões geradas nesse processo podem ser relevantes para a continuidade da construção de saberes contra-hegemônicos na arqueologia. Fazer pesquisa em casa foi extremamente positivo para a minha formação. Fui confrontada pelo processo disciplinário, apaziguador e de enquadramento da academia desde o primeiro momento de curso, somado às outras forças que nos enquadram aos moldes do projeto de modernidade que vivemos como se fosse o real, o certo, o invencível. Poder, aqui, me voltar para casa e, de dentro da academia, implodir tais ideações sobre mim e sobre as minhas e os meus, em um trabalho que ainda é científico3, me dá esperança de poder fazer minha parte para transformar os modelos cansados e quadrados de arqueologia e antropologia.

3

Considero este trabalho como ciência, mas um outro tipo de ciência; um passo na caminhada que quero trilhar, orientada pela ciência sucessora citada por Haraway (1995), que busca uma explicação do mundo mais adequada a partir de uma objetividade feminista, crítica e reflexiva de práticas de dominação.

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